XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 NOS CAMINHOS ENTRE O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E O PIBID: O QUE CONTAM OS LICENCIANDOS DE BIOLOGIA? Maria Márcia Melo de Castro Martins – UECE/UFC Isabel Maria Sabino de Farias – UECE Maria Marina Dias Cavalcante – UECE RESUMO Que compreensão licenciandos do Curso de Biologia têm sobre o estágio supervisionado na sua formação como futuros docentes? Esta interrogação esteia as reflexões sistematizadas no presente texto que tem como objetivo discutir o papel do estágio supervisionado na formação inicial com base na perspectiva de estudantes que participam do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). Esta iniciativa, que visa incentivar o interesse pela docência e valorizar o magistério, é marcada pela inserção precoce de graduandos na escola mediante o desenvolvimento de ações diversificadas e inovadoras que favoreçam a aprendizagem da docência. Esta característica suscita aproximações diversas ao tema do estágio supervisionado, tema central deste trabalho e cujo exame teórico, apoiado nos estudos de Pimenta e Lima, evidencia-o como lócus de formação e construção da identidade docente. Constata-se que o estágio supervisionado ainda acontece de forma precária, tendência que dificulta o reconhecimento desse componente curricular como momento privilegiado de contato e compreensão das dificuldades presentes no processo de ensino e de aprendizagem por parte dos futuros professores. Argumenta-se ainda sobre a necessidade de conceber o estágio como campo de conhecimento indispensável para a formação docente, e de reconhecimento de sua contribuição na construção das identidades, dos saberes e atitudes dos futuros profissionais e na superação da dicotomia entre teoria e prática, tendo a pesquisa como caminho metodológico que pode viabilizar sua concretização nessa perspectiva. A análise dos relatos de licenciandos que participam do PIBID, resultante de investigação empírica qualitativa, mostra que o estágio supervisionado é reconhecido como atividade formativa importante no sentido de prepará-los para a docência. Todavia, ao compararem as vivências oportunizadas nesse Programa com aquelas presentes durante o estágio supervisionado identificam fragilidades que arrefecem a aprendizagem profissional que deveria ser proporcionada por este componente curricular, destacando, sobretudo, a forma aligeirada como o estágio supervisionado é desenvolvido. Palavras-chave: Estágio supervisionado – Formação docente – Licenciandos de Biologia – PIBID 1 Introdução Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.004208 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 2 A formação de professores no Brasil ganhou destaque a partir da década de 1990 com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº 9.394/96, momento em que novas políticas e legislações foram regulamentadas no âmbito do Governo Federal, por meio do Conselho Nacional de Educação (CNE). Conforme Ghedin (2008, p.39), “essas novas regulamentações foram apresentadas como possibilidades de melhor responder à questão da formação inicial do professor” e visaram “regularizar e finalizar uma etapa de proposição para a reforma educacional no campo da formação de professores”. Pesquisadores em diversas instituições de ensino têm buscado compreender a gênese desse movimento de reforma, as condições em que têm ocorrido e sua relevância no contexto político, social e econômico que envolve a atual realidade educacional brasileira, principalmente porque se atribui o baixo rendimento escolar dos alunos da educação básica à precária qualificação dos professores nos cursos de licenciatura. Dentre os problemas que afetam a qualidade da formação desses profissionais, destaca-se o distanciamento de sua formação inicial com seu futuro campo de atuação profissional, ou seja, comumente o licenciando tem sua inserção nesse espaço apenas nos últimos semestres de seu curso de licenciatura, via Estágio Curricular Supervisionado. Concebido historicamente como a parte prática dos cursos de licenciatura, a partir da década de 1980 este componente passou a ser compreendido como importante elemento curricular no processo de formação docente, assumindo nova configuração que o destaca como componente teórico-prático central a aprendizagem da profissão. A acepção do estágio como a “hora da prática” é