Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
de
São Paulo – Campus São Paulo
Relações Étnico Raciais na Educação:
A influência do livro didático no processo
Da evasão escolar
LUCIANO VARGAS BRAGA
São Paulo
Abril - 2010
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
de
São Paulo – Campus São Paulo
Relações Étnico Raciais na Educação:
A influência do livro didático no processo
Da evasão escolar
LUCIANO VARGAS BRAGA
Monografia apresentada ao curso de Pós
Graduação Especialização Lato Sensu em
Educação
Profissional
Integrada
à
Educação Básica com a Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos – Proeja,
do Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia de São Paulo – IFSP –
Campus São Paulo, como parte dos
requisitos para a obtenção de certificado
de Especialista em Educação de Jovens e
Adultos.
Orientadora: Profª. Dra. Lourdes de Fátima Bezerra Carril
São Paulo
Abril - 2010
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora Professora Doutora Lourdes de Fátima Bezerra Carril, que
muito colaborou no processo de construção de trabalho contribuindo na minha
formação.
Aos entrevistados por colaborarem com seus relatos.
A Deus, que sempre me iluminou, dando força para eu confiar e vencer todos os
desafios.
Dedico este trabalho a minha esposa
Sandra e aos meus filhos Luísa e Artur
pela compreensão, companheirismo, amor,
carinho
e
dedicação,
em
todos
os
momentos da minha vida.
Aos
mestres
proporcionaram
e
colegas
que
me
desenvolvimento
e
crescimento e na minha formação.
Todas as pessoas que fizeram parte de
minha vida, em outros momentos, que me
levaram a realizar este trabalho.
(...) a ultima palavra pertencerá sempre à
nossa consciência e não à consciência do
outro; quanto à nossa consciência, ela
nunca dará a si mesma a ordem de seu
próprio acabamento.
( Mikhail Bakhtin)
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO------------------------------------------------------------------------------ 1
INTRODUÇÃO----------------------------------------------------------------------------------- 3
1. EVASÃO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL------------------------------- 6
2. PRECONCEITOS E DISCRIMINAÇÕES NOS BANCOS ESCOLARES:
CONSTRUINDO A IMAGEM E O ESTIGMA---------------------------------------18
3. O LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL E A REPRESENTAÇÃO DO NEGRO----32
CONSIDERAÇÕES FINAIS------------------------------------------------------------------43
BIBLIOGRAFIA----------------------------------------------------------------------------------47
ANEXOS------------------------------------------------------------------------------------------50
RELATOS------------------------------------------------------------------------------------50
IMAGENS------------------------------------------------------------------------------------60
RESUMO
A evasão escolar no ensino primário é um assunto que muito incomoda e
inquieta, pesquisadores e a sociedade de forma geral. Essas crianças que
abandonam os estudos precocemente, por muitas vezes, acabam voltando aos
bancos escolares quando adultos por sentirem necessidade de um emprego e
novas oportunidades em sua vida. Entretanto, quando se estuda a evasão
associada ao fator étnico racial, este aspecto traduz peculiaridades históricas a
serem levadas em conta para a análise da problemática. A autoestima é um
dos fatores que podem influenciar no papel da evasão escolar, já que a
criança, quando em fase da construção de sua personalidade, por muitas
vezes, sofre com agressões verbais e cenas de discriminação e preconceito.
Neste trabalho, entendeu-se que a imagem do negro nos livros didáticos
proporciona uma queda na autoestima da criança, mesmo inconsciente, por ele
estar sempre em um papel de submissão, em condições de inferioridade ou por
muitas vezes invisível para a criança, que quase não se vê representado como
um cidadão digno. Objetivou-se nesse trabalho apontar algumas pistas para
tentar identificar alguns dos motivos que levam essa criança negra a
abandonar os bancos escolares tão precocemente e promover reflexões em
relação ao livro didático como um fator para ser analisado como co responsável
para essa evasão, já que pode gerar uma autoestima baixa para a criança. Os
sujeitos envolvidos nessa pesquisa são professores e mães de uma Escola
Estadual da Zona Sul de São Paulo e alunos do CIEJA-CL (Centro Integrado
de Ensino de Jovens e Adultos, Campo Limpo) que retornaram aos bancos
escolares para tentarem um futuro melhor. A partir dos relatos, observou-se
que convivem numa desigualdade social e em uma sociedade preconceituosa.
Portanto, espera-se que o processo de desconstrução e construção das
imagens nos livros didáticos passe por momentos de mudanças significativas e
que atitudes preconceituosas e termos pejorativos utilizados nos livros
didáticos, nas falas de educadores e da própria família, deixem de ser
repetidos.
Palavras-chave: Evasão Escolar, Autoestima, Discriminação, Preconceito, Livro
didático, Educação.
ABSTRACT
The pertaining to school evasion in primary education is a subject that much
bothers and uneasy, searching and the society of general form. These children
who abandon the studies precociously, for many times, finish coming back to
when adult the pertaining to school banks for feeling necessity of a job and new
chances in its life. However, when if it studies the evasion associated with the
etnoracial factor, this aspect translates peculiarities historical to be led in
account for the analysis of the problematic one. Autoestima is one of the factors
that can influence in the paper of the pertaining to school evasion, since the
child, when in phase of the construction of its personality, for many times, it
suffers with verbal aggressions and scenes from discrimination and
preconception. In this work, one understood that the image of the black in
didactic books provides a fall in autoestima of the child, exactly unconscious, for
it to be always in a paper of submission, conditions of inferiority or for many
times invisible for the child, who almost does not see itself represented as a
worthy citizen. It was objectified in this work to point some tracks to try to
identify some of the reasons that take this black child to abandon the pertaining
to school banks so precociously and to promote reflections in relation to the
didactic book as a responsible factor to be analyzed as co for this evasion,
since it can generate one autoestima low for the child. The involved citizens in
this research are professors and mothers of a State School of the South Zone
of São Paulo and pupils of the CIEJA-CL (Integrated Center of Adult Young
Education of e, Campo Limpo) that they had returned to the pertaining to school
banks will try a better future. From the stories, it was observed that they coexist
in a social inaquality and a prejudiced society. Therefore, one expects that the
process of desconstrução and construction of the images in didactic books pass
for moments of significant changes and that prejudiced attitudes and used
pejorativos terms in didactic books, you say in them of educators and of the
proper family, they leave of being repeated.
Word-key:
Pertaining to
school evasion,
prejudice, didactic Book, Education.
Autoestima,
discrimination,
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CIEJA
IBGE
EJA
LDB
ECIEL
COLTED
Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Ensino de Jovens e Adultos
Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Estudos Conjuntos de Integração Econômica da América
Latina
Parâmetros Curriculares Nacionais
Ministério da Cultura
Plano Nacional do Livro Didático
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
Instituto Nacional do livro
Comissão Nacional do Livro Didático
Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento
Internacional
Comissão do Livro Técnico e Livro Didático
PLIDEF
FENAME
FAE
Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental
Fundação Nacional do Material Escolar
Fundação de Assistência ao Estudante
PCNs
MEC
PNLD
FNDE
INL
CNLD
USAID
APRESENTAÇÃO
A proposta de um estudo sobre a ausência de imagens positivas do
negro em livros didáticos busca analisar o impacto sobre sua autoestima e de
que modo influencia no processo de evasão escolar. Busca-se refletir a
questão da invisibilidade de afrodescendentes nos livros didáticos.
Os livros didáticos apresentam a imagem do negro, na grande maioria
das vezes, de forma pejorativa, ou a partir de assuntos específicos como: dia
do folclore, dia da libertação dos escravos, dia da consciência negra.
Os
heróis,
líderes
revolucionários,
literários,
artistas,
e
outros
personagens importantes da história nunca são lembrados. O mesmo acontece
nos veículos de comunicação em que, novamente, a figura do negro é diluída e
esquecida e, quando lembrado, aparece quase sempre em posição inferior à
do branco.
Há dois anos, estamos desenvolvendo estudos em relação à
representatividade do negro nos livros didáticos, em que claramente percebese a falta de representatividade positiva de sua imagem. Uma pergunta está
sempre presente em nossos pensamentos e no cotidiano da sala de aula: será
que essa falta de imagem influencia no processo educacional?
Conforme o censo feito em 2007, pelo IBGE, 44% da população
brasileira é afrodescendentes, mas só 5% das pessoas se auto declaram
negras. Estes dados se tornam mais ainda espantosos quando a pesquisa
mostra que 64% da população brasileira mais empobrecida são pessoas
negras.
No Brasil, os dados oficiais mostram que as desigualdades sociais são
mais profundas à medida que as pessoas pobres, não são apenas
empobrecidas, mas são negras. O Brasil branco é 2,5 vezes mais rico que o
Brasil negro. Nos últimos anos, as diferenças entre negros e brancos vêm se
mantendo. Na educação, um branco de 25 anos tem, em média, mais do que o
dobro de anos de estudo do que um negro da mesma idade segundo os dados
do IBGE.
Os governos têm apresentado medidas compensatórias e provisórias,
procurando solucionar esta desigualdade, já que a solução mais profunda exige
um processo de reestruturação da sociedade, que é lento e muito exigente.
Num país que possui aqueles percentuais de pessoas negras, não pode
acontecer essa discriminação velada que a sociedade assiste com os olhos
vendados.
Um número muito grande de jovens, adultos e maduros está voltando
aos bancos escolares, na sua grande maioria, pessoas negras. Os motivos da
interrupção do processo escolar são muitos, mas será que a falta de imagens
positivas
nos
livros
didáticos,
não
influencia
indiretamente
e
até
inconscientemente no processo de abandono dos bancos escolares?
Quando um segmento social não se vê representado por meio de
imagens positivas nos mais variados veículos de comunicação, isso não vem a
afetar, talvez, até inconscientemente, a autoestima e a autovalorização como
parte importante no papel de cidadão? Há relação entre a falta de imagens
positivas nos livros didáticos e a autoestima no processo de evasão escolar do
negro?
Todas essas perguntas vêm sendo suscitadas nos últimos anos em
nosso trabalho com o ensino de jovens e adultos (EJA). Percebemos que
existe um grande número de pessoas negras, as quais retornam aos estudos
depois de adultos, se mostram interessadas e buscam algo que se perdeu
durante vários anos; a educação formal e intelectual.
Essas questões norteiam este estudo, buscando dialogar com outras
análises já existentes, por meio de um balanço bibliográfico e entrevistas com
educadores, alunos e pais que fizeram parte desse processo.
INTRODUÇÃO
O mercado de trabalho tem exigido estudo obrigatório em todas as
áreas, mas percebe-se que não é só isso que faz com que pessoas adultas
retomem os estudos. Será que hoje não estão mais preparados a encarar os
preconceitos que estão presentes no dia a dia da educação?
Essa pesquisa visa entender mais sobre alguns processos de
discriminação que os negros sofrem em seu processo de escolarização e
contribuir com a discussão sobre influência que a ausência de imagens
positivas dos afrodescendentes nos livros didáticos têm durante toda etapa
estudantil no que diz respeito à evasão escolar.
A hipótese formulada é que há uma enorme relação entre o material
didático utilizado nas escolas com a vida dos educandos, de maneira a
contribuir com o processo de discriminação no Brasil.
Autores vêm questionando temas como evasão escolar, fracasso
escolar, preconceito e discriminação dentro do espaço educacional em relação
ao negro e o sistema de ensino no séc. XX e XXI.
Gomes (1995. p.118) diz que a trajetória escolar da criança negra é
marcada por um determinado tipo de ausência que a acompanhará até o curso
superior, ela se depara com uma cultura baseada em padrões brancos, não se
vê nos livros didáticos, nos cartazes espalhados pela escola, e na escolha para
encenar apresentações teatrais para os pais em festas comemorativas.
A escola é um ambiente marcado por um cenário de preconceito e
discriminação, que muitas vezes é demonstrada de forma explícita e
verbalizada e outras, implícitas e apenas visualizadas.
Osório e Soares (2005, p. 21), apontam que as crianças negras têm
menos chance de ingressar no sistema educacional do que as crianças
brancas devido à questão de sua origem social ser relativamente mais pobre e
isso causa efeitos duradouros no curso da vida.
Este estudo tem o objetivo, de forma geral, discutir e compreender a
relação entre os livros didáticos e a evasão escolar do negro no decorrer do
processo escolar, entre outros, procurando entender como, por meio do
processo educativo, se pode despertar no educando e no educador, um olhar e
um discurso crítico sobre os livros didáticos; compreender e entender os
diversos motivos que influenciam a evasão escolar; discutir a discriminação e o
preconceito racial em sala de aula e sua real contribuição para o abandono dos
negros nos bancos escolares, bem como entender a lei 10639/031 e sua
implementação.
