FEDERALISMO E SEGURANÇA PÚBLICA
NO BRASIL
Por
BISMAEL B. MORAES,
(Advogado, Mestre em Direito Processual pela USP, Professor Universitário, foi Presidente da Associação dos Delegados de
Polícia do Estado de São Paulo; é autor, dentre outros, dos livros “Direito e Polícia – Uma Introdução à Polícia Judiciária”
(Editora RT, SP, 1986), “Prevenção Criminal ou Conivência com o Crime – Uma Análise Brasileira” (Editora RT, SP,2005) e
“Estado e Segurança diante do Direito” (Editora RT, SP, 2008).
Breves notas introdutórias
O federalismo é uma forma de organização governamental em que, numa
só nação, várias unidades federativas (ou Estados), embora constitucionalmente
autônomas para fins de administração interna e para gestão dos interesses
coletivos que lhes sejam atribuídos por lei, numa espécie de junção indissolúvel,
constituem uma única entidade soberana, dotada de poderes sobre todo território
nacional e independente para relações internacionais. Por exemplo, o Brasil é uma
República Federativa e o federalismo brasileiro foi ampliado pelos seus
legisladores constituintes, em atenção às aspirações de seu povo.
Se o que deve ser buscado é um sistema integrado de segurança pública
(portanto, estatal) que tenha por finalidade precípua a garantia da tranqüilidade
coletiva, é imprescindível que o interesse da sociedade se sobreponha a eventuais
interesses corporativos, políticos e econômicos. Mesmo porque não haverá
sucesso na melhoria da segurança pública, se não houver a conjugação da família,
da escola e da empresa com as instituições públicas, criando e mantendo,
nacionalmente, uma cultura de prevenção social. Já está provado que, no quesito
despesas,– o mais temido pelos governantes -,estudiosos sérios brasileiros
projetam que um real gasto com a prevenção bem feita evita o dispêndio de oito
reais com a repressão – veículos, armas, munições, combate, seguros,
investigações, hospitais, previdência, justiça, condenações, presídios etc.
As Constituições pós-2ª Grande Guerra
Observe-se que Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946,
trazia: “Art. 1º - Os Estados Unidos do Brasil mantêm, sob o regime
representativo, a Federação e a República”. “§1º - A União compreende, além
dos Estados, o Distrito Federal”.
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A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada pela
Emenda Constitucional nº 1, de 17-10-1969 (que alterava a Emenda à
Constituição de 24-11-1967), dizia: “Art. 1º - O Brasil é uma República
Federativa constituída, sob o regime representativo, pela união indissolúvel dos
Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”.(Esse texto foi mantido até a
Emenda Constitucional nº 27, de 28-11-1985).
Após mais de 20 anos de regime ditatorial e centralizador, e já respirando
liberdades democráticas, nosso país restabeleceu os embates legislativos e, em 5
de outubro de 1988, a Assembléia Nacional Constituinte fez nascer a
‘Constituição da República Federativa do Brasil’, que estabelece: “Art. 1º -A
República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito
e tem como fundamentos”: a soberania, a cidadania, a dignidade de pessoa
humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo
político. (O grifos acima são nossos).
Aliás, em sua obra “Direito Constitucional” (Editora Forense, Rio, 1980,
p.135), o Professor Paulo Bonavides, discorrendo sobre o Poder Constituinte,
ensina ser ele “o ato de uma sociedade estabelecendo os fundamentos de sua
própria organização”, e é, “nesse caso, a soberania a serviço do sistema
representativo, ou a caracterização diferente que a soberania toma, ao fazer-se
dinâmica e criadora de instituições...”
Como se acham os Municípios?
Dessa forma, com o trabalho dos representantes do povo, na Assembléia
Constituinte de 1987/88, com a nova “Consituição-Cidadã”, o Brasil passou a ter
a União (com soberania sobre tudo o que existe no território brasileiro – terra, mar
e espaço aéreo – e independência diante de congêneres internacionais); os Estados
(como unidades federativas autônomas internamente); os Municípios (novos entes
políticos do federalismo brasileiro, com autonomia local); e o Distrito Federal
(como Capital da República, com a chefia do governo da União).
