Nome: Barreto Silva Função: Maquinista Empresa: Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) – Linha 10 Minha vida na Ferrovia Costumo dizer para as pessoas que a minha paixão pela ferrovia começou ainda no ventre da minha mãe, quando minha mãe, dona Del, caminhava às margens das linhas de um pátio ferroviário chamado Pulverização, na cidade de Barra do Piraí – RJ. E eu lá de dentro da barriga dela já escutava o barulho dos rodeiros passando nas talas dos trilhos. Também nesse pátio havia um estaleiro de solda de trilhos onde meu pai, Sr Domingos, trabalhava, isso na época da saudosa RFFSA. O pátio era o quintal da minha casa. Eu fui crescendo e o gosto por ferrovias foi inevitável. O sonho de ser maquinista já estava instalado na minha cabeça. E o primeiro brinquedo que pedi ao meu pai não poderia ser outro, um ferrorama. Aquele era o brinquedo dos brinquedos! Mas já na adolescência o ferrorama já não era tão atraente assim, meu negócio agora era as locomotivas de verdade. Foi aí que começou a dor de cabeça da dona Del. Eu comecei a fugir de casa para ir para estação ver os trens mais de perto, e logo logo fiz amizade com o pessoal da estação e com os maquinistas. Na época tinha dois primos que eram maquinistas, Amauri e Jaime, hoje em memória, e sempre que eles estavam manobrando nesse pátio ia pra lá para andar nas locomotivas, escondido da minha mãe, claro. Muitas das vezes, minha mãe ia me buscar na linha com uma vara nas mãos, e sapecava as minhas pernas, mas não tinha jeito, eu voltava pra linha. Minha mãe chegou ao extremo de me amarrar numa corda com cadeado pra eu não fugir pra linha. Mas acham que isso me segurou? A paixão era muito forte e eu sempre arrumava um jeito de escapar. Coitada da minha mãe, como sofreu nessa época. Já com os meus 15 anos ela já não se preocupava tanto e as minhas idas para a linha não eram mais “censuradas”. Eu chegava da escola, fazia o dever de casa, arrumava a cozinha do almoço e partia pra estação. Na estação eu ajudava o Agente de Estação a anotar as composições que estavam estacionadas no pátio, buscava água, comprava as coisas numa venda que tinha perto da estação, varria a estação, etc. Mas a melhor hora era quando começavam as manobras do pátio. Eu corria na frente, ligava a locomotiva e ficava esperando o maquinista e o manobrador chegarem. Entrar dentro da cabine da locomotiva pra mim era ganhar o dia. U20, SD18, SD38, U23, SD40, eram as locomotivas que geralmente apareciam por lá. Com muita vontade de aprender eu logo já estava sabendo ligar e desligar vários tipos de locomotivas e, lógico, que conduzi-las também. Em algumas manobras lá no pátio de Pulverização, conhecido também como “Pó”, o maquinista era eu. Cheguei até conduzir um cargueiro da cidade de Volta Redonda a Barra do Piraí, auxiliado pelo maquinista, claro. Mas apesar de estar vivendo um sonho, a situação da ferrovia naquela época muito me entristecia. A RFFSA estava decadente, locomotivas em péssimo estado, composições andando sem manutenção adequada, pessoal desmotivado, e o pior para mim, a falta de perspectiva de melhoria e contratações de mão de obra, o que não me dava oportunidades de realizar o sonho de ser maquinista. A RFFSA estava andando a passos firmes para a desestatização. Mas nem imaginava que a desestatização seria a luz no fim do túnel para mim, que a realização do meu sonho estaria nela. Mas não pensem que foi fácil. A MRS Logística S.A assim que assumiu a RFFSA, se deparou com muitos problemas e foi abrir vagas para maquinistas, se não me falha a memória, em 1997. Mas infelizmente não pude participar do processo seletivo, pois não tinha um curso técnico exigido pela MRS na época. Também nessa mesma época passei em outro processo seletivo (esse meio que a contra gosto) que era o exército. Fui para o serviço militar obrigatório e acabei ficando 5 anos no quartel. Cheguei até achar que o serviço militar me faria esquecer os trens, ilusão. Em 2001, saí do quartel e comecei a trabalhar de motoboy, trabalhei um ano, cheguei até iniciar uma sociedade numa empresa de entregas Expressas com um amigo, mas não deu certo. No ano seguinte, em 2002 comecei a trabalhar numa empresa automotiva, até achei que ia me interessar por carros. Mas o sonho de ser maquinista não saía da minha cabeça. De 2002 em diante, a MRS começou a ter uma demanda forte nos transportes e precisou contratar muitos maquinistas e foi nessa onda que eu tentei. Mas infelizmente foram 3 tentativas e nada, só frustração. Foi então que meio veio à mente uma ideia, digamos ousada. Resolvi escrever um e-mail para o presidente da MRS. Na época era o Júlio Fontana Neto, e eu escrevi pra ele um e-mail contando um pouco sobre esse meu sonho de ser maquinista, sobre os processos seletivos que já tinha participado e contei também um pouco do que eu já tinha de experiência informal na ferrovia. Eu mesmo estava achando aquela ideia muito louca, mas eu estava completamente errado. O e-mail que mandei para o Júlio o agradou tanto, que ele fez com que meu e-mail fosse citado em reuniões de gestão participativa dentro da MRS, me usando como exemplo de ousadia e determinação. Eu fiquei sabendo que meu e-mail tinha sido citado numa reunião quando encontrei um primo que trabalhava na MRS que me contou que meu nome tinha sido citado nessa reunião. Foi aí que acendeu o farol da esperança. Alguns dias depois ao acessar minha caixa postal lá estava a resposta do Júlio, elogiando minha atitude e dizendo que a MRS gostaria muito de me conhecer. Na época eu estava fazendo um curso de motores no SENAI de Resende-RJ pela Peugeöt Citroen e meu telefone tocou, aparecendo na tela o DDD 32, meu coração na hora foi na boca, era a MRS me ligando pra agendar uma ida até a sua sede em Juiz de Fora. No dia 10 de setembro de 2004 lá estava eu em Juiz de Fora para a tão esperada entrevista. Nunca tinha ido a JF e ainda fui numa CG 125 emprestada por um amigo. Chegando lá fui recebido pelo Renato Vilarinho, Gerente Corporativo de RH da MRS, que me esperava segurando nas mãos umas quatro folhas de papel, era o e-mail que enviei impresso. E ele m perguntou: “Você que é então o menino do presidente?” - Eu apenas sorri. O Renato me fez muitas perguntas, talvez para confirmar o que eu havia enviado pelo o e-mail, e finalmente me deu a notícia de que eu iria sim ter uma chance de entrar para a ferrovia, mas que não seria como maquinista e sim como manobrador ferroviário. E me perguntou se eu aceitaria. Mas meu negócio era ser maquinista, não manobrador. Então ele me disse que se eu tivesse um bom desempenho como manobrador que eu teria a oportunidade de fazer o curso de operador ferroviário e posteriormente passaria a maquinista, sempre conforme o meu desempenho. “Tá bom, aceito”! No dia 20 de outubro de 2004, fui contratado pela MRS como manobrador. Trabalhei 1 ano e 7 meses como manobrador no Posto BC em Volta Redonda – RJ. No dia 1º de agosto de 2006 fui transferido para a Tração para desempenhar a função de auxiliar de maquinista, iniciando o curso de maquinista em janeiro de 2007, sendo finalmente promovido à maquinista no dia 1º de outubro de 2008. Depois de muita luta e persistência o sonho estava sendo realizado. Fiquei lotado na Escala de Maquinistas de Volta Redonda – RJ e de lá conduzia trens para os 3 estados atendidos pela MRS: Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Trabalhei na MRS até o dia 15 de Julho de 2011, dia que pedi pra ser desligado para seguir um novo desafio - o de trabalhar como maquinista de trens metropolitanos na CPTM, em São Paulo. Agora o desafio envolve o transporte de vidas! Mas, se eu for contar aqui o dia a dia de um maquinista, podem ter certeza que vai dar um senhor livro. Mas termino aqui dizendo que nada nessa vida é feito só de sonho. Assim como todas as profissões, por mais bela que seja, a profissão de ferroviário requer muita dedicação e sacrifício. E sacrifício esse que muitas das vezes é dividido com nossos filhos e esposa. Nossa família é o combustível que alimenta essa paixão. Ferroviário por opção, por amor a profissão!