debitária da lógica presente na formação de professores no século XX, fundamentado na concepção epistemológica da racionalidade técnica, dicotomizando teoria e prática. Diante de tal concepção, as disciplinas pedagógicas, consideradas disciplinas práticas, subordinavam-se às disciplinas teóricas, consideradas disciplinas científicas (SILVA, 2007). Com a vigência da LDB nº 9.394/96, o Estágio passou a compor os currículos dos cursos de licenciatura como uma disciplina de complementação, com o papel de oportunizar ao licenciando que colocasse em prática o que foi aprendido, para “complementar” a sua formação. Nesse contexto, a questão teórico-prática da disciplina de Estágio tornou-se objeto de estudo intensamente investigado, com fortes sugestões para uma unidade entre teoria e prática. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.004209 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 3 Segundo Silva (2007), os teóricos que iniciaram essa discussão no Brasil denunciavam que as orientações do Estágio eram dirigidas em função de atividades e programas, a priori, sem que tenham surgido das discussões entre educador-educando, no cotidiano da sala de aula da escola e da comunidade. Dessa forma, o conhecimento da realidade escolar através dos estágios não favorecia as reflexões sobre uma prática criativa e transformadora, nem possibilitava a reconstrução ou definição de teorias que sustentassem o trabalho do professor, fortalecendo a dicotomia teoria-prática. Nesse sentido, a Resolução CNE/CP nº 1, de 18 de fevereiro de 2002, institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura e de graduação plena. Em relação ao estágio, define que o mesmo terá como finalidade promover a articulação entre as diferentes práticas, numa perspectiva interdisciplinar (Art. 13). No § 3º desse mesmo artigo estabelece ainda que o estágio deve ser realizado em escola de Educação Básica, respeitado o regime de colaboração entre os sistemas de ensino, devendo ser desenvolvido a partir do início da segunda metade do curso e ser avaliado conjuntamente pela escola formadora e a escola campo de estágio. O Estágio curricular pressupõe atividades pedagógicas efetivadas em um ambiente institucional de trabalho. É atividade reconhecida pelo Sistema de Ensino e se concretiza na relação entre o docente experiente e o aluno estagiário, com a mediação de um professor supervisor acadêmico. O Estágio Curricular Supervisionado deve: oferecer ao futuro licenciado um conhecimento do real em situação de trabalho, isto é, diretamente em unidades escolares dos sistemas de ensino; verificar e provar (em si e no outro) a realização das competências exigidas na prática profissional e exigíveis dos formandos, especialmente quanto à regência; acompanhar aspectos da vida escolar que não acontecem de forma igualmente distribuída pelo semestre, concentrando-se em situações, tais como: da elaboração do projeto pedagógico, da matrícula, da organização das turmas e do tempo e espaço escolares; capacitar, em serviço, e que só pode ocorrer em unidades escolares onde o estagiário assuma efetivamente o papel de professor, outras exigências do projeto pedagógico e das necessidades próprias do ambiente institucional escolar; integrar as questões teóricas às questões práticas, vivenciadas ao longo do curso, possibilitando a construção de conhecimento significativo pela ação – reflexão – ação; investigar o contexto educativo na sua complexidade e analisá-lo, tomando-o Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.004210 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 4 continuamente como objeto de reflexão, para construção de formas de gerenciamento do mesmo; realizar atividades que aprimorem a prática profissional, integrando o ensino, pesquisa e extensão. Além da legislação sobre o Estágio, há um sólido corpo teórico que discute a importância dessa atividade para a formação dos futuros professores e propõe alternativas para o seu desenvolvimento nos cursos de formação inicial, onde se destacam as contribuições de Pimenta (2006, 2008) e Lima (2008). Ainda assim, essa atividade tem ocorrido de forma precarizada, conforme evidencia pesquisa realizada por Martins (2009) com professores de Biologia da Educação Básica no município de Fortaleza. Nesta, os docentes apontam dificuldades em relação ao seu estágio, como o escasso tempo dedicado a essa atividade; o fato desta ter se restringido a uma observação e a uma única regência no último semestre de seu curso (2003.2); ter sido realizada apenas nos últimos semestres do curso de formação; o frágil acompanhamento pelo docente do ensino superior e pelo professor do ensino básico durante a realização do estágio e tê-lo desenvolvido na escola privada, o que, para um dos professores, gerou uma sensação de estranheza ao ingressar como docente na escola pública. 