Aleph – Formação dos Profissionais da Educação
ISSN 1807-6211
SABERES SOBRE MENSTRUAÇÃO EM DISCUSSÃO1
Silvia Regina Silva Ribeiro2
[email protected]
RESUMO
A Matemática, os calendários menstruais e as práticas sociais relativas à menstruação não são universais. As
instituições escolares têm desconsiderado muitos dos aspectos relativos à menstruação e aos calendários menstruais
nos cursos de formação de professores, nos projetos de orientação sexual e nas práticas docentes das diversas
disciplinas escolares, inclusive da Matemática. O presente artigo objetiva discutir os saberes instituintes sob a
menstruação tomando por base a Etnomatemática, a Antropologia Médica, a Antropologia da Menstruação, a História
das Mulheres, a História de Gênero e a Educação Matemática.
Palavras-Chave: menstruação – etnomatemática – saberes instituintes
1. INTRODUÇÃO
Este artigo visa confrontar saberes instituintes e instituídos sobre menstruação e apontar
enfoques que poderão ser abordados em práticas docentes numa perspectiva interdisciplinar.
As idéias aqui expostas são fruto de valiosas contribuições recebidas dos seguintes
pesquisadores: Ubiratan D’Ambrosio (USP), Rachel Soihet (UFF) e Maria Cláudia Coelho (UERJ).
Agradeço também à Profª Célia Linhares (UFF), ao Prof. Pedro Paulo Scandiuzzi (UNESP) e Maria
Cecília Fantinato (UFF) pelo grande estímulo e, em especial, à Profª Aldaléa, às alunas e à Direção
da Escola Municipal Cardeal Leme pela receptividade e pelo grande apoio recebido durante a
realização da pesquisa.
Em julho de 2000, realizamos uma pesquisa qualitativa com 51 (cinqüenta e uma) adolescentes
do sexo feminino, com idades variando de 10 a 18 anos, estudantes da 4ª à 8ª séries do 1º grau, da
Escola Municipal Cardeal Leme (Benfica, Rio de Janeiro). Na época, essa escola estava iniciando
um projeto para Orientação Sexual de seus alunos. Algumas das alunas entrevistadas participavam
deste projeto. O grupo analisado pertence às camadas populares residentes em Benfica ou em
bairros próximos a este.
A pesquisa tinha por objetivo analisar os saberes etnomatemáticos envolvidos na confecção
de calendários menstruais e as representações sociais sobre as relações entre Matemática e
1
Este artigo apresenta uma abordagem ampliada do artigo: RIBEIRO, Silvia Regina Silva. Ouvindo as vozes das mulheres sobre
menstruação. ISGEm Newsletter (International Study Group on Ethnomathematics), São Paulo, v. 18, n. 1, p. 6-8, 2004.
2
Profª do Departamento de Educação, Centro Universitário Plínio Leite (UNIPLI), Niterói, RJ; Mestre em Educação (UFF);
Licenciada e Bacharel em Matemática (UFF).
2
Menstruação, entre mulheres no início de seu ciclo fértil. Com base nessa pesquisa, elaborei um
artigo onde procuro mostrar a Matemática, a menstruação e os calendários menstruais como
construtos culturais.
Segundo Barton (2002a), as abordagens diferentes, não usuais costumam ficar ocultas visto que
há uma tendência a realizar pesquisas sobre os mesmos temas habituais da Educação Matemática.
O presente estudo pode parecer estranho para os adeptos da representação da menstruação como
poluição, impureza. Entretanto, nossa concepção é outra. O nosso apaixonante desafio consiste em
reunir dois temas tabus em nossa sociedade – Matemática e Menstruação – integrando-os na
Etnomatemática e relacionando-os com a Antropologia Médica, Antropologia da Menstruação,
História das Mulheres, História de Gênero e Educação Matemática. Objetivo contribuir tanto para
mostrar a riqueza deste tema quanto para romper com as discriminações a esse tipo de abordagem.
2. ETNOMATEMÁTICA
A Etnomatemática analisa como são produzidos e transmitidos os conhecimentos matemáticos
dos diversos grupos culturais, do presente e do passado, tais como comunidades urbanas e rurais,
grupos de trabalhadores, classes profissionais, crianças de certa faixa etária, sociedades
indígenas, e tantos outros que se identificam por objetivos e tradições comuns (D'Ambrosio, 2001,
p. 9). A Etnomatemática não estuda somente os saberes de grupos minoritários ou marginalizados
como muitos pensam. Ela estuda conhecimentos e práticas desenvolvidos por quaisquer grupos, em
diferentes tempos e espaços. Para Borba (1993, p. 45) os matemáticos [são] entendidos também
como um grupo cultural que produz, portanto, sua etnomatemática.
Para a Etnomatemática, a Matemática é um construto cultural porque apresenta variações no
tempo, no espaço, entre as diversas culturas e gêneros.
Tal visão é compartilhada por pesquisadores como D'Ambrosio (1990, p. 17): cada grupo
cultural tem suas formas de matematizar e por integrantes de grupos indígenas como o professor
Aturi Kaiabi: eu aprendi que existem diferentes tipos de matemática, diferentes jeitos de trabalhar
com números. (Ferreira, 2002, p. 61).
Na concepção de Barton (1996), Etnomatemática é um programa de pesquisa do modo como
grupos culturais entendem, articulam e usam os conceitos e práticas que nós descrevemos como
matemáticos, tendo ou não o grupo cultural um conceito de matemática.
Dada a diversidade de abordagens, os vários pesquisadores da área propuseram que todas as
concepções dos diferentes pesquisadores sejam consideradas como uma conceituação provisória de
Etnomatemática (Knijnik, 1996, p. 73).
A Etnomatemática não deve ser confundida com a Matemática acadêmica, estruturada como
uma disciplina. A etnomatemática não é um estudo matemático, é mais como antropologia ou
3
história (Barton, 1996). A etnomatemática não é um método de ensino nem um recurso didático.
Conforme afirma Barton (2002, p. 9),
“ a etnomatemática na educação matemática é um movimento, não uma
técnica. É uma filosofia, não um artifício motivacional. É uma revolução,
não uma moda. Como em todas as revoluções, devemos garantir que ela
fornece o que promete e não, somente, substitui uma hegemonia por outra.”
3. ANTROPOLOGIA MÉDICA E ANTROPOLOGIA DA MENSTRUAÇÃO
Segundo Helman (1994, p. 21), a Antropologia Médica é um ramo da Antropologia Social e
Cultural que
"trata de como as pessoas, nas diferentes culturas e grupos sociais,
explicam as causas das doenças, os tipos de tratamento em que acreditam e
a quem recorrem se ficam doentes. Também é o estudo de como essas
crenças e práticas estão relacionadas com as mudanças biológicas e
psicológicas no organismo humano, tanto na saúde, quanto na doença".
Para Foster & Anderson3 (apud Helman, 1994, p. 26) a Antropologia Médica é uma disciplina
biocultural que trata dos aspectos biológicos e socioculturais do comportamento humano.
A Antropologia Médica abrange, por exemplo, estudos das representações da doença e da saúde
como os de Boltanski (1989), Laplantine (2001), Helman (1994); estudos sobre as representações
do corpo, dos eventos biológicos humanos e os estudos de representações da menstruação como os
de Buckley & Gottlieb (1988), Paim (1998), Leal 1994) e Helman (1994, capítulos 2 e 6).
3.1 ANTROPOLOGIA DA MENSTRUAÇÃO
Buckley & Gottlieb (1988, p. 3-4) fazem
uma revisão crítica das pesquisas etnográficas,
existentes até 1988, que tratam do simbolismo menstrual nos diferentes grupos culturais. Eles
observaram que a maioria dos estudos etnográficos sobre costumes e crenças menstruais limitava-se
a descrever o significado do sangue menstrual visto, simbolicamente, sempre como perigoso ou (...)
sujo e as práticas instituídas para conter o poder negativo do sangue menstrual. Essas análises, em
geral, fundamentavam-se nos conceitos de "tabu" e de "poluição".
Segundo esses autores (ibid.), nos anos 70, surgiram novas abordagens antropológicas da
menstruação e várias delas estão apresentadas no respectivo livro. Isto os leva a afirmar que,
qualquer que seja o estudo feito sobre menstruação, deve-se considerá-la como um construto
cultural e as respectivas análises devem incluir: os diferentes contextos do simbolismo menstrual, a
ambigüidade de muitos destes simbolismos, a possibilidade de diversidade intracultural em seus
significados, (...) as variações intragênero nestes sistemas, o emprego do simbolismo menstrual no
interesse das mulheres tanto quanto no dos homens e assim por diante (ibid., p. 4).
3
FOSTER, G. M., ANDERSON, B.G. Medical Anthropology. New York: Wiley Kleinman, 1978.
4
Buckley & Gottlieb (1988, p. 7,8) afirmam que os tabus menstruais possuem significados que
são ambíguos e freqüentemente multivalentes. Esses autores analisaram criticamente alguns dos
significados atribuídos aos tabus menstruais em vários estudos: o tabu como opressão das mulheres;
o tabu como neurose e o tabu como um recurso para comunicar quaisquer dos vários problemas
práticos da vida social.
Para estes antropólogos, as diversas teorias explicativas dos tabus menstruais são limitadas e
inadequadas visto que não consideram que as funções sociais dos tabus menstruais são
culturalmente variáveis e específicas (ibid., p. 14).
Buckley & Gottlieb (1988, p. 9) reconhecem que talvez a interpretação mais penetrante dos
tabus menstruais tanto na literatura popular quanto na profissional tenha sido a que equipara a
noção de 'tabu' com 'opressão' e, em conseqüência, equipara tabus menstruais com a repressão
das mulheres na sociedade. Essa interpretação, entretanto, não pode ser utilizada para caracterizar
todos os grupos culturais existentes.
Por exemplo, a reclusão de mulheres durante o período menstrual é vista por muitos autores
como uma forma de opressão de mulheres nas respectivas sociedades. Porém, Buckley & Gottlieb
(1988, p. 13) lembram, com base em outros antropólogos, que:
Entre os Djuka da Guiana Holandesa(...), os Warao da Venezuela (...), os
Kaska do Canadá(...) e outros, a reclusão menstrual tem sido vista como
produtora de autonomia sexual das mulheres e de oportunidades para
namoros ilícitos. (A freqüência destas reclamações sugere que nem todos os
homens, tampouco, vêem todos os tabus menstruais como obrigatórios.
Outras relatos (...) recebidos (...) de uma mulher índia Yurok(...) sugerem
que a reclusão menstrual é vista por algumas mulheres como um meio na
direção de uma ascendência espiritual e até econômica.
Helman (1994, p. 43) afirma que, em geral, nas concepções leigas as doenças atribuídas ao
sangue menstrual se referem ao seu poder poluidor (sangue menstrual causador de 'fraqueza' nos
homens) e ao seu "perigo" simbólico. Entretanto, há relatos de usos do sangue menstrual como
remédio e como fertilizante em diferentes culturas (Buckley & Gottlieb, 1988, p. 21).
Paim (1998, p. 35-36) observa o papel que a capacidade reprodutiva assume na construção
da identidade feminina nos grupos populares, em alguns estudos antropológicos. Victora4 (apud
Paim, 1998, p. 35-36) declara que as mulheres identificam fases em suas vidas a partir da seleção
(social) de alguns fenômenos biológicos. Isto fica claro no depoimento de uma de suas informantes:
Antes de menstruar é menina, quando menstrua é mocinha e quando tem relação é mulher . A
menarca é encarada como marco importante porque indica aptidão à reprodução.
4. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE MATEMÁTICA E MENSTRUAÇÃO
4
VICTORA, C. Mulher, sexualidade e reprodução: representações do corpo em uma vila de classes populares em Porto Alegre. 1991. Dissertação
(Mestrado em Antropologia Social). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, p. 106.
5
Para abordar etnomatematicamente os calendários menstruais consideramos importante
contextualizá-los no âmbito das representações sociais da Matemática, da Menstruação e das
representações das relações entre esses temas.
Gracia (1988, p. 12) afirma que as representações são um processo que resulta da natureza
social do pensamento. As representações sociais revelam tanto como se forma a nossa visão de
realidade quanto como esta visão influencia o nosso comportamento. Para esse autor (ibid., p. 25), a
grande vantagem da teoria das representações sociais reside na articulação entre as dimensões
cognitivas e as dimensões sociais da construção da realidade.
As representações são consideradas sociais porque são produzidas e compartilhadas
socialmente e, além disso, contribuem para configurar grupos sociais e para conformar suas
identidades.
As representações sociais são teorias, ciências que interpretam e elaboram o real
(Moscovici, 1978, p. 50), que variam segundo as classes sociais, as culturas ou grupos (ibid., p. 67).
O conhecimento gerado pelas representações, em vista de sua importância social, é tratado como
um objeto de estudo tão legítimo quanto aquele gerado pelas ciências (Jodelet, 1989, p. 36).
Os conhecimentos novos, estranhos ao nosso universo provocam desequilíbrio e tensão. A
representação social surge com o objetivo de atenuar essas estranhezas e introduzi-las no espaço
comum (Moscovici, 1978, p. 61). Para isso, diante das informações que recebe, o sujeito as resume,
recorta, classifica e as funde sem o rigor de um especialista, mas de acordo com as regras sociais
que dispõe e que se lhe impõem.
NA SUA OPINIÃO, EXISTE ALGUMA RELAÇÃO ENTRE MATEMÁTICA E MENSTRUAÇÃO?
Mesmo quando um grupo social ou cultural tem um conceito de Matemática, mesmo quando
ele estuda Matemática na escola é possível que esse grupo – no todo ou em parte – não veja
relações entre suas práticas cotidianas e a Matemática, conforme demonstrarei adiante.
Dentre as alunas que responderam afirmativamente à pergunta acima temos, por exemplo,
as que relacionam o aspecto cíclico e as fases da menstruação ao papel da Matemática nesse
processo, ou seja, aos conceitos e procedimentos matemáticos envolvidos nessa prática:
Sim, quando se faz a tabelinha se usa a Matemática para contar. É a
contagem do ciclo menstrual (C. L. F., 13 anos).
Sim, porque para saber os dias férteis temos que fazer algumas contas
(L. G. M., 13 anos).
Sim, porque usa-se a Matemática no ciclo menstrual (B. P. L.,
13
anos).
Sim, na tabelinha você precisa de contar para poder marcá-la (W. A.
C., 15 anos).
Nessas respostas observamos que essas estudantes incorporaram ao seu vocabulário termos da
Medicina como ciclo menstrual, dias férteis, tabelinha.
6
Para outras adolescentes, os aspectos mencionados referem-se aos números, operações,
cálculos. A Matemática é representada aqui como a ciência dos números e dos cálculos.
Sim, por que você vai contando os dias como se tivesse somando (C. S.
B., 13 anos).
Sim, porque na matemática temos que fazer contas e na menstruação
também temos que fazer nossas contas (A. F., 14 anos).
Tem porque quando ficamos mestruada a gente anota num calendário.
Eu acho que têm a ver matemática com menstruação porque tem
números (E. M. S., 13 anos).
Sim, porque tem que fazer cálculo (J. P. S., 14 anos).
Sim, porque temos que marcar quantos dias ficamos mestruada (G. M.,
12 anos).
Algumas estudantes identificam a Matemática com as datas do período menstrual.
Sim. Eu por exemplo marco na minha agenda os dias da minha
mestruação, e tem uma certa relação entre números e mestruação (M.
F. S., 13 anos).
Sim, porque cai num dia e o dia tem um número (S. O., 18 anos).
Sim, por causa dos dias (V.A.V., 11 anos).
Para uma outra aluna, existe relação entre Matemática e menstruação porque as duas dão
dores de cabeça (J., 14 anos).
Dentre as alunas que responderam negativamente à pergunta acima, existem representações
da Matemática como uma ciência que trata de números, restrita ao ambiente escolar, dissociada
dos fenômenos, das diferentes práticas sociais e dos diferentes campos do conhecimento. Eis
algumas das respostas:
Não. Matemática é uma matéria escolar. Mestruação é uma coisa da
gente mesma. (E. S. L., 16 anos).
Não, são coisas totalmente diferentes (J. S. C., 14 anos).
Não, porque matemática é contas e menstruação é outras coisas (E. N.
S., 13 anos).
Não, porque matemática é números e mestruação são dias horríveis (C.
A. A., 14 anos).
MESTRUAÇÃO:
A maioria das adolescentes ao responder o questionário escreveu mestruação em vez de
menstruação. Acreditamos que isto se deve à idéia de uma periodicidade mensal da menstruação.
5. CALENDÁRIOS MENSTRUAIS
5.1 AS TABELAS PROPOSTAS
PELA MEDICINA:
métodos contraceptivos ou de fertilização
A origem latina da palavra calendário é calendae, calendas, que significa primeiro dia do
mês romano, dia em que as contas eram pagas. O derivado calendarium significa livro de contas
(Enciclopédia Mirador, 1976, p. 1922).
7
De acordo com Goldenson (1989, p. 176) calendário menstrual é
“um calendário onde são anotados o começo e o fim do ciclo menstrual, mês
após mês. Esse método permite que a mulher e seu ginecologista
estabeleçam a ocorrência de ovulação (a época mais favorável para a
fecundação), assim como o período mais seguro, quando as relações
sexuais, têm menor probabilidade de resultar em concepção.”
Segundo Araújo (1986, p. 38), as idéias de ovulação imediatamente depois da
menstruação prevaleceram até a década de 1930 quando então, Ogino no Japão e Knauss na
Áustria,
provaram simultaneamente que a ovulação, na mulher, ocorre
no meio do ciclo
menstrual e somente nessa ocasião é que ela pode ser fecundada.
Segundo a versão masculina da história, Ogino e Knauss estabeleceram as fases para
determinar os dias férteis e inférteis do ciclo menstrual. Essa descoberta marcou o início dos
métodos de “ritmo” como meios anticoncepcionais válidos e, por conseguinte, o início de sua
medicalização e universalização.
É provável que Ogino e Knauss tenham aprendido sobre ovulação com mulheres. Seixas
(1998, p. 73) cita, entre outros, a existência do método de continência segundo o ciclo menstrual,
no século XIX. Provavelmente um precursor dos atuais métodos de calendário. A “descoberta” é,
portanto, discutível.
O Método de Ogino-Knauss é também conhecido como tabela, método de calendário,
ritmo do calendário, método da folhinha. Esse método consiste na identificação dos dias férteis e
não-férteis do ciclo, com base na idéia de que a ovulação ocorre no 14º dia do ciclo.
Para identificar o seu período fértil as mulheres devem anotar durante, no mínimo, 3 meses a
duração de cada ciclo menstrual e observar o ciclo de maior duração e o de menor duração. Devem
considerar, ainda, o tempo de vida de um espermatozóide – cinco dias – e o de um óvulo – um dia.
Com essas informações são realizados alguns cálculos matemáticos para demarcar os dias férteis
(SOS CORPO, 1991, p. 52-53).
O Método Billings é também conhecido como tabela/método de muco cervical, método natural
de controle da fertilidade. Este método é hoje difundido por grupos ligados à Igreja Católica.
Segundo SOS CORPO (1991, p. 60), o método Billings consiste na observação cuidadosa das
secreções vaginais. Isto permite identificar a presença dos diferentes tipos de muco (...) localizando
assim o momento aproximado da ovulação. As relações sexuais com penetração devem ser evitadas
no período.
O Método do Colar é apresentado em um dos Boletins da ABIA (1997, p. 8). Tal método
consiste na contagem dos dias do ciclo menstrual através de um colar que usa cores diferentes para
cada fase do ciclo. A ABIA, entretanto, nada esclarece sobre a origem desse método.
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5.2 CALENDÁRIOS MENSTRUAIS: aprendizagens e diversidade cultural
Observei, na investigação sobre os saberes etnomatemáticos envolvidos na confecção de
calendários menstruais, por estudantes adolescentes da cidade do Rio de Janeiro − a existência de
uma diversidade deles.
Para a Medicina, os calendários menstruais têm por função tanto a concepção quanto a
anticoncepção ( Goldenson, 1989, p. 176). Entretanto, o conceito de calendários menstruais que
proponho é mais amplo. Calendários menstruais são todos os códigos ou artefatos utilizados pelas
mulheres para acompanhar os seus ciclos menstruais: registros escritos, desenhos, gráficos, entre
outros. As formas de representar os calendários menstruais bem como as suas funções e todas as
práticas sociais relacionadas a eles são diversificadas culturalmente.
No grupo pesquisado, 30 estudantes (58,8%) costumavam registrar de alguma forma os seus
ciclos menstruais e 21 estudantes (41,2%) não faziam registro nenhum.
Dentre as que registram encontramos as que utilizam:
5.2.1 Registros Diversos
a) mentalmente: Só faço na cabeça (M. S. L., 12 anos); Porque eu faço de cabeça (K. S., 14 anos);
Não sei como explicar, mas acho que eu consigo acompanhar com a cabeça (F. S. P., 13 anos).
b) algumas afirmam que tomam remédio, ou seja, pílula anticoncepcional: Sim, porque eu tomo
remédio e não tem como não marcar (W. C., 15 anos); Sim, anoto e controlo porque eu já tomo
remédio e preciso saber quando vai e quando vem. (M. O., 14 anos).
5.2.2 Registros Escritos: calendários, agendas, diários, cadernos de anotação, tabela menstrual.
Algumas marcam o primeiro e o último dia da menstruação:
Calendário e no diário que dia veio e no dia que vai embora (S. F.,
11 anos).
Anoto na última página do meu diário, que dia veio e que dia foi
embora (G. M., 12 anos).
Eu anoto no calendário quando vem a minha mestruação (...) E quando
vai embora também anoto (E. M. S., 13 anos).
Algumas marcam todos os dias da menstruação: no calendário eu vou riscando os dias que eu
fico mestruada (C. A. S. L., 11 anos).
Outras marcam somente o primeiro dia da menstruação: apenas marco o começo da
mestruação todo mês (M. F. S., 13 anos).
Uma aluna anota somente o último dia da menstruação: Eu escrevo no meu caderno de
anotação para saber qual foi o último dia da mestruação, pois meu ciclo é irregular (L. G. M., 13
anos).
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Observa-se nos relatos dessas adolescentes a representação da menstruação como algo que
vem, se instala no corpo e que, depois, sai e vai embora; algo que se movimenta e é formado fora
dele. A menstruação não é vista como sendo um processo gerado no próprio corpo das mulheres.
Marco na minha agenda para saber se minha mestruação veio antes ou depois do tempo previsto
(M.F. S., 13 anos). Tais relatos expressam também representações do corpo conforme destacado
por (Paim, 1998, p. 41): o corpo feminino, nos grupos populares, é caracterizado por movimentos
de abertura e fechamento que são naturais, indicando, assim, seu bom funcionamento. Do mesmo
modo, Leal (1994, p. 136) constata, em suas pesquisas, que:
“estas representações nos indicam um modelo cultural de corpo que inclui
noções de uma dinâmica de abertura e fechamento do corpo, circulação de
substâncias condutoras, estados de umidade e calor, implicando na
percepção de limites (ou ausência deles) em relação ao corpo feminino.”
As expressões "a menstruação já veio, a menstruação já foi", são usadas cotidianamente
por muitas mulheres na nossa sociedade. Resta saber, no entanto, até que ponto, elas representam a
noção dessas mulheres sobre a formação dos ciclos menstruais, ou se representam uma
conseqüência da medicalização das tabelas que as considera assunto da Medicina, não das mulheres
ou se traduzem representações do corpo.
Nos calendários analisados, o primeiro e o último dias do ciclo desempenham um papel
importante. Isto também foi observado nos estudos de Ondina Leal. Segundo essa autora em
qualquer serviço pré-natal, a data do primeiro dia do último período menstrual é uma data
constantemente referida pelo médico e tomada como significativa para estimar a data de
fecundação e a data provável do nascimento da criança (Leal, 1994, p. 130–131). Provavelmente,
essa ênfase foi transmitida a essas jovens pelas respectivas mães. Uma outra explicação possível é
a de que várias dessas estudantes estão interessadas em identificar a duração do seu ciclo e, além
disso, guardar informações que permitam estimar quando ocorrerá a próxima menstruação – na
minha agenda eu marco o dia em que vem para saber que dia ela vai vir no próximo mês (A. F., 14
anos).
Acrescento ainda uma outra possibilidade. Elas reinventam as tabelas propostas pela
Medicina. A confecção das tabelas pelo método de Ogino-Knauss é mais trabalhosa, exige a
realização de alguns cálculos matemáticos, ou seja, exige a utilização de diversos conhecimentos
que causam estranhamento e tensão, as representações sociais surgem com o objetivo de atenuar
esse estranhamento.
Nenhuma das alunas entrevistadas declarou utilizar cálculos como os da tabela de OginoKnauss e, tampouco, o método Billings. A expressão tabelinha é usada de forma abrangente no
grupo investigado, e somente uma aluna falou em identificar os dias férteis. Vale lembrar que
10
nenhuma das entrevistadas tinha filhos e, portanto, não havia necessidade de utilizar, caso
conhecessem, todas as informações contidas nas tabelas propostas pela Medicina.
Mas, QUEM ENSINOU ESSAS MENINAS A CONFECCIONAR CALENDÁRIOS
MENSTRUAIS? As mães aparecem em primeiro lugar. Em segundo lugar, aparece a
aprendizagem espontânea: Com ninguém, aprendi sozinha (V. A. V., 11 anos); Eu achei que tinha
que anotar em algum lugar (V. T. M., 14 anos); Ninguém me ensinou, eu que senti na necessidade
de anotar, para saber os dias certos que fiquei, apesar de não vir certo todos os meses, vem sempre
descontrolado (B. P. L., 13 anos).
Outras aprenderam com parentes de diferentes graus, do sexo feminino. Encontramos também
adolescentes que aprenderam com a professora de Orientação Sexual ou com a ginecologista ou
com várias opções combinadas: Bem a professora deu um calendário e me explicou sobre o registro
(A. C. M. S., 12 anos); Com minha ginecologista (L. G. M., 13 anos); Aprendi na escola, uma vez
no núcleo teve um assunto sobre isso (E. S. L., 16 anos); Com minha mãe e a médica que me
consulto (W. C., 15 anos).
Dentre as que não fazem calendários menstruais encontramos justificativas como: Porque eu
não tenho calendário (S., 12 anos). Outras revelaram que não sabem elaborar calendários: Bem,
nunca me interessei muito, mas, acho importante, mas, não sei como fazer (F., 14 anos); Não.
Porque não sei (F. C. Q., 15 anos). Algumas simplesmente esquecem de fazer anotações: Não.
Porque não me lembro (S. O., 18 anos).
Uma aluna disse que não faz calendários porque sua mestruação não atrasa (J., 14 anos). E
outra apesar de afirmar que não efetua anotações do período menstrual declara: eu sei quando a
minha irmã está aí depois começa o meu (A. C. M. S., 12 anos). Ou seja, ela se orienta pelo período
menstrual de sua irmã.
Várias estudantes afirmaram que não fazem calendários porque seus ciclos são irregulares,
descontrolados ou desregulados.
Bom minha menstruação é descontrolada. Já fui ao médico e não
encontrei saída para este problema. Eu assisto muitas palestras quando
vou para o ginecologista (B., 17 anos).
Minha menstruação é descontrolada (L., 14 anos).
Não. Porque a minha mestruação é irregular (C. L. F., 13 anos).
Não, porque o meu ciclo é desregulado. (J. P. S., 14 anos).
A rigor, a irregularidade seria um bom motivo para fazer um calendário menstrual, mas, essas
estudantes não compartilham dessa idéia. Seria interessante tentar entender, em estudos futuros, as
representações das mulheres sobre ciclo menstrual irregular ou descontrolado ou desregulado. O
ciclo delas é realmente irregular ou tem uma duração diferente de 28 dias? Talvez a noção de
irregularidade esteja relacionada com a idéia de que todos os ciclos duram 28 dias, quando, na
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verdade, eles podem variar de 25 a 31 dias. Vale lembrar que no início da vida fértil das mulheres é
comum uma certa irregularidade nos ciclos menstruais.
A TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTOS SOBRE MENSTRUAÇÃO: Eu aprendi com minha mãe
Ao perguntarmos – QUEM
LHE FALOU PELA PRIMEIRA VEZ SOBRE MENSTRUAÇÃO?
–
constatamos que, no grupo investigado, as mulheres são as transmissoras iniciais de conhecimentos
sobre a menstruação.
As mães aparecem em 1º lugar (78,4%). Dentre os vários relatos destacamos: com minha
mãe, porque ela me ensinou (P. S.L., 13 anos); minha mãe, ela falou sobre o que acontece quando
vem a menstruação (D. A. A. M., 12 anos); eu aprendi com a minha mãe (M. V. R., 13 anos).
Em seguida, vêm colegas, irmãs, avós, professoras, madrinhas, tias, madrastas, primas. Se
considerarmos o contexto familiar, mães e parentes representam 92,1%. Infelizmente, as
professoras representam somente 1,96%.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa, realizada com as estudantes do Rio de Janeiro, aponta para as lacunas deixadas
pela escola e pelos serviços de saúde nas relações de ensino-aprendizagem sobre
menstruação/calendários. As professoras e, conseqüentemente, a escola contribuem pouquíssimo
para a aprendizagem sobre esse assunto.
Os Projetos de Orientação Sexual nas instituições de saúde e na escola visam, em geral,
ensinar as tabelas propostas pela Medicina. Não há um estímulo para que as mulheres criem seus
próprios calendários. Acreditamos que muitas das dificuldades enfrentadas pelas mulheres para
utilizar essas tabelas seja devido à ausência de um trabalho educativo que investigue, valorize e
compreenda os conhecimentos cotidianos das mulheres e os articule com outros conhecimentos.
Não incluem, em geral, História das Mulheres, História de Gênero, Etnomatemática, por exemplo.
Na entrevista coletiva, as adolescentes investigadas demonstraram muito interesse em obter
maiores informações sobre os ciclos menstruais. Isto gerou uma inversão de papéis. Em alguns
momentos passei de entrevistadora à entrevistada. Outro dado importante é que os meninos também
queriam participar das discussões, mas, isto não aconteceu, pois, naquele momento, era importante
ouvir as vozes dessas mulheres.
Com exceção das estudantes que utilizam pílulas anticoncepcionais e da que utilizou a
expressão dias férteis, não ficou evidente a relação da confecção de calendários menstruais com
alguma preocupação contraceptiva ou conceptiva, mas, sim em estimar quando ocorrerá o próximo
período menstrual.
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A identidade feminina é construída através das relações mãe-filha ou ainda mulheresmulheres que, por sua vez, possibilitam que as representações e os saberes etnomatemáticos sobre
os ciclos menstruais sejam transmitidos de uma geração a outra.
A História Cultural, a História de Gênero e a Etnomatemática têm origem nas revisões críticas
dos métodos e pressupostos teóricos de suas respectivas áreas de atuação, intensificadas a partir das
décadas de 60 e 70, do século XX.
A História "oficial" seja da humanidade ou da Matemática não costuma registrar o papel
desempenhado pelas mulheres na construção da história, das sociedades, das ciências, das diversas
culturas. Conforme declara Perrot (1998, p. 185), o "ofício do historiador" é um ofício de homens
que escrevem a história no masculino. Os campos que abordam são os da ação e do poder
masculinos, mesmo quando anexam novos territórios.
Nessa mesma linha de pensamento encontramos D'eaubonne (p.12) que questiona:
“Como é que até agora ninguém viu ainda a conseqüência que traria uma
simples mudança de formulação (...) e que poria no feminino o que continua
escrito no masculino por esses etnólogos, antropólogos, historiadores, que
reconhecem e escrevem que a agricultura foi uma descoberta das mulheres,
permaneceu por muito tempo um trabalho exclusivo de mulheres, (...), e que
depois redigem calmamente frases (...) como: "Os agricultores subiram até
à bacia de Elba..."(...) Se lêssemos, nestas mesmas frases (...) "agricultoras"
e "camponesas", não é verdade que a orientação da história humana
tomaria uma dimensão completamente diferente?”
A Educação Matemática e a Matemática discutem questões sócio-culturais, questões de gênero
e questões raciais e étnicas?
A Matemática não costuma considerar as mulheres como sujeito e objeto de sua História. Em
nível internacional, há várias biografias de mulheres matemáticas desde a Antigüidade até o século
XX. No Brasil alguns exemplos das pouquíssimas publicações que tratam do tema são Morais Filho
(1996, 1997) e Mendonça (1997).
Entretanto, são raros os estudos que abordam as diversas matematizações das mulheres, no
passado e no presente, em diferentes contextos e atividades. No campo da Etnomatemática, além de
minha pesquisa, temos a etnomatemática das mulheres louceiras do Amapá (Mafra, 2002, p. 27) e
das paneleiras capixabas (Kaniski, 2002, p. 30).
A concepção de Matemática como uma ciência construída social, histórica e culturalmente não é
aceita por muitos matemáticos. Eles acreditam que as abordagens sócio-culturais da Matemática são
uma espécie de "anti-ciência" (Restivo & Bauschpies, 2001, p. 113) e que o fato de não possuir
um bom desempenho em Matemática é que determina a escolha pela Educação Matemática ou pela
Etnomatemática. Trata-se de um preconceito com relação aos educadores que trabalham com a
Matemática numa perspectiva interdisciplinar e multicultural.
Concordo com as seguintes considerações de Restivo e Bauschpies (2001, p. 118):
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“Os objetos matemáticos são coisas produzidas, manufaturadas, por seres
sociais através de meios sociais em ambientes sociais. Não existe nenhuma
razão para que um objeto tal como um teorema deva ser tratado
diferentemente de uma escultura, um bule, um quadro ou um arranha-céu.
Apenas mundos sociais alienados e alienantes poderiam dar origem à idéia
de que os objetos matemáticos transcendem o tempo e o espaço. (...) Os
objetos que eles constroem adquirem seus significados a partir da história
de sua construção e uso, das maneiras que eles são usados no presente, das
conseqüências de seu uso dentro e fora da Matemática e da rede de idéias,
dentro dos mundos matemáticos e de mundos maiores, da qual eles são
parte.”
D'Ambrosio (1999, p. 8) identifica, no movimento internacional da Educação Matemática,
várias tendências como: multiculturalismo e questões relacionadas [a esse campo] como a
Etnomatemática e os problemas relativos a questões de gênero e de discriminação; estudos sobre
as Dimensões Políticas da Educação Matemática; utilização da História da Matemática como
elemento motivador e mesmo como caminho para esclarecer a origem das idéias matemáticas;
utilização de calculadoras e computadores;
introdução de temas da Matemática atual, como
fractais, no ensino elementar; busca de articulações entre a Matemática e as Artes.
D'Ambrosio ( entrevista, 1999, p. 8) também afirma que
“A Etnomatemática, como tema de pesquisa e prática no Brasil, tem
destaque internacional. Porém gênero e discriminação são temas evitados
pelos educadores matemáticos brasileiros. Isso merece uma pesquisa
cuidadosa. Só assim será possível constatar o alto nível de discriminação
racial, afetando particularmente negros, na Matemática e no seu ensino no
Brasil. Os argumentos de excelência acadêmica usados para negar a
discriminação são tão falsificadores quanto a venda que adorna a imagem
da Justiça!”
Schienbinger analisa as interrelações entre questões de gênero e os modos de fazer ciência.
Assim como D'Ambrosio, Schienbinger (2001, p. 313) afirma que
“muito pouco trabalho foi realizado (...) sobre a análise do conteúdo da
matemática do ponto de vista do gênero e que seu levantamento de
literatura produziu apenas um exemplo (...) o "problema da ménage [casa,
lar], colocado pela primeira vez em 1891, que pergunta pelo número Mn de
maneiras de ajeitar "em torno de uma mesa circular n casais casados,
maridos e mulheres alternados, de modo que nenhum marido fique ao lado
da esposa". “
Schienbinger (2001, p. 313) cita que, na concepção dos matemáticos Bogart e Doyle5, certos
problemas matemáticos não foram resolvidos (ou facilmente resolvidos) por causa de assunções
sexistas. No caso do "problema da ménage", a solução mais utilizada pelos matemáticos, que
trabalharam nessa questão, previa que as mulheres se sentassem primeiro. Apenas um matemático
escolheu que os homens se sentassem primeiro. A solução mais fácil é a que considera que ambos
5
BOGART, Kenneth, DOYLE, Peter. Non-sexist solution of the ménage problem. Mathematical Monthly, n. 93, 1986.
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se sentem ao mesmo tempo. Segundo Schienbinger (2001, p. 313), Bogart e Doyle não
[comentaram] o caráter altamente vitoriano e rigidamente burguês do próprio problema.
Sabemos também que várias pesquisas, principalmente, no âmbito internacional têm enfocado a
questão das habilidades matemáticas das mulheres. Ou seja, há uma preocupação em demonstrar
que as mulheres são tão inteligentes quanto os homens, o que a meu ver não acrescenta muito às
discussões sobre o papel desempenhado pelas mulheres na produção de conhecimentos. È
importante avançar, de modo significativo, no estudo do impacto e das contribuições das análises de
gênero na Etnomatemática e na Educação Matemática.
Schienbinger (2001, p. 334-335) afirma que precisamos de
“história, filosofia e teoria da ciência que analisem exemplos específicos de
gênero na ciência (...) [e] de um relacionamento de trabalho saudável entre
estudiosos envolvidos no desenvolvimento de críticas de gênero da ciência e
aqueles que fazem ciência. Nos campos em que a análise de gênero foi mais
influente – medicina, primatologia e arqueologia – houve um intenso esforço
de colaboração. (...) Seria um equívoco pensar que o feminismo é, de
alguma forma, imposto de fora sobre a ciência.”
Para ativar a análise de gênero na Matemática e em outras ciências, Schienbinger (2001, p. 336351) propõe: a realização de cursos sobre história do gênero na ciência; a inclusão nos currículos
de disciplinas como história da ciência, história do gênero na ciência; questionar as prioridades e os
resultados científicos; analisar os objetos de estudo escolhidos, isto é, analisar questões referentes
tanto a mulheres na ciência (sua posição na comunidade científica) como ao gênero na ciência
(como o gênero influencia o conteúdo); análise dos arranjos institucionais; análise das culturas da
ciência e da domesticidade seja quanto aos estilos intelectuais orientadores de programas de
pesquisa, seja quanto às relações entre ciência e arranjos domésticos e às influências da ciência
sobre esses arranjos; situar os conceitos científicos em um contexto histórico; renovar os quadros
teóricos; reconsiderar definições de ciência: é importante analisar quem determina o que conta
como ciência, por quais critérios e dentro de que contextos históricos.
A Antropologia Social e a Antropologia Cultural têm embasado muitas das pesquisas
etnomatemáticas. A História Cultural e a História de Gênero são, também, fundamentações teóricas
importantes para abordar a História das Mulheres, no passado e no presente, no campo da
Etnomatemática.
A pesquisa que realizei com as adolescentes do Rio de Janeiro mostra a existência de uma
diversidade de calendários menstruais apesar da pretendida universalização das tabelas menstruais;
da popularização dos métodos anticoncepcionais como a pílula; de alguns médicos proclamarem a
inutilidade da menstruação propondo medicamentos para suprimi-la.
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As mulheres e seus fluidos não são inúteis. A menstruação representa o início do ciclo fértil e,
por conseguinte, um marco importantíssimo na vida das mulheres e fundamental para a preservação
da espécie humana.
Por causa da menstruação realizamos um estudo que mostra o papel desempenhado pelas
mulheres na construção e na transmissão de conhecimentos sobre os calendários menstruais. Essas
matematizações representam as bases de diferentes áreas como a Etnomatemática, a Matemática, a
Medicina.
As mulheres do Paleolítico Superior historiavam o seu cotidiano através da arte e do entalhe
em ossos ou pedras (Marshack, 1991). Essa prática articulava notações lunares a processos
femininos como menstruação, lactação, gravidez. Essa forma de historiar forneceu os alicerces para
o desenvolvimento da matemática, da horticultura, da agricultura, da medicina, da astronomia, da
etnomatemática, das artes plásticas, de estudos sobre a sexualidade das mulheres.
Segundo Marshack (1991, p. 281), durante uns 25.000 anos, no Paleolítico Superior, em locais
como França, Espanha, Itália, Alemanha, Áustria e indo até o Lago Baikal, na Sibéria, foram
encontradas diversas imagens femininas entalhadas, em ossos e pedras, que contêm sucessões de
marcas, figuras de animais, sinais e símbolos. Estas imagens femininas assim como as notações e
as ferramentas são produtos de diferentes raças ou sub-raças e de povos com linguagens e
histórias diferentes e economias especializadas.
Estas imagens, descobertas no século XIX, foram consideradas "símbolos de fertilidade",
"Vênus" ou "deusas". Estão em geral nuas ou representam porções nuas da anatomia feminina (...)
e freqüentemente grávidas (Marshack, 1991, p. 282). Temos esculturas e culturas que destacam
nádegas, outras o duplo-seio, outras a vulva e outras corpos inteiros nus.
Marshack considera que as análises que tratam estas imagens somente como deusas ou
deusas-mãe são super simplistas e lança mão de novas técnicas para aprofundar essa discussão.
Apesar das evidências da construção de calendários lunares e calendários menstruais, no
passado, nas diversas culturas, Marshack não assume a existência de calendários menstruais no
Paleolítico Superior. Infelizmente, ele não conferiu se todos os entalhes das estatuetas analisadas
descreviam notações lunares. Fez isto com algumas peças e com outras não, mas, reconhece que
muitos destes objetos necessitam ser re-analisados utilizando novas técnicas.
Butterworth (1999, p. 43) critica Marshack por não procurar discutir porque nossos ancestrais
do período glacial registravam ciclos lunares (...) talvez ele sinta que nunca poderemos saber.
A opinião de Butterworth (1999, p. 44) é a de que
“contar as fases lunares deveria ser útil para as próprias mulheres. Isto as
ajudaria a decidir se ela [a menstruação] faltou um período – isto é, se
estavam grávidas – e poderia permiti-las prever mais exatamente quando o
nascimento seria conveniente. Portanto, é pelo menos possível que os
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primeiros registros numéricos fossem de mulheres. Isto não é tão forçado
como pode parecer. “
Por outro lado, nas sociedades caçadoras/coletoras registrar os ciclos lunares ajudaria a
prever quando haveria a lua cheia e quando, em conseqüência, seria melhor reunirem-se para
caçar presa noturna (Butterworth, 1999, p. 44).
Do mesmo modo, Zaslavsky (1992) com base em Dena Taylor6, defende que as mulheres
foram as primeiras matemáticas porque marcas lunares descobertas em fragmentos de ossos préhistóricos mostram como as mulheres marcavam seus ciclos e deste modo marcavam o tempo. Não
se trata de definir quem começou primeiro, mas, sim, de destacar que tanto as mulheres quanto os
homens produzem saberes etnomatemáticos desde os tempos mais remotos.
Essa estreita ligação lua-mulheres-calendários menstruais perdurou, ao longo da história e,
por certo, influenciou o significado da palavra menstruação. Segundo Allen (1985, p.2) a palavra
menstruação vem do latim mens, que significa mês, uma derivação de lua. (A palavra grega para
lua é mene). Não escapou à observação dos antigos o fato de que a duração média do ciclo
feminino é quase idêntica ao período de tempo entre duas luas cheias.
Na China, conforme declara Ifrah (1989, p. 82), as mulheres criaram um método prático para
determinar o número de dias de antecipação ou de atraso do ciclo menstrual atando sucessivamente,
a cada dia, um pequeno cordão nas vinte e oito falanges de suas mãos. Ele não esclarece quem
atava esses cordões nas falanges dessas mulheres, pois, tal tarefa não pode ser realizada
individualmente.
Hoje podemos utilizar outros métodos e outros conhecimentos para historiar as matematizações
das mulheres na atualidade e em épocas anteriores. Como disse Schienbinger (2001, p. 328) o
feminismo [trouxe] contribuições significativas fazendo novas perguntas, perguntas que geralmente
estão em desacordo com as assunções fundamentais de uma disciplina. Acrescento, portanto, que
está na hora da Etnomatemática e da Educação Matemática começarem a apresentar perguntas,
pois, é geralmente ao estabelecer prioridades sobre o que será e o que não será conhecido que o
gênero tem um impacto sobre a ciência. É também talvez aqui, que as maiores contribuições
feministas serão feitas ( Schienbinger, 2001, p. 328). Contribuições que incidirão não só na ciência,
mas, principalmente, nos programas de formação de professores e nas práticas educativas de
diferentes áreas e níveis de ensino.
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