Salta aos olhos, no novo texto constitucional, a importância dos
Municípios, não existentes nas Constituições anteriores como parte da “união
indissolúvel” dos entes políticos do Estado brasileiro. Mesmo sendo comezinho a
todos que “ninguém nasce, cresce, vive e morre fora do Município, faz-se
imperioso que seja aí onde as políticas públicas de interesse coletivo devem ser
desenvolvidas, com melhor critério, em benefício do povo, este, elemento social
que dá vida ao Estado”. Portanto, inseridos no artigo 1º da nossa Lei Maior,
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devendo sujeitar-se às normas por ela traçadas, no Título III – Da Organização do
Estado -, encontra-se o “Capítulo IV – Dos Municípios”, dos artigos 29 e
seguintes. A propósito, conforme artigo 30, compete aos Municípios, dentre outras
incumbências, “legislar sobre assuntos de interesse local” e “suplementar a
legislação federal e a estadual no que couber”. E como anda a Segurança Pública
nos Municípios, alguns deles com população superior à de determinados Estados?
Uma rasteira na segurança visando à obtenção de lucros
Já tive a oportunidade de fazer uma pergunta intrigante: “Até quando a
imensa maioria do povo, anestesiada por processos envolventes, ficará dando
vivas aos algozes, que prometem enganosamente segurança pública, como se
policiais, criminosos e cidadãos pudessem ser transformados em cobaias da
insegurança?”. Observe-se, a propósito, que um sintoma de ‘aspiração a cifras’
nasceu com a criação legal da vigilância privada, dando “prerrogativas policiais”
aos empregados da segurança dos estabelecimentos de crédito, logo após a morte
do Presidente-General Costa e Silva: pelo Decreto-Lei nº 1034, de 21-10-1969,
assinado pelo triunvirato formado pelos três Ministros Militares – General Lira
Tavares, do Exército; Almirante Augusto Rademaker, da Marinha; e o Brigadeiro
Marcio de Souza, da Aeronáutica. Logo depois, com o Brasil sob a Presidência do
General Garrastazu Médici, tendo o General-de-Brigada João Figueiredo (que
fora, como coronel de cavalaria do Exército, Comandante-Geral da Força Pública
de São Paulo) na Chefia da Casa Militar, e sendo o professor Alfredo Buzaid
Ministro da Justiça, veio à tona o Decreto-Lei nº 1072, de 30-12-1069, em
prejuízo da segurança pública, fazendo desaparecer as Guardas Civis do Brasil, já
existentes em 16 Estados, cujos integrantes (de 3ª e 4ª classes, correspondentes a
soldados e cabos) tornaram-se Policiais Militares. Com isso, desapareceu das ruas
a polícia preventiva uniformizada, historicamente, abrindo-se um grande filão para
empresas privadas de segurança, com oficiais das Forças Armadas e das Polícias
Militares, reformados, bem como Delegados federais e estaduais, aposentados e
alguns até na ativa, na direção. O povo sabe disso?
A indústria do “policiamento privado”
No livro “Policiamento Moderno” (trad. Jacy Cardia, Edição Edusp, 2003,
p.440), o professor Clifford Shearing, da Universidade de Toronto, no Canadá
(portanto, de outra sociedade, de outro país, de colonização e costumes próprios,
diferentes dos brasileiros), falando de “policiamento privado” (quando já ensinava
o grande mestre Pontes de Miranda que “policiar é ato de Estado” e não de
empresa particular), informa que estudos da Hallcrest Corporation (especializada
nessa área) reconhece o seguinte: “A percepção popular da segurança privada
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como uma indústria que cresce rapidamente é apoiada, certamente, pelas análises
das fontes disponíveis, e, no total, é um grande negócio: desde que o investigador
individual e empresários de instalação de alarmes às companhias multinacionais.
O contínuo desenvolvimento de produtos e inovações tecnológicas, o crime e o
medo do crime, e a diminuição dos recursos públicos, vão contribuir para o
crescimento dinâmico deste importante segmento da economia e para sustentálo”.Como para o bom entendedor, meia palavra basta, verifica-se que a violência e
o crime, com a falta de segurança pública planejada e bem executada em favor da
coletividade, são justificativa para o enriquecimento das empresas privadas de
segurança, hoje utilizadas, por via de contratos rentáveis, até por órgãos dos
governos federais, estaduais e municipais, embora todos tenham as suas polícias...