O objetivo específico deste projeto é também objetivo desta monografia,
verificar até que ponto a ausência de imagens positivas nos livros didáticos
utilizados no ambiente escolar, influencia no processo de evasão escolar de
crianças e jovem, sabendo que o livro didático tem sido um suporte e utilizado
como base para o processo de alfabetização no ensino primário, e este é
repleto de imagens ilustrativas que acompanham os textos para facilitar a
leitura das crianças.
Tomaremos como base alguns pesquisadores que há algum tempo
exploram a temática. Serão realizadas entrevistas com professores, pais e
alunos de uma instituição escolar, com a intenção de buscar os prováveis
motivos pelo qual esses alunos abandonam os estudos e em que fase da vida
houve a evasão escolar. O trabalho será dividido em três partes e as
considerações finais.
A primeira parte abordará assuntos pertinentes à evasão escolar no
Ensino Fundamental, tendo como objetivo mostrar as várias hipóteses que
levam a criança e o jovem abandonar os bancos escolares. A segunda parte
terá como foco o tema sobre preconceitos e discriminação nos bancos
escolares e a terceira parte tratará assuntos que percorrerão os livros didáticos,
mostrando a invisibilidade do negro nos textos e em suas ilustrações, formas
de discriminação e racismo dentro das escolas e a implementação da lei
10639/03.
As entrevistas com educadores, pais e alunos de uma escola estadual
de São Paulo, terão como objetivo o levantamento de dados sobre os supostos
motivos que levam as pessoas a abandonar os estudos no começo do
processo educacional.
Durante o desenvolvimento da pesquisa, poderão surgir novas práticas e
1
LEI Nº. 10.639/03
09 de janeiro de 2003
Art. 26 – A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura AfroBrasileira
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia
Nacional da Consciência Negra”.
métodos para alcançar os objetivos propostos.
1. EVASÃO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL
Nesta primeira parte da pesquisa, desenvolveremos alguns aspectos
que estão relacionados diretamente com o processo de evasão escolar, dando
ênfase para o ensino fundamental I, enfocando crianças entre sete e doze
anos.
Essa pesquisa está relacionada ao motivo ou aos motivos que levam
essa criança a abandonar os estudos tão precocemente. O que realmente se
torna importante para o aluno abandonar seus estudos? Quais fatores que
interferem no cotidiano escolar que faz com que essas crianças percam o
estímulo de estudar? Qual o papel da família nesse processo? E o do
professor? O fato das crianças negras não se verem representadas nos livros
didáticos pode ter alguma influência nesse processo? Até que ponto a
invisibilidade do negro na mídia interfere na autoestima da criança?
No que tange à educação, a legislação brasileira determina a
responsabilidade da família e do Estado no dever de orientar a criança em seu
percurso sócioeducacional. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB,
1997:2), é bastante clara a esse respeito.
Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada
nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade
humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Brandão (1983.p.42.), aponta a família como um dos determinantes do
fracasso escolar da criança, seja pelas suas condições de vida, seja por não
acompanhar o aluno em suas atividades escolares.
Quando se coloca a responsabilidade na família para o fracasso escolar,
temos que entender que seria tirar um peso do governo e da sociedade em
geral. Ela pode ser um dos fatores que levam essa criança a um fracasso
escolar, mas não é o único.
O Programa de Estudos Conjuntos de Integração Econômica da
América Latina (ECIEL), o qual baseou-se em um uma amostra de cinco países
latino-americanos, concluiu que quanto maior o nível de escolaridade dos pais,
mais tempo a criança permanece na escola e maior é seu rendimento.
Afirmar que quanto maior é o nível de escolaridade da mãe melhor será
o desempenho do filho, é tirar toda e qualquer responsabilidade da escola, do
professor, da sociedade e do próprio aluno quanto ao sucesso escolar, mas na
realidade sabemos que é bem diferente, ter uma mãe que participa e
acompanha a vida escolar do filho não quer dizer que ela teve estudo ou não.
Sabemos que existem muitas mães que não tiveram oportunidade de terminar
os estudos por vários motivos que devem ser considerados. Se os filhos vão
maravilhosamente bem nos estudos, o mesmo pode não ocorrer no caso de
mães que são “letradas” cujos filhos têm um desempenho insatisfatório e
muitas
vezes
acabam
abandonando
os
estudos
por
falta
de
um
acompanhamento dos pais. Este aspecto alerta para não tomarmos somente
um fator, tal como a origem sócio-econômica como determinante no
desempenho escolar.
Arroyo (1991.p.21), aponta as desigualdades sociais como responsável
para o fracasso escolar nas camadas populares.
É essa escola das classes trabalhadoras que vem
fracassando em todo lugar. Não são as diferenças de clima
ou de região que marcam as grandes diferenças entre
escola possível ou impossível, mas as diferenças de classe.
As políticas oficiais tentam ocultar esse caráter de classe no
fracasso escolar, apresentando os problemas e as soluções
com políticas regionais e locais.
Será que o fracasso escolar está apenas nas camadas mais pobres
da população? O que sabemos é que existem poucos estudos sobre o
fracasso escolar nas camadas mais ricas da sociedade, afirmar que as elites
também fracassam é mostrar que o ensino privado também fracassa e isso
mexe com os empresários da educação e com uma parcela da sociedade
que em grande parte se enquadram como “superiores” às demais classes.
Segundo Silva (2000, p.33), a má-alimentação, ou seja, a desnutrição, é
apontada como um dos fatores responsáveis pelo fracasso de boa parte dos
alunos.
A desnutrição pregressa, mesmo moderada, é uma das
principais causas da alteração no desenvolvimento mental,
e mau desempenho escolar. As crianças desnutridas se
tornam apáticas, solicitam menos atenção daqueles que as
cercam e, conseqüentemente, por não serem estimuladas,
têm seu desenvolvimento prejudicado.
Rosenthal e Jacobson (apud GOMES, 1994, p.114) apontam a
responsabilidade do professor pelo fracasso escolar do aluno.
(...) às expectativas negativas que este tem em relação aos
seus alunos considerados como deficientes, os quais, muitas
vezes, apresentam comportamentos de acordo com o que o
professor espera deles.
Apontar o professor como responsável pelo fracasso escolar tem sido
usual. É tirar toda e qualquer responsabilidade do Governo, da família e da
sociedade de um modo geral, jogando tudo em cima de uma classe que há
muitos anos vem sendo massacrada pela política neoliberal que não valoriza e
não dá a devida importância para a formação intelectual do cidadão.
Brandão, Arroyo, Silva, Rosenthal e Jacobson mostram por meio de
seus estudos, que as expectativas, em geral, podem influenciar os fatos da
vida cotidiana, e que geralmente, as pessoas parecem ter a tendência a se
comportar de acordo com o que se espera delas. A família, a instituição, o
professor e o governo acabam sendo, de certa forma, responsável, direta ou
indiretamente no processo da evasão escolar.
O levantamento realizado no ano de 20082 sobre a evasão escolar em
uma escola da periferia de São Paulo localizada na região do Jardim Ângela,
Zona Sul, Professora Maria Peccioli Giannasi, que pertence à rede Estadual de
Ensino de São Paulo buscou demonstrar o alto índice de crianças e jovens
negros que abandonam os estudos durante o ano letivo. A instituição atende o
Ensino Fundamental I e II, Ensino Médio e EJA (Ensino de Jovens e Adultos).
Atende alunos nos três períodos, sendo o primeiro das 7h às 12h e 20 min,
atendendo ciclo I, ciclo lI e Ensino Médio, o segundo das 13h às 18h e 20 min,
atendendo ciclo I e ciclo II, e o terceiro período das 19h às 23h, atendendo EJA
e Ensino Médio. Há em média dois mil alunos diariamente divididos entre os
períodos, sendo que setecentos pertencem ao ciclo I.
No ano de 2008, tivemos exatamente 2371 alunos matriculados,
terminando o ano com 1942 alunos, conforme a tabela abaixo:
Ensino
Quantidade Quantidade Abandono Transferidos
De Classes de alunos
1ª a 4ª 17
670
13
59
619
11
45
12
503
69
45
EJA
14
579
177
10
Total
57
2371
270
159
Série
5ª a 8ª 14
Série
Ensino
Médio
A tabela aponta para o total de abandonos que chega ao índice de
aproximadamente 10% dos alunos matriculados, outro dado importante é o das
crianças transferidas no ensino fundamental I que representa quase 10% dos
2
Levantamento de dados realizado em 2008 sobre os alunos matriculados e evadidos e
transferidos, na escola Estadual Professora Maria Peccioli Giannasi.
alunos matriculados no ciclo I. Muitos alunos que são transferidos durante o
ano letivo param de freqüentar a outra escola para onde foram transferidos.
Os índices apresentados na tabela acima mostram uma evasão maior no
EJA e no Ensino Médio, mas apesar do número de crianças do ciclo I serem
menores em relação aos demais, chegando a um percentual de 2 % de
abandono, ainda é muito para um país que pretende ter o índice de
analfabetismo zero.
Foi feito um levantamento sobre a quantidade de negros, pardos e
brancos que evadiram no ciclo l e ciclo ll no ano de 2008 na escola pesquisada.
Escolaridade
Negros
Pardos
Brancos
Ciclo l
3
8
2
Ciclo ll
1
6
4
Total
4
14
6
Outro fator que chamou a atenção nessa análise foi à questão do aluno
ou do responsável pelo preenchimento do censo não se declarar negro, grande
parte de pais negros se declaram pardos ou brancos.
Outro momento que mostra a negação de sua origem, mesmo
inconsciente, surgiu quando, em uma atividade proposta pela professora Maria
José3, que leciona no ciclo l, atuando no primeiro ano, pediu para os alunos
mostrarem com o lápis de cor, a “cor de pele”, a maioria mostrou o lápis da cor
salmão, rosa e laranja, tanto nas séries iniciais, quanto no ciclo ll. Eles só
pegaram o lápis da cor preta ou marrom quando foi pedido para observarem as
partes do corpo.
Segundo relato da professora e psicóloga Valeska Cizauskas Viana4, as
crianças demonstram nos desenhos, quando se trata do corpo humano, o ideal
de beleza que a televisão e outros meios de comunicação que atingem a
criança. Os apresentadores (as), as bonecas, os desenhos, os heróis e
princesas dos contos fadas são, em sua maioria, brancos. Isso reflete
3
Maria José Pereira da Silva: Professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental da Rede
Estadual e Municipal de São Paulo, formada em pedagogia com especialização em Ensino de
Jovens e Adultos.
4
Valeska Cizauskas Viana: Psicóloga e Professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental
da Rede Pública do Estado e Município de São Paulo.
diretamente na reprodução das imagens que eles representam através dos
desenhos.
A criança desenha o que está no inconsciente dela, ela
desenha o ideal, ela vê na televisão, nos livros e revistas, o
que está na moda, o que é bonito para o padrão da mídia, e
como o desenho é uma projeção do que ele vê, ele desenha
o que considera ideal, é uma forma inconsciente de negar a
própria origem. Muitas vezes às crianças têm vergonha do
próprio cabelo, os meninos raspam e as meninas ou alisam
ou prendem, alegam que o cabelo é ruim e as meninas
ficam com vergonha, quando elas desenham o rosto, o
cabelo está sempre liso.
Procuramos explicações para tentar saber os reais motivos que levam
esses alunos a abandonarem os estudos tão precocemente. Foram feitos
levantamentos dos conteúdos escolares, o formato da educação utilizados na
escola, e uma pesquisa com algumas mães que tiraram as crianças da escola
no ano de 2008, para tentar chegar o mais perto possível dessa realidade que
está presente no cotidiano escolar.
Em uma primeira análise, verificamos que os conteúdos não
contemplam a realidade do aluno. Tanto no ciclo I como no ciclo II, o Governo
adotou um sistema para tentar unificar o ensino e “engessou“ o professor,
obrigando a seguir um sistema que padroniza o aluno desconsiderando a
região onde mora, o padrão social, ou seja, a realidade do aluno. Os conteúdos
não contemplam a lei 10639/03, não abordando temas que valorizam a história
e cultura africana.
Devido à quantidade excessiva de conteúdos, a escola não consegue
proporcionar para os educandos, momentos onde eles sintam prazer em estar
na escola, como por exemplo, momentos culturais que envolvem e estimulam
os alunos a participarem do cotidiano escolar.
O formato que o Governo adotou para a educação pública em São Paulo
está ultrapassado e mostra a cada dia que não funciona mais, que precisa de
mudanças urgentes. Os números citados na pesquisa retratam a realidade de
uma única escola de uma região periférica de São Paulo. Os números mostram
que existe um índice muito alto de alunos evadidos em todas as séries e isso
comprova que são necessárias algumas mudanças no formato educacional.
