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III SEMINÁRIO POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA
AUTORES DO TRABALHO: Nayra Veras de Araújo; Antônia Jesuíta de Lima
Gestão participativa na política de segurança pública: desafios à prática de um
policiamento participativo.
RESUMO: A constituição federal de 1988 é o divisor de águas para o estabelecimento de
um novo modelo de gestão que passou a primar pela participação da sociedade nas
decisões governamentais, institucionalizando diversas formas de contribuição da
sociedade para a governança e para a elaboração de políticas públicas. A experiência de
participação popular, porém, tem encontrado resistências em algumas áreas, que
apresentam dificuldades tanto na arquitetura da participação, como na cultura
institucional, é o caso da segurança pública. O objetivo desse artigo é refletir sobre as
dificuldades de implantação de uma gestão participativa na segurança pública,
especificamente, na que hoje se convencionou chamar de policiamento comunitário. A
reflexão proposta interage com uma discussão prévia sobre os conceitos e categorias que
envolvem a gestão e as transformações pela qual tem passado à administração da coisa
pública no cenário brasileiro.
Introdução: Já na década de 1970 a arquitetura centralizada do Estado brasileiro
começou a mostrar rachaduras, expressas com o surgimento dos movimentos sociais que
se manifestavam com o caráter de denuncia. Na década seguinte, o fim do regime
autoritário, o retorno à democracia e a elaboração de uma nova constituição forneceram
elementos para se solidificar um novo modelo de gestão pública. Pautado no princípio da
descentralização, o novo modelo conferiu instrumentos legais para a participação da
sociedade e dos governos locais na gestão da coisa pública. Na década de 1990 a
discussão partilhada era no sentido de compreender um modelo de gestão que atendesse
as demandas do processo de redemocratização. Isto significa dizer, uma gestão que
pudesse contemplar nas práticas governamentais o conceito de democratização e justiça
social.
A constituição federal de 1988 é o divisor de águas para o estabelecimento de um
novo modelo de gestão, que passou a primar pela participação da sociedade nas decisões
governamentais, institucionalizando diversas formas de contribuição da sociedade para a
governança e para a elaboração de políticas públicas: plebiscitos e referendos, audiências
públicas, tribunais populares. Além disso, proporcionou a ampliação e valorização do
poder local, ampliando a participação dos municípios na administração da máquina
estatal e criou conselhos mistos reunindo Estado e sociedade civil onde os orçamentos
participativos, conselhos e fóruns são os principais exemplos. A experiência de
participação popular, porém, tem encontrado resistências em algumas áreas, que
apresentam dificuldades tanto na arquitetura da participação, como na cultura
institucional, é o caso da segurança pública.
O objetivo desse artigo é, portanto, refletir sobre as dificuldades de implantação
de uma gestão participativa na segurança pública, especificamente, na que hoje se
convencionou chamar de policiamento comunitário. Esta reflexão, porém, não será
possível sem uma discussão prévia sobre os conceitos e categorias que envolvem a
gestão e as transformações pela qual tem passado à administração da coisa pública.
Dessa forma o artigo está estruturado em duas partes, com vistas a atender os
objetivos propostos. O trabalho não pretende esgotar as possibilidades analíticas para o
tema, ao invés disso se propõe a ser um espaço para levantar questões sobre a prática
de policiamento comunitário.
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Descentralização, gestão social e participação: novos princípios da gestão
pública.
O fim do regime autoritário no Brasil trouxe para cena pública uma sequência de
três novos elementos que passaram a conduzir a gestão dos bens públicos. “No sentido
mais especifico, Gestão é compreendida como a administração de serviços, programas,
projetos, que se fundamentam em decisões e tomadas deliberadas de políticas
governamentais” (FERREIRA, 2005, p.51).
O primeiro elemento a se destacar da sequência é a descentralização municipal.
Durante o governo militar as decisões eram tomadas pelo governo central, que
representava a fonte exclusiva de autoridade política. Governadores e prefeitos foram
destituídos de base de autonomia própria e deste modo, estados e municípios apenas
acatavam as decisões vindas de cima, ou se concentravam em formular projetos de
solicitação de recursos para o governo federal. Este modelo de gestão não conseguia
atender as especificidades regionais o que dificultava a efetividade do sistema público.