Nada se parece mais com ignorância administrativa ou esperteza política,
no interesse corporativo-partidário ou pessoal, sempre em prejuízo do erário e da
coletividade, do que os Estados e Municípios, possuindo seus órgãos de segurança
pública, realizarem contratos com empresas de vigilância para que cuidem de
repartições e serviços estatais! É a prova cabal de que não se estudam a origem e a
destinação do serviço policial como um bem do povo!
E foram criadas as Guardas Municipais
Como ninguém nasce, cresce, vive e morre foram do Município, sendo aí
onde as políticas públicas devem ser bem aplicadas em benefício da coletividade,
com a instituição da “vigilância privada” com “prerrogativas policiais”
estabelecidas pelo triunvirato das Forças Armadas (DL-1034, de outubro de 1969)
e, logo em seguida, fazendo desaparecerem as Guardas Civis do Brasil e
militarizando seus integrantes (DL-1072, de dezembro de 1969), e sendo os
policiais militares, em grande número (muitos à paisana), empregados no
“combate à subversão”, o ex - Presidente da República e então Prefeito de São
Paulo, Jânio Quadros, mesmo enfrentando vozes contrárias, criou, em 1986, a
Guarda Civil Metropolitana – GCM. No ano seguinte, a proposta das Guardas
Municipais fez parte, entre 1987/1988, do texto da Constituição, que nasceu da
Assembléia Nacional Constituinte, no art.144, § 8º: “Os Municípios poderão
constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e
instalações, conforme dispuser a lei”. Já começou a “guerra” corporativa das
polícias fardadas do Estados contra as Guardas Municipais.
A pesquisa não mente. Observe-se que, em 1993 (cinco anos depois de
promulgada a Constituição Federal), os 27 Comandantes-Gerais das PMs das
unidades federativas do Brasil enviaram ao Congresso Nacional uma “Proposta
Consensual de Revisão Constitucional”, para fins de segurança pública, sugerindo
a retirada das Guardas Municipais do capítulo “Da Segurança Pública” da
Constituição, chamando essas corporações policiais municipais de “vigilância
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patrimonial”, para colocá-las no capítulo “Dos Municípios” da mesma Carta, e
ainda pretendendo dar aos parlamentares federais definição de “Constituição”,
“poder de polícia”, “Polícia Militar”, “ordem pública”, “segurança pública”,
“preservação da ordem pública”, “políciamento ostensivo”, “polícia ostensiva”
e “defesa pública”(E nada falam de prevenção criminal, sem a qual não há
segurança pública).Mesmo assim, por desconhecimento dos prefeitos e de seus
assessores jurídicos, os Comandos ou as Coordenadorias das GMs, na imensa
maioria dos Municípios, continuaram entregues oficiais das PMs, hoje militares
“stricto sensu” dos Estados (pela Emenda Constitucional nº 18/98, do governo
FHC), com a afirmação aberrante para o Direito de que as GMs não tinham
“poder de polícia”, como se tal “poder” fosse exclusivo das Polícias Civil e
Militar, e não um poder estatal, um poder público, de toda a Administração! Com
isso, há um abalo permanente contra a autonomia dos Municípios, sejam eles de
cinco mil habitantes ou de dez milhões, cujos prefeitos, autoridades máximas
Executivo, não podem dar ordem sequer a um soldado (militar), tendo que se
dirigir ao Sargento, ao Tenente, ao Capitão ou ao Coronel PM sobre qualquer
problema de segurança pública em suas cidades, no interesse dos munícipes!