Há anos, o governo vem se preocupando com o índice de alunos
aprovados no ano letivo, adotando o sistema de aprovação automática e se
preocupa apenas com números apresentados ao final de cada ciclo. O sistema
de aprovação automática avalia apenas os alunos nas 4ª séries e nas 8ª séries.
Em nenhum momento chega para as escolas um plano para tentar conter a
evasão escolar, isso não preocupa o Governo, afinal são apenas números, não
importa a qualidade e é lógico que se eles forem atrás dos reais motivos irão
perceber que estão errando e atestando a incompetência na área de educação.
As famílias também foram procuradas para saber a causa do abandono
no ano de 2008. Das treze crianças matriculadas no ciclo l que abandonaram a
escola, apenas quatro famílias foram encontradas. E dos onze adolescentes
matriculados no ciclo II, que abandonaram os estudos, encontramos apenas
duas.
Das quatro famílias encontradas referentes ao ciclo l, apenas uma não
se importou em falar sobre os reais motivos que levaram a mãe a tirar o filho da
escola. A mãe do menor “A. C. S” identificada com o nome de “A. S”, relata :
Meu filho tem oito anos e estuda na primeira série, não sabe
ler e muito menos escrever. Cansei de levar bronca na
escola da professora, que me chamava sempre para falar a
mesma coisa, prefiro que ele fique aqui em casa para cuidar
do irmão menor, pelo menos ela irá fazer alguma coisa de
útil.
Conseguimos também um relato do pai do menor “R. S. Jr” com onze
anos, estudante da quinta série que parou de freqüentar a escola em maio de
2008.
Eu sou pai e mãe desse menino, a mãe saiu de casa
quando ele tinha oito anos, de lá para cá eu tenho que
trabalhar, cuidar de casa e ainda cuidar dos meus três filhos
menores que moram comigo. Eu trabalho o dia inteiro e não
tenho tempo de verificar se ele está estudando, pode ser
que eu tenha falhado, mas não me culpo, eu acho que ele
tem que saber o que quer, se ele parar de estudar ele que
vai sofrer a conseqüência. Bom eu só fiquei sabendo que
ele parou de ir para a escola quando uma vizinha me disse
que ele passava o dia todo empinando pipa. O que eu fiz foi
dar uma surra nele, mas não adiantou ele continuou a ficar
na rua e não ir para a escola, agora o que eu posso fazer,
matar, isso não posso, então entrego na mão de Deus e
deixo o barco rolar, mas de uma coisa tenho certeza ele vai
sentir falta de estudar, aí é que ele vai ver a burrada que
fez.(R. S.)
Seria o caso de uma ampla discussão envolvendo as comunidades, os
profissionais da educação, diretores, dirigentes e governantes, para realmente
envolver os jovens e descobrir realmente o que faz com que ele abandone os
estudos. Mas em relação às crianças, o que fazer? Será que essas crianças
apresentam a mesma falta de perspectiva e estímulo para continuar os
estudos? Será que elas têm maturidade suficiente para entender a causa que
faz com que ele abandone os estudos tão precocemente?
Segundo a professora Maria José da Escola Estadual “Professora Maria
Peccioli Giannasi” que atua no 1º ano do Ensino Fundamental, a principal
causa da evasão escolar no ensino fundamental está relacionado à família.
Se a família não incentiva a criança, não acompanha essa
criança na escola ela fica desestimulada e para de estudar.
Eu percebo aqui, com minhas crianças, quando o pai ou a
mãe é participativo essa criança caminha, aprende a ler e
escrever muito rápido, mas aquelas que você percebe que a
família não está nem aí, você chama os pais para conversar
e eles nunca aparecem, você percebe que o caderno
dessas
crianças
nunca
é
olhado,
nem,
sequer
se
preocupam em olhar bilhetes, isso sim pode fazer a criança
à não gostar de estudar e parar de muito cedo de vir para a
escola.
A professora também aponta a questão da autoestima e a invisibilidade
como outro fator decisivo para o abandono escolar.
A invisibilidade realmente pode ajudar no processo da
evasão escolar. Quando a criança não se enxerga nos
livros, não se reconhece na televisão, não é destacado
pelos professores, isso poderá influenciar diretamente no
psicológico da criança, podendo fazer com que ela venha a
abandonar os estudos precocemente.
A professora Elizabeth Cruz5 fez um debate em sala de aula com alunos
do EJA desta mesma escola. O assunto da discussão era sobre o que levou
esses alunos a abandonarem os estudos e em qual fase da idade que eles
deixaram de freqüentar a escola.
A professora nos relata que abordou também no debate a questão da
imagem do negro nos livros didáticos e assuntos que fizeram refletir sobre atos
de discriminação que houve na época que estudavam.
Ela comenta que a grande maioria dos alunos abandonou os estudos na
adolescência por motivo de trabalho, um pequeno grupo alegou a falta de
estímulo de permanecer na escola, um outro grupo pequeno, mas significativo,
disse que abandonou os estudos ainda nas séries iniciais, alegando que a
família não levava mais para a escola por motivos variados: muito trabalho em
sala de aula, cuidar do irmão mais novo, muita reclamação do professor, ajudar
no trabalho, etc.
Elizabete aponta que quando começou a falar sobre a questão da
imagem do negro nos livros didáticos, a fala foi unânime sobre a ausência de
5
Elizabeth Cruz: Professora de Matemática da Rede Estadual e Municipal de São Paulo. Atua
no Ensino Fundamental, Médio e Ensino de Jovens e Adultos.
imagens de negros e que não se lembravam de nenhuma história infantil que
não fosse as de conto de fada, princesas e heróis brancos.
Sobre a discriminação a discussão foi mais intensa e fez até que os
ânimos se alterassem. Primeiro verificou-se a aceitação da questão da cor de
pele. Como grande parte dos alunos são adultos, não houve muito problema,
sendo majoritariamente negros, mas o que chamou a atenção foi em relação à
denominação: “moreno claro, marrom bombom, preto claro, pretinho, moreno,
mulato, negão”.
Quando abordou assuntos como os vários tipos de preconceitos sofridos
em sala de aula, primeiro não se lembravam, mas foi um aluno começar a se
manifestar para gerar a polêmica e todos também fazerem o mesmo. A fala
que ficou mais forte foi em relação a duas alunas, uma se lembrou que nunca
foi chamada pela professora para fazer uma leitura, mas nunca tinha pensado
que isto poderia ser uma forma de preconceito, outra aluna disse que se
achava feia, na infância, pelo fato de ser preta, falou que a professora não
deixou ela participar de um desfile no dia da mulher porque tinha que ser
apenas uma menina por sala, e a aluna que iria representar a sala, era a
“bonitinha da Pamela”.
A professora terminou o debate retomando a primeira pergunta que
tratava a questão dos motivos que os levaram a abandonar os estudos e se
eles achavam que depois da discussão e reflexão dos assuntos abordados no
debate, continuavam com a mesma opinião.
Chegou à conclusão que o principal fator foi à questão da autoestima
baixa, causada pelos vários fatores que envolveram o debate.
O resultado do debate parece demonstrar que é preciso mudar alguns
conceitos na educação e tentar sanar esses problemas que há tempos
permanece no cotidiano escolar.
Fazendo uma relação com os estudos sobre as causas da evasão
escolar, citados na pesquisa, concluímos que esses fatores têm sua
importância, mas se analisarmos bem a questão, um fator que preocupa é a
questão da autoestima. Será que a ausência de imagens de negros nos livros
didáticos e a falta da valorização da cultura afro-brasileira não influenciam
nesse processo?
São muitas as reflexões que envolvem toda essa problemática. O que
não podemos fazer é deixar por isso mesmo, achando que as causas de
muitos problemas que envolvem a educação são de responsabilidade de
apenas um ou outro motivo. Temos que investigar mais a fundo alguns motivos
que não estão na lista das causas que estudiosos a tempo investigam.
Entre várias hipóteses do fracasso escolar está o fato de que através do
material didático e de algumas práticas pedagógicas, a escola difunde
representações erradas e muitas vezes distorcidas, preconceituosas e
discriminatórias sobre os negros e sobre os povos que vivem no continente
africano.
A escola tem, entre outras, a obrigação combater o racismo e as outras
formas de intolerância que observamos na sociedade. É no espaço escolar que
os cidadãos passam a maior parte da sua vida social, sendo assim, escola
deve ser o exemplo de convivência nas outras esferas da vida social.
Educação é um dos principais meios de realização de
mudança social ou, pelo menos um dos recursos de
adaptações das pessoas, em um mundo em mudança,
podendo
na
investimento,
atualidade
mas
ela
desigualdades.(Durkeim)
inclusive
ainda
ser
vista
continua
como
a
um
provocar
2. PRECONCEITOS E DISCRIMINAÇÕES NOS
BANCOS ESCOLARES: CONSTRUINDO A
IMAGEM E O ESTIGMA
Nesta segunda parte da pesquisa, iremos abordar assuntos que tratam o
racismo direto e indireto nos bancos escolares. As discussões serão
embasadas em autores que estudam o assunto e discutem sobre os diversos
tipos de preconceitos e discriminações que as crianças e jovens sofrem
durante o período escolar, enfocando a falta de imagem e textos no material
didático mostrando o negro em situações desfavoráveis, principalmente nos
livros didáticos adotados pelas instituições de ensino.
Quando falamos em racismo nos remetemos a um conjunto
de teorias, crenças e práticas que estabelece uma
hierarquia entre as raças, consideradas como fenômenos
biológicos. (MUNANGA, 2006).
Para o educador, muitas vezes, questões como essa são tratadas de
maneira natural ou como questões de afinidade, ele nem imagina que já pode
ser uma questão de racismo, segregação racial, preconceito ou qualquer outra
discriminação.
Santos (2001.p.83) diz que Segregação Racial é a separação forçada e
explícita, com base na lei ou no comportamento social de grupos étnicos e
raciais considerados como minoritários ou inferiores. Há setores na sociedade
brasileira tão fechados para algumas pessoas que poderíamos dizer que há
uma segregação, não oficial, mas que funciona.
Bento (2005, p. 36) define preconceito racial, como um conceito negativo
que uma pessoa ou grupo de pessoas tem sobre outra pessoa ou grupo
diferente. Já a discriminação racial é caracterizada através de uma ação, uma
atitude ou manifestação contra uma pessoa ou grupo de pessoas, em função
de sua cor ou raça.
A escola deveria ser um espaço privilegiado para a promoção da
igualdade. É no seu interior que acontecem as relações entre indivíduos de
diferentes etnias, culturas, religiões e classes sociais.
De acordo com os PCNs6 (1997, p. 59), a escola deve valorizar o
convívio pacífico e criativo dos diferentes componentes da diversidade cultural;
desenvolver uma atitude de empatia e solidariedade para todos que sofrem
discriminação; repudiar toda discriminação baseada em diferenças de
raça/etnia, classe social, crença religiosa, sexo e outras características
individuais ou sociais.
A escola é um espaço onde se encontra uma grande diversidade cultural
misturada com a discriminação e preconceitos. É muito comum perceber o
racismo expressado em chavões, bordões e frases com efeitos morais entre os
alunos e até entre educadores e a capacidade de propagação é espantosa.
Alguns exemplos vivenciados em sala de aula mostraram como é
comum essa realidade entre alunos e em alguns casos, por professores.
Após a professora Ana Karina Manson7 presenciar nos corredores da
escola onde trabalha, alunos praticando atos de agressões verbais, insultos e
apelidos agressivos uns com outros, a professora desenvolveu uma série de
atividades para trabalhar com eles o bulling8. Durante as atividades, os alunos
demonstraram naturalidade em falar sobre piadas e apelidos que depreciavam
6
Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) é um referencial do MEC para a eficiência da
educação escolar brasileira. Seu objetivo é garantir que crianças e jovens tenham acesso aos
conhecimentos necessários para a integração na sociedade moderna como cidadãos
conscientes, responsáveis e participantes
7
Ana Karina Manson: Professora de Língua Portuguesa e Literatura, especializada em Ensino
de Jovens e Adultos. Atua na Rede Estadual e Municipal de São Paulo.
8
Bulling - é um termo de origem inglesa utilizado para descrever atos de violência física ou
psicológica, intencionais e repetidos. É considerado um ato de discriminação
.
e denegriam a imagem dos colegas, mas as pessoas que mais sofriam com o
bulling eram os negros. Os apelidos como: carvão, galinha preta, frango de
macumba, buiu, tição, macaco; chavões como: “quando não caga na entrada
caga na saída”, “amanhã é dia de branco”, “serviço de preto”.
Ana Karina relata sua indignação sobre o fato:
Fiquei imóvel por uns instantes com a naturalidade que os
alunos falavam as coisas e também com a indiferença com
que os alunos negros encaravam os fatos.
Comenta que sempre trabalha a questão do racismo e preconceito em
sala de aula, mas existe muita resistência por parte de alguns alunos.