Com o retorno da democracia e a implantação de princípios descentralizadores os
municípios adquiram autonomia para gerir o espaço local. Nas décadas de 70 e 80 houve
o predomínio da agenda de descentralização que passou a ser vista como um processo
virtuoso geradora de inovação no setor público. Nos países egressos de experiências
autoritárias, maioria dos países latino-americanos, a descentralização passou a ser
entendida enquanto dimensão essencial da democratização. Na década de 1990 na nova
agenda a discussão era sobre os constrangimentos e vicissitudes da descentralização, os
efeitos perversos de reformas passam a ser apontados e a descentralização passa a ser
analisada como um espaço para corrupção: os estados e municípios vistos como local de
Clientelismo e ineficiência. (MELO, 1996).
Os resultados obtidos, portanto, não foram apenas benéficos como pode se pensar
a primeira vista, este processo implicou na concorrência dos municípios. Como se fossem
grandes empresas privadas visando atrair clientes, os gestores municipais disputavam
por investimentos do mercado visando o desenvolvimento local, este processo foi
denominado por Melo como hobbesianismo municipal. O processo de descentralização
política, que é um movimento histórico em curso no mundo desde, pelo menos, a década
de 80 (MELO, 1996) e faz parte, portanto de um processo mais amplo que recruta cada
vez mais a participação da sociedade em gerir os problemas sociais e que representa
mudanças no paradigma de gestão pública. “A nova percepção de gestão tenta romper
com o paradigma do centralismo e do fragmentalismo, consequentemente remete-nos a
ampliar a visão da gestão, a qual tem sido restrita a administração e gerência do campo
privado” (FERREIRA, 2005, p.52). A descentralização ofereceu suporte para se pensar
em um segundo elemento, que é o investimento na gestão social, isto porque “o
cruzamento entre a gestão social e a descentralização política oferece perspectivas
particularmente interessantes” (DOWBOR, 1999, p.39).
Assim, o segundo item fator, na discussão da gestão pública pós-ditadura, é o
investimento na gestão social, a centralidade da gestão pública até então era pautada no
econômico. Não se falava em políticas voltadas para o social, mas para determinadas
ações que visavam superar o atraso, como por exemplo, a pobreza que era vista como
um entrave ao progresso econômico. As políticas de habitação, saneamento básico,
assistência social, educação eram formuladas, financiadas e avaliadas por agências
federais. É a partir do final da década de 1980, com o processo de redemocratização
brasileiro que se começa a falar de uma gestão social, “a descentralização passou a ser
um componente inquestionável e imprescindível do referencial de propostas de reforma
na área social” (ARRETCHE, 1997, p. 21). Isto significa dizer que o investimento humano
em formação, saúde, educação e cultura passaram a ser pensados como necessários
para o progresso econômico, como diz Dowbor “a dimensão social do desenvolvimento
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deixa de ser um complemento, uma dimensão humanitária de certa forma externas aos
processos econômicos centrais, para se tornar um dos componentes essenciais do
conjunto da reprodução” (1999, p. 34).
O terceiro fator diz respeito à participação da sociedade na gestão da coisa
pública. Desse princípio resultou a institucionalização de diversos mecanismos de
participação tais como conselhos e fóruns. “Esses espaços e processos de participação
têm o potencial de ampliar a capacidade da sociedade civil e o Estado operarem em suas
respectivas esferas específicas, além de reuni-los de forma solidária em direção à efetiva
solução dos problemas sociais” (MACAULAY, 2005, p.149-150).
A participação da sociedade como instrumental para dar poder ao cidadão e
aprimorar os serviços públicos, através de um engajamento autônomo da sociedade e da
estabilidade das instituições garante o que se denomina de parceria entre sociedade civil
de Estado. Macedo (2005) lembra que cabe a sociedade civil a participação ativa e crítica
na formulação de políticas sociais; a fiscalização e a exigência de qualidade na execução
dessas políticas; denuncia de atos que violem as leis implantadas.
O conceito de Sociedade Civil, por sua vez, já passou algumas modificações ao
longo dos anos. Tornou-se objeto de elaboração teórica a partir dos anos 70, na luta
contra o regime ditatorial. Durante o regime militar a expressão sociedade civil vai ser
utilizada como sinônimo de participação e organização da população civil na luta contra o
regime ditatorial (GOHN, 2005; DAGNINO, 2002). “Este cenário estimulou o surgimento
de inúmeras práticas coletivas no interior da sociedade civil, voltadas para a
reivindicação de bens, serviços e direitos sociopolíticos, negados pelo regime político
vigente” (GOHN, 2005, p. 71). Do ponto de vista teórico o conceito de sociedade civil
passou a ser utilizado como sinônimo de algo bom e positivo e contrapunha-se ao
Estado.