No Direito brasileiro, temos que erradicar os “hermeneutas corporativos”
os “doutores do ouvi dizer”, para que não ocorra de “esquecerem” até as normas
jurídicas, na análise do que significam “bens, serviços e instalações”, constantes
do §8º do art.144, pois todos que estudam o Direito a sério sabem que poderiam
buscar no Código Civil de 1916, em seus arts. 65 e 66, ou deveriam ir ao atual
Código Civil de 2002, em seus arts. 98 a 103, onde encontrariam a divisão dos
bens públicos: bens de uso comum do povo – rios, mares, estradas, ruas e praças;
bens de uso especial – edifícios ou terrenos destinados a serviço ou
estabelecimento federal, estadual, municipal e dos Territórios; e bens dominicais
– patrimônio de pessoas jurídicas de direito público (da União, dos Estados, dos
Municípios e Distrito Federal) objeto de direito pessoal ou real.(E muitos
“juristas”, a serviço dos governantes, em regra, se “esquecem” disso, sempre em
prejuízo do povo).
Conivência com costumes arraigados
Como o “uso do cachimbo deixa a boca torta”, a imensa maioria dos
vícios policiais nasce do descaso ou do desconhecimento político e da conivência
com os costumes arraigados, pela falta de interesse pelo estudo sobre o verdadeiro
(não fantasioso ou romanesco) papel da Polícia na sociedade. Há, de fato, lapsos
clamorosos praticados por governantes vaidosos ou abusados, que desejam uma
organização policial a seu serviço ou ao de sua agremiação. O grande
questionamento que todo governante sério deveria fazer a si mesmo é o seguinte:
a Polícia, como órgão público que é, existe para a proteção do Estado, para a
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garantia dela própria, corporativamente, ou para a proteção dos indivíduos na
sociedade?
A propósito, por vaidade ou interesses escusos, falta de estudo e de
ponderação ante as reais necessidades coletivas de segurança, somados aos
anestésicos dos meios de comunicação (que visam ao lucro), tornou-se moda a
criação de “tropas de elite”, “grupos de operações especiais”, “tropas de choque”,
“forças-tarefa”, “grupos de operações estratégicas”, “núcleos de inteligência
policial” e tantas outras fantasias, que dão manchetes à imprensa, ascensão a
cargos eletivos e promoções aos “experts”, mas não se traduzem em segurança
social e na diminuição da violência e do crime! É bom que a própria universidade
mantenha-se alerta e, assim, com a pesquisa e a discussão, aos poucos “o joio
separa-se do trigo”, e todos descobrirão que os modelos e manuais estrangeiros,
decorrentes de costumes e leis específicos de cada povo, não se aplicam a este
país-continente chamado Brasil, que possui características próprias, incluindo a
língua portuguesa.Quando a universidade e suas cabeças pensantes puserem por
terra o preconceito (que, em regra, ainda existe) e passarem a instigar todos a uma
análise séria da Polícia à luz da ciência (que não mente), a sociedade toda será
beneficiada com a segurança que atenda aos seus anseios.
Controle dos órgãos de segurança pública
A segurança pública, nos termos do art.144 - “caput” -, da Constituição
Federal, é dever do Estado e responsabilidade de todos, sem a qual não há
ambiente de harmonia para o crescimento social. Mas a “responsabilidade de
todos”, sem a coordenação estatal (federal, estadual e municipal), por suas leis e
seus órgãos, os bens maiores dos indivíduos (vida, liberdade, igualdade,
segurança, propriedade) podem ser atingidos e até podem sucumbir. Aqui, todas
as pessoas políticas devem se unir, ou melhor, se integrarem como mesmo
propósito: União, Estados e Municípios, mais o Distrito Federal, são responsáveis
pelo bem-estar coletivo, nos termos constitucionais e legais, e não podem atuar
empiricamente, mas com base num sistema coeso, visando à segurança de toda a
população, nas grandes e pequenas cidades, nas estradas e nos campos, nos
montes e nos igarapés.
É oportuno repetir o ensinamento do professor Dalmo de Abreu Dallari,
que foi Titular de Teoria Geral do Estado, na Faculdade de Direito da USP, que
assim se expressou: “Existe um vício de aceitar que isso é assim: tudo que é
federal é superior ao estadual, assim como o estadual é sempre superior ao
municipal. Isso é essencialmente errado, porque na organização federativa não
há hierarquia” (cf. “A Polícia à Luz do Direito”, SP, Ed. RT, 1991, p.69). Ou
melhor: no sistema federativo de governo democrático, o Presidente da República
não manda no governador do Estado, nem este manda no prefeito do Município. A
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atuação de cada um é balizada pela Constituição Federal, e não podem as
Constituições do Estados e as Leis Orgânicas dos Municípios entrar em choque
com as normas constitucionais federais.