2 PIBID e Estágio Curricular Supervisionado – distinções e interfaces Realidade distinta da vivenciada no Estágio Curricular Supervisionado, nos cursos de formação inicial de professores, encontra-se nas ações realizadas no âmbito do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), iniciativa que também pressupõe a inserção de licenciandos no contexto escolar visando aprendizagens próprias à aprendizagem da docência. Que aproximações existem entre essas duas ações? O PIBID surge em meados da primeira década do século XXI, no caldeirão das disccusões sobre a formação de professores no Brasil. Trata-se de um programa federal de incentivo à docência. Seu desenho envolve a inserção de alunos da licenciatura no ambiente escolar sob supervisão de um professor da escola e de um professor da universidade. Assegura bolsas com duração de dois anos a seus integrantes – licenciando, professor supervisor e coordenador de área, período no qual os licenciandos participam de “experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar e que busquem a superação de problemas identificados no processo de Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.004211 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 5 ensino-aprendizagem” (CAPES, 2009, p. 3). As atividades do PIBID são de caráter complementar à formação inicial, visam enriquecer a formação, contribuindo para valorizar e estimular a opção pelo magistério entre estudantes da licenciatura. O PIBID, assim como o Estágio Curricular Supervisionado, reconhece a escola como contexto importante na formação do profissional docente. Também se fundamenta na ideia de que a convivência entre pares com diferentes percursos e saberes oportuniza diálogos, interações e situações, aprendizagens duradouras e necessárias à formação e identificação profissional do futuro professor. A inserção dos licenciandos na escola, o reconhecimento do potencial formativo desse contexto e a presença de profissionais experientes no acompanhamento dos alunos são algumas das interfaces entre o estágio curricular e o PIBID. Por outro lado, enquanto o primeiro pressupõe que o licenciando assuma a função pedagógica do professor (foco na regência), o segundo caracteriza-se pela exigência de diversificação de experiências e práticas provocadoras do interesse pela prática educativa, alargando sua compreensão da escola e da profissão. É fato que o aluno no estágio se coloca na função docente, vivencia sua natureza (SILVEIRA, 2012). Embora tais características possam ser percebidas também no PIBID, o estágio se insere em uma sistemática acadêmica, alinhado a um fluxo curricular planejado para progressivamente aumentar o grau de complexidade da análise da realidade escolar. O PIBID, mesmo colaborando com esse processo, não substitui o estágio curricular supervisionado e seus objetivos, que possui legislação própria. O PIBID não se configura como o Estágio Curricular Supervisionado e nem com este compete. Nesse sentido, entende-se que as interfaces e distinções existentes entre essas duas ações destinadas à promoção da aprendizagem da docência, longe de colocá-las em posição de confronto, realçam a importância do local de trabalho e da prática na formação docente. 3 Nos caminhos entre o Estágio Curricular Supervisionado e o PIBID Ecoa cada vez mais forte relatos sobre experiências de aprendizagem da profissão centradas no contexto escolar. Tais registros, sobretudo quando oriundos de alunos de licenciaturas inseridos no PIBID e que também realizam o estágio curricular, são marcados por percepções e sentimentos que colocam em evidência possibilidades e fragilidades presentes nessas ações. É o que mostram relatos colhidos por meio de grupo Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.004212 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 6 focal com licenciandos de Biologia de instituição pública de Ensino Superior, desdobramento de investigação mais ampla acerca dos avanços, limites e perspectivas do PIBID na melhoria da aprendizagem na escola de ensino médio cearense. Ao referirem-se às suas experiências, os licenciandos de Biologia destacaram as contribuições do PIBID em detrimento do Estágio Curricular Supervisionado que realizaram nas escolas, apontando fragilidades dessa atividade no tocante ao curto período que esta dispõe para vivência da aprendizagem da profissão em seu lócus de atuação, a escola básica: Como o PIBID nos possibilita estar na prática, ali, a todo momento a gente tá na prática. É o momento que a gente vai aprender mesmo. É... foi... É a oportunidade da gente se descobrir. Pra gente saber, será que essa profissão que a gente quer? Entendeu? Será que eu vou me achar lá na escola? E o PIBID ele veio pra nos possibilitar isso. Essa vivência efetiva na escola, que o estágio não possibilita isso. Só no momento da regência e pronto, assim. E isso era pouco pra gente, pra gente saber se realmente era essa a profissão... (LICENCIANDA DE BIOLOGIA). [...] Justamente essa oportunidade que surgiu pra nós. Já que não tinha ainda esse projeto na faculdade. Aí foi o momento, né, que surgiu pra nos inserirmos. E já que, é, temos o estágio, né, e digamos que é pouco, né. E aí com o PIBID ia aumentar as nossas experiências. (LICENCIANDA DE BIOLOGIA). Como fator limitante da aprendizagem da docência e da identificação com a profissão durante o estágio, os licenciandos sublinham o pouco tempo destinado à vivência da sala de aula, embora o Parecer CNE nº 28/2001 e a Resolução CNE/CP nº 02/2002 tenham definido a carga horária desse componente curricular em 400 horas, a partir da segunda metade do curso. Esta situação torna ainda mais pertinente o alerta de Ghedin et al (2008, p. 43) sobre a necessidade de “superar a forma como tradicionalmente o estágio” vem sendo realizado. Em suas palavras: Na maioria das vezes limitava-se à mera observação, algumas poucas intervenções e elaboração do relatório final, sem a preocupação em discutir e refletir sobre os problemas observados na sala de aula, não garantindo qualquer possibilidade de formação profissional do docente, que seja mais crítica ou reflexiva, enfim, mais adequada ao atendimento de realidade da sala de aula. Os relatos dos licenciandos que participaram do grupo focal mostram que o estágio continua ocorrendo de forma aligeirada, arraigado na forma tradicional aludida por Ghedin. Ao que parece, formulações como as de Pimenta (2006; 2008) e Lima (2003; 2008), as quais concebem o estágio como atividade formadora, de (re) elaboração de saberes, ainda permanecem distantes da prática pedagógica presente na formação inicial de professores. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.004213 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 7 O gestor da escola onde os licenciandos de Biologia atuam no âmbito do PIBID, também se pronunciou sobre a formação dos profissionais que pretendem assumir a docência na Educação Básica: [...] a gente recebe muitos professores que ainda estão cursando [...] E a gente nota que os professores que a gente recebe, que ainda estão cursando a Universidade, estão despreparados pra gerir a sala de aula, né. Ele pode até vir com o conhecimento de conteúdo, o conhecimento da disciplina que ele vai ministrar, mas controle de sala de aula é uma coisa que requer experiência e eu acho que o PIBID abre essa... tem essa iniciativa, né, de já colocar o professor em contato com esse detalhe da sala de aula, a questão da gestão da sala. Hoje é praticamente impossível um professor chegar na sala de aula com conhecimento, se ele não tem experiência de chamar atenção do aluno, ele não vai conseguir dar aula não. (COORD. PEDAGÓGICO DA ESCOLA). Ao apontarem como o PIBID os tem possibilitado aproximar-se da profissão docente, os alunos do Curso de Biologia destacam limitações do estágio quanto a esse processo, uma vez que nessa atividade são poucas as oportunidades de exercerem a regência em sala de aula e curto o tempo para vivenciarem a escola de forma mais ampla: Em relação a essa questão, assim, eu acredito que a experiência em sala de aula, né, na nossa profissão, é uma passo dado pra excelência, tá entendendo. Como já foi dito aqui, no momento do estágio do nosso curso ele é muito rápido. Então, não dá pra você se situar realmente, não dá pra você aprender realmente a profissão, a docência. Então, o PIBID veio com essa oportunidade de nos colocar além da sala, né, vivenciar toda a realidade, ter aquele contato direto com os professores, alunos, conhecer a realidade da escola e a partir daí tu montar estratégias, né. Puxa nisso aqui eu não fui legal nessa regência, tentar melhorar na próxima. Experiência, eu acho que experiência nesse caso aí é tudo. (LICENCIANDO DE BIOLOGIA 1). [...] o PIBID ele tem uma profunda importância no sentido de possibilitar que eu possa conhecer a escola antes de eu estar trabalhando nela, né. [...] um estágio na escola, não na sala de aula. [...] Como a gente nunca tem realmente [...] (LICENCIANDO DE BIOLOGIA 2). Os relatos dos graduandos são corroborados pelo coordenador das áreas de Biologia e de Física do PIBID: Se eles decidirem ser professores, eles vão chegar mais tranquilo na escola, sabendo das dificuldades, né, dois anos já é muito bom, certo, é completamente diferente de você pegar e fazer simplesmente o curso de licenciatura e fazer duas ou três disciplinas de estágio, ficar um tempinho na escola, um tempinho dando uma aulinha, vendo uma situação ou outra, sabe, isso não é suficiente mesmo pra o pessoal, pra cair a ficha, sabe, pra conviver, e ele notar que o responsável pela escola é ele também, então, se você quiser fazer diferença começa a partir de você [...] (COORD. DE ÁREA DO PIBID - FÍSICA) [...] eu vi que era um projeto que tinha como objetivo principal levar os docentes, os licenciandos, pra dentro da escola, porque uma das grandes dificuldades que a gente tinha na minha época era que você só tinha contato com a escola no tempo dos Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.004214 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 8 estágios. [...]. a gente que vai ser professor, eu acho que seria interessante, ter mais contato ainda com a escola. [...] eu vi que pra o PIBID, os meninos iam ter contato, muitos deles estão no 3º semestre e no 4º, eles vão ter contato desde o inicio da graduação deles com a escola, isso vai levar eles a ter uma formação acadêmica mais aprimorada pra quando eles forem ser professores, [...] (COORD. DE ÁREA DO PIBID - BIOLOGIA). As dificuldades presentes no estágio, como denotam os depoimentos transcritos, são comuns entre as áreas. No caso da Biologia, é expressivo o relato da professora universitária que coordena a área no PIBID acerca do entendimento predominante sobre o estágio entre os colegas desse curso: Com a minha formação eu acho que eu tinha essa consciência diferenciada em relação aos meus colegas bacharéis, é que eu [...] sempre tive essa preocupação também dentro da sala de aula, na preparação das minhas aulas. Quando eu cheguei, que eu fui assumir minha vaga, que foi a Prática de Ensino, jogaram pra mim, né, as disciplinas que estavam relacionadas com a pedagogia da biologia, né, que era Estágio, Prática de Ensino. Ah! não... essa disciplinas tu vai assumir porque ninguém sabe nada disso aí não Isso é a maior enrolação. (COORD. DE ÁREA DO PIBID - BIOLOGIA). O depoimento dos licenciandos, assim como dos professores coordenadores, revelam que essa atividade precisa avançar no sentido de cumprir seu papel na formação dos licenciandos, qual seja, inseri-los na escola e possibilitar-lhes vivenciar a docência em sua complexidade, a exemplo do que vem acontecendo no âmbito do PIBID. Embora a teorização sobre o Estágio Supervisionado não seja recente, muito há por avançar. Nessa tarefa, autoras como Pimenta e Lima (2008) vêm dando grandes contribuições na área, concebendo-o como importante elemento para a aprendizagem da profissão, bem como advertindo sobre as dificuldades existentes na efetivação desse momento na formação dos futuros professores. Parte da dificuldade pode estar atrelada às condições para a realização dessa atividade de modo mais significativo, sobretudo pela sobrecarga de atribuições delegada ao professor universitário, o que inclui a demanda por produção científica, que tem marcado a docência no Ensino Superior, e o fato das atividades relacionadas ao ensino não computarem como produção nesse contexto de exigências no qual o docente universitário, atualmente, está inserido. Além disso, o professor, orientador do estágio curricular obrigatório nos cursos de licenciatura, tem sob sua responsabilidade muitos alunos por semestre, sendo assim, como poderá desenvolver um trabalho mais orientado, mais próximo da escola, se seu trabalho tem sido cada vez mais precarizado? E o ensino ainda concebido dentro dos cursos como uma atividade secundária à Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.004215 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 9 pesquisa? São questões para reflexão. Outra questão está atrelada à forma como essa atividade é concebida pelo docente universitário e pelo professor regente que acompanha o licenciando durante sua permanência na escola. É preciso que haja uma aproximação maior desses sujeitos e que o professor da escola perceba que sua contribuição é importante para a formação de futuros professores, que seus saberes podem ajudá-los a construir uma identidade com a docência. Lamentavelmente, ainda é recorrente na escola episódios em que colegas mais experientes desanimam os estagiários, os recepcionam mal e, frequentemente, perguntam: “o que vocês estão fazendo aqui? Ainda tá em tempo de fazer outra coisa na vida! Se eu tivesse a idade de vocês, investiria em algo que desse retorno”. Essa é uma situação desafiadora, pois diz respeito também a como esse docente se percebe na profissão, reflete suas perspectivas sobre o ser professor. Cenas como a relatada são recorrentes durante a inserção de muitos licenciados na escola, não apenas da área da Biologia, como de outras áreas do conhecimento. Sobre a questão vale destacar o registro de um licenciando: Todo novato em início de atividade sofre preconceitos. Preconceito por parte dos mais velhos e na profissão de professor, os cinco anos da faculdade geralmente, e às vezes são menos de cinco anos, ele, na maioria dos casos, não são o suficiente pra se adquirir uma coisa que não vai ter lá no curso de formação que é a experiência. [...]. (LICENCIANDO DE BIOLOGIA 4). No âmbito das ações do PIBID, entende-se ser fundamental que o docente que atua como co-formador compreenda seu papel na inserção e promoção da aprendizagem da docência de licenciandos sob sua supervisão. Nesse sentido, evitar processos estanques, solitários e sem preparação prévia é necessário e constitui um desafio, do qual certamente a experiência do PIBID também é debitária. A partir da percepção do estágio pelos sujeitos da pesquisa, sobretudo dos licenciandos de Biologia, e à luz das concepções de estágio defendidas por Pimenta e Lima é que propomos uma reflexão sobre a importância dessa atividade para a formação do futuro professor dessa área do conhecimento. 4 Perspectivas para o Estágio Curricular Supervisionado – provocações sínteses Pimenta e Lima (2008) compreendem o Estágio como atividade instrumentalizadora da práxis docente, superando a visão de estágio como a hora da Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.004216 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 10 prática. Pimenta (2006) chama atenção para a necessidade de unidade teoria e prática nos cursos de formação, particularmente em relação ao estágio, por este ser entendido, na maioria das vezes, como pólo “prático” dos cursos opostos à “teoria”. Ao concebê-lo como teoria instrumentalizadora da práxis docente e instrumento de aproximação da realidade, “o estágio deixa de ser considerado apenas um dos componentes e mesmo um apêndice do currículo e passa a integrar o corpo de conhecimentos do curso de formação de professores” (PIMENTA; LIMA, 2008, p. 55). As autoras defendem que o estágio deve ser vivenciado como atividade de pesquisa, nesse sentido, afirma Lima (2002, p. 97): “para fazer uma reflexão sobre o professor e sua sala de aula, incluindo o processo de ensino aprendizagem é necessário que estejamos abertos para considerar o ensino como pesquisa”. Como campo de pesquisa na formação de professores, o estágio se apresenta como momento privilegiado de investigação da ação docente, re-significando a prática educativa e contribuindo para a construção da autonomia do professor em relação aos fatores intrínsecos e extrínsecos que permeiam o ensino das diferentes disciplinas: Considerando-se as limitações na formação inicial dos professores, que historicamente acumula índices precários devido à formação aligeirada e muitas vezes frágil teórica e praticamente [....] o estágio abre possibilidades para os professores orientadores proporem a mobilização de pesquisas para ampliar a compreensão das situações vivenciadas e observadas nas escolas... Identificar esses limites permite que se encontrem formas de superá-lo. (PIMENTA; LIMA, 2008, p.50-51). O estágio compreendido como campo de conhecimento e espaço de formação, cujo eixo é a pesquisa, distancia-se da idéia de prática modelar onde se espera que o estagiário limite-se à observação da sala de aula, sem análise do contexto escolar, elaborando e executando “aulas-modelo” (PIMENTA; LIMA, 2008). Nessa perspectiva, o estágio supervisionado poderia contribuir para a formação dos futuros professores na medida em que auxiliasse na compreensão da realidade que se desenha em sala de aula e na identificação de suas necessidades formativas. Pimenta (1998) orienta que o aluno de licenciatura precisa construir sua identidade docente no decorrer de seu curso e neste passar a se perceber como professor, o que requer maior tempo em contato com a escola e com a sala de aula. Entende-se, assim, que o estágio precisaria ser repensado e compreendido como um espaço essencial de formação, articulação de saberes e identificação com a futura profissão. Compete aos cursos de formação de professores possibilitá-los compreender a Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.004217 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 11 complexidade das práticas institucionais e das ações aí praticadas por seus profissionais como alternativa no preparo para sua inserção profissional (PIMENTA; LIMA, 2008). A Resolução CNE/CP nº 01/2002 diz que a prática não poderá ficar reduzida a um espaço isolado, que a restrinja apenas ao estágio, desarticulado do restante do curso. Deverá estar presente desde o início do curso e permear toda a formação do professor, no interior de todas as disciplinas que constituem os componentes curriculares de formação e não somente nas disciplinas pedagógicas. Portanto, essa prática deve transcender ao próprio estágio, a sala de aula e numa perspectiva interdisciplinar, deve visar ao futuro professor, melhor compreensão do ambiente educacional e do contexto escolar concorrendo para a formação da identidade do professor. Acredita-se que o estágio curricular supervisionado pode se constituir como uma atividade geradora de saberes, orientando o licenciando no início de sua caminhada pela docência. Seu objetivo, nesse sentido, é integrar as questões teóricas às práticas, vivenciadas ao longo do curso de licenciatura, possibilitando a construção de conhecimento significativo pela ação – reflexão – ação. Na prática pedagógica universitária, entretanto, tais orientações ainda não lograram efetivação plena, conforme evidenciado pelos licenciandos de Biologia cujas vozes foram registradas nesse texto. O aligeiramento desse momento curricular, marcado pela ausência de condições estruturais para o acompanhamento do aluno no seu mergulho no mundo da escola, é irrefutável, denotando que sua resolução transcende o aspecto legal (afinal, a legislação hoje estabelece 400 horas para sua realização!). É fato que o estágio ainda não tem sido vivenciado em toda a sua potencialidade como elemento constituinte da formação docente, momento privilegiado para a percepção das dificuldades impostas pelo ensino e a identificação das necessidades formativas desses futuros profissionais. Por outro lado, se o PIBID tem propiciado aproximações mais significativas à profissão, é necessário não perder de vista que essa ação não contempla todo o universo de licenciandos presentes no Ensino Superior público. Assegurar processos de aproximação e partilha entre essas ações certamente pode divisar ganhos importantes, uma vez que o contato com a escola e seus professores sobressaem como basilares na construção de conhecimentos sobre a profissão professor e na de reflexão sobre a prática docente. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.004218 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 12 Referências BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP nº1/2002, de 18 de fevereiro de 2002. Diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena, 2002. Disponível em http://www.mec.gov.br/cne. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. GHEDIN, Evandro.; LEITE, Yoshie Ussami Ferrari.; ALMEIDA, Maria Isabel de . Formação de Professores: caminhos e descaminhos da prática. 1ed. Brasília. Liber Livro, 2008. 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