Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – Campus São Paulo Relações Étnico Raciais na Educação: A influência do livro didático no processo Da evasão escolar LUCIANO VARGAS BRAGA São Paulo Abril - 2010 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – Campus São Paulo Relações Étnico Raciais na Educação: A influência do livro didático no processo Da evasão escolar LUCIANO VARGAS BRAGA Monografia apresentada ao curso de Pós Graduação Especialização Lato Sensu em Educação Profissional Integrada à Educação Básica com a Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – Proeja, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – IFSP – Campus São Paulo, como parte dos requisitos para a obtenção de certificado de Especialista em Educação de Jovens e Adultos. Orientadora: Profª. Dra. Lourdes de Fátima Bezerra Carril São Paulo Abril - 2010 AGRADECIMENTOS À minha orientadora Professora Doutora Lourdes de Fátima Bezerra Carril, que muito colaborou no processo de construção de trabalho contribuindo na minha formação. Aos entrevistados por colaborarem com seus relatos. A Deus, que sempre me iluminou, dando força para eu confiar e vencer todos os desafios. Dedico este trabalho a minha esposa Sandra e aos meus filhos Luísa e Artur pela compreensão, companheirismo, amor, carinho e dedicação, em todos os momentos da minha vida. Aos mestres proporcionaram e colegas que me desenvolvimento e crescimento e na minha formação. Todas as pessoas que fizeram parte de minha vida, em outros momentos, que me levaram a realizar este trabalho. (...) a ultima palavra pertencerá sempre à nossa consciência e não à consciência do outro; quanto à nossa consciência, ela nunca dará a si mesma a ordem de seu próprio acabamento. ( Mikhail Bakhtin) SUMÁRIO APRESENTAÇÃO------------------------------------------------------------------------------ 1 INTRODUÇÃO----------------------------------------------------------------------------------- 3 1. EVASÃO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL------------------------------- 6 2. PRECONCEITOS E DISCRIMINAÇÕES NOS BANCOS ESCOLARES: CONSTRUINDO A IMAGEM E O ESTIGMA---------------------------------------18 3. O LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL E A REPRESENTAÇÃO DO NEGRO----32 CONSIDERAÇÕES FINAIS------------------------------------------------------------------43 BIBLIOGRAFIA----------------------------------------------------------------------------------47 ANEXOS------------------------------------------------------------------------------------------50 RELATOS------------------------------------------------------------------------------------50 IMAGENS------------------------------------------------------------------------------------60 RESUMO A evasão escolar no ensino primário é um assunto que muito incomoda e inquieta, pesquisadores e a sociedade de forma geral. Essas crianças que abandonam os estudos precocemente, por muitas vezes, acabam voltando aos bancos escolares quando adultos por sentirem necessidade de um emprego e novas oportunidades em sua vida. Entretanto, quando se estuda a evasão associada ao fator étnico racial, este aspecto traduz peculiaridades históricas a serem levadas em conta para a análise da problemática. A autoestima é um dos fatores que podem influenciar no papel da evasão escolar, já que a criança, quando em fase da construção de sua personalidade, por muitas vezes, sofre com agressões verbais e cenas de discriminação e preconceito. Neste trabalho, entendeu-se que a imagem do negro nos livros didáticos proporciona uma queda na autoestima da criança, mesmo inconsciente, por ele estar sempre em um papel de submissão, em condições de inferioridade ou por muitas vezes invisível para a criança, que quase não se vê representado como um cidadão digno. Objetivou-se nesse trabalho apontar algumas pistas para tentar identificar alguns dos motivos que levam essa criança negra a abandonar os bancos escolares tão precocemente e promover reflexões em relação ao livro didático como um fator para ser analisado como co responsável para essa evasão, já que pode gerar uma autoestima baixa para a criança. Os sujeitos envolvidos nessa pesquisa são professores e mães de uma Escola Estadual da Zona Sul de São Paulo e alunos do CIEJA-CL (Centro Integrado de Ensino de Jovens e Adultos, Campo Limpo) que retornaram aos bancos escolares para tentarem um futuro melhor. A partir dos relatos, observou-se que convivem numa desigualdade social e em uma sociedade preconceituosa. Portanto, espera-se que o processo de desconstrução e construção das imagens nos livros didáticos passe por momentos de mudanças significativas e que atitudes preconceituosas e termos pejorativos utilizados nos livros didáticos, nas falas de educadores e da própria família, deixem de ser repetidos. Palavras-chave: Evasão Escolar, Autoestima, Discriminação, Preconceito, Livro didático, Educação. ABSTRACT The pertaining to school evasion in primary education is a subject that much bothers and uneasy, searching and the society of general form. These children who abandon the studies precociously, for many times, finish coming back to when adult the pertaining to school banks for feeling necessity of a job and new chances in its life. However, when if it studies the evasion associated with the etnoracial factor, this aspect translates peculiarities historical to be led in account for the analysis of the problematic one. Autoestima is one of the factors that can influence in the paper of the pertaining to school evasion, since the child, when in phase of the construction of its personality, for many times, it suffers with verbal aggressions and scenes from discrimination and preconception. In this work, one understood that the image of the black in didactic books provides a fall in autoestima of the child, exactly unconscious, for it to be always in a paper of submission, conditions of inferiority or for many times invisible for the child, who almost does not see itself represented as a worthy citizen. It was objectified in this work to point some tracks to try to identify some of the reasons that take this black child to abandon the pertaining to school banks so precociously and to promote reflections in relation to the didactic book as a responsible factor to be analyzed as co for this evasion, since it can generate one autoestima low for the child. The involved citizens in this research are professors and mothers of a State School of the South Zone of São Paulo and pupils of the CIEJA-CL (Integrated Center of Adult Young Education of e, Campo Limpo) that they had returned to the pertaining to school banks will try a better future. From the stories, it was observed that they coexist in a social inaquality and a prejudiced society. Therefore, one expects that the process of desconstrução and construction of the images in didactic books pass for moments of significant changes and that prejudiced attitudes and used pejorativos terms in didactic books, you say in them of educators and of the proper family, they leave of being repeated. Word-key: Pertaining to school evasion, prejudice, didactic Book, Education. Autoestima, discrimination, LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CIEJA IBGE EJA LDB ECIEL COLTED Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Ensino de Jovens e Adultos Lei de Diretrizes e Bases da Educação Estudos Conjuntos de Integração Econômica da América Latina Parâmetros Curriculares Nacionais Ministério da Cultura Plano Nacional do Livro Didático Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Instituto Nacional do livro Comissão Nacional do Livro Didático Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional Comissão do Livro Técnico e Livro Didático PLIDEF FENAME FAE Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental Fundação Nacional do Material Escolar Fundação de Assistência ao Estudante PCNs MEC PNLD FNDE INL CNLD USAID APRESENTAÇÃO A proposta de um estudo sobre a ausência de imagens positivas do negro em livros didáticos busca analisar o impacto sobre sua autoestima e de que modo influencia no processo de evasão escolar. Busca-se refletir a questão da invisibilidade de afrodescendentes nos livros didáticos. Os livros didáticos apresentam a imagem do negro, na grande maioria das vezes, de forma pejorativa, ou a partir de assuntos específicos como: dia do folclore, dia da libertação dos escravos, dia da consciência negra. Os heróis, líderes revolucionários, literários, artistas, e outros personagens importantes da história nunca são lembrados. O mesmo acontece nos veículos de comunicação em que, novamente, a figura do negro é diluída e esquecida e, quando lembrado, aparece quase sempre em posição inferior à do branco. Há dois anos, estamos desenvolvendo estudos em relação à representatividade do negro nos livros didáticos, em que claramente percebese a falta de representatividade positiva de sua imagem. Uma pergunta está sempre presente em nossos pensamentos e no cotidiano da sala de aula: será que essa falta de imagem influencia no processo educacional? Conforme o censo feito em 2007, pelo IBGE, 44% da população brasileira é afrodescendentes, mas só 5% das pessoas se auto declaram negras. Estes dados se tornam mais ainda espantosos quando a pesquisa mostra que 64% da população brasileira mais empobrecida são pessoas negras. No Brasil, os dados oficiais mostram que as desigualdades sociais são mais profundas à medida que as pessoas pobres, não são apenas empobrecidas, mas são negras. O Brasil branco é 2,5 vezes mais rico que o Brasil negro. Nos últimos anos, as diferenças entre negros e brancos vêm se mantendo. Na educação, um branco de 25 anos tem, em média, mais do que o dobro de anos de estudo do que um negro da mesma idade segundo os dados do IBGE. Os governos têm apresentado medidas compensatórias e provisórias, procurando solucionar esta desigualdade, já que a solução mais profunda exige um processo de reestruturação da sociedade, que é lento e muito exigente. Num país que possui aqueles percentuais de pessoas negras, não pode acontecer essa discriminação velada que a sociedade assiste com os olhos vendados. Um número muito grande de jovens, adultos e maduros está voltando aos bancos escolares, na sua grande maioria, pessoas negras. Os motivos da interrupção do processo escolar são muitos, mas será que a falta de imagens positivas nos livros didáticos, não influencia indiretamente e até inconscientemente no processo de abandono dos bancos escolares? Quando um segmento social não se vê representado por meio de imagens positivas nos mais variados veículos de comunicação, isso não vem a afetar, talvez, até inconscientemente, a autoestima e a autovalorização como parte importante no papel de cidadão? Há relação entre a falta de imagens positivas nos livros didáticos e a autoestima no processo de evasão escolar do negro? Todas essas perguntas vêm sendo suscitadas nos últimos anos em nosso trabalho com o ensino de jovens e adultos (EJA). Percebemos que existe um grande número de pessoas negras, as quais retornam aos estudos depois de adultos, se mostram interessadas e buscam algo que se perdeu durante vários anos; a educação formal e intelectual. Essas questões norteiam este estudo, buscando dialogar com outras análises já existentes, por meio de um balanço bibliográfico e entrevistas com educadores, alunos e pais que fizeram parte desse processo. INTRODUÇÃO O mercado de trabalho tem exigido estudo obrigatório em todas as áreas, mas percebe-se que não é só isso que faz com que pessoas adultas retomem os estudos. Será que hoje não estão mais preparados a encarar os preconceitos que estão presentes no dia a dia da educação? Essa pesquisa visa entender mais sobre alguns processos de discriminação que os negros sofrem em seu processo de escolarização e contribuir com a discussão sobre influência que a ausência de imagens positivas dos afrodescendentes nos livros didáticos têm durante toda etapa estudantil no que diz respeito à evasão escolar. A hipótese formulada é que há uma enorme relação entre o material didático utilizado nas escolas com a vida dos educandos, de maneira a contribuir com o processo de discriminação no Brasil. Autores vêm questionando temas como evasão escolar, fracasso escolar, preconceito e discriminação dentro do espaço educacional em relação ao negro e o sistema de ensino no séc. XX e XXI. Gomes (1995. p.118) diz que a trajetória escolar da criança negra é marcada por um determinado tipo de ausência que a acompanhará até o curso superior, ela se depara com uma cultura baseada em padrões brancos, não se vê nos livros didáticos, nos cartazes espalhados pela escola, e na escolha para encenar apresentações teatrais para os pais em festas comemorativas. A escola é um ambiente marcado por um cenário de preconceito e discriminação, que muitas vezes é demonstrada de forma explícita e verbalizada e outras, implícitas e apenas visualizadas. Osório e Soares (2005, p. 21), apontam que as crianças negras têm menos chance de ingressar no sistema educacional do que as crianças brancas devido à questão de sua origem social ser relativamente mais pobre e isso causa