A partir de 1985 começa a se alterar o significado atribuído à sociedade civil, os
movimentos sociais perdem centralidade, surgindo uma pluralidade de novos atores,
decorrentes de novas formas de associativismo. Ao longo dos anos 90, o campo da
sociedade ampliou-se, na prática e nos discursos. A cidadania foi incorporada nos
discursos oficiais e resignificada em direção a idéia de participação da sociedade civil, de
exercício da responsabilidade social dos cidadãos, porque passou a tratar não só dos
direitos, mas também dos deveres.
Assim, no novo cenário a sociedade civil se amplia para se entrelaçar com a
sociedade política. Desenvolvendo-se o novo espaço público denominado público nãoestatal, aonde irão se situar os conselhos, fóruns, redes e articulações entre a sociedade
civil e representantes do poder público para a gestão de parcelas da coisa pública.
Significativo ainda, nessa teia de reformulações que tem passado a gestão
pública, são os conceitos de empowerment, ou empoderamento, conceito que remete ao
“resgate do poder político pela sociedade” (Dowbor, p.41) e de accountability, que
refere-se a “responsabilização do representantes da sociedade em termos de prestação
de contas(idem).
A expressão "empoderamento" da sociedade, que remete a atuação da
coletividade como protagonista de sua própria história é um termo recorrente que entrou
para o jargão das políticas públicas e dos analistas, neste novo milênio. Trata-se de
processos com a capacidade de gerar artifícios de desenvolvimento auto-sustentável,
com a mediação de agentes externos - os novos educadores sociais – atores
fundamentais na organização e o desenvolvimento dos projetos. O novo processo tem
ocorrido, predominantemente, sem articulações políticas mais amplas, principalmente
com partidos políticos ou sindicatos. (GONH, 2004)
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O termo accountability, por sua vez, diz respeito à capacidade de resposta dos
governos, ou seja, a obrigação dos oficiais públicos informarem e explicarem seus atos e
a capacidade das agências de impor sanções e perda de poder para aqueles que violaram
os deveres públicos.
Policiamento Comunitário: desafios para uma gestão participativa na segurança
pública.
A gestão participativa na área de segurança pública, entre outras formas tais
como conselhos e ouvidorias, tem se consubstanciado na proposta de uma polícia
comunitária. Em contraposição ao modelo tradicional, em que a força tem sido o principal
instrumento de intervenção, sendo usada às vezes de forma excessiva e não profissional,
o modelo de polícia comunitária sugere novos critérios de prática, que se afastam do uso
exclusivo da força.
A discussão sobre a implantação de um policiamento comunitária inclui-se na
pauta de reformulação do sistema de segurança público brasileiro, que tem sido assunto
frequente no cenário político. A reformulação se assenta em alternativas para atender a
questões sobre o planejamento da política de segurança pública, investimento financeiro
depositado, o padrão de policiamento existente, o uso excessivo da força dos policiais e
unificação das polícias civis e militares.
No Brasil o modelo tradicional de gestão de segurança pública, pautado na
separação clara entre formulação e implementação das ações, vem sendo gradualmente
substituído nos últimos anos por uma nova forma de gestão que reforça a necessidade de
se reunir às contribuições de todos os atores envolvidos nas ações de segurança pública,
entre eles: o Estado, as instituições, os profissionais que as executam e a sociedade.
Exemplo disso é a criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública, dentro da
estrutura do Ministério da Justiça; a estruturação do Sistema Único de Segurança Pública
(SUSP); a implementação do programa nacional de segurança do cidadão (PRONASCI), a
realização da primeira conferência nacional de segurança pública; a criação de ouvidorias
que contam com a participação da sociedade para fiscalizar a ação dos profissionais e os
conselhos estaduais, existentes em alguns estados.
Essas ações fazem parte de um esforço mais amplo de adequação, ou mesmo de
transformação de uma segurança pública, que remete a ações visando proteger o estado,
para uma segurança-cidadã, que se volta para a garantia dos direitos dos cidadãos. É
desse esforço de transformação que tem sido frequente a proposta de efetivação de uma
polícia comunitária.
É necessário investir em uma concepção de polícia cidadã, que é
um conceito que se desdobra numa série de dimensões. Por
exemplo, a questão da participação comunitária, que inexiste na
polícia tradicional, uma vez que ela não foi concebida para isto, é
um fator permanente na polícia cidadã, pela aproximação de seus
integrantes à população e pelo comprometimento com a segurança
pública no local de trabalho, surgindo aí o policiamento
comunitário (Senasp, 2009, p. 124).
O termo policia comunitária se refere a uma postura estratégia no modelo de
funcionamento policial. A terminologia teve origem nos anos 60 e 70 do século XX nos
EUA, mas teve sua ascensão na Inglaterra. Nos anos 80 e 90 foi difundida pelos países
ocidentais mais desenvolvidos. Este modelo de trabalho começou a ser divulgados e
postos em prática nos anos 90 pelos órgãos de segurança pública da China continental
através de diversas medidas de ordenamento da segurança pública na sociedade. No
âmbito do Ministério da Justiça brasileiro é entendido como,
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Isto significa dizer que o conceito de polícia comunitária gira em torno de um
elemento central, que é a parceria com a comunidade. A proposta associa e valoriza dois
fatores principais, a saber: a identificação e resolução de problemas de defesa social com
a participação da comunidade e a prevenção criminal. Nesta parceria a comunidade tem
o direito de ser consultada, de atuar como denunciante, e também participar das
decisões sobre as prioridades das instituições de defesa social, e as estratégias de
gestão. Isto porque “para se chegar à resolução dos problemas, as polícias precisarão
fazer uma articulação de ações, compreensão e identificação do seu núcleo, buscando
melhores soluções” (BENGOCHEA, 2004, p. 120).
A prática de policiamento comunitário significa, pois a promessa aos cidadãos de
maior acesso a policia, maior participação nas tomada de decisões, um policiamento que
seja singular as especificidades de cada comunidade, e maior comprometimento com a
prevenção e redução da criminalidade.
Porém, a prática de um policiamento comunitário esbarra em alguns entraves
que, a nosso ver, são desafios à sua efetivação. O primeiro deles diz respeito à imagem
das organizações policiais. No Brasil, historicamente a polícia esteve associada ao Estado,
com a função de manutenção da ordem interna, a atuação da polícia foi sempre afastada
da interação com a sociedade. O regime militar acentuou ainda mais esse afastamento,
que não conseguiu ser superado com a volta da democracia. No Brasil de hoje, a imagem
social das organizações policiais se tornam a cada dia mais associada à violência,
corrupção e abuso de autoridade. A imagem social da polícia se revela absolutamente
relevante ao se propor um modelo de polícia comunitária porque o sucesso do
policiamento comunitário depende de um processo retroalimentado pela confiança da
comunidade na polícia e vice-versa. Neste aspecto, uma polícia que não tem credibilidade
perante a sociedade dificilmente terá condições de dialogar no sentido de estabelecer
soluções para os problemas da comunidade.
A edificação de um sentimento de confiança dos cidadãos na polícia e a
legitimidade de suas atividades dependem, neste ponto, da absorção de novos valores
pelos seus agentes e em uma mudança de atitude da prática policial que deve ser
condizentes com uma polícia que tem as comunidades como grande parceira na
prevenção dos problemas de crime locais. Sobre isto vale citar os dados da pesquisa
realizada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, “O que pensam os profissionais
de Segurança Pública no Brasil” que ouviu profissionais de segurança pública sobre
alguns fatores referentes à sua prática profissional que indicaram a pouca confiança da
população nas instituições de segurança pública, aspecto citado por 54,3% dos
entrevistados como fator muito importante para a efetividade do sistema de segurança
público brasileiro.
Outro desafio diz respeito a distinguir uma prática de policiamento comunitário
preventivo de práticas assistencialistas que se desvia de uma prática eminentemente
policial. Por exemplo, campanha contra as drogas para prevenir o tráfico é ou não função
da polícia? Este desafio se traduz na reflexão sobre qual a verdadeira função da polícia,
ou ainda no que se entende por policiamento preventivo.
Como desafio de se construir uma gestão mais participativa aos moldes de uma
polícia comunitária, apresenta-se ainda o desconhecimento que a sociedade tem do
funcionamento do sistema de segurança pública, “a participação em todo o processo de
gestão requer, por parte da sociedade, o conhecimento da realidade municipal, estadual
e/ou nacional no que diz respeito às decisões políticas e econômicas que refletem na
realidade local” (p. 52). No diagnóstico de Beato (1999) existe uma grande ignorância no
Brasil em relação ao sistema de Justiça Criminal em geral e às organizações policiais em
particular. Este desconhecimento não decorre apenas do desprestígio do tema da Justiça
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Criminal nos meios acadêmicos, mas também de certo insulamento das próprias
organizações do sistema.
Macauly (2005) adverte que no Brasil, na área do policiamento, as organizações
da sociedade civil foram criadas voltadas para dois objetivos, primeiro cumprir o papel de
fiscalização das atividades da polícia, principalmente com relação a denúncias de abusos
contra os direitos humanos; e segundo o de trabalhar em parceria com a polícia local,
através de conselhos formados em associação com a comunidade, para distribuir os
recursos de policiamento de acordo com as necessidades e prioridades locais.
Destarte, a proposta da polícia comunitária implica numa mudança de paradigma
no modo de ser e estar a serviço da comunidade e, conseqüentemente, numa mudança
de postura profissional perante o cidadão. O conceito de polícia comunitária insere-se
como mecanismo para o estabelecimento de uma polícia cidadã. A polícia cidadã, ou de
forma mais ampla a segurança pública para a cidadania diz respeito à garantia das
condições de acesso aos direitos dos cidadãos com segurança.
Nesta abordagem, que prima pela participação da sociedade na resolução dos
conflitos, a polícia comunitária é aquela que se aproxima da comunidade e deve estar
presente em todos os bairros de forma real ou potencial, atuando com ênfase na
prevenção dos delitos, especialmente naqueles locais de maior vulnerabilidade social e de
elevado nível de conflitos. A constituição brasileira de 1988, popularmente identificada
como constituição cidadã, conferiu, entre outras garantias, capítulo próprio para a
segurança pública, definida como "dever do Estado, direito e responsabilidade de todos".
Determinando em seu artigo 144 as missões das polícias brasileiras, no qual às
polícias militares ficaram responsáveis pelo "policiamento ostensivo fardado e a
preservação da ordem pública". Entretanto, conforme atenta Macauly, “Ordem pública” e
“paz social” constituem os referenciais dominantes, enquanto a figura do cidadão
permanece ausente – mesmo em um documento que articula a mais completa declaração
de liberdades civis (2005).
Experiências de organização comunitária para fins de prevenção
criminal revelam que o apelo à noção de comunidade pode ser
expressão de solidariedade e identidade em torno de projetos
comuns, mas pode assumir conotações excludentes, ocultando
manifestações de intolerância, que colidem com a perspectiva de
uma sociedade democrática e pluralista. A comunidade se converte
em “olhos e ouvidos” da polícia, reproduzindo os padrões seletivos
de atuação do sistema penal e fortalecendo a lógica repressiva da
prevenção via exclusão (CANUTO, 2008, p.47).
Este fato revela a ambivalência do conceito de participação social em ações de
prevenção criminal em torno do “policiamento comunitário”. Isto porque enquanto a
proposta permanece apenas no plano filosófico, ou seja, como modelo que aproxima
policiais e cidadãos, ela é prontamente aceita. Entretanto, na prática ela se revela um
modelo sem contornos definidos. Macaulay (2005), ao investigar sobre as modalidades
de engajamento da sociedade civil e do Estado na área de segurança do cidadão no
Brasil, constata que polícia desconfia do monitoramento de suas atividades pela
sociedade civil, e a cultura do policiamento comunitário ainda não está enraizada. Este
fato evidencia que na prática a palavra parceria é inadequada para de se referir ao
relacionamento da sociedade como a prática policial, a sociedade como fiscalizadora da
ação policial ganha contornos de adversária e não de parceira.
Devido a sua natureza filosófica, a polícia comunitária pode ser interpretada de
formas diversas, variável que depende da visão de cada departamento de polícia, da
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disponibilidade de recursos e das características e demandas próprias de cada
comunidade. Disto resulta que a implementação dessa filosofia demande um processo
longo e complexo, muitas vezes sem uma nítida clareza sobre quais objetivos a serem
alcançados e seu real impacto na prevenção e controle do crime.
Neste sentido, Canuto (2008) vai argumentar que no esforço de realizar uma
gestão mais participativa algumas ações se concentram na atuação do profissional de
relações públicas, com vistas a estabelecer contatos da polícia com a comunidade para
legitimar suas práticas e melhorar a sua imagem. Outras experiências refletem uma
concepção de participação restrita à idéia de organização de redes de vigilâncias entre
visinhos com o intuito de converter os cidadãos em instrumentos do controle policial.
Soma-se a esses fatores a resistência de alguns policiais em se engajar na
atuação de uma polícia comunitária, isto porque incorporam a tese de que polícia é para
prender ladrão e desta forma ações preventivas, por exemplo, que inibam o surgimento
de novos bandidos, ficam de fora do seu espaço de atuação. Assim, o policiamento
comunitário tem sido incorporado apenas como princípio norteador da missão policial.