Em reunião de professores para fazer o conselho de classe, também foi
retratado o racismo na fala de alguns professores, por exemplo: aquele
neguinho que senta no fundo, aquela menina que tem o cabelo ruim que senta
ao lado da Jéssica, aquela negaiada não faz nada, vão repetir tudo de ano, o
Marcelo negão ou o Marcelo Rodrigues.
Gomes (2007, p.174) confirma esse relato em “Educação, identidade
negra e formação de professores/as”:
Será que essas representações, quando negativas, tornamse mais fortes no exercício do trabalho docente, a ponto de
nos tornar cegos e surdos para entender o que os nossos
alunos tentam nos comunicar? Quantas vezes não ouvimos
frases como o negro fede; o cabelo rastafari é sujo e não se
pode lavá-lo; o negro que alisa o cabelo tem desejo de
embranquecer; aquele é um negro escovadinho; porque
você não penteia esse cabelo pixaim; esses meninos de
hoje usam roupas estranhas, parecem pivetes? Quantas
vezes essas frases não são repetidas pelos próprios
educandos.
Segundo o grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo,
coordenado pela Professora Solange Couceiro9 (1995), sobre a publicidade e
os símbolos raciais, os meios de comunicação representam um forte
instrumento de propagação de racismo. Não podemos esquecer que os meios
de comunicação existem nessa sociedade e os valores que divulgam foram
também ideologicamente camuflados, podendo assim estar trabalhando pela
desqualificação
do
ser
humano,
escrevendo
um
papel,
reforçando
explicitamente os aspectos negativos de um determinado grupo ou indivíduos
estigmatizados. Os programas televisivos, propagandas e jornais apresentam
constantemente os indivíduos negros como inferiores.
O processo de exclusão do negro e afrodescendentes imposta pelos
grandes diretores e administradores dos veículos de comunicação impresso,
como o material didático, retratam um processo de embranquecimento que se
alastra desde os séculos passados até os dias de hoje.
O branqueamento ora é visto como interiorização dos modelos culturais
brancos pelo segmento negro, ora é definido pelos autores como o processo de
clareamento da população brasileira.
A ideologia do branqueamento teve como objetivo propagar que não
existem diferenças raciais no país e que as pessoas vivem de forma
harmoniosa, sem conflitos. Além desses aspectos, projeta uma nação branca
que, através do processo de miscigenação, irá erradicar o negro da nação
brasileira.
Silva (2002, p. 52), ressalta que Frankenberg (1995), define a
branquitude em três aspectos: uma situação de vantagem estrutural de
privilégios raciais; uma posição ou lugar do qual as pessoas brancas se
observam, observam aos outros e à sociedade ou refere-se a um conjunto de
práticas culturais que são frequentemente não demarcadas e não nomeadas.
O autor José Murilo de Carvalho (1987) retrata muito bem o processo de
9
Solange Martins Couceiro de Lima: “Possui graduação em História pela Universidade de São
Paulo (1968), mestrado em Antropologia pela Universidade de São Paulo (1971) e doutorado
em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (1984) . Atualmente é
Professora Doutora da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Antropologia,
com ênfase em Antropologia das Populações Afro-Brasileiras. Atuando principalmente nos
seguintes temas: mulher, família, mulher negra, evolucionismo, Racismo”.
embranquecimento ocorrido no período de transição entre o Brasil monárquico
e republicano. No livro “Os Bestializados” relata como o povo foi se
acostumando e aceitando a imposição dos poderosos brancos sobre os mais
desfavorecidos que em sua maioria eram recém libertos e imigrantes
refugiados dos países em guerra mostra o crescimento populacional de forma
desorganizada e totalmente separatista, excluindo os menos favorecidos do
processo político do país. Grandes frentes contrárias ao sistema surgiram entre
1870 e 1890, socialistas e anarquistas lutavam pela igualdade, criavam
partidos e jornais para representar a classe menos favorecida, mas de nada
adiantou, já naquele período os meios de comunicação impressa eram uma
arma poderosa para convencer o povo, então assim que surgiam novos jornais,
logo davam um jeito de fechar.
Outra forma de continuar o processo de embranquecimento é apontada
pelos críticos como mito da democracia racial. Gilberto Freire (1933) em seu
livro "Casa Grande Senzala". Freyre tenta mostrar um novo olhar sobre a
formação da sociedade brasileira, descreveu como se dava à relação entre os
senhores de engenho e seus escravos, mostrando a solidariedade e criando
um universo em que escravos domésticos e patrões mantivessem uma relação
harmoniosa e pacífica. Essa forma de convívio tenta passar ao leitor que não
havia resistência e que os senhores de escravos e os escravizados se
respeitavam entre si. A partir de estudos como esse e de alguns pensadores da
época começou a difundir o mito da democracia racial, já que no Brasil não
havia guerra declarada contra os negros, como havia nos Estados Unidos da
América e na África do Sul, o país não poderia ser considerado preconceituoso
e discriminador. Esse termo tenta passar a noção de que o Brasil é um país
que promove a igualdade para todos e não prejudica ninguém principalmente
se tratando de “raça”.
Teoria que a partir da década de 60, membros da Escola Paulista de
Sociologia como Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Emília
Viotti da Costa entre outros, foi discutida e combatida nas academias e em
muitos grupos de resistência. Esses grupos denunciavam os horrores da
escravidão que ocorreu durante vários séculos em nosso país e a manutenção
do sistema de classes. Os estudos desenvolvidos na Escola Paulista de
Sociologia em relação aos problemas raciais no Brasil serviram de base para
integrantes do movimento negro reivindicarem seus direitos.
O processo de embranquecimento ainda está embutido na formação de
muitas pessoas, queira ou não, o próprio sistema educacional impõe esse
processo de maneira quase que natural. Quando tratamos dos livros didáticos
adotados pelas instituições, a imagem do negro está representada de forma
insignificativa e muitas vezes aparece de maneira pejorativa, tornando-se
praticamente invisível aos olhos dos educandos. Consideramos esse processo
como uma forma de embranquecimento, já que implica que ser branco se torna
importante porque assim estará sempre representado de maneira significativa.
O nosso cotidiano escolar retrata muitas vezes o processo de
embranquecimento tanto nas atitudes como em falas de alguns alunos e
professores. Percebemos esse branqueamento em várias atividades feitas em
sala de aula em que os alunos não se aceitam como negros. Quando falamos
do corpo, muitos não se vêem com a pele do corpo com pigmentação escura,
dizem que são brancos.
Em uma atividade desenvolvida pela professora Valesca no ano de
2008, com alunos da primeira série do primário da escola Professora Maria
Peccioli Giannasi, a professora pediu para que os alunos se olhassem no
espelho e desenhassem alguma parte do corpo, a surpresa veio quando
percebeu que os alunos não se viam como negros.
Após todos alunos observarem o próprio corpo, pedi para que
desenhassem e pintassem com a cor da pele, apenas dois
alunos, de trinta e sete que estavam presentes, pintaram o
desenho de preto, sendo que vinte e dois alunos são negros.
Muitos professores, quando comentam sobre alguns alunos negros, se
referem ao termo mulato ou aquele mais escurinho. Um momento marcante
para a professora, ocorreu na sala dos professores. Ela comenta que sua
colega se referiu a uma aluna que estava bagunçando de forma pejorativa e
com muita raiva na fala, se dirigindo a aluna dizendo que era uma pretinha suja
que vive arrumando confusão com os meninos, só poderia ser irmão do azulão,
aquele que não sai da boca de fumo. Ela demonstrou muita raiva em sua fala.
Através das atitudes com seus alunos, com seus colegas e,
principalmente, do que passa através do ensino, vão ficando
claros os preconceitos que os professores tentam negar,
quando teorizam sobre o assunto.(Odorizzi, 1993, p.50).
Idéias eurocêntricas sobre superioridade dos brancos chegaram ao
Brasil de forma imposta e facilmente aceita pelos governantes. Questões como
embranquecimento do povo brasileiro tiveram muita força após a abolição.
Nesse período, alguns pensadores defendiam a idéia de que um povo
negro e mestiço traria atraso para o crescimento do país, por isso tinham que
isolar esse povo em regiões periféricas e sem infraestrutura básica, dessa
forma, eliminando grande parte da população negra. Assim, num curto período
de tempo, o Brasil se tornaria um país branco com condições de crescimento.
Lógico que isso era utopia, mas a idéia de embranquecimento perpetua
até os dias de hoje, isolando a imagem do negro na sociedade tornando-o
invisível. Hélio Santos (1996, p.2.) diz que a invisibilidade da questão racial do
negro brasileiro é incontestável.
Esses pensamentos ainda estão no imaginário de muitos brasileiros. Em
seu relato, uma aluna que frequenta o EJA, aponta que quando criança, queria
ter sido branca, loira de olhos azuis, com cabelos longos e lisos, como as
princesas que via na televisão e nos livros que sua mãe lia para ela.
Lembro-me muito bem de pedir para minha mãe limpar a
minha pele para ficar mais clara, pintar meu cabelo de loiro e
meus olhos de azuis. Eu queria ficar como as princesas dos
contos de fada. (A. M. S. L).
De todas as grandes questões nacionais, nenhuma outra é tão
dissimulada quanto à racial em nosso país. O negro não está ausente apenas
dos meios de comunicação em geral, mas também não comparece como uma
entidade importante da vida nacional. O mesmo acontece nas novelas, nos
filmes e nos comerciais de TV onde a sua presença não se dá de forma
qualificada e na dimensão correta. Afinal, os negros-descendentes são quase
metade da população.
Os cientistas sociais e economistas, quando falam em miséria
desemprego, falta de moradia, concentração de renda, violência e outros
tópicos relacionados ao barbarismo social brasileiro, nunca identificam os
protagonistas dessa tragédia tendo como referencial a origem racial e étnica
das pessoas envolvidas. Aqui, é como se quiséssemos todos, negros e
brancos, fugir do assunto. Elimina-se o problema não o encarando, essa
política de “avestruz” foi e continua sendo eficaz no sentido de manter a
maioria negra onde está, sempre esteve à margem da cidadania.
A invisibilidade da questão racial deve ser interpretada aqui como um
fato que não se nota, não se discute e nem se deseja notar ou discutir. É como
se não existisse. A história narrada nas escolas é branca, inteligência e beleza
mostradas pela mídia são representadas da mesma forma, cor branca
predominante.
Os fatos são apresentados na sociedade como se houvesse uma
preponderância absoluta, uma supremacia definitiva dos brancos sobre os
negros. Assim, o que se mostra é que o lado bom da vida não é e nem deve
ser negro. Aliás, o léxico de negro, além de designar o indivíduo deste grupo
racial, pode significar: sujo, lúgubre, funesto, sinistro, maldito, perverso, triste,
etc. Fica clara e escancarada à divisão que existe no Brasil entre o branco
visível e o negro invisível, alias, o negro só se mostra visível como os brancos,
quando tratamos de chacinas e divisão entre as classes sociais.
Em que medida os livros didáticos, paradidáticos e seriam hoje os
grandes reprodutores da velha teoria do embranquecimento?
E as idéias
eurocêntricas do padrão de beleza, de riqueza, de inteligência, de
superioridade do branco europeu, a quem interessa?
Quando tratamos de livros didáticos, a invisibilidade do negro é certa,
quando sua imagem aparece está relacionada a escravizados, subalternos,
personagens folclóricos e caricaturas. Nos livros de literatura infantil, as
situações apresentadas não são diferentes, os livros didáticos e paradidáticos
aprovados pelo MEC e adotados pelo PNLD e utilizados pelos educadores, são
de autores brasileiros com visão eurocêntrica. Sempre fazem questão de
mostrar heróis, príncipes e princesas brancos e a figura do negro, quando
aparece, está em condições subalternas, caricaturizadas ou depreciativas.
Questões como estas devem ser refletidas pelos educadores e por toda
a sociedade. A ausência de imagens ou imagens negativas só proporciona a
negação de identidade e rejeição, sem contar o constrangimento e piadas com
os afrodescendentes acentuando o racismo e preconceito em sala de aula.
(...) É crítico na medida em que é o centro de toda questão da
identidade racial. É o momento em que a criança (ou jovem)
toma consciência, não de suas diferencias raciais, pois disso
sempre
estiveram
cientes,
mas
do
significado
dessas
diferenças e da importância que elas tem para suas futuras
relações sociais (...) (Barbosa, 1987 pg 57).