Esse controle social deve ser preventivo e democrático, e não ditatorial,
pois é a sociedade que forma o Estado e não o contrário. Assim, o controle social
(em que todos têm direitos e obrigações, que devem ser respeitados, para que haja
harmonia total) é feito pelos órgãos estatais (lembre-se: estatal é tudo que é
público – federal, estadual ou municipal), dentro do que estabelecem as leis. No
que tange à segurança pública, verifica-se que o Município (porque ninguém mora
fora dele) é a pessoa política que mais necessita das atividades diuturnas dos
órgãos policiais, porque a violência e o crime não marcam hora. Todavia,
segurança pública não é matéria de competência apenas da Polícia (órgão de 3º
escalão, sem independência), mas “dever do Estado e responsabilidade de
todos”.
Por outro lado, o chamado controle externo, quanto à regularidade e à
legalidade dos atos praticados no exercício da segurança pública, deve ser
realizado pelas autoridades constituídas de cada órgão, bem como pelas
corregedorias dos Ministérios da União, das Secretarias de Estado e de Município,
pelo Ministério Público e por todos os membros da sociedade, esta, que é
destinatária do bom serviço público a lhe ser prestado.
Tem havido, de algum tempo a esta parte, um movimento de
conscientização para que os órgãos de segurança pública federais, estaduais e
municipais tenham as suas atividades integradas, por meio de processos
tecnológicos, a fim de que a sociedade melhor seja atendida, tenha seus pleitos
solucionados com rapidez e possa usufruir daquilo para o que foi criado o Estado:
servir aos indivíduos, independentemente de sua classe social, de sua cor, de seu
sexo, de sua nacionalidade etc, e à coletividade como um todo. E isso é possível,
se todo o povo quiser, porque o Brasil é uma federação democrática, nos termos
de sua Constituição.
Propostas da OAB para a segurança pública
Embora os problemas de segurança pública não digam respeito apenas às
atividades dos órgãos policiais, uma vez que englobam políticas públicas mais
abrangentes e envolvem toda a estrutura social e todos os Poderes do Estado,
como se verá, faz-se oportuno citar agora trechos da “Proposta para uma nova
política de segurança pública”, apresentada pela Comissão de Direitos Humanos
da OAB, Seção de São Paulo, composta por 16 membros, com 5 mulheres e 11
homens, sob a coordenação da doutora Maria Eugênia Raposo da Silva Telles e
com a colaboração da professora Maria Victória de Mesquita Benevides, e que
foi aprovada na “XV Conferência Nacional do Conselho Federal da Ordem dos
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Advogados do Brasil”, realizada de 4 a 8 de setembro de 1994, em Foz do Iguaçu,
no Paraná.
O documento acima propunha a desmilitarização da polícia ostensiva e a
municipalização da polícia preventivo-ostensiva, argumentando sobre o
“despreparo da Polícia Militar para atuar ao lado da população”, porque “a
natureza do serviço policial é essencialmente civil”, além de que “a repressão à
criminalidade comum se contaminou da filosofia de combate ao inimigo, em
detrimento do exercício regular da função policial”, justificando, ainda, que “a
existência de uma polícia militar, imune a mecanismos de controle social,
representa a negação de todo o ideal republicano e democrático, sendo uma
ameaça permanente aos direitos humanos”, e finalizando por asseverar que a
“criminalidade de massa só se evita por meio de uma presença preventiva”.
E, na justificativa da proposta, argumentava que o “dispositivo
constitucional que atribui aos Municípios competência para legislar sobre
assuntos de interesse local (art.30, I) não pode deixar de aplicar-se também à
segurança pública”, porque “a experiência demonstra que a verdadeira polícia
comunitária é a polícia municipal”, dando como exemplo a antiga Guarda Civil
de São Paulo, (extinta pela ditadura em 1969), “criada em 1926, uniformizada e
sujeita à disciplina e à hierarquia, mas sem quartéis, nos moldes da polícia
inglesa”, e que “desempenhava as funções próprias da polícia preventivoostensiva – patrulhamento das ruas, das escolas, do trânsito etc”.