Canuto (2008) destaca que “as iniciativas mais consistentes de policiamento
comunitário são aquelas que souberam incorporar a metodologia do „policiamento
orientado a resolução de problemas‟, é a metodologia policial voltada para a solução de
conflitos atinentes à segurança pública e a comunidade, canalizando a participação dos
cidadãos na identificação, análise e planejamento de respostas aos problemas da área”
(CANUTO, 2008, p. 48). Macauly (2005) nos lembra que projetos de policiamento
comunitário exigem a colaboração da população local e a participação de outros órgãos
do aparelho estatal. “Faz-se necessária uma abordagem múltipla com vistas a melhorar,
a um só tempo, a qualidade de vida, o capital social e a confiança dos cidadãos, bem
como seu acesso à justiça e ao Estado de Direito” (2005, p.160).
Sintetizando, maior desafio, entretanto dessa proposta ainda se remete em como
tornar ela viável. Ainda é necessário maior precisão na definição das atividades e da
metodologia de solução de problemas, que deve associar os objetivos a serem
alcançados com o contexto mais amplo da polícia de resultados. Só assim será possível
se avaliar e medir seu real impacto na prevenção e controle da criminalidade, e superar
ou mesmo reduzir os desafios que acabam por colocar em risco a implementação desse
modelo.
Considerações finais
Diante da exposição delineada nas páginas anteriores podemos considerar a
prática de um policiamento comunitário significa em primeiro lugar repensar em que tipo
de polícia se pretende ter, ou ainda se questionar sobre qual é a real função da polícia.
Se considerarmos que a polícia deve agir para reprimir o crime e, portanto para
atuar com bandidos, o tipo de controle que a sociedade deve ter sobre a atuação da
polícia se limitará a fiscalizar o exercício indiscriminado da força. Se considerar, ao
contrário que a polícia deve ter uma atuação preventiva, é necessário definir os
contornos que se limitam a sua ação, pois o conceito de comunitário pode conduzir a
ação da polícia para ações que incluem ensino de disciplinas voltadas para a cidadania e
prevenção do uso de drogas nas escolas, intervenção direta junto a autoridades o
melhoramento de vias e iluminação pública, na promoção e coordenação de encontros
comunitários, na mobilização da comunidade em programas de proteção de bairros etc,
extrapolando assim os limites de atuação da polícia.
Ao se pensar em uma polícia comunitária deve-se ter em mente o postulado
estabelecido pela constituição de que “segurança pública é um dever do Estado e
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responsabilidade de todos”. A função da sociedade deve ser conduzida no sentido de
vigilante da própria sociedade, sendo responsável por encaminhar á polícia os casos que
merecem atenção por oferecer periculosidade pública. A polícia por sua vez deve se
esforçar para atender aos anseios da sociedade, melhorando assim sua imagem. Aliás,
apesar de termos afirmado que um dos principais desafios para a polícia comunitária é
tornar ela viável este parece ser um desafio secundário que resulta da melhoria da
imagem da polícia ante a sociedade.
Pode-se dizer ainda que a efetivação de uma política de segurança pública mais
participativa resulta do aprendizado da sociedade em como participar ativamente desse
processo. Este fato, aliás, se inclui no processo mais amplo que está relacionado com o
desenvolvimento da sociedade civil.
Referências
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descentralizado. São Paulo em perspectiva, São Paulo, vol.11, nº3, p.20-3, 1997.
BEATO FILHO, Cláudio. C. Políticas Públicas e a Questão Policial. São Paulo em
Perspectiva, São Paulo, ano 4, nº13, p. 13-27,1999.
BENGOCHEA, Jorge Luiz Paz. et al. A transição de uma polícia de Controle para uma
polícia cidadã. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.18, nº1, p. 119-131, 2004.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
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DOWBOR, Ladislau. A gestão social em busca de paradigmas. In: RICO, Elizabeth de
Melo; RAICHELIS, Raquel. (Orgs.). Gestão Social uma questão em debate. São
Paulo: educ., 1999, p.31-42.
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Revista do departamento de serviço Social da Universidade federal do Piauí. p. 50-90.
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MACAULAY, Fiona. Parcerias entre estado e sociedade civil para promover a segurança do
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MELO, Marcus A. Crise Federativa, Guerra Fiscal e Hobbesianismo Municipal: efeitos
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MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. O que pensam os profissionais de segurança pública.
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