Eliane Cavalleiro (2003) no seu livro "Do silêncio do lar ao silêncio da
escola", faz um estudo minucioso sobre o comportamento de alunos,
professores e funcionários de uma instituição de ensino infantil observando o
convívio social, em suas relações multiétnicas, tanto no espaço escolar, quanto
no espaço familiar. Durante sua pesquisa, foi possível constatar que nos
espaços de circulação das crianças não existiam livros ou cartazes que
expressassem a existência de crianças não-brancas na sociedade brasileira e
que no dia-a-dia os educadores e educadoras não se referiam à questão da
convivência multiétnica dentro do espaço escolar, e menos ainda, na
sociedade. Nesse estudo, a autora mostra claramente que no espaço escolar,
as crianças estão tendo várias possibilidades para a interiorização de
comportamentos e atitudes preconceituosas e discriminatórias contra os
negros, conferindo à criança negra a incerteza de ser aceita por parte dos
professores. A autora também se refere ao professor como agente de tais
fatos, mostrando-se por várias vezes silenciado diante de situações
preconceituosas demonstradas no ambiente escolar e, de forma muito sutil,
como separa os brancos dos pretos quando se retrata aos colegas e na
exposição dos alunos em sala de aula.
Nesse estudo, a autora mostra realmente com sua prática e vivência a
discriminação e os preconceitos nos bancos escolares, e o que nos chama a
atenção é que são apenas crianças, e irão carregar essas ações pelo resto da
vida, fazendo muitas vezes com que eles reneguem sua origem e sua própria
família.
Cavalleiro (2003. p. 21) Questiona o papel da escola em relação a alguns
aspectos como o a construção de uma sociedade livre de desigualdades e
menos racista e o tipo de cidadão que está sendo formado
Algumas questões como estas levantadas pela autora fazem com que pelo
menos pensemos na questão de ser cidadão. O que realmente é ser cidadão
no Brasil? Para ser cidadão é necessário ter uma cor? Qual será realmente o
papel dos educadores nesse processo, ficar calado ou verificar que existe um
problema social e racial no Brasil e que a educação é um caminho para
eliminar pelo menos em parte esse problema.
Eliane Cavalleiro (2006) apresenta assuntos sobre as relações raciais
no cotidiano escolar no projeto “a cor da cultura”, mostrando que a escola é um
lugar onde se constrói o preconceito e o professor é uma peça importante no
processo de discriminação. A família, a Igreja e a mídia por sua vez também
são agentes formadores de atos racistas e todos eles fazem parte da formação
de identidade do ser.
Sabemos que esse comportamento por parte dos educadores e
instituições educacionais em geral é comum. Sabemos que alguma mudança
tem que ocorrer para que possamos mudar esse processo e não podemos
tratar o preconceito como se não houvesse, ou pior ainda, entendendo de
maneira natural.
Paulo Vinícius Batista da Silva (2005) aponta em seus estudos sobre
racismo discursivo na mídia, o tratamento do personagem branco como
representante da espécie nos livros didáticos enquanto os personagens negros
aparecem com pouca freqüência em contexto familiar, desempenhando
número limitado de atividades profissionais e outras imagens de forma
pejorativa. Quando se trata dos textos, especificamente no conteúdo de
história, o autor retrata a questão da representação do negro geralmente em
condição desfavorável e privilegia o branco como sendo sujeito dos processos
históricos.
Muitas vezes, as formas apresentadas nas histórias utilizadas nos
livros didáticos representam uma superioridade européia, a maneira de como
deve ser construído o progresso e o padrão de uma sociedade perfeita, sem
contar a desproporção entre as imagens apresentadas para ilustrar as
histórias. Isto porque o número de personagens representados em livros
didáticos é de aproximadamente 5% de personagens negros para 95% de
representações de imagens de não negros, conforme veremos no decorrer da
pesquisa, mediante uma análise feita em um livro didático adotado para
segunda série do ensino fundamental, em toda rede pública do Estado de São
Paulo no ano de 2008.
Entre 1976 e 2004, para cada personagem negro na mídia, observaramse 16,2 personagens brancos. Quase o mesmo valor se repetiu ao se isolar os
livros didáticos de Língua Portuguesa publicados após 1993, o índice era de
16,7 personagens brancos para cada personagem negro. Nesse estudo,
Gonçalves (1987, p.28, apud Silva, 2005.p.13.) diz que existem duas formas de
silêncio que operam na escola brasileira, uma que se cala para as
particularidades culturais da população negra brasileira e outra que nega os
processo de discriminação, é o silêncio que mantém o discurso que tenta
“construir a igualdade entre os alunos a partir de um ideal de democracia
racial”, ocultando os processos de discriminação.
Ana Célia Silva no capítulo “A Desconstrução da Discriminação no Livro
Didático; Superando o Racismo na Escola” (apud MUNANGA, 2001), retrata
muito bem como a humanidade e a cidadania são representadas nos livros
didáticos. Na maioria das vezes, o homem branco está representando a classe
média, enquanto o negro, os povos indígenas e as mulheres pouco aparecem e
quando aparecem estão representados como inferiores, submissos, de forma
estereotipada e caricatural, despossuídos de humanidade e cidadania. Para a
autora, a invisibilidade nas imagens e na história, muitas vezes podem
desenvolver comportamentos de auto rejeição, resultando em repúdio e
negação dos seus valores culturais e valorização dos valores culturais dos
outros grupos sociais representados nos livros. A forte representação de
estereótipos nos livros didáticos pode promover a exclusão, a baixa autoestima
e gerar preconceitos que se constituem em juízo prévio e uma ausência de real
conhecimento do outro.
A autora sugere que se faça uma desconstrução desses estereótipos
impostos nos livros didáticos e muitas vezes expressos por parte de alguns
educadores e colegas enfatizando inclusive a capacidade intelectual da
população negra.
Para Santos (1984, p.84), o estereótipo constrói uma idéia negativa a
respeito do outro, nascida da necessidade de promover e justificar a agressão.
Jones (1973, p. 123) diz que os estereótipos representam uma atitude
negativa com relação a um grupo ou a uma pessoa, baseando-se num
processo de comparação em que o grupo do indivíduo é considerado como
ponto positivo da referência.
É necessário que se faça algumas releituras das imagens e histórias
representadas nos livros didáticos, e na maioria das vezes, cabe ao professor
mudar essa visão, valorizar a cultura e a história dos povos que vieram
escravizados para o Brasil.
Resgatar a história é mostrar que esses povos quando vieram para cá,
tinham uma história, uma cultura, costumes e tradição, fazer o sentido inverso
para poder minimizar o estrago que essas imagens negativas e histórias que
geralmente não se aprofundam e se resumem à escravidão e libertação
concebidas pela bondade de uma princesa.
Lima (apud MUNANGA, 2001, p.96), em outro capítulo do livro
“Superando o Racismo na Escola”, escreve sobre “Personagens Negros: Um
breve perfil na literatura infanto-juvenil”. O autor retratando a influência que a
literatura infantojuvenil tem na formação da criança e de como são tratadas as
relações raciais nesse mundo dos livros, a quase inexistência da imagem do
negro em obras literárias. Essa quase ausência de imagens traz uma negação
da própria imagem, associando-a com todas as figuras e histórias que trazem o
ideal de beleza, de sabedoria e outros que sempre estão associadas com
imagens de brancos e como ajudam na manutenção de identidades
dominantes, construtoras de sentimentos que acabam por fundamentar as
relações sociais.
Muitas vezes se torna tão clara e forte a representação negativa das
imagens do negro nas histórias literárias que a evasão escolar do aluno negro
pode se promover. Segundo Goffman (2008), o estigma se forma nas situações
em que a rejeição do outro se expressa seja por isolamento ou, neste caso, por
meio de comparações com animais, como o macaco, o urubu, o burro, anu, e
outros. Essas crianças acabam por ser marginalizadas e excluídas da
sociedade.
Mais uma vez autores reforçam o mal que estamos fazendo quando
fechamos os olhos para a imagem do negro nos livros adotados no sistema
educacional. A baixa autoestima, a autonegação, o embranquecimento no
pensamento e a idéia de inferioridade são alguns estragos que a falta de uma
ação e um cuidado na hora de apresentar aos educandos esses livros podem
causar ao ser humano.
Anderson (2003, p.423.) comenta a ausência da História da África nos
conteúdos de História. Para o autor o negro está sempre relacionado à
escravidão, sofrimento e servidão, quase nunca é retratado um herói negro, as
resistências, os quilombos e o passado do negro antes de serem escravizados.
Entretanto, poder europeu, esse sim é muito bem retratado, aliás, não se
esquecem dos heróis e da suposta superioridade dos europeus sobre os outros
países que eram considerados inferiores e pouco desenvolvido.
Para ele, a África mostrada na mídia também reflete nos bancos
escolares, uma África doente, miserável, esfomeada e massacrada pela
guerra. Essas imagens e informações que dominam os meios de comunicação,
os livros didáticos incorporam a tradição racista e preconceituosa de estudos
sobre
o
continente
e
a
discriminação
à
qual
são
submetidos
os
afrodescendentes em nosso país.
O autor ressalta também vários momentos em que o racismo e o ar de
superioridade do branco no decorrer da história, passagens bíblicas, citações
na idade média e moderna, mostrando que o problema é antigo e está na hora
de mudar, acredita que além das imagens positivas nos livros didáticos é
necessário focar a África em sua própria trajetória, histórias dos reinos e
civilizações africanas, sua cultura e tradição.
3. LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL E A
REPRESENTAÇÃO DO NEGRO
Um breve histórico do livro didático no Brasil
No ano de 1929, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE), criou um órgão específico para legislar sobre a política do livro
didático, o Instituto Nacional do livro (INL). A ação Federal tem como finalidade
prover as escolas das Redes Federal, Estadual e Municipal com obras
didáticas, paradidáticos e dicionários de qualidade. Atualmente, essa política
está consubstanciada no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) que
distribui gratuitamente obras didáticas para todos alunos do Ensino
Fundamental l e ll e Ensino Médio.
A criação do Instituto Nacional do Livro (INL), teve também a função de
legislar sobre políticas do livro didático, contribuindo para dar maior legitimação
ao livro didático nacional. Em 1938, a instituição da Comissão Nacional do
Livro Didático (CNLD) permitiu estabelecer a primeira política de legislação e
controle de produção e circulação do livro didático no país. A legislação sobre
as condições de produção, importação e utilização do livro didático foi
consolidada em 1945, restringindo ao professor a escolha do livro a ser
utilizado pelos alunos.
Em 1966, um acordo entre o Ministério da Educação (MEC) e a Agência
Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID) propiciou a
criação da Comissão do Livro Técnico e Livro Didático (COLTED), com o
objetivo de coordenar as ações referentes à produção, edição e conseguir
recursos financeiros para distribuição do livro didático. Em 1971, o Instituto
Nacional do Livro (INL) passou a desenvolver o Programa do Livro Didático
para
o
Ensino
Fundamental
(PLIDEF),
assumindo
as
atribuições
administrativas e de gerenciamento dos recursos financeiros até então a cargo
da COLTED. A contrapartida das Unidades da Federação tornou-se necessária
com o término do convênio MEC/USAID.
Em 1976, houve a extinção do INL e a Fundação Nacional do Material
Escolar (FENAME) tornou-se responsável pela execução do programa do livro
didático, com recursos provenientes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE). Em 1983, foi realizada a Fundação de Assistência ao
Estudante (FAE) em substituição a FENAME, que assumiu a responsabilidade
pela implementação do PLIDEF. Na ocasião, o grupo de trabalho encarregado
do exame dos problemas relativos aos livros didáticos propôs a participação
dos professores na escolha dos livros e a ampliação do programa, com a
inclusão das demais séries do Ensino Fundamental. Como resposta às
recomendações deste grupo, o PLIDEF deu lugar, em 1985, ao Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD). O novo programa expressava diversas
mudanças na política, como a indicação do livro didático pelos professores, a
reutilização do livro, a extensão da oferta aos alunos de 1ª e 2ª séries das
escolas públicas e comunitárias e o fim da participação financeira dos Estados,
passando o controle do processo decisório para a FAE, garantindo o critério de
escolha do livro pelos professores.
Novas mudanças na política de livro didático iriam ocorrer na década de
noventa. Devido a limitações orçamentárias, a distribuição dos livros didáticos
foi sensivelmente comprometida em 1992, restringindo-se o atendimento até a
4ª série do ensino fundamental. Esta situação seria revertida a partir do ano
seguinte, quando a constituição do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da
Educação (FNDE) garantiu recursos para a aquisição dos livros didáticos
destinados aos alunos das redes públicas de ensino, estabelecendo-se assim,
um fluxo regular de verbas para a aquisição e distribuição do livro didático.
A partir de 1995, foi retomada a universalização da distribuição do livro
didático no ensino fundamental. Neste ano, o processo contemplou as
disciplinas de matemática e língua portuguesa; em 1996, a de ciências; em
1997, as de geografia e história. No ano seguinte, foi iniciado o processo de
avaliação
pedagógica
dos
livros
inscritos
para
o
PNLD/1997.
Esse
procedimento foi aperfeiçoado, sendo aplicado até hoje. Os livros que
apresentam erros conceituais, indução a erros, desatualização, preconceito ou
discriminação de qualquer tipo são excluídos do Guia do Livro Didático. A
extinção, em 1997, da Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) resultou
na transferência integral da responsabilidade pela política de execução do
PNLD para o FNDE. O programa foi ampliado e o Ministério da Educação
passou a adquirir, de forma continuada, livros didáticos de alfabetização, língua
portuguesa, matemática, ciências, estudos sociais, história e geografia para
todos os alunos de 1ª a 8ª série do ensino fundamental público. O dicionário de
língua portuguesa começou a ser distribuído a partir do ano de 2000 e demorou
até 2003 para ser implementado em todo ensino fundamental.
Entre 1994 e 2005, o PNLD adquiriu, para utilização nos anos letivos de
1995 a 2006, um total de 1,077 bilhões de unidades, de livros, distribuídos para
uma média anual de 30,8 milhões de alunos, matriculados em cerca de 163,7
mil escolas. Nesse período, o PNLD investiu R$ 342 bilhões.
Após esse breve levantamento histórico sobre os livros didáticos e
ressaltando sua importância como mais um instrumento facilitador do processo
ensino-aprendizagem, resolvemos analisar um livro didático utilizado no 1º ano
do ensino fundamental.
Assim, verificaremos, principalmente, se o livro está no formato e moldes
PCNs e do PNLD, lembrando a aplicação da Lei nº 10639/03, que torna
obrigatório o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no
Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
e da mesma maneira, o estudo da cultura indígena brasileira, como consta na
lei nº 11645/0810, de forma a resgatar de ambos os povos a contribuição nas
áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
O livro analisado foi adotado em toda rede Estadual de Ensino como
parte do Projeto Ler e Escrever na área de Língua Portuguesa para a 1ª série
10
o
Lei nº 11.645/08: Altera a Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº
10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e
Cultura Afro-Brasileira e Indígena.
do ensino fundamental e pertence ao Projeto Pitanguá, produzido e organizado
pela Editora Moderna em 2005.
A preocupação está na utilização das imagens utilizadas para ilustrar o
livro e nos textos adotados para trabalhar o processo de alfabetização.
A idéia de analisar este volume está em mostrar como um livro didático
que tem a função de alfabetização, utiliza-se dos recursos de imagens e como
os personagens estão representando o povo brasileiro.
Começo analisando as ilustrações verificando a quantidade de imagens
que servem para ilustrar as páginas e os textos utilizados como recurso no
processo de leitura e escrita do aluno, em seguida, os textos que foram
escolhidos como recurso para alfabetização. Após essa análise será feito um
levantamento dos autores e por último iremos fazer uma conclusão a respeito
do material e a implementação da lei nº 10639/03 na educação básica.
O livro é composto de 280 páginas, contendo 534 imagens utilizadas
para ilustrar textos, exercícios e marcações de páginas. Destas imagens
apenas 27 delas são de personagens negros, 1 de índio, 9 latinos e 497
brancos. Dos negros que aparecem nas ilustrações, alguns são representados
de maneira pejorativa.
Na página 35 aparecem duas imagens de sacis, na página 64 aparece
uma imagem de faxineira, na página 208 uma imagem de um pedreiro e na
página 277 dois personagens aparecem ilustrando uma tira de humor, no
quadro mostra a inferioridade do negro em relação ao branco no desempenho
escolar.
Nas 280 páginas analisadas, as imagens dos personagens negros estão
em apenas vinte e três delas, já o índio aparece somente em uma e os latinos
estão representados em seis páginas enquanto os brancos são demonstrados
em 181 delas, as outras 69 páginas não contém ilustrações.
O livro contém nove unidades que retratam temas que serão abordados
durante o curso. As unidades são formadas por 42 textos, sendo que apenas
dois destes foram escritos por um autor negro, os outros 40 são escritores não
negros. O primeiro está na unidade 1, que explora o tema casa, enquanto
escritores não negros retratam moradias de seres humanos, o texto do autor
negro se refere à moradia de animais. O segundo texto deste autor está na
unidade 4, que explora o tema animais.
É curioso notar que os dois textos do único autor negro presente no livro
referem-se a animais. Será que isso acontece porque inconscientemente
grande parte das pessoas estão acostumados a relacionar o continente
africano com animais selvagens?
Os textos trabalhados em todas as unidades, em nenhum momento
valorizam a imagem do negro, tanto nas ilustrações como no contexto das
histórias. Vamos citar dois exemplos utilizados no livro em que o contexto
poderia ser outro.
O primeiro é um texto de Heloisa Prieto11, localizado na unidade 2, este
que explora o tema nome. O texto escolhido pela escritora é “Apolo”, a história
retrata a mitologia grega, os deuses e suas divindades, a autora poderia ter
criado uma história sobre algum orixá, desta forma estaríamos valorizando a
cultura e a tradição africana muito utilizada em várias linhas religiosas que
herdamos dos povos africanos. O outro texto também é da mesma autora, este
se encontra na unidade 4 em que explora o tema animais, a autora escolhe
“Patinho Feio”, uma história muito conhecida entre as crianças.
Sabemos que a história do “Patinho Feio” é muito criticada por alguns
pesquisadores que discutem a questão racial, pois o patinho feio é preto e por
isso é rejeitado pela sua família e seus irmãos, destoando dos demais que são
brancos. Essa história poderia ter sido reescrita dando uma versão positiva e
valorizando a aceitação entre as etnias, independente de ser um animal.
São inúmeras as mudanças que poderíamos sugerir no sentido de
envolver a questão racial no Brasil. Não basta o MEC aprovar uma lei que
valoriza e torna como obrigatório o Ensino da Cultura e História da África no
currículo, e o Governo Estadual simplesmente ignorar essa lei, tanto
implementando manuais didáticos a serem aplicados pelos professores, quanto
não fiscalizando os livros adotados principalmente nas séries iniciais, nas quais
é extremamente importante valorizar as diversas culturas que formam a
sociedade brasileira.
11
Heloisa Prieto “nasceu em São Paulo, no ano de 1954. Mestra em comunicação e
doutoranda em teoria literária, tradutora e autora de diversas obras de literatura infanto-juvenil,
como "Mil e Um Fantasmas" (Companhia das Letras) e "Rotas Fantásticas" (FTD). Exprofessora da Escola da vila, atualmente, além de escrever e pesquisar literatura, coordena
coleções e antologias como uma tentativa de compor livros que apresentem sensibilidades
diferentes”.
Propiciar que as crianças passem a se enxergar a cultura afro-brasileira
de maneira positiva, aprender sobre toda contribuição histórica e cultural que
os descendentes africanos nos deixaram, conhecer sobre os heróis, escritores
e personagens literários que fizeram parte da formação do povo brasileiro.
Foi necessária a implementação de uma lei para fazer com que a Rede
Nacional de Educação entendesse a necessidade de falar da Cultura e da
História Africana e da contribuição que os afrodescendentes nos deixaram.
Antes, a LDB instituía algumas obrigatoriedades sobre a questão da
diversidade cultural na lei nº 9394/96, mas não especificava sobre o ensino da
história e cultura da África, foram necessárias algumas alterações para torná-la
obrigatório.
A Lei nº 10.639, de 9 de Janeiro de 2003 que estabelece as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, incluiu no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" nas áreas de
Artes, Literatura e História, enfatizando o estudo da História da África e dos
Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na
formação da sociedade nacional, tornando visível a contribuição do povo negro
nas áreas social, econômica e política pertinentes a História do Brasil.
A Lei nº 11.645, de 10 Março de 2008, alterou a Lei nº 10.639, incluindo
no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e
Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
Mesmo com a implementação das leis citadas acima alguns artigos
ainda não estão sendo respeitados por parte das instituições de ensino e não
temos nenhum órgão que fiscaliza a implementação das leis. O Estado está
preocupado apenas com o índice de alunos aprovados no ano letivo, não se
preocupa com a qualidade de ensino, ou com um ensino mais humanizado.
Assim, a implementação da lei nº 10639/03 passa fortemente pela
questão do livro didático. Por que os livros didáticos adotados pela Secretaria
de Educação do Estado de São Paulo não estão atendendo às especificações
da lei citada acima? Por que o Governo do Estado implementou um caderno de
orientações para os professores trabalharem juntamente com os livros
didáticos e o mesmo também não atende às questões da lei nº 10639/03?
A coordenadora geral do programa do FNDE, Sonia Schwartz Coelho,
diz que:
Os professores das redes públicas escolherão os livros para
serem adotados em 2010. Esse processo faz parte do PNLD,
que tornou obrigatório os professores da rede pública de
Ensino a participar da escolha dos livros didáticos que serão
adotados nos anos determinados pelo Programa.
A coordenadora chama a atenção dos autores, principalmente para os
livros de História e Geografia, para abordarem temas que valorizam a
diversidade cultural do país.
Por que o livro didático, mesmo sendo frisado sobre a questão da
diversidade cultural é obrigatório, não atende às especificações? Por que os
professores, já que fazem parte da escolha desses livros, não ficam atentos e
recusam os livros que não atendem as propostas? Por que as imagens
utilizadas para ilustrar as histórias, textos e atividades, são de maioria brancos?
Onde estão as imagens dos negros, que não sejam para identificar os
escravizados e a classe pobre do Brasil? Essas imagens têm peso sobre a
evasão escolar?
A situação se torna preocupante, sabendo que os professores que estão
formando cidadãos críticos, não fiquem atentos para esses detalhes que
possam ser fundamentais na questão da autoestima da criança negra.
Um exemplo claro do que estamos falando, seria do livro analisado na
pesquisa. O livro do Projeto Pitanguá de Português utilizado no ano de 2008 e
2009, não atende às especificações que o FNDE impõe. Então porque o livro
foi escolhido e adotado pela Rede Estadual de Ensino de São Paulo? Será que
não envolve uma questão de jogos de interesse, já que são tiradas em média
100 milhões de exemplares, custando em média trinta reais cada, segundo o
FNDE?
Esse livro foi organizado pela Editora Moderna, que, aliás, há muitos
anos domina o mercado de livros didáticos aqui em São Paulo e é coordenado
pela autora Maria Tereza Rangel Arruda Campos. Como já mencionamos no
primeiro capítulo, a editora não trata da implementação da lei nº 10639/03. O
livro tem em média de 5% de imagens de negros e não contempla em nenhum
momento a cultura e a história deixada pelo legado africano, não contempla a
diversidade cultural e não valoriza a identidade dos afrodescendentes, além de
que algumas páginas trazem imagens com conotações pejorativas em relação
ao negro como, por exemplo, na imagem da página 277 que mostra o negro
em uma situação estudantil inferior a do branco.
A equipe responsável e coordenada pela autora diz que o livro tem como
finalidade desenvolver a compreensão leitora e a capacidade de escrever com
clareza e expressar-se oralmente de forma adequada. Para atender esses
objetivos, a mesma organizou o livro em dois eixos:
•
Trabalho de leitura e produção de diversos tipos de texto, entre eles
narrativos, poéticos, expositivos, argumentativos e instrucionais;
•
Programas sistemáticos, desenvolvidos passo a passo e de modo claro.
A análise do livro revela que os textos utilizados para abordar os temas
nos capítulos, não contemplam a lei nº 10639/03. Os textos poderiam explorar
várias temáticas valorizando a cultura afro-brasileira, a identidade do negro e
outras temáticas que trabalham a autoestima. As poesias nunca são
elaboradas por um autor negro, as narrações e diálogos nos textos não
envolvem um personagem negro, não é explorado nenhum conto ou lenda de
origem africana, quer dizer, o livro não atende às necessidades de ações
afirmativas e da realidade sociocultural brasileira.
O livro didático continua com a função de veicular a ideologia das
classes dominantes e possibilitar a reprodução da ordem burguesa. Pensando
assim, ele pode nos dar um novo olhar para um dos motivos encontrados em
relação à questão da autoestima do aluno negro, quando nega a inserção de
imagens e histórias que valorizam a cultura dos afro-brasileiros, possibilitando
uma relação com o processo de evasão escolar do aluno negro.
A criança aprende a perceber o livro didático como legitimadores da
verdade, por isso a preocupação de um recurso didático que represente o real,
lembrando que esse material perpetua por muitas vezes suas identidades, seus
valores, suas cultura e suas tradições.
A construção inconsciente da negação da própria origem e a valorização
do
“branco”
como
”ser
superior”,
poderá
afetar
inconscientemente a criança e o jovem negro na sociedade.
indiretamente
e
Se pensarmos na educação como formador de um cidadão crítico,
politizado, questionador, pertencente a uma sociedade igualitária, então qual a
função do livro didático nesse papel?
A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos
grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras
invenções de sua cultura, em sua sociedade. Brandão (1981,
p.10-11)
Não se pode negar que o livro didático é um elemento que reflete as
características econômicas-políticas-ideológicas de uma sociedade, é um
instrumento importante para a construção de ideologias e memórias,
assumindo um papel de relevante importância na política e na aprendizagem,
sendo assim, o livro didático e a educação influenciam e são influenciados pela
sociedade, isto é, pelo contexto político, econômico e social de um determinado
período histórico.
Se a consciência social de crianças e adolescente é o reflexo das
relações sociais por eles vivenciados no ambiente familiar, na escola e na visão
de mundo que lhe são apresentadas muitas vezes através dos livros didáticos,
esse aluno poderá julgar a realidade de acordo com a perspectiva do que lhe é
apresentado, e esse mundo poderá mostrar a realidade de uma classe
dominante que será vista como superior e modelo do correto, ou seja, aceitar a
separação das classes.
A consciência individual da esmagadora maioria das crianças
reflete relações civis e culturais diversas e antagônicas às que
são refletidas pelos programas escolares: o ‘certo’de uma
cultura evoluída tornas ‘verdadeira’ nos quadros de uma
cultura fossilizada e anacrônica, não existe unidade entre
escola e vida e, por isso, não existe unidade entre instrução e
educação. (Gramsci, 1968, p. 131)
Percebemos que um livro de alfabetização que foi adotado pelo Governo
de São Paulo e aprovado pelo Ministério da Educação, tem caráter
extremamente preconceituoso e não está contemplando em nenhum momento
a valorização da cultura e história dos afrodescendentes em nenhum de seus
textos nem nas ilustrações.
No livro analisado, a imagem do negro está presente em apenas 5 %
das imagens reproduzidas em todo livro, mesmo se tratando de um livro de
Língua Portuguesa, em nenhum momento mostra a importância da de algumas
palavras de origem africana que são utilizadas no dia a dia, como por exemplo
bunda, cochicho, etc.
O livro é dividido em capítulos, e esses retratam temas como moradia,
identidade, família e outros, e aí ficam algumas indagações: Por que o negro
não está representado de forma digna nos capítulos mencionados? Qual a
intenção em não mostrar imagens positivas nos textos? Será que nenhum
órgão responsável prestou atenção antes de autorizar a publicação deste livro?
O primeiro ano escolar, o ano de alfabetização, o início de uma associação das
imagens com a escrita, serão que essas imagens não irão afetar no resto do
processo de alfabetização desta criança? Não será novamente um processo de
embranquecimento ou de invisibilidade do negro na sociedade? Poderá o livro
didático ser um dos fatores responsáveis pela evasão escolar?
Ao longo da história, o negro foi excluído da sociedade, e não foi de
forma diferente nos livros didáticos. Mostrar o negro em situação de igualdade
seria caminhar na contra mão da história.
O sistema educacional ainda funciona como um espaço de
desigualdades, de construção de identidades conflitivas, por
vezes quebra de imagens. A criança e o adolescente negro(a)
são sujeitos desse processo.(Gomes.p.184)
As imagens utilizadas nos livros didáticos ainda representam a não
totalidade da população e nega as diversidades culturais existentes no Brasil,
por isso a necessidade que se tenha um olhar diferenciado nas escolhas dos
materiais didáticos para serem trabalhados em sala de aula, assim ao invés de
excluir poderemos incluir, não apenas os negros e sim todas as etnias que são
esquecidas e invisíveis na formação do povo brasileiro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando em consideração alguns estudos que abordam as possíveis
causas do abandono escolar no ciclo l, podemos perceber que existem
realmente vários fatores que possibilitam a criança a abandonar os estudos nos
primeiros anos escolares.
Dentre os fatores possíveis, percebemos que a família, a relação
educador e educando e a questão da autoestima, são pontos importantes e
determinantes em todo o processo.
A família por não acompanhar a vida escolar do aluno, atribuir
responsabilidades de trabalho e até achar que o estudo não é importante. A
relação entre professor e aluno, principalmente quando o professor perde o
controle sobre o aluno e faz com que as relações se tornem insustentável, isso
faz com que a criança perca o estímulo de ir para a escola. A questão da falta
de imagens positivas, quando tratamos dos alunos negros, nos livros didáticos
faz com que a criança não se identifique com a sociedade que o cerca,
acarretando a perda da autoestima e levando esse aluno a abandonar os
estudos e aceitando a questão da inferioridade em relação ao aluno branco.
O trabalho para combater a evasão escolar é uma tarefa desafiadora,
pois como vimos, as causas são diversas, e envolve sociedade, escola,
familiares, entre outros.
Quando tratamos do aluno negro, o caso é mais preocupante ainda, pois
esse processo acarreta problemas na sociedade e na própria identidade,
fazendo com que muitas vezes ele se sinta desvalorizado e negue sua própria
origem. Todo processo de exclusão está vinculado a questões que permearam
toda pesquisa.
Quando tratamos da implementação de lei nº 10639/03 e da Lei nº
11645/08, verificamos que existem muitas coisas ainda para debater, a lei não
é aplicada na maioria das instituições, não é cobrada pelas autoridades e não é
respeitada nos livros didáticos. Os órgãos competentes simplesmente fecham
os olhos para um assunto sério, de nível nacional, não enxergam que é uma
questão de respeito e valorização de um povo que fez parte da colonização do
Brasil, que tem história, que tem cultura, que tem origem. Não percebe que
ações afirmativas como a aplicação dessas Leis faz com que o negro se sinta
parte importante do processo histórico, valoriza e aumenta sua autoestima,
mostra que a sociedade é formada por brancos, negros, índios e mestiços e
todos tem seu devido valor.
A falta de imagem de negros nos livros didáticos reforça o texto social,
faz com que a criança, mesmo inconsciente, construa uma imagem negativa de
sua origem. Pensamos o seguinte, se uma pessoa, seja ela quem for, só se
enxerga como inferior, que sempre esteve em condições sub humanas, que
sempre serviu, que nunca está representado nos livros, nas revistas, na
televisão como parte importante da sociedade, como essa pessoa irá se
enxergar? Será que ela irá gostar de ser essa pessoa invisível? Isso não afeta
inconscientemente a autoestima da criança?
Enfim, é interessante ter atenção a estas perguntas, pois será a partir
destas que, poder-se-ão identificar o que tem levado os alunos ao abandono
escolar tão precocemente, no sentido não apenas de relacionar culpados, mas
assumir responsabilidades e atitudes que visem buscar alternativas para não
só resgatá-los, mas fazer o possível para mantê-los na escola e conduzi-los a
um futuro digno e igualitário.
Neste estudo, procuramos apontar vários dos fatores já tratados por
outros pesquisadores e, além destes, outros foram mencionados como a
questão da falta de imagem da criança negra nos livros didáticos em ações
positivas.
Sob a afirmativa das pesquisas, a questão da imagem do negro nos
livros didáticos é um resultado de anos de massacre sobre o negro no Brasil,
um controle imposto pelos dominantes brancos desde a colonização até os
dias de hoje. Cabe a sociedade como um todo cobrar das autoridades
competentes que mude esse papel, sendo um país que tem como mais da
metade de sua população, pretos, pardos, índios e mestiços, não podemos
fechar os olhos e deixar a história se repetir, uma história covarde que mostra o
branco sempre sendo superior as demais etnias, apagando toda herança
cultural e histórica que os demais povos contribuíram para formação desse
imenso país.
Não podemos tirar as responsabilidades das escolas, do governo e das
famílias pelo abandono escolar, todos têm sua parcela de participação, pois se
trata de relações sociais, mas é importante ressaltar a questão dos livros
didáticos, por não ser um estudo muito debatido e, como podemos perceber
durante toda a pesquisa, tem seu peso em todo esse processo de evasão
escolar e autoestima da criança negra não se desvinculando também do
contexto social.
Ao buscar compreender o processo de evasão escolar e identificar os
possíveis fatores que legitima o presente estudo, foi possível observar que os
objetivos propostos foram em parte alcançados, no sentido de direcionar um
novo olhar para identificar de que maneira o livro didático pode contribuir para a
criança abandonar os estudos tão precocemente.
Percebemos que não há um único motivo, mas sim um conjunto de
fatores que levam essa criança a abandonar os estudos. Não podemos nos
fixar num ou noutro, temos que pensar nas alternativas para sanar esse
problema que afeta a sociedade como um todo, e uma das alternativas
propostas é realmente a implementação da lei nº 10639/03 e 11645/08 na
íntegra, e um novo olhar para as escolhas dos livros didáticos adotados em
toda a rede de ensino, prestando atenção em relação às imagens utilizadas
para ilustrar esses livros, ficando atentos às histórias que abordam os negros,
observando se as figuras utilizadas são pejorativas e que venham afetar sim, o
inconsciente da criança.
Sabemos que temos que mudar esse quadro, mudar a forma de
enxergar o abandono escolar, prestar atenção nos reais motivos que fazem a
criança negra a abandonar o mundo acadêmico, se preocupar realmente em
fazer as autoridades competentes ficarem atentas para o fator do preconceito e
discriminação nos bancos escolares, nos livros didáticos e no cotidiano escolar,
fazer com que os professores se preocupem com essas crianças que param de
frequentar as aulas, tentar resgatar os valores que há muito tempo vem se
desmanchando, valores de família, de cidadania, de inclusão social e respeito.
Enfim, não podemos aceitar que essas crianças negras se tornem pessoas
invisíveis no amanhã.
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bancos escolares. Representações e imprecisões na literatura didática
Anderson Ribeiro Oliva in;Estudos Afro-Asiáticos, Ano 25, no 3, 2003, pp. 421461
ANEXOS
Relatos
Os relatos redigidos abaixo foram feitos através de entrevistas gravadas.
Deles
foram
utilizados
fragmentos
que
apresentamos
durante
o
desenvolvimento da pesquisa para comprovar algumas hipóteses levantadas
durante o processo.
1º Relato
Maria José Pereira da Silva: Professora de Educação Infantil e Ensino
Fundamental da Rede Estadual e Municipal de São Paulo, formada em
pedagogia com especialização em Ensino de Jovens e Adultos.
•
Professora Maria José me fale um pouco da sua experiência
profissional na área da educação.
•
Trabalho na área da educação a mais de 20 anos. Minha
experiência é na educação básica, ou seja, de 1ª a 4ª série no
ensino fundamental, e na educação de Jovens e Adultos. Sempre
procurei dar o máximo de mim para fazer desses meus alunos
pessoas que reflitam um pouco mais sobre a vida e se tornem
boas pessoas.
•
Fale-me um pouco sobre algumas experiências em sala de aula
que tenha notado atos de preconceitos, negação de origem,
discriminação entre os alunos da educação básica.
•
Deixe-me lembrar, são tantas, não é fácil de lembrar assim,
estranho, deveria me lembrar, mas eu acho que às vezes percebo
atos de preconceito, no entanto muitas vezes relevo, não sei se
as crianças percebem ou estão prontas para discutir assuntos tão
delicados como esse. Lembro-me de uma aula de artes que eu
acredito que entra na questão da negação de origem. Pedi para
os alunos contornarem as mãos e depois pintarem, mas antes fiz
uma pergunta sobre o lápis cor de pele, pedi para as crianças
levantarem o lápis cor de pele, todos levantaram vários lápis de
cores salmão, rosa, e até laranja, ninguém levantou preto nem
marrom, eles só levantaram depois que pedi para observarem a
cor da mão de cada um e levantarem a lápis da cor que mais se
parecia com a pele de cada um. Lembrei-me de outro fato que se
encaixa na questão da negação de origem, no dia de brinquedo
as meninas trazem bonecas brancas, as alunas negras dizem que
se parecem com as barbies, outras brincam de apresentadoras de
televisão, sempre são Xuxa ou Eliana.
Na questão de preconceito e discriminação percebo nas falas e
xingamentos e apelidos, por exemplo: sai daqui seu neguinho
sujo, cabelinho de bombril, carvão, lama preta.
•
Qual a sua reação quando ocorrem essas falas?
•
Peço para não fazerem isso de novo, a não ser quando sai briga, aí
eu levo para diretoria. Algumas vezes tento fazer uma reflexão sobre
racismo e preconceito, mas eles são pequenos, não entendem muito.
•
O que você acha que leva uma criança a abandonar os estudos?
•
São vários os motivos, mas acredito que o principal é a família, se a
família não incentiva a criança, não acompanha essa criança na
escola ela fica desestimulada e para de estudar. Eu percebo aqui,
com minhas crianças, quando o pai ou a mãe é participativo essa
criança caminha, aprende a ler e escrever muito rápido, mas aquelas
que você percebe que a família não está nem aí, você chama os pais
para conversar e eles nunca aparecem, você percebe que o caderno
dessas crianças nunca é olhado, nem, sequer se preocupam em
olhar bilhetes, isso sim pode fazer a criança à não gostar de estudar
e parar de muito cedo de vir para a escola. Outra coisa que me
chama a atenção é a baixo autoestima que pode ser causada pela
falta de imagem representativa em vários meios, eu acredito que a
invisibilidade realmente pode ajudar no processo da evasão escolar.
Quando a criança não se enxerga nos livros, não se reconhece na
televisão, não é destacado pelos professores, isso poderá influenciar
diretamente no psicológico da criança, podendo fazer com que ela
venha a abandonar os estudos precocemente.
2º Relato
Valeska Cizauskas Viana: Psicóloga e Professora de Educação Infantil e
Ensino Fundamental da Rede Pública do Estado e Município de São Paulo.
•
Professora Valeska, com toda sua experiência na área de
educação e como psicóloga você percebe alguma relação entre
os desenhos de figuras humanas retratados nas séries iniciais
com a negação da origem de cada criança?
•
A criança desenha o que está no inconsciente dela, ela desenha
o ideal de beleza, o que assiste na televisão o que vê nos livros e
revistas, o que está na moda, o que é bonito para o padrão da
mídia, e como o desenho é uma projeção do que ele vê, ele
desenha o que considera ideal, é uma forma inconsciente de
negar a própria origem. Muitas vezes às crianças têm vergonha
do próprio cabelo, os meninos raspam e as meninas ou alisam ou
prendem, alegam que o cabelo é ruim e as meninas ficam com
vergonha, quando elas desenham o rosto, o cabelo está sempre
liso.
•
Você pode relatar alguma atividade que tenha aplicado em sala
de aula que você acredite que demonstre outra forma de
negação da própria origem?
•
Tem uma atividade que fiz recentemente com meus alunos que é
um exercício que chamo de espelho, peço para os alunos
olharem em um espelho grande que trago apenas nesse dia para
essa atividade, foi nesse dia que percebi que muitas das minhas
crianças não se viam como negros, após todos alunos
observarem o próprio corpo, pedi para que desenhassem e
pintassem com a cor da pele, apenas dois alunos, de trinta e sete
que estavam presentes, pintaram o desenho de preto, sendo que
vinte e dois alunos são negros.
•
Qual foi sua atitude em relação a essa postura?
•
Fiz um trabalho com os alunos resgatando a autoestima de cada
um, valorizando os negros que vieram escravizados para o Brasil,
mostrando um pouco da cultura, dos heróis, de personagens
marcantes na história. Após essa atividade percebi que
começaram a se aceitar como eram.
•
Você já percebeu algum ato de preconceito ou discriminação na
fala de algum colega de trabalho?
•
Percebo muitas falas, que acredito ser inconsciente, mas eu acho
extremamente desagradável, por exemplo: quando comentam de
algum aluno na sala dos professores e não falam o nome, dizem
apenas aquele mulatinho do fundo, ou o fulano mais escurinho.
Um fato que me deixou chocada foi quando observei nos olhos
de uma colega muita raiva ao se retratar de uma aluna que era
bagunceira e vivia arrumando confusão com os meninos, ela
chamou a menina de pretinha suja e a comparou com o irmão
que era conhecido como azulão, um ex aluno que não saia da
boca de fumo.
•
Você já procurou conversar com esses professores que tem
essas atitudes preconceituosas, sobre essa forma de comentar
dos alunos?
•
Confesso que só em tom de brincadeira, nunca tentei tratar
diretamente com eles. Depois dessa nossa conversa comecei a
pensar um pouco mais sobre o assunto, se nós que trabalhamos
com a educação cometemos atos falhos dessa grandeza, como
vamos combater o racismo e o preconceito em sala de aula?
Quando ouvir na sala dos professores falas desse tipo vou abrir
minha boca e falar claramente com os colegas.
3º Relato
Sra A. S., mãe do menor A. C. S, aluno que abandou os estudos no ano
de 2008 ainda nas séries iniciais.
•
O que levou a Sra a tirar seu filho da escola?
•
Meu filho tem oito anos e estuda na primeira série, não sabe ler e muito
menos escrever. Cansei de levar bronca na escola da professora, que
me chamava sempre para falar a mesma coisa, prefiro que ele fique aqui
em casa para cuidar do irmão menor, pelo menos ela irá fazer alguma
coisa de útil.
•
A Sra acha que ele pode se prejudicar no futuro por perder esse ano?
•
Acho que não, no ano que vem ele estuda de novo. Vou tentar colocar o
irmão dele na creche e ele não vai precisar mais cuidar do irmão menor.
•
Ele não é muito pequeno para cuidar do irmão mais novo?
•
Aqui em casa não tem isso de mais novo, eu sempre cuidei dos meus
irmãos menores, trabalho desde que me conheço por gente, e também
parei de estudar na primeira série.
4º Relato
Sr R. S., pai do menor R. S. Jr que abandou os estudos na 5ª série do
ano de 2008.
•
Sr R., o quê acha que fez o seu filho abandonar os estudos esse
ano?
•
Sei lá, acho que ele não gosta de estudar.
•
Como o Sr ficou sabendo que ele parou de frequentar a escola?
•
Pela vizinha.
•
Como o Sr se sente em relação a essa situação?
•
Eu sou pai e mãe desse menino, a mãe saiu de casa quando ele tinha
oito anos, de lá para cá eu tenho que trabalhar, cuidar de casa e
ainda cuidar dos meus três filhos menores que moram comigo. Eu
trabalho o dia inteiro e não tenho tempo de verificar se ele está
estudando, pode ser que eu tenha falhado, mas não me culpo, eu
acho que ele tem que saber o que quer, se ele parar de estudar ele
que vai sofrer a consequência. Bom eu só fiquei sabendo que ele
parou de ir para a escola quando uma vizinha me disse que ele
passava o dia todo empinando pipa. O que eu fiz foi dar uma surra
nele, mas não adiantou ele continuou a ficar na rua e não ir para a
escola, agora o que eu posso fazer, matar, isso não posso, então
entrego na mão de Deus e deixo o barco rolar, mas de uma coisa
tenho certeza ele vai sentir falta de estudar, aí é que ele vai ver a
burrada que fez.
•
Você sabe que ele não pode ficar fora da escola?
•
Isso não me interessa, se ele não quer estudar o problema não é meu
e eu não vou ter prestar conta pra ninguém, quero só ver quem é que
vai vir aqui falar comigo, por acaso é a polícia?
5º Relato
Elizabeth Cruz: Professora de Matemática da Rede Estadual e Municipal
de São Paulo. Atua no Ensino Fundamental, Médio e Ensino de Jovens e
Adultos.
•
Professora Elizabeth, quando se trata de EJA, qual a cor de pele da
maioria de seus alunos?
•
A grande maioria é negra, ou seja, temos muitos alunos pardos e alguns
pretos.
•
Você trabalha a questão racial em sala de aula?
•
Sim, na medida do possível, porque minha área de atuação é
matemática,
mas
eu
sempre
procuro
trabalhar
com
a
interdisciplinaridade e assuntos como sexualidade, discriminação racial
e drogas sempre são abordadas.
•
Você pode me relatar uma atividade que abordou esse tema?
•
Na verdade a atividade não era exatamente sobre questões de
discriminação e preconceito, mas a discussão levou a isso. A proposta
da atividade era apenas para fazermos um debate sobre os motivos que
levaram eles a abandonarem os estudos ainda nas séries iniciais,
costumo fazer essa atividade logo nas primeiras aulas sempre que pego
uma turma nova. No meio da discussão, coloquei em questão a imagem
do negro no livro didático, se eles percebiam ou se lembravam de
imagens que mostravam coisas boas sobre os negros. Os alunos
começaram a falar primeiro sobre a questão do abando escolar, a
grande maioria colocou a questão do trabalho sendo o principal motivo,
outros alegaram a falta de estímulo no ambiente escolar e um grupo
pequeno mais significativo disseram que a culpa deveria ser da família,
porque abandonaram os estudos ainda nas primeiras séries para cuidar
de irmãos menores, porque davam muito trabalho em sala de aula,
muita reclamação dos professores, ajudar no trabalho, cuidar de casa.
Na segunda parte do debate comentei sobre as imagens nos livros, e os
alunos, todos disseram que não se lembravam de imagens, nem de
histórias infantis ou contos de fada, sempre os heróis, as princesas são
brancos. Aproveitei e coloquei para eles refletirem a questão da
discriminação, foi aí que os ânimos se alteraram, primeiro verificou-se a
aceitação da questão da cor de pele. Como grande parte dos alunos são
adultos, não houve muito problema, sendo majoritariamente negros, mas
o que chamou a atenção foi em relação à denominação: “moreno claro,
marrom bombom, preto claro, pretinho, moreno, mulato, negão”.
Aproveitei novamente o momento para que eles refletissem mais e
lancei outra provocação, pedi para que eles se lembrassem de cenas
que eles tivessem na lembrança sobre preconceitos sofridos em sala de
aula, foi um aluno começar a se manifestar para gerar a polêmica e
todos também fazerem o mesmo. A fala que ficou mais forte foi em
relação a duas alunas, uma se lembrou que nunca foi chamada pela
professora para fazer uma leitura, mas nunca tinha pensado que isto
poderia ser uma forma de preconceito, outra aluna disse que se achava
feia, na infância, pelo fato de ser preta, falou que a professora não
deixou ela participar de um desfile no dia da mulher porque tinha que ser
apenas uma menina por sala, e a aluna que iria representar a sala, era a
“bonitinha da Pamela”.
Terminei o debate pedindo para que eles se lembrassem da primeira
pergunta, dos reais motivos que os levaram a abandonar os estudos e
se eles continuavam com a mesma opinião, a grande maioria concluiu
que o principal fator foi à questão da autoestima.
•
Você acredita que discussões desse tipo acrescenta alguma coisa para
o aluno?
•
Lógico que sim, se todos educadores fizessem discussões que
abordassem temas polêmicos, como religião, sexualidade, preconceito,
drogas, política, acredito que tornaríamos esses alunos mais reflexivos e
politizados.
6º Relato
Ana Karina Manson, professora de Língua Portuguesa e Literatura,
especializada em Ensino de Jovens e Adultos. Atua na Rede Estadual e
Municipal de São Paulo.
•
Como você vê a questão do preconceito e discriminação em sala
de aula.
•
Percebo que existe o preconceito e a discriminação em várias
situações, principalmente no tratamento entre os alunos.
•
Você pode me falar algum exemplo?
•
O bulling é um exemplo claro. É muito comum o insulto em tom
de brincadeira no tratamento entre os alunos tanto em sala de
aula como em conversas que ouço quando passo pelos
corredores.
•
Qual a sua intervenção quando ocorrem cenas como essa que
você relatou.
•
Procuro desenvolver atividades que façam os alunos entenderem
que não é correto esse tratamento entre eles.
•
Você pode me contar alguma atividade que desenvolveu em sala
de aula com seus alunos?
•
Claro que sim, teve um dia que andando pelo corredor para ir até
a sala de aula, presenciei dois alunos de uma mesma sala se
agredindo verbalmente, um insultava o outro com nomes
pejorativos, abordei esses alunos e pedi para pararem, o que me
chamou a atenção também foi à forma de um se referir ao outro,
eles não citavam os nomes e sim se referiam um ao outro por
apelidos e se tratavam de apelidos que denigrem a pessoa, mas
eles agiram com naturalidade ao se referirem por exemplo a “
macaco” e a “ baleia”. Naquele dia eu não tive aula naquela sala,
mas no dia seguinte quando eu entrei na sala, a primeira coisa
que fiz foi ter uma conversa séria com eles, não foi bronca e sim
conversa. Foi aí que desenvolvi uma atividade sobre bulling com
eles, no desenvolvimento das atividades eles demonstravam
naturalidade ao contar piadas e a falar os apelidos que davam
uns aos outros, sempre depreciando e denegrindo a imagem dos
colegas, mas os mais ofensivos eram os apelidos dados aos
alunos negros. Os apelidos como: carvão, galinha preta, frango
de macumba, buiu, tição, macaco; chavões como: “quando não
caga na entrada caga na saída”, “amanhã é dia de branco”,
“serviço de preto”. Fiquei imóvel por uns instantes com a
naturalidade que os alunos falavam as coisas e também com a
indiferença com que os alunos negros encaravam os fatos. Após
os relatos, procuramos discutir os significados dos apelidos, das
piadas e dos insultos, de como isso poderia interferir na
autoestima de cada um e no decorrer da vida. Produzimos alguns
cartazes e produzimos panfletos sobre o tema. Essa foi uma das
atividades que desenvolvi durante o ano com esses alunos,
sempre que posso procuro trabalhar a questão do preconceito e
do racismo, apesar de existir muita resistência por parte de
alguns alunos.
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A influência do livro didático no processo Da evasão escolar