O referido documento, publicado como “Teses / XV Conferência
Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil”, traz ainda proposta para
“Controle Externo da Atividade Policial”, porque “a população segue espremida
entre a violência dos bandidos e a violência da polícia”, fazendo-se necessário
“que se consolide a idéia de controle externo da polícia preventivo-ostensiva”,
que “deve ser exercido por um conselho, composto majoritariamente por
representantes de entidades da sociedade civil organizada, com competência
para questões relativas à seleção e à formação do pessoal” etc., acrescentando
que, como “a função do Estado é gerar bem-estar para todos,
independentemente do dinheiro que cada um possui..., o “controle externo do
serviço passa a funcionar como um mecanismo para garantir serviços de boa
qualidade”.
Ao final, a proposta da OAB / SP indicava nova redação ao art.144 da
Constituição Federal, assim:
“Art.144 – A segurança pública, dever exclusivo e indelegável do Estado, direito
de todos e pela qual todos são responsáveis, é exercida para velar pela
incolumidade das pessoas e pela preservação de seus direitos fundamentais.
§1º - A polícia preventivo-ostensiva e o corpo de bombeiros, ambos de caráter
civil, serão organizados pelos Municípios, isolados ou em consórcio, em
carreiras únicas, sob controle de conselhos constituídos majoritariamente por
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representantes de entidades da sociedade civil, na forma da lei. Cabe à União,
aos Estados e ao Distrito Federal fazer tal controle, na defesa dos próprios
públicos e interesses correspondentes. §2º - A polícia judiciária, dirigida por
delegados de carreira, bacharéis em direito, será estruturada, em âmbito federal
e estadual, por lei orgânica própria, permanecendo incumbida da apuração de
autorias e responsabilidades, nos casos de infrações penais.” E propunha, ainda,
nas Disposições Constitucionais Transitórias, fossem acrescentadas, onde melhor
coubessem, alguns dispositivos, dentre os quais: “Art... – Os atuais integrantes
das polícias militares dos Estados poderão optar por sua transferência para as
polícias preventivo-ostensivas civis, estaduais ou municipais, na forma da lei.”
E todo esse trabalho feito em 1994, que poderia ter sido talvez melhorado,
foi por água abaixo, porque, já em 1996, a Mensagem de Emenda à Constituição
assinada por 8 Ministros do Governo FHC ao Congresso Nacional, trazia a
esdrúxula “justificativa” de que a “Constituição não qualifica o Serviço Militar
como serviço público”, pois que “a atividade militar transcende ao serviço
público”, e criticava que a atuação dos legisladores da Assembléia Constituinte de
1987/88, que deu vida à Constituição da República, dizendo que “foi uma decisão
equivocada qualificar os militares como ‘servidores públicos militares’”, porque
“a situação do militar enquadrado como funcionário ou servidor público é
prejudicial ao exercício de sua profissão...” Dessa Mensagem do governo FHC
nasceu a Emenda Constitucional nº 18/98, transformando os “servidores
militares” e “servidores policiais militares”, respectivamente, em Militares das
Forças Armadas e Militares dos Estados, ou seja, os integrantes do Exército, da
Marinha e Aeronáutica, assim como os componentes das Polícias Militares dos
Estados, constitucionalmente, não mais são servidores públicos, porém
MILITARES “STRICTO SENSU”. (Nem os presidentes militares, na época
centralizadora do Brasil ditatorial, ousaram tanta barbaridade jurídica!).
Cada Estado brasileiro passou a ter, de fat, o seu Exército e, com isso, a
Secretaria de Estado da Segurança passou a chefiar dois órgãos distintos, na
formação, na legislação e no emprego: uma corporação Policial Militar, cujos
integrantes não mais são servidores públicos, porém MILITARES por força
constitucional, e uma instituição de Polícia Civil (que deveria chamar-se de
Polícia Judiciária, como diz a história e como consta de todos os Códigos de
Processo Penal do mundo), com autoridades e agentes, todos servidores públicos,
regidos por Lei Orgânica e Estatuto dos Servidores Públicos Civis... (Perguntase: como fica a INTEGRAÇÃO entre militares e civis, com todas as
implicações legais e de caserna, sem que haja prejuízo para a coletividade?).