efeitos duradouros no curso da vida. Este estudo tem o objetivo, de forma geral, discutir e compreender a relação entre os livros didáticos e a evasão escolar do negro no decorrer do processo escolar, entre outros, procurando entender como, por meio do processo educativo, se pode despertar no educando e no educador, um olhar e um discurso crítico sobre os livros didáticos; compreender e entender os diversos motivos que influenciam a evasão escolar; discutir a discriminação e o preconceito racial em sala de aula e sua real contribuição para o abandono dos negros nos bancos escolares, bem como entender a lei 10639/031 e sua implementação. O objetivo específico deste projeto é também objetivo desta monografia, verificar até que ponto a ausência de imagens positivas nos livros didáticos utilizados no ambiente escolar, influencia no processo de evasão escolar de crianças e jovem, sabendo que o livro didático tem sido um suporte e utilizado como base para o processo de alfabetização no ensino primário, e este é repleto de imagens ilustrativas que acompanham os textos para facilitar a leitura das crianças. Tomaremos como base alguns pesquisadores que há algum tempo exploram a temática. Serão realizadas entrevistas com professores, pais e alunos de uma instituição escolar, com a intenção de buscar os prováveis motivos pelo qual esses alunos abandonam os estudos e em que fase da vida houve a evasão escolar. O trabalho será dividido em três partes e as considerações finais. A primeira parte abordará assuntos pertinentes à evasão escolar no Ensino Fundamental, tendo como objetivo mostrar as várias hipóteses que levam a criança e o jovem abandonar os bancos escolares. A segunda parte terá como foco o tema sobre preconceitos e discriminação nos bancos escolares e a terceira parte tratará assuntos que percorrerão os livros didáticos, mostrando a invisibilidade do negro nos textos e em suas ilustrações, formas de discriminação e racismo dentro das escolas e a implementação da lei 10639/03. As entrevistas com educadores, pais e alunos de uma escola estadual de São Paulo, terão como objetivo o levantamento de dados sobre os supostos motivos que levam as pessoas a abandonar os estudos no começo do processo educacional. Durante o desenvolvimento da pesquisa, poderão surgir novas práticas e 1 LEI Nº. 10.639/03 09 de janeiro de 2003 Art. 26 – A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura AfroBrasileira Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”. métodos para alcançar os objetivos propostos. 1. EVASÃO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL Nesta primeira parte da pesquisa, desenvolveremos alguns aspectos que estão relacionados diretamente com o processo de evasão escolar, dando ênfase para o ensino fundamental I, enfocando crianças entre sete e doze anos. Essa pesquisa está relacionada ao motivo ou aos motivos que levam essa criança a abandonar os estudos tão precocemente. O que realmente se torna importante para o aluno abandonar seus estudos? Quais fatores que interferem no cotidiano escolar que faz com que essas crianças percam o estímulo de estudar? Qual o papel da família nesse processo? E o do professor? O fato das crianças negras não se verem representadas nos livros didáticos pode ter alguma influência nesse processo? Até que ponto a invisibilidade do negro na mídia interfere na autoestima da criança? No que tange à educação, a legislação brasileira determina a responsabilidade da família e do Estado no dever de orientar a criança em seu percurso sócioeducacional. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, 1997:2), é bastante clara a esse respeito. Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Brandão (1983.p.42.), aponta a família como um dos determinantes do fracasso escolar da criança, seja pelas suas condições de vida, seja por não acompanhar o aluno em suas atividades escolares. Quando se coloca a responsabilidade na família para o fracasso escolar, temos que entender que seria tirar um peso do governo e da sociedade em geral. Ela pode ser um dos fatores que levam essa criança a um fracasso escolar, mas não é o único. O Programa de Estudos Conjuntos de Integração Econômica da América Latina (ECIEL), o qual baseou-se em um uma amostra de cinco países latino-americanos, concluiu que quanto maior o nível de escolaridade dos pais, mais tempo a criança permanece na escola e maior é seu rendimento. Afirmar que quanto maior é o nível de escolaridade da mãe melhor será o desempenho do filho, é tirar toda e qualquer responsabilidade da escola, do professor, da sociedade e do próprio aluno quanto ao sucesso escolar, mas na realidade sabemos que é bem diferente, ter uma mãe que participa e acompanha a vida escolar do filho não quer dizer que ela teve estudo ou não. Sabemos que existem muitas mães que não tiveram oportunidade de terminar os estudos por vários motivos que devem ser considerados. Se os filhos vão maravilhosamente bem nos estudos, o mesmo pode não ocorrer no caso de mães que são “letradas” cujos filhos têm um desempenho insatisfatório e muitas vezes acabam abandonando os estudos por falta de um acompanhamento dos pais. Este aspecto alerta para não tomarmos somente um fator, tal como a origem sócio-econômica como determinante no desempenho escolar. Arroyo (1991.p.21), aponta as desigualdades sociais como responsável para o fracasso escolar nas camadas populares. É essa escola das classes trabalhadoras que vem fracassando em todo lugar. Não são as diferenças de clima ou de região que marcam as grandes diferenças entre escola possível ou impossível, mas as diferenças de classe. As políticas oficiais tentam ocultar esse caráter de classe no fracasso escolar, apresentando os problemas e as soluções com políticas regionais e locais. Será que o fracasso escolar está apenas nas camadas mais pobres da população? O que sabemos é que existem poucos estudos sobre o fracasso escolar nas camadas mais ricas da sociedade, afirmar que as elites também fracassam é mostrar que o ensino privado também fracassa e isso mexe com os empresários da educação e com uma parcela da sociedade que em grande parte se enquadram como “superiores” às demais classes. Segundo Silva (2000, p.33), a má-alimentação, ou seja, a desnutrição, é apontada como um dos fatores responsáveis pelo fracasso de boa parte dos alunos. A desnutrição pregressa, mesmo moderada, é uma das principais causas da alteração no desenvolvimento mental, e mau desempenho escolar. As crianças desnutridas se tornam apáticas, solicitam menos atenção daqueles que as cercam e, conseqüentemente, por não serem estimuladas, têm seu desenvolvimento prejudicado. Rosenthal e Jacobson (apud GOMES, 1994, p.114) apontam a responsabilidade do professor pelo fracasso escolar do aluno. (...) às expectativas negativas que este tem em relação aos seus alunos considerados como deficientes, os quais, muitas vezes, apresentam comportamentos de acordo com o que o professor espera deles. Apontar o professor como responsável pelo fracasso escolar tem sido usual. É tirar toda e qualquer responsabilidade do Governo, da família e da sociedade de um modo geral, jogando tudo em cima de uma classe que há muitos anos vem sendo massacrada pela política neoliberal que não valoriza e não dá a devida importância para a formação intelectual do cidadão. Brandão, Arroyo, Silva, Rosenthal e Jacobson mostram por meio de seus estudos, que as expectativas, em geral, podem influenciar os fatos da vida cotidiana, e que geralmente, as pessoas parecem ter a tendência a se comportar de acordo com o que se espera delas. A família, a instituição, o professor e o governo acabam sendo, de certa forma, responsável, direta ou indiretamente no processo da evasão escolar. O levantamento realizado no ano de 20082 sobre a evasão escolar em uma escola da periferia de São Paulo localizada na região do Jardim Ângela, Zona Sul, Professora Maria Peccioli Giannasi, que pertence à rede Estadual de Ensino de São Paulo buscou demonstrar o alto índice de crianças e jovens negros que abandonam os estudos durante o ano letivo. A instituição atende o Ensino Fundamental I e II, Ensino Médio e EJA (Ensino de Jovens e Adultos). Atende alunos nos três períodos, sendo o primeiro das 7h às 12h e 20 min, atendendo ciclo I, ciclo lI e Ensino Médio, o segundo das 13h às 18h e 20 min, atendendo ciclo I e ciclo II, e o terceiro período das 19h às 23h, atendendo EJA e Ensino Médio. Há em média dois mil alunos diariamente divididos entre os períodos, sendo que setecentos pertencem ao ciclo I. No ano de 2008, tivemos exatamente 2371 alunos matriculados, terminando o ano com 1942 alunos, conforme a tabela abaixo: Ensino Quantidade Quantidade Abandono Transferidos De Classes de alunos 1ª a 4ª 17 670 13 59 619 11 45 12 503 69 45 EJA 14 579 177 10 Total 57 2371 270 159 Série 5ª a 8ª 14 Série Ensino Médio A tabela aponta para o total de abandonos que chega ao índice de aproximadamente 10% dos alunos matriculados, outro dado importante é o das crianças transferidas no ensino fundamental I que representa quase 10% dos 2 Levantamento de dados realizado em 2008 sobre os alunos matriculados e evadidos e transferidos, na escola Estadual Professora Maria Peccioli Giannasi. alunos matriculados no ciclo I. Muitos alunos que são transferidos durante o ano letivo param de freqüentar a outra escola para onde foram transferidos. Os índices apresentados na tabela acima mostram uma evasão maior no EJA e no Ensino Médio, mas apesar do número de crianças do ciclo I serem menores em relação aos demais, chegando a um percentual de 2 % de abandono, ainda é muito para um país que pretende ter o índice de analfabetismo zero. Foi feito um levantamento sobre a quantidade de negros, pardos e brancos que evadiram no ciclo l e ciclo ll no ano de 2008 na escola pesquisada. Escolaridade Negros Pardos Brancos Ciclo l 3 8 2 Ciclo ll 1 6 4 Total 4 14 6 Outro fator que chamou a atenção nessa análise foi à questão do aluno ou do responsável pelo preenchimento do censo não se declarar negro, grande parte de pais negros se declaram pardos ou brancos. Outro momento que mostra a negação de sua origem, mesmo inconsciente, surgiu quando, em uma atividade proposta pela professora Maria José3, que leciona no ciclo l, atuando no primeiro ano, pediu para os alunos mostrarem com o lápis de cor, a “cor de pele”, a maioria mostrou o lápis da cor salmão, rosa e laranja, tanto nas séries iniciais, quanto no ciclo ll. Eles só pegaram o lápis da cor preta ou marrom quando foi pedido para observarem as partes do corpo. Segundo relato da professora e psicóloga Valeska Cizauskas Viana4, as crianças demonstram nos desenhos, quando se trata do corpo humano, o ideal de beleza que a televisão e outros meios de comunicação que atingem a criança. Os apresentadores (as), as bonecas, os desenhos, os heróis e princesas dos contos fadas são, em sua maioria, brancos. Isso reflete 3 Maria José Pereira da Silva: Professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental da Rede Estadual e Municipal de São Paulo, formada em pedagogia com especialização em Ensino de Jovens e Adultos. 4 Valeska Cizauskas Viana: Psicóloga e Professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental da Rede Pública do Estado e Município de São Paulo. diretamente na reprodução das imagens que eles representam através dos desenhos. A criança desenha o que está no inconsciente dela, ela desenha o ideal, ela vê na televisão, nos livros e revistas, o que está na moda, o que é bonito para o padrão da mídia, e como o desenho é uma projeção do que ele vê, ele desenha o que considera ideal, é uma forma inconsciente de negar a própria origem. Muitas vezes às crianças têm vergonha do próprio cabelo, os meninos raspam e as meninas ou alisam ou prendem, alegam que o cabelo é ruim e as meninas ficam com vergonha, quando elas desenham o rosto, o cabelo está sempre liso. Procuramos explicações para tentar saber os reais motivos que levam esses alunos a abandonarem os estudos tão precocemente. Foram feitos levantamentos dos conteúdos escolares, o formato da educação utilizados na escola, e uma pesquisa com algumas mães que tiraram as crianças da escola no ano de 2008, para tentar chegar o mais perto possível dessa realidade que está presente no cotidiano escolar. Em uma primeira análise, verificamos que os conteúdos não contemplam a realidade do aluno. Tanto no ciclo I como no ciclo II, o Governo adotou um sistema para tentar unificar o ensino e “engessou“ o professor, obrigando a seguir um sistema que padroniza o aluno desconsiderando a região onde mora, o padrão social, ou seja, a realidade do aluno. Os conteúdos não contemplam a lei 10639/03, não abordando temas que valorizam a história e cultura africana. Devido à quantidade excessiva de conteúdos, a escola não consegue proporcionar para os educandos, momentos onde eles sintam prazer em estar na escola, como por exemplo, momentos culturais que envolvem e estimulam os alunos a participarem do cotidiano escolar. O formato que o Governo adotou para a educação pública em São Paulo está ultrapassado e mostra a cada dia que não funciona mais, que precisa de mudanças urgentes. Os números citados na pesquisa