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Algumas sugestões de prevenção criminal
Sabem os verdadeiros interessados nas questões de segurança pública que,
basicamente, há três modos de prevenção: 1. prevenção primária, com base na
educação e na socialização – casa, trabalho, escola, bem-estar, qualidade de vida –
para neutralizar a possibilidade de crime, pelo bom entendimento da convivência
pacífica da sociedade; 2. prevenção secundária, que envolve obediência aos
mandamentos sociais e à lei penal, requerendo a ação policial, para evitar riscos e
tudo que possa levar à pratica de infrações penais; e 3. prevenção terciária,
objetivando evitar a reincidência no crime por aqueles que já foram condenados e
cumpriram penas e que buscam equilíbrio fora do cárcere (embora sabendo-se
que o preconceito social e falhas do próprio Estado contribuem para a
reincidência).
Cientes de que o Direito Penal tradicional, repressivo por excelência, só
cuida dos fatos consumados, quando os prejuízos humanos e materiais já não têm
volta, mostrando-se incapaz para diminuir a violência e o crime, devemos estudar
e aplicar políticas públicas de prevenção criminal, para o que propomos que se
institucionalizem, nacionalmente e com a mais ampla divulgação, as seguintes
medidas:
a) prevenção social: 1. na família, acompanhando e premiando as boas ações;
2. na escola, desmistificando os heróis violentos e valorizando o diálogo; 3.
no trabalho, propondo cuidados recíprocos entre os indivíduos, em
benefício de todos; 4. no lazer, freando os meios radicais e violentos, para
preservar a vida; 5. nos meios de comunicação, passando mensagens
construtivas, de modo a elevar o sentimento social;
b) Prevenção legislativa: 1. aprovando leis de incentivo à prevenção
individual e coletiva; 2. dando preferência, nos negócios com o Estado, às
empresas que tenham projetos preventivos; 3. criando prêmios para as
escolas, em todos os níveis, para sugestões anuais de alunos e professores
sobre prevenção sem armas; 4. revendo leis federais, estaduais e municipais
contrárias à prevenção, eliminando-as; 5. controlando as propostas de leis
que não visem à prevenção ou que pretendam facilitar a repressão;
c) Prevenção executiva; 1. com a realização de campanhas a favor da
prevenção, para evitar os prejuízos do “combate ao crime”; 2. ensinando ao
povo, de modo didático e científico, a diferença entre “polícia ostensiva” e
polícia preventiva, e os benefícios desta; 3. estabelecendo programas
permanentes de prevenção contra a violência e o crime; 4. fiscalizando
órgãos e agentes incumbidos da prevenção (pessoal e material); 5. dando
preferência às estatísticas dos fatos evitados, e não aos apurados, apenas; 6.
selecionando e promovendo, de preferência, o pessoal identificado e
preocupado com a prevenção; 7. cobrando resultados da prevenção criminal
10
aos órgãos de segurança pública; 8. reciclando, constantemente, o ensino
dos métodos preventivos e afastando autoridades e agentes que lhes sejam
contrários; 9. mostrando as vantagens sociais e econômicas da prevenção e
os prejuízos da repressão; 10. solicitando e facilitando a participação do
povo na fiscalização das formas de prevenção;
d) Prevenção judiciária: 1. possibilitando a aproximação do Juiz de Direito ao
povo mais carente; 2. facilitando as adoções de menores, visando à
segurança, à educação e ao bem-estar dos mesmos; 3. programando, de
fato, visitas semanais do Juiz e do Promotor de Justiça das Varas da
Infância e da Juventude aos recolhimentos de menores infratores; 4.
realização, semanal e verdadeira, de visitas do Juiz da Execuções e do
Promotor de Justiça dessas Varas aos condenados encarcerados; 5.
comparecimento do Juiz Corregedor e do Promotor de Justiça, a qualquer
dia ou hora, às unidades policiais (uniformizadas e de investigação), até
acompanhados de autoridades corregedoras das respectivas corporações,
para lhes dar apoio; 6. combrança do Ministério Público e do Juiz
Corregedor, pelas vias administrativas mais rápidas, ao Chefe do Executivo
fim de eventuais irregularidades encontradas em suas visitas aos órgãos
estatais; 7. desburocratização dos órgãos judiciais, para evitar filas e
atender rapidamente aos que recorrem ao Judiciário; 8. tornar mais fácil e
ágil o acompanhamento da OAB nas tarefas de prevenção judiciária.