retratam a realidade de uma única escola de uma região periférica de São Paulo. Os números mostram que existe um índice muito alto de alunos evadidos em todas as séries e isso comprova que são necessárias algumas mudanças no formato educacional. Há anos, o governo vem se preocupando com o índice de alunos aprovados no ano letivo, adotando o sistema de aprovação automática e se preocupa apenas com números apresentados ao final de cada ciclo. O sistema de aprovação automática avalia apenas os alunos nas 4ª séries e nas 8ª séries. Em nenhum momento chega para as escolas um plano para tentar conter a evasão escolar, isso não preocupa o Governo, afinal são apenas números, não importa a qualidade e é lógico que se eles forem atrás dos reais motivos irão perceber que estão errando e atestando a incompetência na área de educação. As famílias também foram procuradas para saber a causa do abandono no ano de 2008. Das treze crianças matriculadas no ciclo l que abandonaram a escola, apenas quatro famílias foram encontradas. E dos onze adolescentes matriculados no ciclo II, que abandonaram os estudos, encontramos apenas duas. Das quatro famílias encontradas referentes ao ciclo l, apenas uma não se importou em falar sobre os reais motivos que levaram a mãe a tirar o filho da escola. A mãe do menor “A. C. S” identificada com o nome de “A. S”, relata : Meu filho tem oito anos e estuda na primeira série, não sabe ler e muito menos escrever. Cansei de levar bronca na escola da professora, que me chamava sempre para falar a mesma coisa, prefiro que ele fique aqui em casa para cuidar do irmão menor, pelo menos ela irá fazer alguma coisa de útil. Conseguimos também um relato do pai do menor “R. S. Jr” com onze anos, estudante da quinta série que parou de freqüentar a escola em maio de 2008. Eu sou pai e mãe desse menino, a mãe saiu de casa quando ele tinha oito anos, de lá para cá eu tenho que trabalhar, cuidar de casa e ainda cuidar dos meus três filhos menores que moram comigo. Eu trabalho o dia inteiro e não tenho tempo de verificar se ele está estudando, pode ser que eu tenha falhado, mas não me culpo, eu acho que ele tem que saber o que quer, se ele parar de estudar ele que vai sofrer a conseqüência. Bom eu só fiquei sabendo que ele parou de ir para a escola quando uma vizinha me disse que ele passava o dia todo empinando pipa. O que eu fiz foi dar uma surra nele, mas não adiantou ele continuou a ficar na rua e não ir para a escola, agora o que eu posso fazer, matar, isso não posso, então entrego na mão de Deus e deixo o barco rolar, mas de uma coisa tenho certeza ele vai sentir falta de estudar, aí é que ele vai ver a burrada que fez.(R. S.) Seria o caso de uma ampla discussão envolvendo as comunidades, os profissionais da educação, diretores, dirigentes e governantes, para realmente envolver os jovens e descobrir realmente o que faz com que ele abandone os estudos. Mas em relação às crianças, o que fazer? Será que essas crianças apresentam a mesma falta de perspectiva e estímulo para continuar os estudos? Será que elas têm maturidade suficiente para entender a causa que faz com que ele abandone os estudos tão precocemente? Segundo a professora Maria José da Escola Estadual “Professora Maria Peccioli Giannasi” que atua no 1º ano do Ensino Fundamental, a principal causa da evasão escolar no ensino fundamental está relacionado à família. Se a família não incentiva a criança, não acompanha essa criança na escola ela fica desestimulada e para de estudar. Eu percebo aqui, com minhas crianças, quando o pai ou a mãe é participativo essa criança caminha, aprende a ler e escrever muito rápido, mas aquelas que você percebe que a família não está nem aí, você chama os pais para conversar e eles nunca aparecem, você percebe que o caderno dessas crianças nunca é olhado, nem, sequer se preocupam em olhar bilhetes, isso sim pode fazer a criança à não gostar de estudar e parar de muito cedo de vir para a escola. A professora também aponta a questão da autoestima e a invisibilidade como outro fator decisivo para o abandono escolar. A invisibilidade realmente pode ajudar no processo da evasão escolar. Quando a criança não se enxerga nos livros, não se reconhece na televisão, não é destacado pelos professores, isso poderá influenciar diretamente no psicológico da criança, podendo fazer com que ela venha a abandonar os estudos precocemente. A professora Elizabeth Cruz5 fez um debate em sala de aula com alunos do EJA desta mesma escola. O assunto da discussão era sobre o que levou esses alunos a abandonarem os estudos e em qual fase da idade que eles deixaram de freqüentar a escola. A professora nos relata que abordou também no debate a questão da imagem do negro nos livros didáticos e assuntos que fizeram refletir sobre atos de discriminação que houve na época que estudavam. Ela comenta que a grande maioria dos alunos abandonou os estudos na adolescência por motivo de trabalho, um pequeno grupo alegou a falta de estímulo de permanecer na escola, um outro grupo pequeno, mas significativo, disse que abandonou os estudos ainda nas séries iniciais, alegando que a família não levava mais para a escola por motivos variados: muito trabalho em sala de aula, cuidar do irmão mais novo, muita reclamação do professor, ajudar no trabalho, etc. Elizabete aponta que quando começou a falar sobre a questão da imagem do negro nos livros didáticos, a fala foi unânime sobre a ausência de 5 Elizabeth Cruz: Professora de Matemática da Rede Estadual e Municipal de São Paulo. Atua no Ensino Fundamental, Médio e Ensino de Jovens e Adultos. imagens de negros e que não se lembravam de nenhuma história infantil que não fosse as de conto de fada, princesas e heróis brancos. Sobre a discriminação a discussão foi mais intensa e fez até que os ânimos se alterassem. Primeiro verificou-se a aceitação da questão da cor de pele. Como grande parte dos alunos são adultos, não houve muito problema, sendo majoritariamente negros, mas o que chamou a atenção foi em relação à denominação: “moreno claro, marrom bombom, preto claro, pretinho, moreno, mulato, negão”. Quando abordou assuntos como os vários tipos de preconceitos sofridos em sala de aula, primeiro não se lembravam, mas foi um aluno começar a se manifestar para gerar a polêmica e todos também fazerem o mesmo. A fala que ficou mais forte foi em relação a duas alunas, uma se lembrou que nunca foi chamada pela professora para fazer uma leitura, mas nunca tinha pensado que isto poderia ser uma forma de preconceito, outra aluna disse que se achava feia, na infância, pelo fato de ser preta, falou que a professora não deixou ela participar de um desfile no dia da mulher porque tinha que ser apenas uma menina por sala, e a aluna que iria representar a sala, era a “bonitinha da Pamela”. A professora terminou o debate retomando a primeira pergunta que tratava a questão dos motivos que os levaram a abandonar os estudos e se eles achavam que depois da discussão e reflexão dos assuntos abordados no debate, continuavam com a mesma opinião. Chegou à conclusão que o principal fator foi à questão da autoestima baixa, causada pelos vários fatores que envolveram o debate. O resultado do debate parece demonstrar que é preciso mudar alguns conceitos na educação e tentar sanar esses problemas que há tempos permanece no cotidiano escolar. Fazendo uma relação com os estudos sobre as causas da evasão escolar, citados na pesquisa, concluímos que esses fatores têm sua importância, mas se analisarmos bem a questão, um fator que preocupa é a questão da autoestima. Será que a ausência de imagens de negros nos livros didáticos e a falta da valorização da cultura afro-brasileira não influenciam nesse processo? São muitas as reflexões que envolvem toda essa problemática. O que não podemos fazer é deixar por isso mesmo, achando que as causas de muitos problemas que envolvem a educação são de responsabilidade de apenas um ou outro motivo. Temos que investigar mais a fundo alguns motivos que não estão na lista das causas que estudiosos a tempo investigam. Entre várias hipóteses do fracasso escolar está o fato de que através do material didático e de algumas práticas pedagógicas, a escola difunde representações erradas e muitas vezes distorcidas, preconceituosas e discriminatórias sobre os negros e sobre os povos que vivem no continente africano. A escola tem, entre outras, a obrigação combater o racismo e as outras formas de intolerância que observamos na sociedade. É no espaço escolar que os cidadãos passam a maior parte da sua vida social, sendo assim, escola deve ser o exemplo de convivência nas outras esferas da vida social. Educação é um dos principais meios de realização de mudança social ou, pelo menos um dos recursos de adaptações das pessoas, em um mundo em mudança, podendo na investimento, atualidade mas ela desigualdades.(Durkeim) inclusive ainda ser vista continua como a um provocar 2. PRECONCEITOS E DISCRIMINAÇÕES NOS BANCOS ESCOLARES: CONSTRUINDO A IMAGEM E O ESTIGMA Nesta segunda parte da pesquisa, iremos abordar assuntos que tratam o racismo direto e indireto nos bancos escolares. As discussões serão embasadas em autores que estudam o assunto e discutem sobre os diversos tipos de preconceitos e discriminações que as crianças e jovens sofrem durante o período escolar, enfocando a falta de imagem e textos no material didático mostrando o negro em situações desfavoráveis, principalmente nos livros didáticos adotados pelas instituições de ensino. Quando falamos em racismo nos remetemos a um conjunto de teorias, crenças e práticas que estabelece uma hierarquia entre as raças, consideradas como fenômenos biológicos. (MUNANGA, 2006). Para o educador, muitas vezes, questões como essa são tratadas de maneira natural ou como questões de afinidade, ele nem imagina que já pode ser uma questão de racismo, segregação racial, preconceito ou qualquer outra discriminação. Santos (2001.p.83) diz que Segregação Racial é a separação forçada e explícita, com base na lei ou no comportamento social de grupos étnicos e raciais considerados como minoritários ou inferiores. Há setores na sociedade brasileira tão fechados para algumas pessoas que poderíamos dizer que há uma segregação, não oficial, mas que funciona. Bento (2005, p. 36) define preconceito racial, como um conceito negativo que uma pessoa ou grupo de pessoas tem sobre outra pessoa ou grupo diferente. Já a discriminação racial é caracterizada através de uma ação, uma atitude ou manifestação contra uma pessoa ou grupo de pessoas, em função de sua cor ou raça. A escola deveria ser um espaço privilegiado para a promoção da igualdade. É no seu interior que acontecem as relações entre indivíduos de diferentes etnias, culturas, religiões e classes sociais. De acordo com os PCNs6 (1997, p. 59), a escola deve valorizar o convívio pacífico e criativo dos diferentes componentes da diversidade cultural; desenvolver uma atitude de empatia e solidariedade para todos que sofrem discriminação; repudiar toda discriminação baseada em diferenças de raça/etnia, classe social, crença religiosa, sexo e outras características individuais ou sociais. A escola é um espaço onde se encontra uma grande diversidade cultural misturada com a discriminação e preconceitos. É muito comum perceber o racismo expressado em chavões, bordões e frases com efeitos morais entre os alunos e até entre educadores e a capacidade de propagação é espantosa. Alguns exemplos vivenciados em sala de aula mostraram como é comum essa realidade entre alunos e em alguns casos, por professores. Após a professora Ana Karina Manson7 presenciar nos corredores da escola onde trabalha, alunos praticando atos de agressões verbais, insultos e apelidos agressivos uns com outros, a professora desenvolveu uma série de atividades para trabalhar com eles o bulling8. Durante as atividades, os alunos demonstraram naturalidade em falar sobre piadas e apelidos que depreciavam 6 Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) é um referencial do MEC para a eficiência da educação escolar brasileira. Seu objetivo é garantir que crianças e jovens tenham acesso aos conhecimentos necessários para a integração na sociedade moderna como cidadãos conscientes, responsáveis e participantes 7 Ana Karina Manson: Professora de Língua Portuguesa e Literatura, especializada em Ensino de Jovens e Adultos. Atua na Rede Estadual e Municipal de São Paulo. 8 Bulling - é um termo de origem inglesa utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos. É considerado um ato de discriminação . e denegriam a imagem dos colegas, mas as pessoas que mais sofriam com o bulling eram os negros. Os apelidos como: carvão, galinha preta, frango de macumba, buiu, tição, macaco; chavões como: “quando não caga na entrada caga na saída”, “amanhã é dia de branco”, “serviço de preto”. Ana Karina relata sua indignação sobre o fato: Fiquei imóvel por uns instantes com a naturalidade que os alunos falavam as coisas e também com a indiferença com que os alunos negros encaravam os fatos. Comenta que sempre trabalha a questão do racismo e preconceito em sala de aula, mas existe muita resistência por parte de alguns alunos. Em reunião de professores para fazer o conselho de classe, também foi retratado o racismo na fala de alguns professores, por exemplo: aquele neguinho que senta no fundo, aquela menina que tem o cabelo ruim que senta ao lado da Jéssica, aquela negaiada não faz nada, vão repetir tudo de ano, o Marcelo negão ou o Marcelo Rodrigues. Gomes (2007, p.174) confirma esse relato em “Educação, identidade negra e formação de professores/as”: Será que essas representações, quando negativas, tornamse mais fortes no exercício do trabalho docente, a ponto de nos tornar cegos e surdos para entender o que os nossos alunos tentam nos comunicar? Quantas vezes não ouvimos frases como o negro fede; o cabelo rastafari é sujo e não se pode lavá-lo; o negro que alisa o cabelo tem desejo de embranquecer; aquele é um negro escovadinho; porque você não penteia esse cabelo pixaim; esses meninos de hoje usam roupas estranhas, parecem pivetes? Quantas vezes essas frases não são repetidas pelos próprios educandos. Segundo o grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo, coordenado pela Professora Solange Couceiro9 (1995), sobre a publicidade e os símbolos raciais, os meios de comunicação representam um forte instrumento de propagação de racismo. Não podemos esquecer que os meios de comunicação existem nessa sociedade e os valores que divulgam foram também ideologicamente camuflados, podendo assim estar trabalhando pela desqualificação do ser humano, escrevendo um papel, reforçando explicitamente os aspectos negativos de um determinado grupo ou indivíduos estigmatizados. Os programas televisivos, propagandas e jornais apresentam constantemente os indivíduos negros como inferiores. O processo de exclusão do negro e afrodescendentes imposta pelos grandes diretores e administradores dos veículos de comunicação impresso, como o material didático, retratam um processo de embranquecimento que se alastra desde os séculos passados até os dias de hoje. O branqueamento ora é visto como interiorização dos modelos culturais brancos pelo segmento negro, ora é definido pelos autores como o processo de clareamento da população brasileira. A ideologia do branqueamento teve como objetivo propagar que não existem diferenças raciais no país e que as pessoas vivem de forma harmoniosa, sem conflitos. Além desses aspectos, projeta uma nação branca que, através do processo de miscigenação, irá erradicar o negro da nação brasileira. Silva (2002, p. 52), ressalta que Frankenberg (1995), define a branquitude em três aspectos: uma situação de vantagem estrutural de privilégios raciais; uma posição ou lugar do qual as pessoas brancas se observam, observam aos outros e à sociedade ou refere-se a um conjunto de práticas culturais que são frequentemente não demarcadas e não nomeadas. O autor José Murilo de Carvalho (1987) retrata muito bem o processo de 9 Solange Martins Couceiro de Lima: “Possui graduação em História pela Universidade de São Paulo (1968), mestrado em Antropologia pela Universidade de São Paulo (1971) e doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (1984) . Atualmente é Professora Doutora da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia das Populações Afro-Brasileiras. Atuando principalmente nos seguintes temas: mulher, família, mulher negra, evolucionismo, Racismo”. embranquecimento ocorrido no período de transição entre o Brasil monárquico e republicano. No livro “Os Bestializados” relata como o povo foi se acostumando e aceitando a imposição dos poderosos brancos sobre os mais desfavorecidos que em sua maioria eram recém libertos e imigrantes refugiados dos países em guerra mostra o crescimento populacional de forma desorganizada e totalmente separatista, excluindo os menos favorecidos do processo político do país. Grandes frentes contrárias ao sistema surgiram entre 1870 e 1890, socialistas e anarquistas lutavam pela igualdade, criavam partidos e jornais para representar a classe menos favorecida, mas de nada adiantou, já naquele período os meios de comunicação impressa eram uma arma poderosa para convencer o povo, então assim que surgiam novos jornais, logo davam um jeito de fechar. Outra forma de continuar o processo de embranquecimento é apontada pelos críticos como mito da democracia racial. Gilberto Freire (1933) em seu livro "Casa Grande Senzala". Freyre tenta mostrar um novo olhar sobre a formação da sociedade brasileira, descreveu como se dava à relação entre os senhores de engenho e seus escravos, mostrando a solidariedade e criando um universo em que escravos domésticos e patrões mantivessem uma relação harmoniosa e pacífica. Essa forma de convívio tenta passar ao leitor que não havia resistência e que os senhores de escravos e os escravizados se respeitavam entre si. A partir de estudos como esse e de alguns pensadores da época começou a difundir o mito da democracia racial, já que no Brasil não havia guerra declarada contra os negros, como havia nos Estados Unidos da América e na África do Sul, o país não poderia ser considerado preconceituoso e discriminador. Esse termo tenta passar a noção de que o Brasil é um país que promove a igualdade para todos e não prejudica ninguém principalmente se tratando de “raça”. Teoria que a partir da década de 60, membros da Escola Paulista de Sociologia como Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Emília Viotti da Costa entre outros, foi discutida e combatida nas academias e em muitos grupos de resistência. Esses grupos denunciavam os horrores da escravidão que ocorreu durante vários séculos em nosso país e a manutenção do sistema de classes. Os estudos desenvolvidos na Escola Paulista de Sociologia em relação aos problemas raciais no Brasil serviram de base para integrantes do movimento negro reivindicarem seus direitos. O processo de embranquecimento ainda está embutido na formação de muitas pessoas, queira ou não, o próprio sistema educacional impõe esse processo de maneira quase que natural. Quando tratamos dos livros didáticos adotados pelas instituições, a imagem do negro está representada de forma insignificativa e muitas vezes aparece de maneira pejorativa, tornando-se praticamente invisível aos olhos dos educandos. Consideramos esse processo como uma forma de embranquecimento, já que implica que ser branco se torna importante porque assim estará sempre representado de maneira significativa. O nosso cotidiano escolar retrata muitas vezes o processo de embranquecimento tanto nas atitudes como em falas de alguns alunos e professores. Percebemos esse branqueamento em várias atividades feitas em sala de aula em que os alunos não se aceitam como negros. Quando falamos do corpo, muitos não se vêem com a pele do corpo com pigmentação escura, dizem que são brancos. Em uma atividade desenvolvida pela professora Valesca no ano de 2008, com alunos da primeira série do primário da escola Professora Maria Peccioli Giannasi, a professora pediu para que os alunos se olhassem no espelho e desenhassem alguma parte do corpo, a surpresa veio quando percebeu que os alunos não se viam como negros. Após todos alunos observarem o próprio corpo, pedi para que desenhassem e pintassem com a cor da pele, apenas dois alunos, de trinta e sete que estavam presentes, pintaram o desenho de preto, sendo que vinte e dois alunos são negros. Muitos professores, quando comentam sobre alguns alunos negros, se referem ao termo mulato ou aquele mais escurinho. Um momento marcante para a professora, ocorreu na sala dos professores. Ela comenta que sua colega se referiu a uma aluna que estava bagunçando de forma pejorativa e com muita raiva na fala, se dirigindo a aluna dizendo que era uma pretinha suja que vive arrumando confusão com os meninos, só poderia ser irmão do azulão, aquele que não sai da boca de fumo. Ela demonstrou muita raiva em sua fala. Através das atitudes com seus alunos, com seus colegas e, principalmente, do que passa através do ensino, vão ficando claros os preconceitos que os professores tentam negar, quando teorizam sobre o assunto.(Odorizzi, 1993, p.50). Idéias eurocêntricas sobre superioridade dos brancos chegaram ao Brasil de forma imposta e facilmente aceita pelos governantes. Questões como embranquecimento do povo brasileiro tiveram muita força após a abolição. Nesse período, alguns pensadores defendiam a idéia de que um povo negro e mestiço traria atraso para o crescimento do país, por isso tinham que isolar esse povo em regiões periféricas e sem infraestrutura básica, dessa forma, eliminando grande parte da população negra. Assim, num curto período de tempo, o Brasil se tornaria um país branco com condições de crescimento. Lógico que isso era utopia, mas a idéia de embranquecimento perpetua até os dias de hoje, isolando a imagem do negro na sociedade tornando-o invisível. Hélio Santos (1996, p.2.) diz que a invisibilidade da questão racial do negro brasileiro é incontestável. Esses pensamentos ainda estão no imaginário de muitos brasileiros. Em seu relato, uma aluna que frequenta o EJA, aponta que quando criança, queria ter sido branca, loira de olhos azuis, com cabelos longos e lisos, como as princesas que via na televisão e nos livros que sua mãe lia para ela. Lembro-me muito bem de pedir para minha mãe limpar a minha pele para ficar mais clara, pintar meu cabelo de loiro e meus olhos de azuis. Eu queria ficar como as princesas dos contos de fada. (A. M. S. L). De todas as grandes questões nacionais, nenhuma outra é tão dissimulada quanto à racial em nosso país. O negro não está ausente apenas dos meios de comunicação em geral, mas também não comparece como uma entidade importante da vida nacional. O mesmo acontece nas novelas, nos filmes e nos comerciais de TV onde a sua presença não se dá de forma qualificada e na dimensão correta. Afinal, os negros-descendentes são quase metade da população. Os cientistas sociais e economistas, quando falam em miséria desemprego, falta de moradia, concentração de renda, violência e outros tópicos relacionados ao barbarismo social brasileiro, nunca identificam os protagonistas dessa tragédia tendo como referencial a origem racial e étnica das pessoas envolvidas. Aqui, é como se quiséssemos todos, negros e brancos, fugir do assunto. Elimina-se o problema não o encarando, essa política de “avestruz” foi e continua sendo eficaz no sentido de manter a maioria negra onde está, sempre esteve à margem da cidadania. A invisibilidade da questão racial deve ser interpretada aqui como um fato que não se nota, não se discute e nem se deseja notar ou discutir. É como se não existisse. A história narrada nas escolas é branca, inteligência e beleza mostradas pela mídia são representadas da mesma forma, cor branca predominante. Os fatos são apresentados na sociedade como se houvesse uma preponderância absoluta, uma supremacia definitiva dos brancos sobre os negros. Assim, o que se mostra é que o lado bom da vida não é e nem deve ser negro. Aliás, o léxico de negro, além de designar o indivíduo deste grupo racial, pode significar: sujo, lúgubre, funesto, sinistro, maldito, perverso, triste, etc. Fica clara e escancarada à divisão que existe no Brasil entre o branco visível e o negro invisível, alias, o negro só se mostra visível como os brancos, quando tratamos de chacinas e divisão entre as classes sociais. Em que medida os livros didáticos, paradidáticos e seriam hoje os grandes reprodutores da velha teoria do embranquecimento? E as idéias eurocêntricas do padrão de beleza, de riqueza, de inteligência, de superioridade do branco europeu, a quem interessa? Quando tratamos de livros didáticos, a invisibilidade do negro é certa, quando sua imagem aparece está relacionada a escravizados, subalternos, personagens folclóricos e caricaturas. Nos livros de literatura infantil, as situações apresentadas não são diferentes, os livros didáticos e paradidáticos aprovados pelo MEC e adotados pelo PNLD e utilizados pelos educadores, são de autores brasileiros com visão eurocêntrica. Sempre fazem questão de mostrar heróis, príncipes e princesas brancos e a figura do negro, quando aparece, está em condições subalternas, caricaturizadas ou depreciativas. Questões como estas devem ser refletidas pelos educadores e por toda a sociedade. A ausência de imagens ou imagens negativas só proporciona a negação de identidade e rejeição, sem contar o constrangimento e piadas com os afrodescendentes acentuando o racismo e preconceito em sala de aula. (...) É crítico na medida em que é o centro de toda questão da identidade racial. É o momento em que a criança (ou jovem) toma consciência, não de suas diferencias raciais, pois disso sempre estiveram cientes, mas do significado dessas diferenças e da importância que elas tem para suas futuras relações sociais (...) (Barbosa, 1987 pg 57). Eliane Cavalleiro (2003) no seu livro "Do silêncio do lar ao silêncio da escola", faz um estudo minucioso sobre o comportamento de alunos, professores e funcionários de uma instituição de ensino infantil observando o convívio social, em suas relações multiétnicas, tanto no espaço escolar, quanto no espaço familiar. Durante sua pesquisa, foi possível constatar que nos espaços de circulação das crianças não existiam livros ou cartazes que expressassem a existência de crianças não-brancas na sociedade brasileira e que no dia-a-dia os educadores e educadoras não se referiam à questão da convivência multiétnica dentro do espaço escolar, e menos ainda, na sociedade. Nesse estudo, a autora mostra claramente que no espaço escolar, as crianças estão tendo várias possibilidades para a interiorização de comportamentos e atitudes preconceituosas e discriminatórias contra os negros, conferindo à criança negra a incerteza de ser aceita por parte dos professores. A autora também se refere ao professor como agente de tais fatos, mostrando-se por várias vezes silenciado diante de situações preconceituosas demonstradas no ambiente escolar e, de forma muito sutil, como separa os brancos dos pretos quando se retrata aos colegas e na exposição dos alunos em sala de aula. Nesse estudo, a autora mostra realmente com sua prática e vivência a discriminação e os preconceitos nos bancos escolares, e o que nos chama a atenção é que são apenas crianças, e irão carregar essas ações pelo resto da vida, fazendo muitas vezes com que eles reneguem sua origem e sua própria família. Cavalleiro (2003. p. 21) Questiona o papel da escola em relação a alguns aspectos como o a construção de uma sociedade livre de desigualdades e menos racista e o tipo de cidadão que está sendo formado Algumas questões como estas levantadas pela autora fazem com que pelo menos pensemos na questão de ser cidadão. O que realmente é ser cidadão no Brasil? Para ser cidadão é necessário ter uma cor? Qual será realmente o papel dos educadores nesse processo, ficar calado ou verificar que existe um problema social e racial no Brasil e que a educação é um caminho para eliminar pelo menos em parte esse problema. Eliane Cavalleiro (2006) apresenta assuntos sobre as relações raciais no cotidiano escolar no projeto “a cor da cultura”, mostrando que a escola é um lugar onde se constrói o preconceito e o professor é uma peça importante no processo de discriminação. A família, a Igreja e a mídia por sua vez também são agentes formadores de atos racistas e todos eles fazem parte da formação de identidade do ser. Sabemos que esse comportamento por parte dos educadores e instituições educacionais em geral é comum. Sabemos que alguma mudança tem que ocorrer para que possamos mudar esse processo e não podemos tratar o preconceito como se não houvesse, ou pior ainda, entendendo de maneira natural. Paulo Vinícius Batista da Silva (2005) aponta em seus estudos sobre racismo discursivo na mídia, o tratamento do personagem branco como representante da espécie nos livros didáticos enquanto os personagens negros aparecem com pouca freqüência em contexto familiar, desempenhando número limitado de atividades profissionais e outras imagens de forma pejorativa. Quando se trata dos textos, especificamente no conteúdo de história, o autor retrata a questão da representação do negro geralmente em condição desfavorável e privilegia o branco como sendo sujeito dos processos históricos. Muitas vezes, as formas apresentadas nas histórias utilizadas nos livros didáticos representam uma superioridade européia, a maneira de como deve ser construído o progresso e o padrão de uma sociedade perfeita, sem contar a desproporção entre as imagens apresentadas para ilustrar as histórias. Isto porque o número de personagens representados em livros didáticos é de aproximadamente 5% de personagens negros para 95% de representações de imagens de não negros, conforme veremos no decorrer da pesquisa, mediante uma análise feita em um livro didático adotado para segunda série do ensino fundamental, em toda rede pública do Estado de São Paulo no ano de 2008. Entre 1976 e 2004, para cada personagem negro na mídia, observaramse 16,2 personagens brancos. Quase o mesmo valor se repetiu ao se isolar os livros didáticos de Língua Portuguesa publicados após 1993, o índice era de 16,7 personagens brancos para cada personagem negro. Nesse estudo, Gonçalves (1987, p.28, apud Silva, 2005.p.13.) diz que existem duas formas de silêncio que operam na escola brasileira, uma que se cala para as particularidades culturais da população negra brasileira e outra que nega os processo de discriminação, é o silêncio que mantém o discurso que tenta “construir a igualdade entre os alunos a partir de um ideal de democracia racial”, ocultando os processos de discriminação. Ana Célia Silva no capítulo “A Desconstrução da Discriminação no Livro Didático; Superando o Racismo na Escola” (apud MUNANGA, 2001), retrata muito bem como a humanidade e a cidadania são representadas nos livros didáticos. Na maioria das vezes, o homem branco está representando a classe média, enquanto o negro, os povos indígenas e as mulheres pouco aparecem e quando aparecem estão representados como inferiores, submissos, de forma estereotipada e caricatural, despossuídos de humanidade e cidadania. Para a autora, a invisibilidade nas imagens e na história, muitas vezes podem desenvolver comportamentos de auto rejeição, resultando em repúdio e negação dos seus valores culturais e valorização dos valores culturais dos outros grupos sociais representados nos livros. A forte representação de estereótipos nos livros didáticos pode promover a exclusão, a baixa autoestima e gerar preconceitos que se constituem em juízo prévio e uma ausência de real conhecimento do outro. A autora sugere que se faça uma desconstrução desses estereótipos impostos nos livros didáticos e muitas vezes expressos por parte de alguns educadores e colegas enfatizando inclusive a capacidade intelectual da população negra. Para Santos (1984, p.84), o estereótipo constrói uma idéia negativa a respeito do outro, nascida da necessidade de promover e justificar a agressão. Jones (1973, p. 123) diz que os estereótipos representam uma atitude negativa com relação a um grupo ou a uma pessoa, baseando-se num processo de comparação em que o grupo do indivíduo é considerado como ponto positivo da referência. É necessário que se faça algumas releituras das imagens e histórias representadas nos livros didáticos, e na maioria das vezes, cabe ao professor mudar essa visão, valorizar a cultura e a história dos povos que vieram escravizados para o Brasil. Resgatar a história é mostrar que esses povos quando vieram para cá, tinham uma história, uma cultura, costumes e tradição, fazer o sentido inverso para poder minimizar o estrago que essas imagens negativas e histórias que geralmente não se aprofundam e se resumem à escravidão e libertação concebidas pela bondade de uma princesa. Lima (apud MUNANGA, 2001, p.96), em outro capítulo do livro “Superando o Racismo na Escola”, escreve sobre “Personagens Negros: Um breve perfil na literatura infanto-juvenil”. O autor retratando a influência que a literatura infantojuvenil tem na formação da criança e de como são tratadas as relações raciais nesse mundo dos livros, a quase inexistência da imagem do negro em obras literárias. Essa quase ausência de imagens traz uma negação da própria imagem, associando-a com todas as figuras e histórias que trazem o ideal de beleza, de sabedoria e outros que sempre estão associadas com imagens de brancos e como ajudam na manutenção de identidades dominantes, construtoras de sentimentos que acabam por fundamentar as relações sociais. Muitas vezes se torna tão clara e forte a representação negativa das imagens do negro nas histórias literárias que a evasão escolar do aluno negro pode se promover. Segundo Goffman (2008), o estigma se forma nas situações em que a rejeição do outro se expressa seja por isolamento ou, neste caso, por meio de comparações com animais, como o macaco, o urubu, o burro, anu, e outros. Essas crianças acabam por ser marginalizadas e excluídas da sociedade. Mais uma vez autores reforçam o mal que estamos fazendo quando fechamos os olhos para a imagem do negro nos livros adotados no sistema educacional. A baixa autoestima, a autonegação, o embranquecimento no pensamento e a idéia de inferioridade são alguns estragos que a falta de uma ação e um cuidado na hora de apresentar aos educandos esses livros podem causar ao ser humano. Anderson (2003, p.423.) comenta a ausência da História da África nos conteúdos de História. Para o autor o negro está sempre relacionado à escravidão, sofrimento e servidão, quase nunca é retratado um herói negro, as resistências, os quilombos e o passado do negro antes de serem escravizados. Entretanto, poder europeu, esse sim é muito bem retratado, aliás, não se esquecem dos heróis e da suposta superioridade dos europeus sobre os outros países que eram considerados inferiores e pouco desenvolvido. Para ele, a África mostrada na mídia também reflete nos bancos escolares, uma África doente, miserável, esfomeada e massacrada pela guerra. Essas imagens e informações que dominam os meios de comunicação, os livros didáticos incorporam a tradição racista e preconceituosa de estudos sobre o continente e a discriminação à qual são submetidos os afrodescendentes em nosso país. O autor ressalta também vários momentos em que o racismo e o ar de superioridade do branco no decorrer da história, passagens bíblicas, citações na idade média e moderna, mostrando que o problema é antigo e está na hora de mudar, acredita que além das imagens positivas nos livros didáticos é necessário focar a África em sua própria trajetória, histórias dos reinos e civilizações africanas, sua cultura e tradição. 3. LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL E A REPRESENTAÇÃO DO NEGRO Um breve histórico do livro didático no Brasil No ano de 1929, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), criou um órgão específico para legislar sobre a política do livro didático, o Instituto Nacional do livro (INL). A ação Federal tem como finalidade prover as escolas das Redes Federal, Estadual e Municipal com obras didáticas, paradidáticos e dicionários de qualidade. Atualmente, essa política está consubstanciada no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) que distribui gratuitamente obras didáticas para todos alunos do Ensino Fundamental l e ll e Ensino Médio. A criação do Instituto Nacional do Livro (INL), teve também a função de legislar sobre políticas do livro didático, contribuindo para dar maior legitimação ao livro didático nacional. Em 1938, a instituição da Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD) permitiu estabelecer a primeira política de legislação e controle de produção e circulação do livro didático no país. A legislação sobre as condições de produção, importação e utilização do livro didático foi consolidada em 1945, restringindo ao professor a escolha do livro a ser utilizado pelos alunos. Em 1966, um acordo entre o Ministério da Educação (MEC) e a Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID) propiciou a criação da Comissão do Livro Técnico e Livro Didático (COLTED), com o objetivo de coordenar as ações referentes à produção, edição e conseguir recursos financeiros para distribuição do livro didático. Em 1971, o Instituto Nacional do Livro (INL) passou a desenvolver o Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental (PLIDEF), assumindo as atribuições administrativas e de gerenciamento dos recursos financeiros até então a cargo da COLTED. A contrapartida das Unidades da Federação tornou-se necessária com o término do convênio MEC/USAID. Em 1976, houve a extinção do INL e a Fundação Nacional do Material Escolar (FENAME) tornou-se responsável pela execução do programa do livro didático, com recursos provenientes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Em 1983, foi realizada a Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) em substituição a FENAME, que assumiu a responsabilidade pela implementação do PLIDEF. Na ocasião, o grupo de trabalho encarregado do exame dos problemas relativos aos livros didáticos propôs a participação dos professores na escolha dos livros e a ampliação do programa, com a inclusão das demais séries do Ensino Fundamental. Como resposta às recomendações deste grupo, o PLIDEF deu lugar, em 1985, ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). O novo programa expressava diversas mudanças na política, como a indicação do livro didático pelos professores, a reutilização do livro, a extensão da oferta aos alunos de 1ª e 2ª séries das escolas públicas e comunitárias e o fim da participação financeira dos Estados, passando o controle do processo decisório para a FAE, garantindo o critério de escolha do livro pelos professores. Novas mudanças na política de livro didático iriam ocorrer na década de noventa. Devido a limitações orçamentárias, a distribuição dos livros didáticos foi sensivelmente comprometida em 1992, restringindo-se o atendimento até a 4ª série do ensino fundamental. Esta situação seria revertida a partir do ano seguinte, quando a constituição do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE) garantiu recursos para a aquisição dos livros didáticos destinados aos alunos das redes públicas de ensino, estabelecendo-se assim, um fluxo regular de verbas para a aquisição e distribuição do livro didático. A partir de 1995, foi retomada a universalização da distribuição do livro didático no ensino fundamental. Neste ano, o processo contemplou as disciplinas de matemática e língua portuguesa; em 1996, a de ciências; em 1997, as de geografia e história. No ano seguinte, foi iniciado o processo de avaliação pedagógica dos livros inscritos para o PNLD/1997. Esse procedimento foi aperfeiçoado, sendo aplicado até hoje. Os livros que apresentam erros conceituais, indução a erros, desatualização, preconceito ou discriminação de qualquer tipo são excluídos do Guia do Livro Didático. A extinção, em 1997, da Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) resultou na transferência integral da responsabilidade pela política de execução do PNLD para o FNDE. O programa foi ampliado e o Ministério da Educação passou a adquirir, de forma continuada, livros didáticos de alfabetização, língua portuguesa, matemática, ciências, estudos sociais, história e geografia para todos os alunos de 1ª a 8ª série do ensino fundamental público. O dicionário de língua portuguesa começou a ser distribuído a partir do ano de 2000 e demorou até 2003 para ser implementado em todo ensino fundamental. Entre 1994 e 2005, o PNLD adquiriu, para utilização nos anos letivos de 1995 a 2006, um total de 1,077 bilhões de unidades, de livros, distribuídos para uma média anual de 30,8 milhões de alunos, matriculados em cerca de 163,7 mil escolas. Nesse período, o PNLD investiu R$ 342 bilhões. Após esse breve levantamento histórico sobre os livros didáticos e ressaltando sua importância como mais um instrumento facilitador do processo ensino-aprendizagem, resolvemos analisar um livro didático utilizado no 1º ano do ensino fundamental. Assim, verificaremos, principalmente, se o livro está no formato e moldes PCNs e do PNLD, lembrando a aplicação da Lei nº 10639/03, que torna obrigatório o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, e da mesma maneira, o estudo da cultura indígena brasileira, como consta na lei nº 11645/0810, de forma a resgatar de ambos os povos a contribuição nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. O livro analisado foi adotado em toda rede Estadual de Ensino como parte do Projeto Ler e Escrever na área de Língua Portuguesa para a 1ª série 10 o Lei nº 11.645/08: Altera a Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena. do ensino fundamental e pertence ao Projeto Pitanguá, produzido e organizado pela Editora Moderna em 2005. A preocupação está na utilização das imagens utilizadas para ilustrar o livro e nos textos adotados para trabalhar o processo de alfabetização. A idéia de analisar este volume está em mostrar como um livro didático que tem a função de alfabetização, utiliza-se dos recursos de imagens e como os personagens estão representando o povo brasileiro. Começo analisando as ilustrações verificando a quantidade de imagens que servem para ilustrar as páginas e os textos utilizados como recurso no processo de leitura e escrita do aluno, em seguida, os textos que foram escolhidos como recurso para alfabetização. Após essa análise será feito um levantamento dos autores e por último iremos fazer uma conclusão a respeito do material e a implementação da lei nº 10639/03 na educação básica. O livro é composto de 280 páginas, contendo 534 imagens utilizadas para ilustrar textos, exercícios e marcações de páginas. Destas imagens apenas 27 delas são de personagens negros, 1 de índio, 9 latinos e 497 brancos. Dos negros que aparecem nas ilustrações, alguns são representados de maneira pejorativa. Na página 35 aparecem duas imagens de sacis, na página 64 aparece uma imagem de faxineira, na página 208 uma imagem de um pedreiro e na página 277 dois personagens aparecem ilustrando uma tira de humor, no quadro mostra a inferioridade do negro em relação ao branco no desempenho escolar. Nas 280 páginas analisadas, as imagens dos personagens negros estão em apenas vinte e três delas, já o índio aparece somente em uma e os latinos estão representados em seis páginas enquanto os brancos são demonstrados em 181 delas, as outras 69 páginas não contém ilustrações. O livro contém nove unidades que retratam temas que serão abordados durante o curso. As unidades são formadas por 42 textos, sendo que apenas dois destes foram escritos por um autor negro, os outros 40 são escritores não negros. O primeiro está na unidade 1, que explora o tema casa, enquanto escritores não negros retratam moradias de seres humanos, o texto do autor negro se refere à moradia de animais. O segundo texto deste autor está na unidade 4, que explora o tema animais. É curioso notar que os dois textos do único autor negro presente no livro referem-se a animais. Será que isso acontece porque inconscientemente grande parte das pessoas estão acostumados a relacionar o continente africano com animais selvagens? Os textos trabalhados em todas as unidades, em nenhum momento valorizam a imagem do negro, tanto nas ilustrações como no contexto das histórias. Vamos citar dois exemplos utilizados no livro em que o contexto poderia ser outro. O primeiro é um texto de Heloisa Prieto11, localizado na unidade 2, este que explora o tema nome. O texto escolhido pela escritora é “Apolo”, a história retrata a mitologia grega, os deuses e suas divindades, a autora poderia ter criado uma história sobre algum orixá, desta forma estaríamos valorizando a cultura e a tradição africana muito utilizada em várias linhas religiosas que herdamos dos povos africanos. O outro texto também é da mesma autora, este se encontra na unidade 4 em que explora o tema animais, a autora escolhe “Patinho Feio”, uma história muito conhecida entre as crianças. Sabemos que a história do “Patinho Feio” é muito criticada por alguns pesquisadores que discutem a questão racial, pois o patinho feio é preto e por isso é rejeitado pela sua família e seus irmãos, destoando dos demais que são brancos. Essa história poderia ter sido reescrita dando uma versão positiva e valorizando a aceitação entre as etnias, independente de ser um animal. São inúmeras as mudanças que poderíamos sugerir no sentido de envolver a questão racial no Brasil. Não basta o MEC aprovar uma lei que valoriza e torna como obrigatório o Ensino da Cultura e História da África no currículo, e o Governo Estadual simplesmente ignorar essa lei, tanto implementando manuais didáticos a serem aplicados pelos professores, quanto não fiscalizando os livros adotados principalmente nas séries iniciais, nas quais é extremamente importante valorizar as diversas culturas que formam a sociedade brasileira. 11 Heloisa Prieto “nasceu em São Paulo, no ano de 1954. Mestra em comunicação e doutoranda em teoria literária, tradutora e autora de diversas obras de literatura infanto-juvenil, como "Mil e Um Fantasmas" (Companhia das Letras) e "Rotas Fantásticas" (FTD). Exprofessora da Escola da vila, atualmente, além de escrever e pesquisar literatura, coordena coleções e antologias como uma tentativa de compor livros que apresentem sensibilidades diferentes”. Propiciar que as crianças passem a se enxergar a cultura afro-brasileira de maneira positiva, aprender sobre toda contribuição histórica e cultural que os descendentes africanos nos deixaram, conhecer sobre os heróis, escritores e personagens literários que fizeram parte da formação do povo brasileiro. Foi necessária a implementação de uma lei para fazer com que a Rede Nacional de Educação entendesse a necessidade de falar da Cultura e da História Africana e da contribuição que os afrodescendentes nos deixaram. Antes, a LDB instituía algumas obrigatoriedades sobre a questão da diversidade cultural na lei nº 9394/96, mas não especificava sobre o ensino da história e cultura da África, foram necessárias algumas alterações para torná-la obrigatório. A Lei nº 10.639, de 9 de Janeiro de 2003 que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, incluiu no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" nas áreas de Artes, Literatura e História, enfatizando o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, tornando visível a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes a História do Brasil. A Lei nº 11.645, de 10 Março de 2008, alterou a Lei nº 10.639, incluindo no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Mesmo com a implementação das leis citadas acima alguns artigos ainda não estão sendo respeitados por parte das instituições de ensino e não temos nenhum órgão que fiscaliza a implementação das leis. O Estado está preocupado apenas com o índice de alunos aprovados no ano letivo, não se preocupa com a qualidade de ensino, ou com um ensino mais humanizado. Assim, a implementação da lei nº 10639/03 passa fortemente pela questão do livro didático. Por que os livros didáticos adotados pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo não estão atendendo às especificações da lei citada acima? Por que o Governo do Estado implementou um caderno de orientações para os professores trabalharem juntamente com os livros didáticos e o mesmo também não atende às questões da lei nº 10639/03? A coordenadora geral do programa do FNDE, Sonia Schwartz Coelho, diz que: Os professores das redes públicas escolherão os livros para serem adotados em 2010. Esse processo faz parte do PNLD, que tornou obrigatório os professores da rede pública de Ensino a participar da escolha dos livros didáticos que serão adotados nos anos determinados pelo Programa. A coordenadora chama a atenção dos autores, principalmente para os livros de História e Geografia, para abordarem temas que valorizam a diversidade cultural do país. Por que o livro didático, mesmo sendo frisado sobre a questão da diversidade cultural é obrigatório, não atende às especificações? Por que os professores, já que fazem parte da escolha desses livros, não ficam atentos e recusam os livros que não atendem as propostas? Por que as imagens utilizadas para ilustrar as histórias, textos e atividades, são de maioria brancos? Onde estão as imagens dos negros, que não sejam para identificar os escravizados e a classe pobre do Brasil? Essas imagens têm peso sobre a evasão escolar? A situação se torna preocupante, sabendo que os professores que estão formando cidadãos críticos, não fiquem atentos para esses detalhes que possam ser fundamentais na questão da autoestima da criança negra. Um exemplo claro do que estamos falando, seria do livro analisado na pesquisa. O livro do Projeto Pitanguá de Português utilizado no ano de 2008 e 2009, não atende às especificações que o FNDE impõe. Então porque o livro foi escolhido e adotado pela Rede Estadual de Ensino de São Paulo? Será que não envolve uma questão de jogos de interesse, já que são tiradas em média 100 milhões de exemplares, custando em média trinta reais cada, segundo o FNDE? Esse livro foi organizado pela Editora Moderna, que, aliás, há muitos anos domina o mercado de livros didáticos aqui em São Paulo e é coordenado pela autora Maria Tereza Rangel Arruda Campos. Como já mencionamos no primeiro capítulo, a editora não trata da implementação da lei nº 10639/03. O livro tem em média de 5% de imagens de negros e não contempla em nenhum momento a cultura e a história deixada pelo legado africano, não contempla a diversidade cultural e não valoriza a identidade dos afrodescendentes, além de que algumas páginas trazem imagens com conotações pejorativas em relação ao negro como, por exemplo, na imagem da página 277 que mostra o negro em uma situação estudantil inferior a do branco. A equipe responsável e coordenada pela autora diz que o livro tem como finalidade desenvolver a compreensão leitora e a capacidade de escrever com clareza e expressar-se oralmente de forma adequada. Para atender esses objetivos, a mesma organizou o livro em dois eixos: • Trabalho de leitura e produção de diversos tipos de texto, entre eles narrativos, poéticos, expositivos, argumentativos e instrucionais; • Programas sistemáticos, desenvolvidos passo a passo e de modo claro. A análise do livro revela que os textos utilizados para abordar os temas nos capítulos, não contemplam a lei nº 10639/03. Os textos poderiam explorar várias temáticas valorizando a cultura afro-brasileira, a identidade do negro e outras temáticas que trabalham a autoestima. As poesias nunca são elaboradas por um autor negro, as narrações e diálogos nos textos não envolvem um personagem negro, não é explorado nenhum conto ou lenda de origem africana, quer dizer, o livro não atende às necessidades de ações afirmativas e da realidade sociocultural brasileira. O livro didático continua com a função de veicular a ideologia das classes dominantes e possibilitar a reprodução da ordem burguesa. Pensando assim, ele pode nos dar um novo olhar para um dos motivos encontrados em relação à questão da autoestima do aluno negro, quando nega a inserção de imagens e histórias que valorizam a cultura dos afro-brasileiros, possibilitando uma relação com o processo de evasão escolar do aluno negro. A criança aprende a perceber o livro didático como legitimadores da verdade, por isso a preocupação de um recurso didático que represente o real, lembrando que esse material perpetua por muitas vezes suas identidades, seus valores, suas cultura e suas tradições. A construção inconsciente da negação da própria origem e a valorização do “branco” como ”ser superior”, poderá afetar inconscientemente a criança e o jovem negro na sociedade. indiretamente e Se pensarmos na educação como formador de um cidadão crítico, politizado, questionador, pertencente a uma sociedade igualitária, então qual a função do livro didático nesse papel? A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade. Brandão (1981, p.10-11) Não se pode negar que o livro didático é um elemento que reflete as características econômicas-políticas-ideológicas de uma sociedade, é um instrumento importante para a construção de ideologias e memórias, assumindo um papel de relevante importância na política e na aprendizagem, sendo assim, o livro didático e a educação influenciam e são influenciados pela sociedade, isto é, pelo contexto político, econômico e social de um determinado período histórico. Se a consciência social de crianças e adolescente é o reflexo das relações sociais por eles vivenciados no ambiente familiar, na escola e na visão de mundo que lhe são apresentadas muitas vezes através dos livros didáticos, esse aluno poderá julgar a realidade de acordo com a perspectiva do que lhe é apresentado, e esse mundo poderá mostrar a realidade de uma classe dominante que será vista como superior e modelo do correto, ou seja, aceitar a separação das classes. A consciência individual da esmagadora maioria das crianças reflete relações civis e culturais diversas e antagônicas às que são refletidas pelos programas escolares: o ‘certo’de uma cultura evoluída tornas ‘verdadeira’ nos quadros de uma cultura fossilizada e anacrônica, não existe unidade entre escola e vida e, por isso, não existe unidade entre instrução e educação. (Gramsci, 1968, p. 131) Percebemos que um livro de alfabetização que foi adotado pelo Governo de São Paulo e aprovado pelo Ministério da Educação, tem caráter extremamente preconceituoso e não está contemplando em nenhum momento a valorização da cultura e história dos afrodescendentes em nenhum de seus textos nem nas ilustrações. No livro analisado, a imagem do negro está presente em apenas 5 % das imagens reproduzidas em todo livro, mesmo se tratando de um livro de Língua Portuguesa, em nenhum momento mostra a importância da de algumas palavras de origem africana que são utilizadas no dia a dia, como por exemplo bunda, cochicho, etc. O livro é dividido em capítulos, e esses retratam temas como moradia, identidade, família e outros, e aí ficam algumas indagações: Por que o negro não está representado de forma digna nos capítulos mencionados? Qual a intenção em não mostrar imagens positivas nos textos? Será que nenhum órgão responsável prestou atenção antes de autorizar a publicação deste livro? O primeiro ano escolar, o ano de alfabetização, o início de uma associação das imagens com a escrita, serão que essas imagens não irão afetar no resto do processo de alfabetização desta criança? Não será novamente um processo de embranquecimento ou de invisibilidade do negro na sociedade? Poderá o livro didático ser um dos fatores responsáveis pela evasão escolar? Ao longo da história, o negro foi excluído da sociedade, e não foi de forma diferente nos livros didáticos. Mostrar o negro em situação de igualdade seria caminhar na contra mão da história. O sistema educacional ainda funciona como um espaço de desigualdades, de construção de identidades conflitivas, por vezes quebra de imagens. A criança e o adolescente negro(a) são sujeitos desse processo.(Gomes.p.184) As imagens utilizadas nos livros didáticos ainda representam a não totalidade da população e nega as diversidades culturais existentes no Brasil, por isso a necessidade que se tenha um olhar diferenciado nas escolhas dos materiais didáticos para serem trabalhados em sala de aula, assim ao invés de excluir poderemos incluir, não apenas os negros e sim todas as etnias que são esquecidas e invisíveis na formação do povo brasileiro. CONSIDERAÇÕES FINAIS Levando em consideração alguns estudos que abordam as possíveis causas do abandono escolar no ciclo l, podemos perceber que existem realmente vários fatores que possibilitam a criança a abandonar os estudos nos primeiros anos escolares. Dentre os fatores possíveis, percebemos que a família, a relação educador e educando e a questão da autoestima, são pontos importantes e determinantes em todo o processo. A família por não acompanhar a vida escolar do aluno, atribuir responsabilidades de trabalho e até achar que o estudo não é importante. A relação entre professor e aluno, principalmente quando o professor perde o controle sobre o aluno e faz com que as relações se tornem insustentável, isso faz com que a criança perca o estímulo de ir para a escola. A questão da falta de imagens positivas, quando tratamos dos alunos negros, nos livros didáticos faz com que a criança não se identifique com a sociedade que o cerca, acarretando a perda da autoestima e levando esse aluno a abandonar os estudos e aceitando a questão da inferioridade em relação ao aluno branco. O trabalho para combater a evasão escolar é uma tarefa desafiadora, pois como vimos, as causas são diversas, e envolve sociedade, escola, familiares, entre outros. Quando tratamos do aluno negro, o caso é mais preocupante ainda, pois esse processo acarreta problemas na sociedade e na própria identidade, fazendo com que muitas vezes ele se sinta desvalorizado e negue sua própria origem. Todo processo de exclusão está vinculado a questões que permearam toda pesquisa. Quando tratamos da implementação de lei nº 10639/03 e da Lei nº 11645/08, verificamos que existem muitas coisas ainda para debater, a lei não é aplicada na maioria das instituições, não é cobrada pelas autoridades e não é respeitada nos livros didáticos. Os órgãos competentes simplesmente fecham os olhos para um assunto sério, de nível nacional, não enxergam que é uma questão de respeito e valorização de um povo que fez parte da colonização do Brasil, que tem história, que tem cultura, que tem origem. Não percebe que ações afirmativas como a aplicação dessas Leis faz com que o negro se sinta parte importante do processo histórico, valoriza e aumenta sua autoestima, mostra que a sociedade é formada por brancos, negros, índios e mestiços e todos tem seu devido valor. A falta de imagem de negros nos livros didáticos reforça o texto social, faz com que a criança, mesmo inconsciente, construa uma imagem negativa de sua origem. Pensamos o seguinte, se uma pessoa, seja ela quem for, só se enxerga como inferior, que sempre esteve em condições sub humanas, que sempre serviu, que nunca está representado nos livros, nas revistas, na televisão como parte importante da sociedade, como essa pessoa irá se enxergar? Será que ela irá gostar de ser essa pessoa invisível? Isso não afeta inconscientemente a autoestima da criança? Enfim, é interessante ter atenção a estas perguntas, pois será a partir destas que, poder-se-ão identificar o que tem levado os alunos ao abandono escolar tão precocemente, no sentido não apenas de relacionar culpados, mas assumir responsabilidades e atitudes que visem buscar alternativas para não só resgatá-los, mas fazer o possível para mantê-los na escola e conduzi-los a um futuro digno e igualitário. Neste estudo, procuramos apontar vários dos fatores já tratados por outros pesquisadores e, além destes, outros foram mencionados como a questão da falta de imagem da criança negra nos livros didáticos em ações positivas. Sob a afirmativa das pesquisas, a questão da imagem do negro nos livros didáticos é um resultado de anos de massacre sobre o negro no Brasil, um controle imposto pelos dominantes brancos desde a colonização até os dias de hoje. Cabe a sociedade como um todo cobrar das autoridades competentes que mude esse papel, sendo um país que tem como mais da metade de sua população, pretos, pardos, índios e mestiços, não podemos fechar os olhos e deixar a história se repetir, uma história covarde que mostra o branco sempre sendo superior as demais etnias, apagando toda herança cultural e histórica que os demais povos contribuíram para formação desse imenso país. Não podemos tirar as responsabilidades das escolas, do governo e das famílias pelo abandono escolar, todos têm sua parcela de participação, pois se trata de relações sociais, mas é importante ressaltar a questão dos livros didáticos, por não ser um estudo muito debatido e, como podemos perceber durante toda a pesquisa, tem seu peso em todo esse processo de evasão escolar e autoestima da criança negra não se desvinculando também do contexto social. Ao buscar compreender o processo de evasão escolar e identificar os possíveis fatores que legitima o presente estudo, foi possível observar que os objetivos propostos foram em parte alcançados, no sentido de direcionar um novo olhar para identificar de que maneira o livro didático pode contribuir para a criança abandonar os estudos tão precocemente. Percebemos que não há um único motivo, mas sim um conjunto de fatores que levam essa criança a abandonar os estudos. Não podemos nos fixar num ou noutro, temos que pensar nas alternativas para sanar esse problema que afeta a sociedade como um todo, e uma das alternativas propostas é realmente a implementação da lei nº 10639/03 e 11645/08 na íntegra, e um novo olhar para as escolhas dos livros didáticos adotados em toda a rede de ensino, prestando atenção em relação às imagens utilizadas para ilustrar esses livros, ficando atentos às histórias que abordam os negros, observando se as figuras utilizadas são pejorativas e que venham afetar sim, o inconsciente da criança. Sabemos que temos que mudar esse quadro, mudar a forma de enxergar o abandono escolar, prestar atenção nos reais motivos que fazem a criança negra a abandonar o mundo acadêmico, se preocupar realmente em fazer as autoridades competentes ficarem atentas para o fator do preconceito e discriminação nos bancos escolares, nos livros didáticos e no cotidiano escolar, fazer com que os professores se preocupem com essas crianças que param de frequentar as aulas, tentar resgatar os valores que há muito tempo vem se desmanchando, valores de família, de cidadania, de inclusão social e respeito. Enfim, não podemos aceitar que essas crianças negras se tornem pessoas invisíveis no amanhã. BIBILOGRAFIA ARROYO, Miguel. A escola possível é possível? In: ARROYO, Miguel (Org.). Da escola carente à escola possível. São Paulo: Loyola, 1991a. p.11-53. BRANDÃO, Zaia et alii. O estado da arte da pesquisa sobre evasão e repetência no ensino de 1º grau no Brasil. 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PROJETO PITANGUÁ: português / organizadora; Editora Moderna; obra coletiva concebida desenvolvida e produzida pela Editora Moderna; editora responsável Maria Tereza Rangel Arruda Campos. – 1. ed. – São Paulo: Moderna, 2005. SILVA, Ana Célia. Desconstruindo a discriminação do negro no livro didático. Salvador: EDUFBA, 2001. SILVA, Arlete Vieira da. O processo de exclusão escolar numa visão heterotópica. In: Revista Perspectiva. v. 25, nº 86, Erechim, junho 2000, p. 1-28. SILVA JR, Hédio. Discriminação racial nas escolas: entre a lei e as práticas sociais. Brasília: Organização das Nações unidas para a educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), 2002. SODRÉ, Muniz. Claro e escuros-identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1999. SOUSA, Andréia Lisboa de. Personagens negros na literatura infantojuvenil: rompendo estereótipos. In: Racismo e anti-racismo na educação: repensando nessa escola. Eliane Cavalleiro (organizadora). São Paulo: Summus, 2001. THOMPSON, B. John. 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Minha experiência é na educação básica, ou seja, de 1ª a 4ª série no ensino fundamental, e na educação de Jovens e Adultos. Sempre procurei dar o máximo de mim para fazer desses meus alunos pessoas que reflitam um pouco mais sobre a vida e se tornem boas pessoas. • Fale-me um pouco sobre algumas experiências em sala de aula que tenha notado atos de preconceitos, negação de origem, discriminação entre os alunos da educação básica. • Deixe-me lembrar, são tantas, não é fácil de lembrar assim, estranho, deveria me lembrar, mas eu acho que às vezes percebo atos de preconceito, no entanto muitas vezes relevo, não sei se as crianças percebem ou estão prontas para discutir assuntos tão delicados como esse. Lembro-me de uma aula de artes que eu acredito que entra na questão da negação de origem. Pedi para os alunos contornarem as mãos e depois pintarem, mas antes fiz uma pergunta sobre o lápis cor de pele, pedi para as crianças levantarem o lápis cor de pele, todos levantaram vários lápis de cores salmão, rosa, e até laranja, ninguém levantou preto nem marrom, eles só levantaram depois que pedi para observarem a cor da mão de cada um e levantarem a lápis da cor que mais se parecia com a pele de cada um. Lembrei-me de outro fato que se encaixa na questão da negação de origem, no dia de brinquedo as meninas trazem bonecas brancas, as alunas negras dizem que se parecem com as barbies, outras brincam de apresentadoras de televisão, sempre são Xuxa ou Eliana. Na questão de preconceito e discriminação percebo nas falas e xingamentos e apelidos, por exemplo: sai daqui seu neguinho sujo, cabelinho de bombril, carvão, lama preta. • Qual a sua reação quando ocorrem essas falas? • Peço para não fazerem isso de novo, a não ser quando sai briga, aí eu levo para diretoria. Algumas vezes tento fazer uma reflexão sobre racismo e preconceito, mas eles são pequenos, não entendem muito. • O que você acha que leva uma criança a abandonar os estudos? • São vários os motivos, mas acredito que o principal é a família, se a família não incentiva a criança, não acompanha essa criança na escola ela fica desestimulada e para de estudar. Eu percebo aqui, com minhas crianças, quando o pai ou a mãe é participativo essa criança caminha, aprende a ler e escrever muito rápido, mas aquelas que você percebe que a família não está nem aí, você chama os pais para conversar e eles nunca aparecem, você percebe que o caderno dessas crianças nunca é olhado, nem, sequer se preocupam em olhar bilhetes, isso sim pode fazer a criança à não gostar de estudar e parar de muito cedo de vir para a escola. Outra coisa que me chama a atenção é a baixo autoestima que pode ser causada pela falta de imagem representativa em vários meios, eu acredito que a invisibilidade realmente pode ajudar no processo da evasão escolar. Quando a criança não se enxerga nos livros, não se reconhece na televisão, não é destacado pelos professores, isso poderá influenciar diretamente no psicológico da criança, podendo fazer com que ela venha a abandonar os estudos precocemente. 2º Relato Valeska Cizauskas Viana: Psicóloga e Professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental da Rede Pública do Estado e Município de São Paulo. • Professora Valeska, com toda sua experiência na área de educação e como psicóloga você percebe alguma relação entre os desenhos de figuras humanas retratados nas séries iniciais com a negação da origem de cada criança? • A criança desenha o que está no inconsciente dela, ela desenha o ideal de beleza, o que assiste na televisão o que vê nos livros e revistas, o que está na moda, o que é bonito para o padrão da mídia, e como o desenho é uma projeção do que ele vê, ele desenha o que considera ideal, é uma forma inconsciente de negar a própria origem. Muitas vezes às crianças têm vergonha do próprio cabelo, os meninos raspam e as meninas ou alisam ou prendem, alegam que o cabelo é ruim e as meninas ficam com vergonha, quando elas desenham o rosto, o cabelo está sempre liso. • Você pode relatar alguma atividade que tenha aplicado em sala de aula que você acredite que demonstre outra forma de negação da própria origem? • Tem uma atividade que fiz recentemente com meus alunos que é um exercício que chamo de espelho, peço para os alunos olharem em um espelho grande que trago apenas nesse dia para essa atividade, foi nesse dia que percebi que muitas das minhas crianças não se viam como negros, após todos alunos observarem o próprio corpo, pedi para que desenhassem e pintassem com a cor da pele, apenas dois alunos, de trinta e sete que estavam presentes, pintaram o desenho de preto, sendo que vinte e dois alunos são negros. • Qual foi sua atitude em relação a essa postura? • Fiz um trabalho com os alunos resgatando a autoestima de cada um, valorizando os negros que vieram escravizados para o Brasil, mostrando um pouco da cultura, dos heróis, de personagens marcantes na história. Após essa atividade percebi que começaram a se aceitar como eram. • Você já percebeu algum ato de preconceito ou discriminação na fala de algum colega de trabalho? • Percebo muitas falas, que acredito ser inconsciente, mas eu acho extremamente desagradável, por exemplo: quando comentam de algum aluno na sala dos professores e não falam o nome, dizem apenas aquele mulatinho do fundo, ou o fulano mais escurinho. Um fato que me deixou chocada foi quando observei nos olhos de uma colega muita raiva ao se retratar de uma aluna que era bagunceira e vivia arrumando confusão com os meninos, ela chamou a menina de pretinha suja e a comparou com o irmão que era conhecido como azulão, um ex aluno que não saia da boca de fumo. • Você já procurou conversar com esses professores que tem essas atitudes preconceituosas, sobre essa forma de comentar dos alunos? • Confesso que só em tom de brincadeira, nunca tentei tratar diretamente com eles. Depois dessa nossa conversa comecei a pensar um pouco mais sobre o assunto, se nós que trabalhamos com a educação cometemos atos falhos dessa grandeza, como vamos combater o racismo e o preconceito em sala de aula? Quando ouvir na sala dos professores falas desse tipo vou abrir minha boca e falar claramente com os colegas. 3º Relato Sra A. S., mãe do menor A. C. S, aluno que abandou os estudos no ano de 2008 ainda nas séries iniciais. • O que levou a Sra a tirar seu filho da escola? • Meu filho tem oito anos e estuda na primeira série, não sabe ler e muito menos escrever. Cansei de levar bronca na escola da professora, que me chamava sempre para falar a mesma coisa, prefiro que ele fique aqui em casa para cuidar do irmão menor, pelo menos ela irá fazer alguma coisa de útil. • A Sra acha que ele pode se prejudicar no futuro por perder esse ano? • Acho que não, no ano que vem ele estuda de novo. Vou tentar colocar o irmão dele na creche e ele não vai precisar mais cuidar do irmão menor. • Ele não é muito pequeno para cuidar do irmão mais novo? • Aqui em casa não tem isso de mais novo, eu sempre cuidei dos meus irmãos menores, trabalho desde que me conheço por gente, e também parei de estudar na primeira série. 4º Relato Sr R. S., pai do menor R. S. Jr que abandou os estudos na 5ª série do ano de 2008. • Sr R., o quê acha que fez o seu filho abandonar os estudos esse ano? • Sei lá, acho que ele não gosta de estudar. • Como o Sr ficou sabendo que ele parou de frequentar a escola? • Pela vizinha. • Como o Sr se sente em relação a essa situação? • Eu sou pai e mãe desse menino, a mãe saiu de casa quando ele tinha oito anos, de lá para cá eu tenho que trabalhar, cuidar de casa e ainda cuidar dos meus três filhos menores que moram comigo. Eu trabalho o dia inteiro e não tenho tempo de verificar se ele está estudando, pode ser que eu tenha falhado, mas não me culpo, eu acho que ele tem que saber o que quer, se ele parar de estudar ele que vai sofrer a consequência. Bom eu só fiquei sabendo que ele parou de ir para a escola quando uma vizinha me disse que ele passava o dia todo empinando pipa. O que eu fiz foi dar uma surra nele, mas não adiantou ele continuou a ficar na rua e não ir para a escola, agora o que eu posso fazer, matar, isso não posso, então entrego na mão de Deus e deixo o barco rolar, mas de uma coisa tenho certeza ele vai sentir falta de estudar, aí é que ele vai ver a burrada que fez. • Você sabe que ele não pode ficar fora da escola? • Isso não me interessa, se ele não quer estudar o problema não é meu e eu não vou ter prestar conta pra ninguém, quero só ver quem é que vai vir aqui falar comigo, por acaso é a polícia? 5º Relato Elizabeth Cruz: Professora de Matemática da Rede Estadual e Municipal de São Paulo. Atua no Ensino Fundamental, Médio e Ensino de Jovens e Adultos. • Professora Elizabeth, quando se trata de EJA, qual a cor de pele da maioria de seus alunos? • A grande maioria é negra, ou seja, temos muitos alunos pardos e alguns pretos. • Você trabalha a questão racial em sala de aula? • Sim, na medida do possível, porque minha área de atuação é matemática, mas eu sempre procuro trabalhar com a interdisciplinaridade e assuntos como sexualidade, discriminação racial e drogas sempre são abordadas. • Você pode me relatar uma atividade que abordou esse tema? • Na verdade a atividade não era exatamente sobre questões de discriminação e preconceito, mas a discussão levou a isso. A proposta da atividade era apenas para fazermos um debate sobre os motivos que levaram eles a abandonarem os estudos ainda nas séries iniciais, costumo fazer essa atividade logo nas primeiras aulas sempre que pego uma turma nova. No meio da discussão, coloquei em questão a imagem do negro no livro didático, se eles percebiam ou se lembravam de imagens que mostravam coisas boas sobre os negros. Os alunos começaram a falar primeiro sobre a questão do abando escolar, a grande maioria colocou a questão do trabalho sendo o principal motivo, outros alegaram a falta de estímulo no ambiente escolar e um grupo pequeno mais significativo disseram que a culpa deveria ser da família, porque abandonaram os estudos ainda nas primeiras séries para cuidar de irmãos menores, porque davam muito trabalho em sala de aula, muita reclamação dos professores, ajudar no trabalho, cuidar de casa. Na segunda parte do debate comentei sobre as imagens nos livros, e os alunos, todos disseram que não se lembravam de imagens, nem de histórias infantis ou contos de fada, sempre os heróis, as princesas são brancos. Aproveitei e coloquei para eles refletirem a questão da discriminação, foi aí que os ânimos se alteraram, primeiro verificou-se a aceitação da questão da cor de pele. Como grande parte dos alunos são adultos, não houve muito problema, sendo majoritariamente negros, mas o que chamou a atenção foi em relação à denominação: “moreno claro, marrom bombom, preto claro, pretinho, moreno, mulato, negão”. Aproveitei novamente o momento para que eles refletissem mais e lancei outra provocação, pedi para que eles se lembrassem de cenas que eles tivessem na lembrança sobre preconceitos sofridos em sala de aula, foi um aluno começar a se manifestar para gerar a polêmica e todos também fazerem o mesmo. A fala que ficou mais forte foi em relação a duas alunas, uma se lembrou que nunca foi chamada pela professora para fazer uma leitura, mas nunca tinha pensado que isto poderia ser uma forma de preconceito, outra aluna disse que se achava feia, na infância, pelo fato de ser preta, falou que a professora não deixou ela participar de um desfile no dia da mulher porque tinha que ser apenas uma menina por sala, e a aluna que iria representar a sala, era a “bonitinha da Pamela”. Terminei o debate pedindo para que eles se lembrassem da primeira pergunta, dos reais motivos que os levaram a abandonar os estudos e se eles continuavam com a mesma opinião, a grande maioria concluiu que o principal fator foi à questão da autoestima. • Você acredita que discussões desse tipo acrescenta alguma coisa para o aluno? • Lógico que sim, se todos educadores fizessem discussões que abordassem temas polêmicos, como religião, sexualidade, preconceito, drogas, política, acredito que tornaríamos esses alunos mais reflexivos e politizados. 6º Relato Ana Karina Manson, professora de Língua Portuguesa e Literatura, especializada em Ensino de Jovens e Adultos. Atua na Rede Estadual e Municipal de São Paulo. • Como você vê a questão do preconceito e discriminação em sala de aula. • Percebo que existe o preconceito e a discriminação em várias situações, principalmente no tratamento entre os alunos. • Você pode me falar algum exemplo? • O bulling é um exemplo claro. É muito comum o insulto em tom de brincadeira no tratamento entre os alunos tanto em sala de aula como em conversas que ouço quando passo pelos corredores. • Qual a sua intervenção quando ocorrem cenas como essa que você relatou. • Procuro desenvolver atividades que façam os alunos entenderem que não é correto esse tratamento entre eles. • Você pode me contar alguma atividade que desenvolveu em sala de aula com seus alunos? • Claro que sim, teve um dia que andando pelo corredor para ir até a sala de aula, presenciei dois alunos de uma mesma sala se agredindo verbalmente, um insultava o outro com nomes pejorativos, abordei esses alunos e pedi para pararem, o que me chamou a atenção também foi à forma de um se referir ao outro, eles não citavam os nomes e sim se referiam um ao outro por apelidos e se tratavam de apelidos que denigrem a pessoa, mas eles agiram com naturalidade ao se referirem por exemplo a “ macaco” e a “ baleia”. Naquele dia eu não tive aula naquela sala, mas no dia seguinte quando eu entrei na sala, a primeira coisa que fiz foi ter uma conversa séria com eles, não foi bronca e sim conversa. Foi aí que desenvolvi uma atividade sobre bulling com eles, no desenvolvimento das atividades eles demonstravam naturalidade ao contar piadas e a falar os apelidos que davam uns aos outros, sempre depreciando e denegrindo a imagem dos colegas, mas os mais ofensivos eram os apelidos dados aos alunos negros. Os apelidos como: carvão, galinha preta, frango de macumba, buiu, tição, macaco; chavões como: “quando não caga na entrada caga na saída”, “amanhã é dia de branco”, “serviço de preto”. Fiquei imóvel por uns instantes com a naturalidade que os alunos falavam as coisas e também com a indiferença com que os alunos negros encaravam os fatos. Após os relatos, procuramos discutir os significados dos apelidos, das piadas e dos insultos, de como isso poderia interferir na autoestima de cada um e no decorrer da vida. Produzimos alguns cartazes e produzimos panfletos sobre o tema. Essa foi uma das atividades que desenvolvi durante o ano com esses alunos, sempre que posso procuro trabalhar a questão do preconceito e do racismo, apesar de existir muita resistência por parte de alguns alunos. Imagens