Cabe, aqui e agora, uma triste constatação: a Lei de Execução Penal
(Lei nº 7210, de 11-07-1984) já tem 25 anos e, durante todo esse tempo, no que
tange a rebeliões em presídios, ante o tratamento desumano sofrido pelos
encarcerados, levando a enfrentamentos e mortes de pessoas sob os cuidados
do Estado (vide o massacre do Carandiru e tantos outros, no Brasil inteiro),
somente carcereiros, guardas de presídio e agentes penitenciários, e muitos
presos mortos e feridos, foram responsabilizados, com a perda dos cargos, com
seqüelas para sempre e com a perda de vidas, mas ninguém ousou destacar que,
na maioria dos casos, isso poderia ter sido evitado, caso não houvesse a
negligência ou a falta da prevenção dos Juizes das Execuções e dos Promotores
de Justiça: por força dessa lei federal, nos arts. 66, VIII, e 68, parágrafo único,
a eles cabe visitar, mensalmente, os estabelecimentos penitenciários e
verificar se existe algo errado, requisitando providências para corrigir as
falhas e evitar sofrimentos, rebeliões e mortes. Se assim não agiram,
indiretamente contribuíram, nesses 25 anos de omissões e falta de prevenção,
para a perda de direitos e de vidas de agentes e pessoas anônimas! Basta
raciocinar.
11
À guisa de conclusão
Se a intenção dos legisladores é repensar uma policia ideal, efetivamente
a serviço da coletividade, ela deverá ser uma instituição de carreira única, em
que só haja uma porta de ingresso: mediante concurso público, todos devem
começar por baixo, sendo testados nas primeiras atividades policiais e, dentro
da organização pública policial, sendo aproveitados de acordo com sua maior
aptidão: para tarefas de investigação, à paisana, realizando atos de Polícia
Judiciária; para operações de rua ou de policiamento preventivo-ostensivo,
uniformizados e identificados por todos. As promoções se dariam em concurso
interno, entre os mais dedicados na defesa da sociedade e que não
apresentassem irregularidades funcionais em seus assentamentos, fazendo-os
os mais preparados para chefiar. Logo se vê que uma corporação policial assim
seria o ideal para o Poder Público, para a sociedade e para os seus próprios
integrantes, que poderiam ascender aos postos mais altos mediante concurso
interno, como autoridades e agentes de polícia judiciária ou como oficiais e
agentes de polícia preventiva. Mas, ao que parece, até este momento, uma
polícia desse naipe só interessaria à coletividade, mas não às corporações
existentes e a certos governantes...
Do exposto, verificando-se que fora da prevenção, por todos os meios
possíveis e imagináveis, não há segurança pública, e mesmo constatando-se
que o Poder Público já falhou, quando uma infração penal ocorre, temos
certeza de que a diminuição da violência e do crime tem remédio, se todos os
órgãos públicos dos Três Poderes (Executivo, por todos os seus ministérios
federais e todas as secretarias estaduais e municipais; o Legislativo, com todos
os seus mecanismos parlamentares visando à prevenção; e Judiciário, por
meio de mudanças contra a burocracia e em benefício social), bem como
quando as empresas privadas, as famílias e as escolas também arregaçarem as
mangas para aprender e exercitar a prevenção (que salva e é econômica),
evitando as infrações penais, os danos físicos e morais, e as despesas com a
insegurança, os tratamentos médicos e da previdência, além de falhas na
máquina da persecução criminal e do sistema prisional, enfim dando um basta
ao “combate” e à repressão, que são dispendiosos e funestos! (Se todos somos
favoráveis à segurança pública e contra a violência e o crime, por que ainda
não chegamos à realização dessa vontade coletiva?).
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FEDERALISMO E SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL