1
RESUMO
Este trabalho pretende contribuir para a compreensão do fenômeno social do
trânsito, numa abordagem psicossocial, a partir da interação social que produz o
comportamento do motorista, com a finalidade de contribuir para a redução dos
acidentes de trânsito.
Nos estudos já realizados nesta área, percebe-se um enfoque bastante evidente
das características individuais de personalidade ou de habilidades adquiridas, para a
explicação do comportamento do motorista. Busca-se, neste trabalho, sem desprezar as
contribuições dos estudos desenvolvidos sob esta inspiração, contribuir para a
construção de um modelo psicossocial de estudo do trânsito, para melhor conhecer a
maneira como os grupos interpretam a realidade e, a partir desta interpretação,
denominada representação social, conhecer os determinantes do modo de se comportar
dos indivíduos no trânsito.
Para buscar este conhecimento, realizou-se uma pesquisa, metodologicamente
orientada pela Teoria do Núcleo Central das Representações Sociais, com objetivo de
conhecer a representação global do trânsito em jovens universitários motoristas e
agentes de fiscalização. Participaram desta pesquisa trezentos e sessenta e nove (369)
estudantes universitários de diferentes cursos da Universidade Católica de Goiás e
oitenta e oito (88) agentes de fiscalização da Prefeitura de Goiânia.
Os resultados indicaram que os grupos pesquisados têm uma representação
bastante semelhante e complexa do trânsito, caracterizada por uma representação
idealizada da tarefa de dirigir, organizada em torno dos elementos “responsabilidade” e
“atenção”, homóloga da auto-percepção como motorista e, de outro lado, uma
representação negativa da situação global do trânsito, organizada em torno dos
elementos “fiscalização/sinalização” e “tumulto”, homóloga à representação negativa
dos outros como motoristas. Embora pareçam semelhantes, as representações diferem
quando se analisa o significado atribuído aos elementos que compõem o núcleo
supostamente central, significado este determinado pelas práticas sociais específicas de
cada grupo.
2
ABSTRACT
Taking as its starting point the social interaction which produces drivers’
behavior and based on a psycho-social approach, this study intends to
contribute to the understanding of the social phenomenon of traffic in order to
contribute to the reduction of traffic accidents.
In the studies already undertaken in this area, a quite pronounced focus
on individual personality characteristics or of acquired abilities can be observed
to explain drivers’ behavior.
In this study, without minimizing the
contributions of the studies developed from this perspective, an effort is made
to contribute to building a psycho-social study of traffic, in order to better
understand the way groups interpret reality and, out of this interpretation,
known as social representation, to get to know the determinant factors in an
individual’s behavior in traffic.
With this in mind, research using the methodological orientation of the
Theory of the Central Nucleus of the Social Representations was undertaken to
get to know the global representation of traffic in young university drivers and
traffic wardens. Three hundred and sixty-nine (369) university students from
different courses at the Catholic University of Goiás and eighty-eight (88)
traffic wardens from the City Hall of Goiânia participated in this piece of
research.
The results indicate that the groups researched have quite a similar and
complex representation of traffic, characterized by an idealized representation
of the task of driving, organized around the elements of "responsibility" and
"attention", confirming the self-perception of the driver and, on another hand, a
negative representation of the global situation of the traffic, organized around
the elements of "control/signals" and "chaos", confirming the negative
representation of the others as drivers. Even though they seem similar, these
representations differ when the meaning attributed to the elements which make
up the supposedly central nucleus is analyzed. These meanings are determined
by the social and specific practices of each group.
3
ÍNDICE GERAL
RESUMO___________________________________________ 1
ABSTRACT _________________________________________ 2
APRESENTAÇÃO ___________________________________ 7
CAPÍTULO I - TRÂNSITO E PSICOLOGIA _____________ 12
1.1 O trânsito como objeto de estudo da psicologia _____ 12
1.2 A Psicologia do Trânsito ________________________ 21
1.2.1 Os modelos psicológicos de estudo do trânsito____ 28
1.2.1.1 Modelos clássicos _______________________ 28
1. 2.1.2 Modelos atuais de influência cognitivista___ 30
1.2.1.3 Em busca de um modelo psicossocial de estudo
do trânsito ___________________________________ 39
1.3 O estudo do trânsito como prática social complexa __ 44
1.3.1 A teoria das representações sociais e a teoria do
núcleo central ___________________________________ 44
1.3.2 Os modelos de estudo das práticas sociais ________ 52
1.3.3 Modelos de estudo aplicados a situações
complexas _____________________________________ 60
CAPÍTULO II - ESTUDO DAS RELAÇÕES ENTRE
PRATICAS SOCIAIS E TRÂNSITO ____________________ 67
3.1 Método ______________________________________ 67
Estudo preparatório ______________________________ 68
3.2. Etapa 1 - A representação global do trânsito em jovens
universitários motoristas ___________________________ 70
3.2.1 A representação de si e dos outros como “Motoristas”
70
3.2.2 A representação da tarefa (dirigir) _____________ 73
3.2.3 A representação do contexto (trânsito) em jovens
universitários motoristas __________________________ 76
3.3. Etapa 2 - A representação global do trânsito em
agentes de fiscalização _____________________________ 81
3.3.1 A representação de si e do outro ______________ 81
3.3.2 A representação da tarefa (dirigir) _____________ 83
4
3.3.3 A representação do contexto (trânsito) em agentes de
fiscalização. ____________________________________ 86
3.4. Comparando os resultados dos dois grupos pesquisados
________________________________________________ 90
3.4.1.
Comparação dos resultados da representação de si
e dos outros como motoristas em jovens universitários
motoristas e agentes de fiscalização. _________________ 90
3.4.2 Comparação dos resultados da representação da tarefa
(dirigir) em jovens universitários motoristas e agentes de
fiscalização_____________________________________ 92
3.4.3 Comparação dos resultados da representação do
contexto (trânsito) em jovens universitários motoristas e
agentes de fiscalização. ___________________________ 94
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS__________________ 104
ANEXO 1 – Modelo de questionário com questão aberta,
utilizado no estudo exploratório, aplicado ao grupo de
jovens universitários motoristas. ___________________ 116
ANEXO 2 – Modelo de questionário com questão de
evocação com palavra indutora “dirigir”, aplicado ao
grupo de jovens universitários motoristas. ___________ 117
ANEXO 3– Modelo de questionário com questão de
evocação com a palavra indutora “trânsito”e questões de
escalas, aplicado ao grupo de jovens universitários
motoristas. _____________________________________ 118
ANEXO 4 – Modelo de questionário utilizado no estudo da
representação global do trânsito em agentes de fiscalização.
_______________________________________________ 125
5
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1-Perfil Estatístico do Trânsito no Brasil, 1996-1998 _________ 15
Tabela 2 - Principais causas da propensão a sofrer acidentes - Cleveland
Railway Company___________________________________________ 22
Tabela 3– Quadro sintético das palavras relevantes encontradas em cada
uma das 3 populações________________________________________ 59
Tabela 4- Características Atribuídas ao “bom” e ao “mau” motoristas,
por sujeitos jovens motoristas universitários (N=192) ______________ 69
Tabela 5- Resultados das escalas de auto e hetero-percepção de jovens
motoristas universitários, em referência aos comportamentos
característicos do “Bom Motorista” e do “Mau Motorista” (N=177) __ 71
Tabela 6– Média e desvio padrão da percepção dos outros percepção dos
outros e autopercepção como motoristas em jovens universitários
motoristas _________________________________________________ 72
Tabela 7- Resultados da Questão de Evocação, Representação Social do
“Ato de Dirigir”, elaborada por Jovens Motoristas Universitários ____ 74
Tabela 8– Resultados da questão de evocação – a representação social do
“trânsito”, elaborada por jovens motoristas universitários.
Ordem Média de Evocação ___________________________________ 77
Tabela 9– Resultados das escalas de auto e hetero-percepção de agentes
de fiscalização, em referência aos comportamentos característicos do
“Bom Motorista” e do “Mau Motorista” (N=77) __________________ 82
Tabela 10- Médias e desvio padrão de percepção dos outros percepção
dos outros e autopercepção como motoristas em agentes de fiscalização
_________________________________________________________ 83
Tabela 11– Análise das evocações da representação social da tarefa
(dirigir) de agentes de fiscalização _____________________________ 84
Tabela 12- Análise das evocações da representação social do contexto
(trânsito) de agentes de fiscalização ____________________________ 87
Tabela 13– Médias e teste estatístico da autopercepção como motorista em
jovens universitários motoristas e agentes de fiscalização ___________ 91
Tabela 14– Médias e teste estatístico da percepção dos outros como
motoristas em jovens universitários motoristas e agentes de fiscalização 92
Tabela 15– Quadro sintético das palavras relevantes encontradas em cada
uma das populações para a palavra indutora “dirigir” ____________ 93
Tabela 16– Quadro sintético das palavras relevantes encontradas em cada
uma das populações para a palavra indutora “trânsito” ____________ 95
6
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1- Modelagem do sistema de trânsito (Petzhold, 1985). _______ 19
Figura 2– Modelo behaviorista restrito (Rozestraten, 1988)__________ 29
Figura 3– Modelo Behaviorista Mitigado (Rozestraten, 1988) ________ 30
Figura 4– Modelo Clássico Cognitivista aplicado ao trânsito (Rozestraten,
1988) _____________________________________________________ 31
Figura 5– Esquema de Análise de Situações de Exclusão, Proposto por
Abric, 1996 ________________________________________________ 63
Figura 6– Modelo de Análise da Representação Global da Situação
Proposto por Codol, 1972 ____________________________________ 65
Figura 7- Gráfico de similitude (árvore máxima)da representação social
de “dirigir” em jovens universitários motoristas (n=177)____________ 76
Figura 8- Gráfico de similitude (árvore máxima)da representação social
do trânsito em jovens universitários motoristas (n=177)_____________ 78
Figura 9–Esquema interpretativo da representação global do trânsito
como situação social complexa, entre sujeitos jovens motoristas
universitários ______________________________________________ 80
Figura 10– Gráfico de similitude da representação social de “dirigir”de
agentes de fiscalização (N=88) ________________________________ 86
Figura 11- Gráfico de similitude da representação social do trânsito em
agentes de fiscalização (n=88) _________________________________ 88
Figura 12– Esquema Interpretativo da representação Global do Trânsito
Como Situação Social Complexa, entre Sujeitos Agentes de Fiscalização.
_________________________________________________________ 89
7
APRESENTAÇÃO
Reporta-se que morreram no Brasil, no ano de 1997, segundo fontes da
ABDETRAN/REDETRAN (Associação Brasileira de Detrans), 24.107 pessoas, embora
as estatísticas sejam inconsistentes e ignorem muitas mortes que ocorrem após os
acidentes, como sua conseqüência. A mesma fonte informa, em outro momento, um
número de 22.313 mortes no trânsito. Estiveram envolvidos nestes acidentes 532.601
veículos. Do total os automóveis representam 62%. No mesmo ano, o país contava
com uma frota de 28.609.232 veículos.
A Lei 9.503, sancionada em 23 de setembro de 1997, com vigência a partir de 22
de janeiro de 1998, sob a denominação de Novo Código de Trânsito Brasileiro Trânsito
Brasileiro, veio colocar na ordem do dia a atuação dos psicólogos no processo de
habilitação dos motoristas, considerando-se o veto presidencial ao exame psicológico,
também chamado exame psicotécnico. Contra o parecer que levou ao veto, de que o
exame não reprovava os maus motoristas, argumentou-se que existem inúmeros
processos de candidatos em reteste nas clínicas, porém, sem retorno destes, o que
evidencia uma retenção, calculada em 5% dos candidatos.
Buscamos apoio na literatura científica para dar suporte à assertiva de que as
pessoas que pretendem habilitar-se como motoristas devem possuir certas habilidades e
características comportamentais, necessárias ao correto desenvolvimento das tarefas
exigidas do motorista. Verificamos, na oportunidade, uma certa escassez de literatura
científica, no âmbito nacional, no que tange às questões do trânsito, e principalmente,
do ponto vista da psicologia. À exceção de Rozestraten (1988), praticamente inexiste,
8
no Brasil, literatura científica no campo da psicologia abordando questões ligadas ao
fenômeno.
No Brasil, as questões de trânsito têm sido enfocadas basicamente a partir do
ponto de vista da engenharia, da fiscalização e do motorista, enquanto indivíduo. Pouco
há em relação à educação para o trânsito e às relações sociais das quais emergem os
motoristas. Tange-se, levemente, na questão social, ao admitir-se o trânsito como um
fato social (Rozestraten, 1988). Dotta (1996, p.9), afirma:
“os problemas do trânsito no Brasil gravitam em torno do
comportamento (mau comportamento), eis que a todo momento
nos deparamos com condutores carentes de respeito humano e
de boas maneiras, rebeldes, agressivos, atrevidos, despóticos,
sem modos e hábeis em roubar direitos alheios, mas duros em
abrir mão dos próprios direitos para evitar uma colisão.”
Por atuar diretamente como psicólogo examinador do trânsito, no processo de
habilitação de motoristas e por participar de associação de profissionais que atuam na
área, surgiu nosso interesse pelos estudos das questões do trânsito. Intrigava-nos o fato
de os fatores sociais serem tão pouco considerados nos estudos da psicologia ao
abordar a questão do trânsito, preferindo focar os aspectos cognitivos da aprendizagem
e os fatores individuais da personalidade.
A busca de um modelo psicossocial para o estudo do trânsito,
parte do
pressuposto que tal fenômeno deve ter seu fulcro na interação social. Na mesma direção
de Pereira (1997), este trabalho pretende trazer novas contribuições ao estudo do
trânsito como uma situação social complexa, voltando-se em direção à compreensão dos
componentes simbólicos envolvidos na determinação do comportamento dos motoristas,
a partir da referência fornecida pela Teoria do Núcleo Central das Representações
Sociais, tal como é proposta por Abric (1976).
9
Buscamos compreender como os valores, as normas sociais e as regras grupais
emergem e influenciam o comportamento humano no trânsito, em detrimento dos
fatores de aprendizagem e características individuais de personalidade.
Como se pode inferir do Capítulo I, iniciamos buscando conhecer o que é
trânsito e as várias abordagens feitas a respeito do fenômeno pelos psicólogos.
Encontramos vários modelos de estudo, desde o clássico behaviorista - que despreza
totalmente a participação do indivíduo que apenas reage aos estímulos - passando pelos
modelos cognitivistas de gestão do risco, até chegar a algumas tentativas de abordar o
problemas a partir de uma visão psicossocial, a que nos filiamos .
Nesta perspectiva, fomos buscar nosso referencial teórico na
Teoria das
Representações Sociais, proposta por Moscovici (1978) e complementada pela Teoria
do Núcleo Central - Abordagem Estrutural, proposta por Abric (1998), segundo a qual
as representações sociais designam uma forma de pensamento socialmente construído,
que nos orienta na compreensão do mundo. Compreendidas no contexto em que foram
construídas, tais representações nos permitem conhecer os determinantes das interações
sociais. Complementarmente, a Abordagem Estrutural nos ensina que as representações
são sistemas cognitivos estruturados e hierarquizados, organizadas em dois sistemas:
central e
periférico, cujo conhecimento nos permite interpretar profundamente, as
representações e a forma como foram construídas, o que, em nosso entendimento,
possibilitar-nos-ia utilizar seus modelos de estudo para compreender o fenômeno social
do trânsito, como uma prática social complexa.
Com base em estudos anteriores, nessa mesma perspectiva, propomos tratar a
representação que os diferentes grupos de sujeitos têm do trânsito como um sistema
cognitivo complexo dotado de, no mínimo, quatro componentes: a representação do
10
papel próprio como motorista; a representação dos outros motoristas; a representação da
tarefa (o “dirigir”); e, finalmente a representação global da situação, ou seja, do trânsito,
em si.
No Capítulo II, utilizando o instrumental fornecido por estas teorias, como os
questionários com questões de evocação e de escalas, análise de evocações,
categorização de palavras e análise de similitude, iniciamos, no primeiro semestre de
1999, o nosso trabalho de pesquisa, tendo como sujeitos dois grupos: o primeiro,
constituído de dois sub-grupos de jovens universitários motoristas, como idade até 25
anos e portadores da Carteira Nacional de Habilitação, pesquisados em duas etapas
diferentes; o segundo, constituído por agentes de fiscalização, funcionários públicos
municipais, encarregados da fiscalização do trânsito.
Após estudo exploratório, em que buscamos descobrir, no grupo de jovens
universitários motoristas, a representação das características do “bom motorista” e do
“mau motorista”, investigamos a representação global do trânsito utilizando o modelo
formulado por Codol (1968), mediante o estudo da representação de si e do outro, da
tarefa (dirigir) e do contexto (trânsito), tendo encontrado uma representação positiva de
si mesmo como motorista, uma representação negativa dos outros motoristas, uma
representação idealizada da tarefa (o que deveria ser dirigir) e uma representação
negativa do contexto.
No segundo grupo, constituído de agentes de fiscalização, ao utilizar o mesmo
modelo, encontramos a mesma representação positiva de si mesmos como motoristas,
uma representação negativa dos outros motoristas, uma representação também
idealizada da tarefa (dirigir) e uma representação um pouco mais estruturada do
11
contexto (trânsito), em que se colocam como responsáveis por organizar o caos criado
pelos motoristas.
Tais resultados corroboram a perspectiva da construção de um modelo
psicossocial de estudo do trânsito, ao nos indicar que os problemas nesse campo podem
ser abordados não mais a partir das características do meio ambiente natural e
construídos ou das características individuais dos motoristas, mas a partir da interação
social, permitindo vislumbrar outros modelos de gestão da situação global do trânsito
que valorizem esses aspectos.
12
CAPÍTULO I - TRÂNSITO E PSICOLOGIA
1.1 O trânsito como objeto de estudo da psicologia
Trânsito: do latim transitu; ato ou efeito de caminhar; marcha. Movimento,
circulação de pessoas ou de veículos; tráfego. Trânsito nas cidades considerado no
conjunto; circulação. (Ferreira, 1986). Assim se define a palavra trânsito, no Novo
Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, evidenciando os sentidos em que se utiliza o
vocábulo, dando-lhe significado de movimento de pessoas e introduzindo o conceito de
movimento de veículos, sejam estes automotores ou com propulsão animal ou humana.
Pode-se dizer que o termo está mais intimamente ligado ao movimento de
veículos automotores do que a outros tipos de veículos ou mesmo de pessoas, e, na
própria legislação de trânsito evidencia-se uma preocupação, basicamente, com o
ordenamento do tráfego de veículos, dedicando pouquíssimos parágrafos ao pedestre, ao
ciclista ou aos veículos movidos por tração animal.
A Convenção de Viena (Witter, 1997) - tratado internacional que visa criar um
padrão de referência para as legislações nacionais - não traz uma definição da palavra
trânsito, mas trata das regras de circulação de veículos, da definição objetiva dos
diversos tipos de veículos além
de estabelecer critérios que se pretende sejam
uniformes nos países signatários.
Segundo relata Rocha (1998), o primeiro automóvel foi produzido nos Estados
Unidos, em 1893, ano em que foram produzidas 14 unidades. Seis anos após o início
da produção, aquele país já contava com uma frota considerável, em relação ao restante
13
do mundo. É neste quadro que se registra o primeiro acidente de trânsito da história do
automóvel.
Segundo este mesmo autor, na transição para o século 20, a maioria dos países
desenvolvidos já contava com indústrias automobilísticas em franco crescimento, como
Peugeot, Fiat Y Packard (1899), Studebaker (1904) e Hispano-Suiza (1914), salientando
que, em 1912, os Estados Unidos já contavam com uma frota de 1 milhão de veiculos.
Pereira (1997) cita que, no Brasil, a indústria automobilística instalou-se na
década de 50, no governo de Juscelino Kubistcheck. Em 1958, foi instalada a primeira
indústria, a DKW, subsidiária da indústria alemã Auto Union, fabricando, naquele ano,
5 mil unidades do DKW-Vemag, o primeiro carro fabricado no Brasil.
Paralelamente, o mesmo governo desencadeou um processo de construção de
estradas ligando a então futura capital a todos os estados brasileiros, delineando uma
matriz de transportes claramente voltada para a utilizaçào do transporte rodoviário
automotor, em detrimento de outros meios, como o transporte ferroviário.
Encontram-se instaladas no Brasil quase duas dezenas de montadoras, que
produzem em torno de 1,4 milhão de automóveis por ano, embora já tenham
ultrapassado, em
1997,
a barreira dos dois milhões de veículos fabricados.
(ANFAVEA, 2000).
A frota nacional situa-se em torno de 30 milhões
de veículos, com
predominância de automóveis (DENATRAN, 2000).
A introdução da linha de montagem veio democratizar o acesso ao automóvel,
que, num primeiro momento, era acessível a uns poucos, em razão do alto custo de
produção. Se, no início, levavam-se dias para produzir um único automóvel, hoje,
14
pode-se contar em minutos o tempo para a produção de uma nova unidade. Assim,
contrariando Karl Benz que, no início do século, dizia que no máximo um milhão de
pessoas poderia dirigir um automóvel, em função das habilidades necessárias para
dirigí-lo e dos recursos necessários para adquirí-lo, hoje o mundo produz e consome
milhões de automóveis a cada ano, e a relação automóvel/habitante cresce em
proporções geométricas, mesmo em países considerados pobres, como o Brasil. Certas
capitais de nosso país chegam a apresentar uma relação de 1 automóvel para 1,8
habitantes (DETRAN-GO, em O Popular, 22/4/2001), nível comparável ao de países
desenvolvidos, Canadá, Austrália, Japão, Alemanha etc (ANFAVEA, 2000).
Por outro lado, se o automóvel veio facilitar o deslocamento das pessoas,
possibilitando ao homem a superação de todos os obstáculos que antes lhe impediam o
acesso rápido a diferentes lugares, tornou-se, também, seu algoz, causando-lhe todo
tipo de desconforto, prejuízos e fobias (Corassa, 2000). Se antes possibilitava acesso
rápido, hoje submete o homem a intermináveis horas de espera em filas de milhares de
automóveis, polui o ar e o meio ambiente com os resíduos tóxicos dos combustíveis
utilizados, com os pneus consumidos e não reciclados; toma-lhe o espaço nas cidades,
impedindo seu deslocamento como pedestre, seja nas ruas, no chamado leito carroçável,
ou até mesmo nos passeios e nas praças. Segundo afirma o presidente da Associação
Internacional de Medicina de Tráfego, em seu livro Traffic Safety and the driver (Evans,
2000), no período de 1928 até 1988 morreram mais de dois e meio milhões de pessoas
nas estradas dos Estados Unidos da América, sendo mais de meio milhão somente após
1969. O custo anual com os acidentes de trânsito foi de setenta bilhões de doláres, em
1988. No mundo inteiro, cerca de meio milhão de pessoas são mortas anualmente em
acidentes de trânsito.
15
No Brasil, a estatística oficial não parece ser confiável, já que a mesma fonte
informa diferentes números (DENATRAN, 2001): morrem, anualmente, nos acidentes
de trânsito, em torno de 25 mil brasileiros e outros 300 mil ficam feridos.
Tabela 1-Perfil Estatístico do Trânsito no Brasil, 1996-1998
Índice/Dado
1996
1997
1998
População
153.725.670
159.636.413
161.790.311
Frota
26.609.232
28.893.441
30.939.466
Acidentes (com vítimas)
255.537
327.640
257.751
Vítimas fatais
23.020
22.313
19.664
Vítimas não fatais
286.732
297.993
311.126
Total de vítimas
309.752
320.306
330.790
Motorização
17.31
18.10
19.12
Mortos por 10.000 veículos
8.65
7.72
6.36
Mortos por 100.000 habitantes
14.97
13.98
12.15
Feridos por 1000 veículos
10.78
10.31
10.06
Feridos por 10.000 habitantes
18.65
18.67
19.23
Acidentes com vítimas por 1000 veículos
9.60
11.34
8.33
ABDETRAN, 2000.
Podemos observar na Tabela 1 que o número de acidentes cresce de forma
contínua e, embora o número de vítimas fatais tenha sido reduzido após a implantação
do novo Código de Trânsito Brasileiro, em 1997, as taxas de mortalidade por número de
veículos e por número de habitantes ainda são muito altas, se comparadas com as taxas
de outros países: no item “mortos por 10.000 veículos”, os EUA apresentam a taxa de 3,
Japão 2 e Alemanha 4, enquanto nosso país apresenta taxa maior que 6.
A frota brasileira cresce de forma vertiginosa, acelarando-se esse crescimento na
medida em que maior número de pessoas tem renda suficiente para adquirir e manter
um veículo. A capital do Estado de Goiás, antes considerada metrópole de menor porte,
16
isolada dos centros industriais do país, ostenta, desde 1994, o título de capital com o
maior índice de veículos por habitante, equiparando-se a capitais dos países mais ricos
do mundo. Um fator importante deve ser considerado quando se analisa essa
informacão: enquanto as grandes cidades do primeiro mundo contam com sistemas
públicos de transporte eficazes, que incluem diversas modalidades, como metrôs e trens
urbanos, o que faz com que os proprietários de veículos não os utilizem cotidianamente,
nossa realidade é bem diversa, tornando o tráfego muito mais intenso e problemático.
No Brasil, o número de mortes no trânsito, se medido na proporção de mortos
por número de veículos, somente é menor que em Portugal, país que somente agora
experimenta um incremento na sua frota, resultado de maciços investimentos da
Comunidade Européia.
A este quadro, agrega-se o fato de que, durantes muitos anos, e mesmo até hoje,
em muitos rincões de nosso país, a concessão da habilitação para dirigir, principalmente
nas instâncias de preparação dos motoristas, encontra-se sob o domínio de estruturas
arcaicas, partidarizadas e é levada a cabo por pessoal não qualificado.
No Brasil, como nos demais países em que o automóvel se estabeleceu
fortemente como meio de transporte, houve grandes mudanças na vida social. A
mobilidade provida pelo automóvel é o motivo primário para que se utilize o sistema,
mas não é o único: a velocidade que este propicia é uma saída para um grande número
de outros motivos do motorista (Summala, 1988). A geração direta de empregos nas
indústrias automobilísticas, que antes demandavam grande quantidade de operários,
bem como nas indústrias fornecedoras de auto-peças e acessórios para as mesmas
fábricas e nos setores de comércio e serviços subjacentes, promoveu o inchaço das
zonas industriais tradicionais e criou novos núcleos populacionais,
sendo fator
17
importante no processo de migrações verificado no nosso país, nas últimas décadas. A
presença de máquinas agrícolas e veículos utilitários e de passeio no meio rural
também transformou a rotina diária dessas populações, bem como incrementou de
forma notável o processo de êxodo rural.
Assim, a importância do desenvolvimento de pesquisas a respeito deste
fenômeno social é incontestável, notadamente no nosso caso, uma vez que o país carece
de informações científicas a respeito das implicações sociais do comportamento do
motorista. Estas informações poderão, então,
servir como subsídio para o
estabelecimento das políticas e práticas públicas nesta área, usualmente baseadas em
estudos realizados em outros contextos culturais ou em opiniões particulares de
detentores eventuais de alguma fatia de poder, como foi o caso do veto ao exame
psicotécnico, em 1997, somente revisto após intenso trabalho de esclarecimento e
convencimento da classe política.
O trânsito tornou-se, então, um grande problema social, objeto de estudo de
diferentes áreas, como a engenharia, a ergonomia,
a sociologia,
a economia, a
medicina, o direito e a psicologia.
Para a engenharia, o trânsito tem interesse, na medida em que exige imensos
esforços humanos e dispêndio material no sentido de garantir vias para a circulação de
um número cada vez maior de veículos. Cria a necessidade de uma estrutura de
sinalização para disciplinar a utilização, com segurança, de um mesmo espaço por um
grande número de usuários; a engenharia mecânica encarrega-se de fabricar automóveis
cada vez mais potentes, velozes e seguros e a ergonomia preocupa-se em tornar este
mesmo automóvel o mais adequado possível àquele que o utiliza. Esta ciência é aquela
18
que mais avanços tem conseguido no que se refere ao trânsito, ou seus feitos são mais
visíveis.
A medicina, em razão das vítimas dos acidentes de trânsito, tem tido muito mais
trabalho: mais de trezentas mil pessoas chegam anualmente aos hospitais com os mais
variados tipos de trauma, após os acidentes de trânsito. Os médicos também têm
contribuído para evitar que pessoas venham a dirigir sem as condições físicas
necessárias ou indicando adaptações nos veículos que permitam que pessoas com
necessidades especiais possam dirigir. Várias pesquisas têm sido desenvolvidas também
para avaliar
os efeitos de drogas ou de estados físicos patológicos, eventuais ou
permanentes, ou alterações decorrentes do envelhecimento como vetores de acidentes
de trânsito (Evans, 2000).
Torna-se necessária a participação de juristas para
circulação, de comunicação e
estabelecer regras de
fiscalização do sistema de trânsito. Colaboram,
igualmente, ao arbitrar as penalidades para os infratores destas mesmas regras, de forma
a coibir a infração e desta forma, diminuir as probabilidades de risco no trânsito. Tendose tornado uma questão de segurança pública a gestão do trânsito, notadamente em
nosso país, sempre esteve a cargo dos órgãos de segurança, caso do Departamento
Nacional de Trânsito – DENATRAN, vinculado ao Ministério da Justiça, e dos
Departamentos Estaduais de Trânsito - DETRAN, vinculados às Secretarias Estaduais
de Segurança Pública. Históricamente, a fiscalização do trânsito sempre esteve a cargo
da Polícia Militar e somente após a promulgação do Novo Código de Trânsito
Brasileiro, com a municipalização da gestão do trânsito, esta função passou a ser
assumida, também, por pessoal civil especialmente treinado para esta finalidade.
19
Um modelo clássico de definição do trânsito, baseado na interação entre os
componentes desse sistema – o homem, ao veículo e a via, é apresentado por Miranda
(1997), citando Petzhold
(1985), que procurou estruturá-lo, dentro de uma visão
sistêmica, em que estes componentes estão relacionados entre si em um contexto
denominado “condições ambientais” (Figura 2). Esta construção tem como base do
sistema,
além do veículo, a via e as condições ambientais, cujos estímulos são
processados como informações para o motorista, que responde interagindo com o
veículo. A via, com suas características físicas específicas, como o tipo de terreno ou
pavimento, aclives e declives, retas e curvas, e, também, com as suas características de
sinalização, seja gráfica, luminosa, horizontal, vertical ou de pórticos, atua como
estímulo discriminativo para as ações do motorista sobre o veículo, enquanto as
condições ambientais, como as condições de tempo, umidade do ar, ventos etc, também
interferem no comportamento dos motoristas.
Figura 1- Modelagem do sistema de trânsito (Petzhold, 1985).
homem
veículo
via
condições
ambientais
No modelo proposto por Petzhold (1985), o motorista é descrito como um
elemento a mais
no sistema e cujos comportamentos são determinados pelas
informações que recebe do veículo, da via e das condições ambientais, gozando de
pouca, ou nenhuma,
autonomia dentro desse sistema, condicionado que está às
20
restrições impostas pelos outros elementos, o que fica evidenciado pela própria
disposição gráfica do modelo proposto. As influências ambientais ocupam, no modelo,
o centro de referência para os estudos sobre o trânsito.
Nesta perspectiva, o campo de ação dos psicólogos torna-se muito restrito,
posto que os elementos determinantes do comportamento encontram-se em elementos
“objeto” de estudo de outras ciências, como a engenharia, a ergonomia e a
meteorologia.
Ao contrário, podemos dizer que o homem é o principal elemento deste sistema,
pois ele assume diferentes papéis, como o de motorista, de pedestre, morador, dono de
estabelecimento, agente de fiscalização, gestor do sistema de trânsito, psicólogo do
trânsito e, nestes papéis, seus interesses e motivações levam-no a assumir
comportamentos diferentes em face da mesma situação.
Preferimos, assim, concordar com Vasconcelos (1985, p.11), quando afirma:
“Por tudo isso, o trânsito não é apenas um problema técnico,
mas sobretudo uma questão social e política, diretamente ligada
às características da nossa sociedade capitalista. Para entender
o trânsito, portanto, não basta discutir os problemas do dia-adia, como congestionamentos e acidentes, é preciso analisar
como o trânsito se forma, como as pessoas participam dele,
quais são os seus interesses e necessidades” .
21
1.2 A Psicologia do Trânsito
Barjonet (1997) define a Psicologia do Trânsito como uma área de
conhecimento, de pesquisa e de ensino, mas com exceção de pouquíssimos países, ainda
não tem um status acadêmico reconhecido pela sociedade e pelas autoridades públicas.
Esse autor atribui aos psicólogos do trânsito a responsabilidade muito grande de
contribuir para colocar as pessoas como centro da questão do trânsito, em detrimento de
outras abordagens, como a ergonômica, cujo centro de atenção está mais ligado ao
desenvolvimento de veículos mais seguros e estradas melhores,
fruto de uma
hegemonia do objetivismo na psicologia, iniciado com o desenvolvimento da
psicometria , passando pela reflexologia de Pavlov e pelo behaviorismo de Watson.
Para Barjonet (1997), historicamente, a primeira fase da Psicologia do Trânsito
foi caracterizada como
psicométrica e de seleção de motoristas profissionais. Na
França, a partir de quando se iniciaram os testes psicométricos para o transporte
público, verificou-se uma queda espetacular no número de acidentes. Na Espanha, já
pelos idos de 1921 os condutores de trem eram submetidos a testes de atitudes. No
período,
a ênfase era dada às habilidades do motorista e buscava-se, sobretudo,
investigar a propensão para envolver-se em acidentes (Tiffin, J. et Mccormick, E ,
1969). No Brasil, o procedimento ainda se encontra em pleno vigor, como pode ser
verificado no trabalho dos psicólogos que realizam o chamado “exame psicotécnico”.
Os comportamentos
ligados ao trânsito foram abordados pela Psicologia,
inicialmente, como questões de caráter geral, ou ligados ao trabalho, abrigados, pois, no
ramo da Psicologia Industrial.
22
Tiffin & Mccormick (1969), citam dados da American Safety Foudation, de
1963, em que, referindo-se ao controle de tráfego e elementos rodoviários bem como a
suas relações com a segurança das estradas, no âmbito da
Cleveland Railway
Company, apontam fatores emocionais como principais causadores de acidentes no
transporte ferroviário. Apenas quatro itens – atitude errada, impulsividade, nervosismo e
medo, e preocupação e depressão – respondem por 32% dos acidentes verificado no
grupo estudado.
Tabela 2 - Principais causas da propensão a sofrer acidentes - Cleveland Railway Company
Porcentagem
Posição Errada
14
Incapacidade de reconhecer Riscos Prováveis
12
Impulsividade
12
Irresponsabilidade
10
Incapacidade De Manter Atenção Constante
8
Nervosismo E Medo
8
Visão Defeituosa
6
Doenças Orgânicas
4
Reação Demorada
4
Pressão Sangüínea Alta
4
Senilidade
2
Preocupação E Depressão
2
Cansaço
2
Atenção Mal Dirigida
2
Inexperiência
2
Outras
6
Fonte: (Tiffin, J. et Mccormick, E, 1969, p. 777).
Para Barjonet (1997), num segundo estágio, nos países europeus, a Psicologia do
Trânsito concentrou-se na psicologia dos usuários, no estudo do comportamento
humano no trânsito, bem como do trânsito em seu aspecto geral.
Esse período
caracteriza-se pelo aumento do número de motoristas, no incremento do número de
acidentes e no estabelecimento de políticas públicas de segurança no trânsito, bem como
na utilização de campanhas educativas, o largo uso da ergonomia e da psicologia social.
Notadamente nos países escandinavos, o interesse pela segurança no trânsito é revelado,
23
desde cedo, com a criação de centros de pesquisa nas universidades e nas fábricas de
automóveis, cujos veículos são considerados os mais seguros pelos consumidores.
Nesta época surgiram vários centros de pesquisa, tanto ligados a companhias
privadas quanto ao estado, na Suécia, Alemanha, Reino Unido, Holanda, França e
Espanha. Na Universidade de Helsinki, o Departamento de Psicologia criou a Unidade
de Pesquisas do Trânsito, com grande produção científica (Summala, 1974). Dessa
tradição derivou a iniciativa da Volvo, montadora sueca instalada no Brasil, que
pioneiramente incentivou
em nosso país a discussão sobre segurança no trânsito
(Volvo, 1994 ).
Desde então, os psicólogos têm estudado os fatores psicológicos que influenciam
nos acidentes de trânsito, tendo prevalecido, durante muito tempo, a abordagem
ergonômica, dedicada ao estudo dos fatores que contribuem para os acidentes: os
usuários, seus veículos e o ambiente viário. O comportamento humano foi encontrado
como o principal fator independente, contribuindo em 65% dos acidentes pesquisados
pelo Laboratório de Pesquisa em Transportes, no Reino Unido, restando apenas 2,5 %
para os fatores da estrada ou do veículo, quando considerados como “fator independente
causador dos acidentes” (Brown, 1997). Este tipo de abordagem privilegia os aspectos
da tarefa de dirigir e considera
que a contribuição da Psicologia deve ocorrer,
principalmente, na área percepto-motora, ligada à performance do motorista nas
situações de julgamento e tomada de decisões.
Reconhece-se que os psicólogos pouco têm contribuído na área de educação para
o trânsito. Embora tenham sido feitas pesquisas sobre a influência da idade (HakamiesBlomqvist e Henriksson, 1999) e do gênero ( Tomooka, 1994) na performance dos
motoristas, sobre a influência dos padrões sócio-econômicos na prática de direção de
24
jovens (Berg, Eliasson, Palmkvist e Gregersen, 1999),
seus resultados não foram
traduzidos em propostas efetivas de medidas educativas. Tanto isso é verdade que são
poucos os programas de treinamento e educação para o trânsito nas escolas. Mesmo o
treinamento específico para os futuros motoristas, amadores ou profissionais, não está
baseado em programas educativos elaborados com base nos estudos feitos pelos
psicólogos a respeito da tarefa de dirigir, mas, sim, é reproduzido de manuais
elaborados por instrutores que muitas vezes não tem nenhuma formação acadêmica. Em
alguns países, não se exige nenhum treinamento profissional para que o motorista possa
se submeter ao teste para obter sua licença, ficando ao acaso da aprendizagem com pais
ou amigos a preparação dos futuros motoristas (Brown, 1997).
O tempo de experiência como motorista é outro fator que vem sendo
investigado no campo da Psicologia do Trânsito. Lajunen e Summala (1997), utilizando
a técnica de gravação “on-board”, em que se utilizam câmaras digitais para filmagem
das ações do motorista participante da pesquisa, analisaram os efeitos da experiência
de dirigir, fatores de personalidade, habilidade do motorista e orientação segura na
regulação da velocidade e envolvimento em acidentes. Ao final, concluiu-se que a
experiência do motorista , ao lado das características de personalidade, influencia o
estilo de dirigir e está relacionada com a percepção que os motoristas têm de suas
próprias habilidades.
No Brasil, em particular, a psicologia do trânsito sempre esteve vinculada à
aplicação de testes, no processo de habilitação de motoristas. Somente a partir da
década de 80 passou-se a buscar a ampliação do campo de atuação dos psicólogos no
sistema de trânsito, locando o profissional no campo da educação para o trânsito e da
pesquisa. Até hoje, porém, a bibliografia nacional sobre o assunto resume-se ao trabalho
de Rozestraten (1984, 1988). Dissertações de mestrado (Pereira, 1997; Rocha, 1998)
25
evidenciam o interesse que o tema vem despertando no meio acadêmico, tendo surgido,
também, cursos de especialização nas Universidade, como conseqüência da exigência
de cursos de capacitação para os profissionais credenciados pelos Departamento
Estaduais de Trânsito.
Partindo da definição inicial de que trânsito supõe deslocamento de pessoas e
veículos, Rozestraten (1988, p. 9), define psicologia do trânsito como:
“uma área da psicologia que estuda, através de métodos
científicos válidos, os comportamentos humanos no trânsito e os
fatores e processo externos e internos, conscientes e
inconscientes que os provocam ou alteram. Em síntese: é o
estudo dos comportamentos-deslocamentos no trânsito e de suas
causas”.
Esta definição, embora possa parecer bastante adequada, faz emergir algumas
questões: não é acompanhada de uma definição do que sejam “métodos científicos
válidos”, embora a obra de que provém proponha,
basicamente,
o método
experimental. Também não especifica quais comportamentos devam ser estudados,
embora o estudo do tratamento de informações oriundas do meio ambiente seja o mais
enfatizado.
A contribuição da psicologia para o trânsito, e de modo específico, para a
redução do número e dos riscos de acidentes, assim como para a melhoria da qualidade
do trânsito (não restritamente no sentido de eliminação dos acidentes, mas também da
garantia do bem-estar e da saúde mental, nas situações de trânsito) é objeto de uma
acirrada controvérsia. Podemos identificar neste ponto dois eixos de discussão, que
resultam em reduzida contribuição desta área científica para o trânsito: de um lado, um
crescente reconhecimento, da parte de pesquisadores do trânsito, da “influência” do
meio “social” nas condutas em situação de trânsito. Este reconhecimento, porém, é
associado a uma visão do “social” confundido com “meio ambiente natural e/ou
26
construído”. Em contrapartida, os conceitos e proposições da psicologia social
dificultam, em muitos casos, uma abordagem mais técnica de problemas sociais
concretos, dentre eles podemos considerar o “comportamento no trânsito”, por exemplo,
resultando em análises que poderiam ser classificadas de “genéricas”, “abstratas”, ou até
mesmo, ideológicas.
Ao analisar o primeiro destes dois eixos, em um trabalho recente, Pereira (1997),
confirma a idéia de que não basta afirmar que “o trânsito , por definição, é um
comportamento social” (Rozestraten, 1988; Michon, 1989), pois o problema central
está no modo como esse “social” é tratado. Mesmo reconhecendo o fator humano como
principal causador (isoladamente ou associado a outros fatores) de acidentes de trânsito,
na prática estas abordagens acabam por reduzir a dimensão intersubjetiva (social) a um
mero contexto de comportamento individual; ou seja, embora se diga que o “social” é
importante, nas análises propostas, o chamado “social” é tratado como “meio
ambiente”, sem considerar que os processos tipicamente sociais, na psicologia social
chamados de processos sócio-simbólicos, influenciam não apenas o comportamento dos
indivíduos, mas, e principalmente, o modo como estes últimos percebem a realidade
social. Pereira (1997) associa este modo à “tradição” do individualismo teórico de
determinadas correntes de pensamento presentes na psicologia social, que partem de
uma noção estreita do social, ao considerar os fenômenos psicológicos individuais
vagamente influenciados pelo “social”.
Em nosso país,
a atuação do psicólogo na área do trânsito resume-se, na
prática, à realização do exame psicotécnico, que consiste na aferição psicométrica das
seguintes áreas de concentração de características psicológicas: a) área Percepto –
Reacional , Motora e Nível Mental; b) área do Equilíbrio Psíquico; c) habilidades
Específicas.
27
As áreas Percepto-Reacional e Motora, e de Equilíbrio Psíquico conhecidas
como básicas na avaliação de todo condutor, são avaliadas por meio de técnicas
psicológicas. Investiga-se na área percepto-motora: a) atenção, percepção, tomada de
decisão, motricidade e reação, cognição e nível mental. A área de equilíbrio psíquico é
aferida por meio de entrevistas e testes projetivos, buscando-se conhecer os níveis de
ansiedade e excitabilidade, ausência de quadro reconhecidamente patológico, controle
da agressividade, equilíbrio emocional e problemas correlatos como alcoolismo,
epilepsia, drogadição, que possam contribuir negativamente para a segurança do
trânsito.
O Manual do Psicólogo (CRP, 1998, p.27), no capítulo "Os psicólogos e os
vários campos de atuação”, traz o psicólogo do trânsito como aquele que:
“Atua desenvolvendo pesquisa científica no campos dos
processos
psicológicos,
psicossociais
e
psicofísicos
relacionados ao problema do trânsito, realiza avaliação
psicológica em candidatos a habilitação para dirigir veículos
automotores, assessora no processo de elaboração e
implantação de estratégias que visam a educação do trânsito,
participa de equipes multiprofissionais voltadas à prevenção de
acidentes de trânsito , estuda as implicações psicológicas do
alcoolismo e as relações de causa e efeito na ocorrência de
acidentes de trânsito, aplica e avalia novas técnicas de
mensuração da capacidade psicológica dos motoristas.”
Recentemente, em dezembro de 2000, o Conselho Federal de Psicologia, incluiu
a Psicologia do Trânsito entre as especialidades profissionais no âmbito da Psicologia,
concedendo àqueles profissionais que atuam há mais de cinco anos na área, o direito de
solicitar o registro de especialista.
28
1.2.1 Os modelos psicológicos de estudo do trânsito
As teorias científicas
têm como objetivo explicar os fatos, os fenômenos
relacionados e fornecer subsídios capazes de apoiar uma previsão de eventos
relacionados com estes mesmos fatos. Tais teorias devem ter consistência, serem
verificáveis, ou, em termos formais, serem falsificáveis, podendo ser aplicadas
independentemente do tempo e do espaço.
As três últimas décadas foram bastante férteis
nesse campo, com muitos
experimentos e investigações sendo realizados em busca de respostas para muitas
questões e algumas soluções para partes do problema. Muitos modelos foram
desenvolvidos, como Näätänen e Summala (1976), Michon (1985), Wilde (1988) e
Rozestraten (1988), sendo que as teorias que colocam o risco como a chave para a
explicação do comportamento do motorista tiveram excepcional crescimento.
1.2.1.1 Modelos clássicos
Rozestraten (1988) apresenta-nos uma síntese de dois modelos behavioristas de
análise da situação do trânsito: um modelo restrito e outro mitigado.
O denominado bevariorista restrito (Figura 2), considera o comportamento no
trânsito, como qualquer outro comportamento, governado totalmente pelos estímulos
externos: do meio ambiente geral, do ambiente contextual do trânsito, do veículo ou
pelos estímulos provenientes do próprio organismo; estado geral do organismo, fadiga,
informações cinestésicas etc. Neste modelo, a aprendizagem aparece como um
importante fator, posto que, se o motorista reage de determinado modo a um dado
29
estímulo e tem sucesso, então sua resposta é reforçada e torna-se mais freqüente. O
ambiente geral e social é definido como estímulos que não têm uma relação direta com
o comportamento de dirigir, valorizando os estímulos mais estreitamente relacionados
com a situação específica, como aqueles derivados da sinalização viária e dos outros
veículos além dos estímulos advindos do próprio veículo dirigido pelo motorista. Esses
estímulos são captados pelos sentidos e transformados em impulsos nervosos que,
levados a determinadas áreas cerebrais, desencadeiam o comportamento.
Figura 2– Modelo behaviorista restrito (Rozestraten, 1988)
No modelo denominado por Rozestraten de “mitigado” (Figura 3), assume-se,
também, o comportamento de dirigir, como uma seqüência de estímulos e respostas,
como no primeiro. Porém, neste modelo admite-se a existência de um “organismo”
dotado de alguma influência nas respostas, isto é, no comportamento, por força de
30
“variáveis intervenientes” tais como: limiares sensoriais, impulso, motivação, incentivo,
inibição, experiência, aprendizagem, memória, hábito, reforços anteriores, limiares
reacionais , estruturas comportamentais e traços de personalidade.
Apesar de extensa, a lista de variáveis intervenientes pode ser reduzida a dois
itens: aprendizagem e traços de personalidade, o que deixa pouca margem para uma
abordagem psicossocial do trânsito como uma prática social complexa. Nesse caso, ou a
aprendizagem anterior, um processo individual de experiências positivas ou negativas
de respostas aos estímulos, determina o comportamento, ou fatores ou traços de
personalidade, também atributos individuais, o explicam. Depreende-se, pois, neste
modelo, o contexto social é praticamente ignorado
Figura 3– Modelo Behaviorista Mitigado (Rozestraten, 1988)
1. 2.1.2 Modelos atuais de influência cognitivista
No modelo cognitivista (Figura 5),
apresentado por Rozestraten (1988), a
tomada de informação e seu processamento, a tomada de decisão, a ação e feedback são
as etapas identificadas como a seqüência que configura o comportamento. Neste
processo, há maior complexidade , não se resumindo a simples modelo E-R ou E-O-R e
31
admite-se que atitudes e normas, conceitos e emoção, também podem influenciar o
comportamento, ao lado dos fatores puramente sensoriais ou mnemônicos.
Estes modelos baseiam-se no processo de tratamento de informações que se inicia com
a detecção, avaliação, discriminação e identificação de estímulos que depende da aprendizagem.
O passo seguinte , o tratamento da informação, implica a atribuição de significado aos estímulos
e também a compreensão da situação. Ambos, significação e compreensão, decorrem da
aprendizagem anterior.
Figura 4– Modelo Clássico Cognitivista aplicado ao trânsito (Rozestraten, 1988)
Nesta etapa ocorre também a avaliação,
processo de comparação de
experiências anteriores de cálculo de distância e velocidade, bem como, da força de
frenagem ou da capacidade de manobrar o veículo, determinada pelos recursos
disponíveis no veículo, como freios especiais, direção hidráulica etc. Com base nestas
comparações, pode-se fazer previsões a respeito dos próximos eventos. Uma terceira
32
etapa é a tomada de decisão, ou julgamento, ocasião em que, rapidamente, são pesadas
todas as informações processadas até o momento e toma-se determinada decisão, que
poderá ser afetada, também, por outros fatores, tais como: o descontentamento, o
desprezo pelas leis, o sentimento de impunidade, a agressividade, problemas
existenciais etc. Somente neste ponto é que podemos perceber a reação do motorista,
seu comportamento observável, tais como como acelerar, freiar bruscamente, colar na
traseira do outro veículo, desrespeitar o semáforo, parar sobre a faixa de pedestre ou
dirigir adequadamente, comportamentos que serão reforçados ou punidos, conforme a
situação.
A teoria da compensação do risco, proposta por Wilde (1995), originalmente
denoninada Risk Homeostasis Theory””, sustenta que fatores motivacionais de utilidade
subjetiva determinam os níveis de aceitação de risco:
1-
Os ganhos esperados do comportamento de risco, como chegar mais cedo correndo
mais ou fazer uma manobra inesperada para ter uma sensação nova.
2 - As perdas esperadas do comportamento de risco, como despesas advindas do
desenvolvimento de uma velocidade incompatível com o piso da rodovia (buracos).
3 - Os ganhos esperados em razão do comportamento seguro, como a tarja dourada na
Carteira de habilitação quando não se cometeu infrações.
4 - As perdas esperadas do comportamento seguro, como o desconforto causado pelo
uso do cinto ou ser chamado de “lerdo” pelos outros motoristas.
De acordo com esta teoria, quanto maiores os valores de 1 e 4, maior é o nível de
risco aceito, enquanto esse nível diminui na medida em que aumentam os valores de 2 e
33
3. Fatores de natureza cultural, econômica, social e psicológica motivam as escolhas dos
motoristas e esse processo é subjetivo, não consciente.
Fatores econômicos interferem na escolha da velocidade e podem ser
exemplificados pelo caso dos transportadores de cargas, perecíveis ou não: como a
receita é baseada na relação tonelada por quilômetro rodado, espera-se ganhar mais
rodando mais quilômetros em menor tempo, em detrimento da segurança. Se o
transportador calculasse os gastos que terá com a manutenção do veículo, gastos com
peças de reposição e dias parados, poderia aumentar o nível da categoria 2 e 3 e
diminuir a velocidade. Porém esse cálculo, na maioria das vezes, não é realizado, e o
comportamento é determinado por uma motivaçào imediatista de lucro. Alguns
participantes do sistema de trânsito, por seu turno,
não têm como efetuar essas
escolhas, como, por exemplo, o usuário de transportes públicos ou mesmo os
passageiros de veículos particulares.
Se
o nível de risco subjetivo de acidente for igual a zero, não haverá
mobilidade, não haverá nenhum ganho e nenhuma perda e, por esse motivo, há sempre
um nível de aceitação de risco quando o motorista decide pegar o seu carro e ir a algum
lugar.
As pessoas não apresentam, contudo, o mesmo nível de risco assumido. Há
determinados grupos, como,
por exemplo, jovens motoristas e motoristas idosos,
mulheres e homens, que apresentam maior uniformidade de nível de risco: jovens
assumem maior nível de risco que os motoristas mais idosos e mulheres assumem
menor nível de risco que os homens (James & Nahl, 2000).
Em função desse tipo de teoria, campanhas vêm sendo desenvolvidas no sentido
de incentivar financeiramente os motoristas, procurando aumentar o nível das
34
categorias, como é o caso das empresas de seguro que oferecem bônus aos motoristas
que não utilizam seus serviços durante a vigência do primeiro contrato e oferecem
descontos às mulheres, por serem elas, reconhecidamente, mais cautelosas que os
homens. Esses descontos também variam de acordo com a idade dos motoristas.
Segundo percebemos, apesar de reconhecer os fatores sociais como
intervenientes na determinação do nível de risco, são destacadas as características
individuais de personalidade como determinante do comportamento do motorista e
enfatizado mais o aspecto da mobilidade que o veículo propicia em detrimento de
outros aspectos motivacionais ligados ao uso do sistema de tráfego.
Outra abordagem, a teoria do risco zero, em relação ao conceito de risco, foi
apresentada por Näätänen & Summala (1974, 1976). É assim chamada porque, segundo
estes autores, o motorista adapta-se aos riscos na mesma medida da sua experiência.
Assim, o noviço, sendo inseguro, assume menos riscos, mas, na medida em que se torna
experiente, passa a sentir-se mais seguro e passa a assumir mais risco. O motorista
experiente, quando é colocado diante de uma situação não usual, volta a atuar como
noviço, como, por exemplo, numa situação de perda momentânea do controle do
veículo, por irregularidades no piso da rodovia, tende a diminuir a velocidade no
momento imediatamente subseqüente, assim permanecendo por algum tempo, até voltar
a sentir-se novamente seguro. A atribuição deste limiar tão alto de risco está nos erros
de avaliação, aspectos motivacionais e também ao fato de, quando se envolve numa
situação percebida como de risco, geralmente consegue eliminar o risco, sem maiores
problemas. Neste sentido, Sumalla ( 1988) relata que um motorista finlandês está sujeito
a envolver-se num acidente fatal, em média, uma vez a cada 40 milhões de quilômetros,
ou seja, uma vez a cada 1600 anos. Isto justificaria o fato de que o motorista, não tem,
na verdade, motivos para preocupar-se muito com sua segurança no tráfego.
35
Esses autores concluem que a percepção de risco é igual a zero, isto é, o
motorista não percebe o curso do comportamento de risco, cabendo, por consequüência,
aos gestores do sistema de tráfego controlar as condições, principalmente de velocidade,
para diminuir as situações de risco. Desta forma, de um lado, aumentam-se as medidas
de controle do comportamento do motorista, com o incremento dos sistemas de
vigilância para o controle da velocidade (radares fixos e móveis), do respeito aos
semáforos (fotossensores), marcações salientes no piso da via para evitar a mudança de
faixas de trânsito ou duplicação das principais estradas e, de outro, busca-se facilitar,
cada vez mais, a atividade do motorista, construindo-se veículos com aporte cada vez
maior de tecnologia, providos de recursos como direção hidráulica, câmbio automático,
sistemas de freios anti-travamento de rodas, controle eletrônico de estabilidade, airbags, sistemas de navegação por satélite etc.
Fuller (1997), desenvolveu outro modelo, que ele mesmo considera como um
desdobramento da teoria do risco zero, justamente por encontrar um ponto dissonante
naquela teoria: como considerar a percepção do risco como determinante do
comportamento de dirigir, se a percepção do risco é igual a zero?
Na maior parte do tempo o motorista realiza manobras para evitar acidentes,
então ele raramente terá oportunidade de perceber uma situação real de acidente, a não
ser quando se envolve em um. Então para este autor, o que determina o comportamento
do motorista é a “evitação da ameaça”, sendo que estas reações antecipadas de ameaça
são reforçadas quando os acontecimentos seguintes deixam claro que a manobra
realizada realmente foi necessária para evitar um acidente, como, por exemplo, quando
o motorista, ao perceber um pedestre adentrando a faixa, freia e consegue parar o
veículo a centímetros de distância deste, fica evidente que caso não realizasse esta
manobra, poderia atropelá-lo. Assim, este modelo não relaciona as ações do motorista
36
diretamente com o acidente, mas com um ambiente potencialmente perigoso, ao qual ele
reage em diversos momentos, concluindo que são necessárias medidas de segurança,
tanto no campo da ergonomia dos automóveis quanto no campo da formação do
motorista, para informá-los e treiná-los para conhecer e identificar perigos potenciais no
meio ambiente.
Michon (1979, 1985) formulou um modelo de risco chamado hierárquico,
derivado da concepção de que a direção é uma atividade hierarquicamente estruturada.
Desta maneira, propõe descrever a percepção, julgamento e tomada de decisão em cada
nível da tarefa: a) o primeiro nível é o estratégico, de preparação do trajeto; b) o nível
tático envolve ações como uma ultrapassagem, por exemplo, e está relacionado com
certo limiar de risco assumido; c) o nível operacional envolve manobras para ajustar o
veículo ao tráfego, em função da velocidade ou manobras para enfrentar um ameaça
repentina. Este modelo acentua a representação mental envolvida no planejamento da
atividade.
Os modelos anteriores têm em comum o fato de enfatizarem, principalmente, o
aspecto “motivacional”, no sentido de que o motorista regula seu comportamento em
função do nível de risco ou do nível do seu objetivo, assumindo que algum tipo de
referência interna controla o comportamento de dirigir de cada indivíduo.
Saad
(1988)
considera
insuficientes
estes
modelos
para
explicar
o
comportamento dos motoristas no trânsito, chamando a atenção para os processos de
recepção e processamento de informações e a representação mental que está
intimamente ligada a esses processos.
Em pesquisas conduzidas no Instituto de Pesquisas de Segurança do Trânsito
(INRETS), na França, Saad (1997) apresenta-nos um modelo, baseado na análise de
37
aspectos cognitivos da atividade do motorista,
desenvolvidos para incrementar o
conhecimento da atividade do motorista e identificar e avaliar medidas que venham a
facilitar a adaptação do condutor às condições viárias, principalmente, na elaboração de
infra-estrutura viária ou de novos sistemas de suporte aos motoristas.
Saad (1997), em estudo de profundidade a respeito da atividade do motorista, em
situações reais de direção, utiliza duas técnicas: a observação com gravação instantânea
do comportamento do motorista em duas situações, num cruzamento de estradas na
zona rural e dirigindo numa via urbana; relatos verbais e entrevista posterior à
observação. A autora sustenta que este modelo de análise da atividade do motorista
pode levar a um conhecimento mais detalhado das reações do motorista diante de
situações que ele não pode alterar, contribuindo para o desenvolvimento de sistema de
apoio ao condutor, como, por exemplo, um protótipo de Controle de Navegação
Autônomo e Inteligente.
No contexto das “abordagens” cognitivistas, um aspecto importante a salientar é
justamente o da necessidade da psicologia no trânsito, dado que a própria tarefa de
“dirigir” é uma tarefa complexa e relativamente pouco estruturada (Saad, 1975, 1996b,
1997; Neboit, 1982). Segundo Saad (1996b, 1997) esta tarefa é complexa devido:
a) à adaptação que exige, frente à diversidade das situações de tráfego - em
especial, nas rodovias – sobretudo na adapatação associada aos limites e
características temporais e dinâmicas, relativos às necessidades de deslocamento
do motorista, em interação com as necessidades dos outros usuários do sistema
viário;
38
b) à diversidade de “sub-tarefas” ou de tarefas, no sentido ergonômico e cognitivo,
e à dificuldade da organização e controle destas tarefas, ao longo do
deslocamento;
c) da parte do condutor, às incertezas e “riscos” que revestem a gestão das
intersecções múltiplas com seu veículo, de um lado, e com a estrutura viária e os
outros condutores, de outro lado.
Estes traços indicam, de modo claro, a consistência de complexidade de que a
tarefa de “dirigir” é dotada. Pode-se, também, destacar os elementos que configuram
esta tarefa como pouco estruturada (Saad, 1996b, 1997): primeiramente. O fato da
“tarefa formal” somente ser definida de modo parcial, no tocante às condições a serem
levadas em conta e aos procedimentos a serem efetuados; secundariamente, é preciso
salientar que as informações necessárias à gestão (organização e controle) são, na sua
maioria, do tipo informal; finalmente, considerando as atuais condições de formação,
mesmo em países desenvolvidos, como França e Inglaterra (Groeger & Grande, 1991),
o essencial desta formação se faz in loco, de modo que a aquisição dos conhecimentos
e estratégias ocorre de maneira “pouco controlada”, por meio da ação e da experiência,
em diferentes situações.
Neste sentido, pode-se falar de uma tarefa prescrita (o que deve ser feito pelo
motorista em dada situação), de uma tarefa redefinida (o que o motorista pensa que deve
ser feito) e uma tarefa atualizada (o que o motorista efetivamente faz). O programa de
pesquisa, nesta perspectiva, analisa os conhecimentos do motorista, a representação de
diferentes situações viárias e as estratégias de controle adotadas.
39
1.2.1.3 Em busca de um modelo psicossocial de estudo do trânsito
Todos os modelos de análise apresentados até aqui têm, apesar das
contribuições importantes para o conhecimento do assunto, algumas limitações em
comum: a abordagem individualista de um fenômeno social, a análise do trânsito com
base apenas na tarefa de dirigir, o enfoque nas relações do motorista com o veículo e
com a via. Embora alguns autores façam referência ao “ambiente”, ao meio, às
condições sócio-econômicas do motorista, sua idade, seu sexo, trata-se mais de uma
referência puramente demográfica, distante de uma análise do fenômeno baseada numa
perspectiva psicossocial.
Falta a estes estudos ampliar a análise do fenômeno. Citando Pereira (1997, p.
67):
“O condutor tem suas ação no trânsito construída pelo meio
social do qual faz parte. Meio este que não é apenas o espaço
físico da circulação, mas também o dos costumes, regras,
valores que faz parte (sic). Sua ação é praticada num contexto
formal e informal de regras/leis e valores”.
Grande parte dos estudos realizados no mundo inteiro são unânimes na
conclusão de que o comportamento humano é responsável pela quase totalidade dos
acidentes. No Brasil, 53/% dos condutores de automóveis terminam por se envolver em
acidentes com vítimas.
Entretanto, estes estudos tendem a enfocar esses
comportamentos com base em explicações cujo paradigma encontra-se mais no campo
da psicologia da personalidade e da fisiologia que no campo da psicologia social.
A perspectiva sociológica de análise do fenômeno reconhece o trânsito como
meio coletivo de consumo e espaço de disputa entre atores sociais com interesses e
necessidades conflitantes e com diferentes possibilidades de acesso e segurança a esse
40
meio, como estar nele dirigindo diferentes modelos de veículos, como passageiros dos
sistemas públicos de transporte ou como pedestres. Tende a explicar o comportamento
do indivíduo no trânsito como resultado de uma relação deste mesmo indivíduo com o
automóvel (Morin, 1997, citado por Pereira, 1997). Partem daí as interpretações
populares a respeito do automóvel como arma ou como jóia.
Por seu turno, Barjonet (1984) propôs uma análise psicossocial do risco,
afirmando que a variação do risco dos motoristas oscila segundo sua situação social. As
classes sociais mais abastadas, que podem adquirir veículos mais possantes e seguros,
expôem-se mais ao risco.
Um dos primeiros autores a abordar o trânsito a partir de uma visão psicossocial
foi Michon (1974), que propôs a existência de quatro aspectos de níveis de confrontação
do motorista com o trânsito, todos interdependentes: a) o homem, ser psico-biológico,
com suas necessidades básicas; b) o homem, ser social, com suas atividades sociais, de
comunicação e inserido no sistema de transportes; c) o homem consumidor, que
necessita deslocar-se no sistema viário; d) o homem participante do trânsito, em
interação com o veículo e com a sinalização do trânsito.
O mesmo autor, esboça um modelo de análise em três níveis: estratégico (planos
gerais de navegação e direção); tático (padrões controlados de ação) e nível de controle
(automatização da ação) e reconhece, no primeiro nível, a influência de opiniões e
atitudes na tarefa de dirigir
Este autor introduz o social na análise do trânsito, porém, ainda de forma muito
incipiente, não faz referência às interações sociais presentes no trânsito, ficando tão
somente no campo motivacional.
41
Recentemente, Pereira (1997) abordou as representações sociais das ações dos
condutores sobre a prática no volante do automóvel, pretendendo demonstrar que a
ação dos condutores no trânsito articula-se com as representações sociais e que normas
sociais do tipo “jeitinho brasileiro” e certeza de impunidade são fatores que afetam de
modo agudo as ações desses condutores. Além disso, a propaganda do automóvel
enfatiza a cultura da difusão e consumo do automóvel, em detrimento de informações
científicas voltadas para o desenvolvimento de uma cultura de segurança no trânsito. A
autora resume assim o seu interesse pelo estudo do trânsito como uma situação social:
“Comecei a querer compreender o condutor no conjunto de
suas relações sociais, para, daí, conhecer suas ações no trânsito
naquilo que lhe é ‘específico’ e no que é decorrente do ‘meio
social’” ( Pereira, 1997, p.12).
A autora acredita, como relata, que “a ação do condutor é construída
historicamente, ele não é um ser que se produz a si mesmo” e que, ao comportar-se no
trânsito, o indivíduo não se relaciona apenas com o mundo natural e construído, com os
estímulos provenientes do meio ambiente e do veículo, mas relaciona-se, também, com
“uma ordem cultural e social específica”. Neste sentido, buscou respostas para algumas
questões relacionadas ao condutor em foco, como: “O que pensam? Quais os valores,
as crenças que os condutores têm sobre suas ações no volante? (Em especial quando
avançam no sinal vermelho, dirigem alcoolizados, fazem manobras indevidas etc)”.
Destacamos, da autora:
“Reconstituindo os estudos junto as ações dos condutores,
chama atenção que, ao longo dos últimos 50 anos, vem se
consolidando o reconhecimento da realidade social na
construção das a’~oes dos condutores no trânsito (Pereira,
1997, p.60 ).
42
Esta concepção contrasta, frontalmente, com os modelos behavioristas, que
colocam no indivíduo, com sua aprendizagem anterior determinando suas reações ao
ambiente natural e construído, o referencial para a explicação do trânsito, reduzindo-o a
um fenômeno natural.
No estudo sub oculis foram utilizados vários instrumentos de coleta de dados,
como questionários e análise de conteúdos de jornais , com o escopo de levantar a
representação social das ações dos condutores e o conteúdo difundido sobre o assunto,
concluindo que as ações dos condutores:
“simbolizam uma síntese da estrutura social (relações sociais)
existentes no cotidiano da sociedade Brasileira. Os condutores
“Loucos”, “Barbeiros”, “Donos da Rua”. Escravos do
Relógio”, “Despreparados Psicologicamente”, “Animais” e
“Assassinos” são somente uma peça da engrenagem do sistema
social, em que cada um faz o que quer e tenta escapar como
pode. Ou seja, a ação dos condutores é o reflexo do que ocorreu
na sociedade brasileira, en função do desenvolvimento nos
últimos quarenta anos”.(Pereira, 1997, p. 111)
Segundo a autora, o estudo comprova que os “os condutores apresentam um
pensamento parcial e fragmentado da totalidade da realidade do trânsito” e que tendem
a dar muita ênfase às ações individuais, em detrimento dos fatores ambientais e culturais
existentes em suas próprias ações. O ambiente social, suas normas sociais informais, e,
particularmente, o chamado “jeitinho brasileiro” aliados a valores relacionados a um
certo culto ao automóvel , influem decisivamente nas ações dos condutores, o que é
confirmado em outro contexto, também identificado por Marsh e Collet (2000),
A autora, ao constatar que “as representações sociais variam conforme a
experiência dos condutores no trânsito”, uma vez que o grupo próximo do poder público
(profissionais do trânsito), responsável pelas ações dos condutores, apresentou maior
percepção do cumprimento das leis, enquanto os demais grupos não percebem a
43
importância do cumprimento das leis nas ações. Identifica, ainda, uma representação do
motorista “bom e responsável” como sendo aquele que dirige com atenção e
defensivamente e respeita o próximo. Esta representação é encontrada, principalmente,
entre os motoristas em processo de habilitação.
Na mesma direção, o presente trabalho pretende trazer novas contribuições ao
estudo do trânsito como uma prática social complexa, aprofundando o estudo de Pereira
(1997), voltando-se em direção à compreensão dos componentes simbólicos envolvidos
na determinação do comportamento dos motoristas, a partir da referência fornecida pela
Teoria do Núcleo Central das Representações Sociais, tal como a propõe Abric (1976).
De fato, pretendemos incluir este fenômeno social - pelo que já foi apresentado
nos tópicos anteriores - no rol de fenômenos capazes de ocupar um lugar dentre as
temáticas gerais que já vêm sendo abordadas a partir deste referencial e relacionados
por Sá (1998): a relação entre a ciência/erudição e o pensamento popular/representação
social, o binômio saúde/doença, o desenvolvimento humano , a educação, o trabalho, o
estudo das comunidades e exclusão social.
As implicações sociais do fenômeno parecem-nos suficientes para atender a um
dos requisitos enunciados por Moscovici (1984), quando se refere ao objeto de estudo
da Teoria das Representações Sociais:
“As representações em que estou interessado não são as de
sociedades primitivas, nem as reminiscências, no subsolo de
nossa cultura, de épocas remotas. São aquelas da nossa
sociedade presente, do nosso solo político, científico e humano
(...) Moscovici, 1984, citado por Sá (1998, p. 49).
A relevância social ou acadêmica do objeto é outro requisito para que seja
caracterizado como passível de investigação, como citado por Sá (1998) que, segundo
nosso ponto de vista, está amplamente demonstrado no presente estudo.
44
1.3 O estudo do trânsito como prática social complexa
1.3.1 A teoria das representações sociais e a teoria do núcleo central
Moscovici, em sua obra La psychanalyse, son image et son public, de 1961,
lança as bases da Teoria das Representações sociais, a partir de um estudo do impacto
da Psicanálise no senso comum do parisiense da década de 50, em que pesquisou a
representação social, ou senso comum, do universo reificado da teoria e da prática
psicanalítica. Dizia, em poucas palavras: “a representação social é uma modalidade de
conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a
comunicação entre indivíduos”
A partir desta primeira definição de representação social a teoria permaneceu
por mais de uma década em “incubação”, tempo suficiente para que um pequeno,
porém, persistente grupo, desenvolvesse uma série de trabalhos de pesquisa dentro de
novos paradigmas, distantes do centro dominante da Psicologia Social individualizante,
situado nos Estados Unidos da América.
A Teoria das Representações Sociais é uma das correntes que não se conforma à
Psicologia Social tradicional – aquela psicologia social hegemônica, que se colocava
num polo psicologizante, buscando apenas no indivíduo e em suas características a
explicação dos fenômenos sociais
- mas que procura
uma psicologia social
preconizando que é na interação social que se encontram os elementos suficientes para
a compreensão desses fenômenos ou mesmo de comportamentos que, mesmo
individuais, têm sua gênese e eclosão no meio social.
45
Por esse motivo, a Teoria das Representações Sociais é invocada como uma “
Psicologia Social mais social” (Tajfel, 1981), aliada à concepção da Psicologia Social
como uma disciplina mista, uma intersecção entre a Psicologia e as Ciências Sociais,
que aparece em vários momentos, como, por exemplo, em Farr (1998, p.31):
“A Teoria das Representações Sociais é uma forma
sociológica de Psicologia Social, originada na Europa com a
publicação, feita por Moscovici (1961de seu estudo La
Psychanalyse: Son image et son public. Ela difere
marcadamente das formas psicológicas de Psicologia Social
que são atualmente predominantes nos Estados Unidos da
América” .
A ancestralidade desta teoria repousa, justamente, na Sociologia, tanto quanto na
Psicologia. O estudo de Durkheim, ao afirmar que as representações coletivas,
não
poderiam ser reduzidas a representações individuais e seriam campo de domínio da
Sociologia, abriu caminho para que, muito mais tarde , Moscovici viesse a propor esta
abordagem dentro da Psicologia Social, afastando-a da Psicologia para aproximá-la da
Sociologia.
No âmbito da Psicologia é imprescindível citar a contribuição de Mead, que
enfatizou a importância da linguagem para a compreensão da natureza humana por ser
uma característica que distingue o homem dos animais e por ser um fenômeno
essencialmente social. Segundo Farr (1998), além de Mead, também Wundt, Le Bon e
Freud têm contribuições a serem notadas na pré-história da Teoria das Representações
Sociais.
Podemos, assim, chegar a um conceito da Teoria das Representações Sociais
como uma perspectiva psicossociológica do conhecimento que articula dinamicamente
a realidade objetiva e subjetiva, os fenômenos individuais e coletivos, psicológicos e
46
sociais. É a teoria que concebe a existência do conhecimento adquirido através do senso
comum, da prática. Senso comum que tanto é produzido pelos membros do grupo,
ancorados no consenso e na tradição, quanto resulta de imagens mentais e de universos
reificados, transformados para o cotidiano racional e legitimado pela ciência.
A representação social é tanto uma teoria quanto um processo. Jodelet (1986),
assim se
refere à representação, como um processo de elaboração cognitiva, de
conteúdo simbólico, capaz de relacionar esses processos com a conduta
Aquilo que um grupo elabora como uma tarefa a ser executada define objetivos e
comportamentos particulares para cada um dos membros desse grupo. Esta é uma forma
primária de representação social, que incide de forma imediata no comportamento social
e na organização dos grupos, chegando mesmo a alterar seu funcionamento cognitivo.
Entretanto, as representações sociais aparecem de forma mais complexa e
variada: imagens condensadas de um conjunto de significados; sistemas de referência
que nos permitem interpretar o novo; categorias classificatórias de circunstâncias, fatos
ou indivíduos.
Desta forma, novos conceitos de representações sociais vão sendo agregados à
teoria: uma maneira de interpretar e pensar nossa realidade social, uma forma de
conhecimento, bem como a atividade mental empregada por indivíduos e grupos para se
situarem numa dada situação ou fato, em relação a um objeto ou comunicação em que
estejam engajados.
A representação social, ou conhecimento do senso comum, pensamento ingênuo
ou natural, constitui-se a partir da experiência , das informações, conhecimentos e
47
modelos de pensamento recebidos por meio da tradição, da educação e da comunicação
social.
Por outro lado, as representações sociais, além de serem “conhecimento
socialmente elaborado e compartilhado” também são “conhecimento prático”, na
medida em que dão sentido a acontecimentos e atos, tornando-os habituais, forja uma
realidade consensual, participam da construção social da mesma realidade.
Para Moscovici (1961), este conhecimento situa-se no plano central da
psicologia do conhecimento, assim como a ciência, o mito, a religião e a ideologia.
O ato de representar, elemento básico da Teoria das Representações Sociais,
consiste em substituir um objeto, pessoa, acontecimento ou idéia, por uma imagem que
facilite ao indivíduo ou grupo a comunicação com o objeto representado. Representar é
duplicar o objeto na mente, a partir de referenciais socialmente compartilhados. O
objeto representado tem duas dimensões indissociáveis: a dimensão da figura, pela qual
se delineia a imagem e a dimensão do sentido, pela qual se delineia o significado.
Em resumo, para Jodelet (1986), a representação tem as seguintes características
fundamentais: um objeto; uma imagem e propriedade de intercâmbio de sentido e idéia,
de percepção e objeto; um caráter simbólico e significante; um caráter construtivo; um
caráter autônomo e criativo.
Podemos dizer que representar é uma ação mental, cognitiva e imagética, que
não consiste simplesmente em replicar o objeto (Abric, 1998), mas reconstituí-lo
atribuindo-se-lhe um significado, dependente da dinâmica representacional do grupo de
pertença daquele que representa. Assim sendo, o ato de representar não decorre da
48
vontade do indivíduo, mas é parte da teia de representações do grupo e os significados
atribuídos ao objeto, novo ou velho, são variáveis dependentes desta mesma teia.
O ato de representar é imagético quando o indivíduo, frente a um objeto que se
apresenta sob a forma lingüística, utiliza-se de um processo de representação que busca
ligar esse objeto abstrato a algo que lhe seja concreto, sólido, que tenha forma. Por
outro ângulo, é cognitivo, quando o objeto é classificado, denominado, com base num
esquema de pensamento e linguagem pré-existentes, numa “incorporação de novos
elementos de saber em uma rede de categorias mais familiares”(Doise, 1990).
A representação social tem uma função básica: a integração do novo. A
objetivação é o processo por meio do qual se dá essa integração, por meio da articulação
dos conhecimentos relativos ao objeto com uma característica do conhecimento social,
tornando concreto aquilo que era abstrato. A objetivação é uma operação formadora de
imagens e é estruturante, ou a materialização do significado.
Nesse processo, o indivíduo tenta dar forma a um sentido, buscando tornar o
conteúdo linguístico do objeto estranho em algo familiar, pertencente ao universo de
conhecimento já estabelecido, enraizado, materializado. Este processo pode ser
chamado, também, de iconização.
A ancoragem é o outro processo pelo qual se dá a representação social ou o
enraizamento da representação e de seu objeto. A ancoragem está ligada não só ao
significado mas também,
utilidade que são conferidos ao objeto e à integração
cognitiva do objeto ao sistema de pensamento preexistente. O processo de ancoragem é
cognitivo, verbal, consistindo em atribuir significados que já fazem parte do patrimônio
linguístico do grupo a uma figura nova, um novo objeto que ainda não se tornou real,
que ainda não foi classificado dentro do quadro referencial do grupo, do ponto de vista
49
dos significados. Embora se apresente sob forma/figura, precisa transformar-se em
símbolo.
Abric (1984), respondendo às inúmeras críticas à Teoria das Representações
Sociais, encetou uma série de experimentos sobre as relações entre as representações
sociais e comportamentos. A partir destas pesquisas sobre a estrutura interna e a
dinâmica das representações, desenhou a Teoria do Núcleo Central das Representações
sociais.
Para Abric (1989),
uma representação é formada por um conjunto de
informações, crenças opiniões e atitudes sobre determinado objeto social. Este conjunto
constitue-se numa estrutura que está organizada em torno de um núcleo central. Esse
núcleo central, também chamado núcleo estruturante, é o elemento fundamental da
representação e é um sistema sociocognitivo.
O núcleo central , determinado pela natureza do objeto, das relações que o grupo
mantém com este mesmo objeto e pelo sistema anterior de normas e valores deste
mesmo grupo, assume duas funções: a) uma função geradora, que cria ou transforma o
significado dos outros elementos constitutivos da representação; b) uma função
organizadora, que determina a natureza das ligações entre os elementos da
representação.
Por outro lado, dadas as suas características de núcleo estruturante, assume uma
propriedade estabilizadora e unificadora da representação, para que esta permaneça
inalterada em situações de mudança, uma vez que somente uma modificação do núcleo
central irá modificar uma representação. Isto nos autoriza afirmar, com certeza, que
duas representações serão diferentes na medida em que os elementos dos seus núcleos
centrais forem diferentes, não somente em seu conteúdo, mas também em sua estrutura,
50
conforme demonstra Campos (1998) em estudo sobre as representações sociais de
“meninos de rua “.
Assim, não serão apenas aspectos quantitativos que apontarão determinados
elementos de uma representação como constituintes do seu núcleo central, mas,
também, o fato de esses elementos contribuírem para dar significado à representação e
sua conectividade com os demais elementos constituintes da representação.
A partir das pesquisas de Abric, surgiram outros estudos, como os de Flament
(1994), a quem o próprio Abric atribui o mérito de complementar sua teoria
ao
demonstrar o importante papel do elementos periféricos no funcionamento da
representação. Os elementos do sistema periférico, ou sistema periférico, a exemplo do
núcleo central, também assumem importantes funções no sistema representacional: a)
uma função concretizadora, responsável pela interface entre núcleo central e a situação
concreta , permitindo
maior compreensão e transmissão do significado da
representação; uma função reguladora, que permite à representação uma adaptação às
evoluções do contexto, mediante a incorporação de novas práticas ou alterações no meio
ambiente em que, em que elementos estranhos à representação são integrados, sem
alterar o núcleo central; uma função de defesa, em que os elementos do sistema
periférico funcionam como “pára-choque (Flament, 1994) do núcleo central,
permitindo que alguns elementos periféricos sejam alterados ou substituídos, embora
mantendo a estrutura central da representação ou retardando sua modificação.
Nesse sentido, ainda no entender de Abric (1998), Flament (1994) consideraria,
na verdade, os elementos periféricos como “esquemas” desenvolvidos pelo núcleo
central,
com
algumas
características
específicas:
a)
como
prescritores
de
comportamento, funcionando como orientação instantânea de ações em uma data
51
situação, sem que haja acionamento direto dos processos sócio-simbólicos do núcleo
central; b) a de permitir modulação personalizada das representações, em que condutas
individuais possam apresentar diferenças contextuais específicas, sem, entretanto,
conflitar com os elementos constitutivos do núcleo central; c) a de proteger a estrutura
central da representação, segundo um processo definido, como uma racionalização
permissiva de uma contradição temporária, em que “esquemas estranhos” possam ser
tolerados como uma excepcionalidade, sem, entretanto, afetar a “normalidade”
determinada pelo núcleo central da representação.
Esboça-se, desta forma, uma abordagem complementar à Teoria das
Representações Sociais, hoje chamada Teoria do Núcleo Central das Representações
Sociais, constituindo-se num importante referencial para os pesquisadores sociais no
Brasil, não somente no campo da Psicologia Social, como também em outros campos do
conhecimento.
Esta teoria representa uma possibilidade de acesso mais concreto à grande teoria
que busca complementar, o que é explicitamente colocado por seus elaboradores e está
intimamente ligada a uma dimensão experimental que lhe confere um caráter peculiar
diante da grande teoria, na tentativa de encontrar a objetividade que os críticos negam à
teoria de Moscovici (Sá, 1996).
Um importante elemento descrito por Abric é o da reatividade, que seria
determinante dos comportamentos na medida em que estrutura a situação tal como ela é
representada.
A idéia de centralidade pode ser encontrada no núcleo figurativo, na teoria
original.
52
O núcleo central pode assumir duas dimensões:
-
funcional, quando em uma determinada situação de tarefa, os elementos
mais importantes para esta finalidade serão salientados;
-
normativa, quando são salientados elementos estereotípicos ou uma norma,
com dimensões sócio-afetivas, sociais ou ideológicas.
Ainda, segundo Abric (1994), é preciso dar conta de algumas contradições
características das representações sociais, ao mesmo tempo estáveis e imóveis, flexíveis
e móveis; consensuais, porém com diferenças interindividuais.
Aceita-se, portanto,
que
numa representação social coexistam um sistema
central, ou núcleo central, marcado pela memória do grupo, uma base comum, de certa
forma independente do contexto social e material mais imediato, e um sistema
periférico, que representa elementos mais imediatamente ligados à realidade , que torna
concreta a representação, dando-lhe a flexibilidade e a mobilidade necessárias à
integração do objeto, bem como permite uma certa individuação da representação, que,
entretanto, nunca será contraditória ao núcleo central.
1.3.2 Os modelos de estudo das práticas sociais
De acordo com Campos (1998) uma questão que tem fustigado insistentemente
os pesquisadores das práticas sociais e das representações sociais é: as práticas
determinam as representações ou ocorre o inverso? Aceitando que as representações são
processos de construção, ou reapropriação da realidade, há de se aceitá-las, também,
como ações sobre a realidade e, como conseqüência, como base das práticas sociais.
Esta posição será reforçada, na medida em que retomarmos duas entre as quatro
funções de uma representação, como definidas por Abric (1994 a): a função de
53
orientação e a função justificadora. Ambas estão, de forma bastante explícita,
vinculadas ao universo comportamental, ou seja, das práticas, posto que a primeira
permite “a antecipação dos atos e das condutas (de si mesmo e dos outros) e a
“interpretação” da situação dentro de um sentido preestabelecido, graças a uma
sistema de categorização coerente e estável”, enquanto a segunda afirma: “(...)
Iniciadoras das condutas, elas permitem sua “justificativa” em relação às normas
sociais e sua “integração”.
Ao se defrontar com novas condições externas, o indivíduo tende a buscar
explicações
racionais
a
propósito
destas
condições,
construindo
“pequenas
teorias”(Moscovici, 1972, 1984 citado em Campos, 1998), na tentativa de apropriar
dessa realidade por meio de sua compreensão. Desta forma, o indivíduo, ao se defrontar
com uma nova situação, procura “enquadrá-la” em referencial preestabelecido. Nessa
perspectiva não haveria, propriamente, situação completamente nova. (Abric , 1976)
Campos (1998) afirma que,
havendo substancial mudança nas condições
externas a uma determinada representação compartilhada socialmente, poderá haver
práticas divergentes em relação a essa mudança, determinando a existências de, pelo
menos, três tipos de processos de transformação da representação, definidos que são
pela forma como o sistema periférico desta mesma representação “digere” essas
mudanças: a) transformação progressiva, em que as práticas novas não são diretamente
opostas ao núcleo central e em que ocorre uma “transformação sem ruptura”; b) a
transformação resistente, em que ocorre um processo de formulação e funcionamento de
mecanismos de defesa capazes de manter, por um certo tempo. a estabilidade do núcleo
central; c) a transformação brutal, quando a modificação externa ataca diretamente o
significado central da representação, impossibilitando a defesa pelos sistemas
periféricos, ocasião em que as situações são percebidas como irreversíveis e as novas
54
práticas passam a determinar nova representação. (Guimelli, 1988, 1994,
1996;
Mamontoff, 1996).
É necessário, porém, encontrar explicações sobre a relação de determinação
entre práticas e representações em situações em que os sujeitos não são confrontados de
forma tão massiva em relação a novas contingências. Nessa linha, essa relação não
ocorre de forma tão cristalina, como veremos na análise dos estudos realizados a
respeito.
Casos em que as práticas determinam as representações
Guimelli (1988, 1989), em estudo neste campo, conforme cita Campos (1998),
pesquisando a representação da caça, afirma que são identificadas mudanças externas,
tidas como irreversíveis que provocam o surgimento de novas práticas, porém não
diretamente opostas ao significado central da representação preexistente do mesmo
objeto, o que configura uma situação de transformação “sem ruptura” desta
representação.
Ainda segundo Campos (1998), outros trabalhos, como os de Guimelli e Jacobi
(1990) e Guimelli (1994), a propósito da representação das enfermeiras, na França,
após alterações no exercício da profissão, definem a situação do seguinte modo: a) as
transformações não massivas e não brutais das circunstâncias deixaram uma via aberta
para o aparecimento de novas práticas, sob o título de “papel próprio”; b) este papel foi
reconhecido por uma nova lei; c) há uma certa dificuldade na aceitação destas novas
práticas, ainda não totalmente absorvidas pelos sistemas de saúde, dada a diversidade de
diplomas existentes e os diferentes tipos de empregos que se pode obter. Este quadro
leva a uma transformação “sem ruptura”, uma vez que as novas práticas não são
impostas e tampouco opostas ao significado central da representação anterior.
55
Casos em que as representações determinam as práticas e comportamentos
Campos (1998) afirma que assim como estudos comprovam a determinação ou
mudança de uma representação pelas práticas sociais, outros demonstram o contrário,
sendo que as primeiras pesquisas são de caráter experimental. Abric (1976) logrou
colocar em confronto um bom número de sujeitos, diante de adversários fictícios, em
situação laboratorial, em que os sujeitos eram levados a acreditar que se tratavam de
adversários reais, quando, na verdade, jogavam contra programas de computador. Neste
experimento, graças ao controle de variáveis como a representação do adversário , de si
mesmo e da tarefa, Abric concluiu que, a representação da situação determina o
comportamento cooperativo. Estes resultados convergem ao ponto daqueles obtidos por
Codol (1968), sobre o comportamento de grupos:
“[...] nossos resultados podem parecer de uma banalidade bem
inconveniente; com certeza, eles o são: a determinação
recíproca das representações e comportamentos já era afirmada
na literatura há muito tempo. Entretanto, se nos interessamos
por isto, é porque, no momento em que iniciamos este trabalho,
esta afirmação não tinha passado, ao menos no conhecimento,
por nenhuma prova experimental.” (Codol, 1972, p. 193)
Truchot (1994), citado por Campos (1998), ao estudar uma situação de exclusão
social, identificou a representação social da ajuda social a adultos pobres e encontrou
que os trabalhadores sociais representam a ruína destas pessoas utilizando expressões
não apenas fundadas nas circunstâncias externas, mas também em disposições pessoais
do indivíduo. Recorrendo à teoria das atribuições, em razão da posição ocupada e em
razão da natureza da situação, concluiu, afinal, que os trabalhadores sociais aplicam um
tipo de processo seletivo implícito, vinculado à representação da ajuda e aos processos
de atribuição:
56
“Compreende-se, novamente, que uma tal perspectiva, tende a
excluir da relação de ajuda aqueles que são mais
desfavorecidos, aqueles cujo problema é interno e global,
aqueles que são “não-reintegráveis.” (Truchot, 1994, p. 393)
Encontra-se, neste, caso, um exemplo de como as representações disponíveis,
segundo a natureza da situação, determinam, de algum modo, as práticas de seleção da
clientela.
Casos em que práticas e representações se autodeterminam reciprocamente
Outros
trabalhos descrevem representações claramente ligadas às práticas
existentes, porém, sem que seja possível o estabelecimento direto de relações de
causalidade, face a complexidade das situações. Tais estudos demonstram a necessidade
de se conhecerem os sistemas representacionais para que possam ser compreendidas
determinadas situações sociais, entre as quais a exclusão social (a exclusão do “mau
aluno” Gilly, 1980;
“menino de rua”, Campos, 1988) ou o trabalho infantil ( Alves-
Mazzotti, 1998).
Segundo afirma Campos (1998), os estudos de Gilly
(1980) tratam das
representações recíprocas professor-aluno, sinalizando que as representações elaboradas
no contexto em causa estão sujeitas a forte influência institucional, calcadas em
interações modeladas no processo de escolarização. Neste caso, porém, quando uma
criança é representada como “mau aluno”, não será, numa relação de causalidade
direta, excluída, mas o comportamento do professor será decorrente de vários fatores,
como: a autopercepção do seu próprio papel, as condições institucionais
e a
representação que o aluno tem de si mesmo. Se o professor considera que não deve
modificar suas exigências educacionais e adequar sua estratégia à criança porque está
não “está no nível” ou “não é motivada”, sua representação servirá para justificar seu
57
desinteresse; em oposição, se o professor tem outra percepção do seu próprio papel e
pensa que, especialmente em relação a esta criança, deve ajustar sua estratégia
educativa, nesse caso, sua representação será um fator de maior eficiência em sua ação.
Desta forma, podemos afirmar que a natureza da situação e a representação do
próprio papel, pelo professor,
determinam seus comportamentos e atitudes frente ao
“mau aluno”.
Ainda segundo Campos (1998), Abric (1994a) afirmando que a natureza da
situação determina as ligações recíprocas e, particularmente, algumas características da
situação: a autonomia do sujeito ou do grupo que elabora a representação na situação,
ou a posição e as relações mantidas por este indivíduo ou grupo ou no sistema de poder
suas possibilidades na relação de confronto e, por outro lado, a carga afetiva e a
referência à memória coletiva. A partir desta formulação, Abric (1994a), esboça uma
explicação para a relação entre práticas sociais e representações, apresentando-nos duas
possibilidades:
" H1: As representações determinam as práticas sociais nas
situações em que a carga afetiva é forte, e quando a referência
– explícita ou não – à memória coletiva é necessária para
manter ou justificar a identidade, a existência ou as práticas do
grupo.
H2: As representações desempenham igualmente um papel
determinante sobre as práticas nas situações em que o ator
dispõe de autonomia – mesmo relativa – para estabelecer o
controle da situação ou das conseqüências das relações de
poder. " (Abric, 1994a, pág. 231)
Em estudo recente, Campos (1998), procura apontar para o fato de três grupos se
sujeitos, apresentando uma representação social muito próxima quanto ao seu conteúdo
(ver Tabela 3), apresentarem, quanto à sua estrutura, certa diferenciação. Estudando a
representação de “meninos de rua”, o autor pesquisou três diferentes grupos: no caso
dos sujeitos “educadores”, o núcleo central é composto pelos elementos “abandonado”,
58
“exclusão”, “família” e “miséria”; entre os sujeitos “monitores”, podemos destacar os
elementos “ abandonado” e “miséria” em primeiro plano e outros como “droga”,
“família” e “delinqüente”; entre os sujeitos “estudantes universitários”, os elementos
“miséria” e “exclusão” aparecem em primeiro plano, secundados por “violência” e
“abandonado”. A análise estrutural das três representações mostra que “família” é o
único elemento específico da representação entre o grupo de educadores, enquanto que
no grupo de monitores há uma representação em estabilização, muito ligado às
representações de “menor carente” e “menor infrator”; no grupo de estudantes, a
representação está centrada na idéia de exclusão social.
Para Campos (1998) estas diferenças podem ser compreendidas, uma vez
comparadas as práticas sociais dos três diferentes grupos, o que evidencia que a
representação social , enquanto produto, é resultado de um encontro entre uma
modalidade processual de pensamento social e uma prática social concreta.
59
Tabela 3– Quadro sintético das palavras relevantes encontradas em cada uma das 3 populações
Educadores
Monitores
Estudantes
Abandonado
Abandonado
Abandonado
Miséria
Miséria
Miséria
Droga
Droga
Droga
Família
Família
---
Exclusão
---
Exclusão
Violência
---
Violência
---
--Carência afetiva
Delinqüente
---
Delinqüente
---
Os estudos supracitados servem, no presente estudo, como ilustrações de dois
aspectos teóricos importantes, dentro do quadro da Teoria das Representações Sociais:
em primeiro lugar, que as relações entre práticas sociais e representações são complexas
e variam segundo a natureza da situação; em segundo lugar, que o estado atual de
desenvolvimento da própria teoria aponta este campo como promissor, dado que pouco
se conhece sobre as regularidades sociais que determinam esta relação.
Dentro do quadro da Teoria do Núcleo Central é mais exato afirmar que se deve
“tomar as representações como uma condição das práticas e as práticas como um agente
de transformação das representações “ (Rouquette, 1998, p. 43).
Considerando o trânsito como uma situação social complexa, parece-nos
legítimo tratar as representações associadas a esta situação como condição das práticas
e, portanto, como elementos necessários a compreensão do “agir no trânsito”.
60
1.3.3
Modelos de estudo aplicados a situações complexas
No estado atual da teoria das representações sociais, é plenamente aceito que
uma representação seja um sistema cognitivo que age ao mesmo tempo tanto sobre os
indivíduos que o elaboram como sobre a situação social em que ela se insere. Este
sistema age sobre os indivíduos através de relações de significado. Uma representação
dá significado a uma dada situação social, bem como aos comportamentos e condutas
observados. O estudo das representações permite, então, aos pesquisadores compreender
qual o significado atribuído por um determinado grupo social tanto à situação
propriamente dita, quanto aos comportamentos.
Podemos dizer, como conseqüência, que a representação é um conjunto de
significados sociais, organizados em uma estrutura que resiste à mudança. Esta estrutura
tem uma parte, um subconjunto de elementos, composta de « regularidades », de «
constantes » que resistem às transformações pequenas, imediatas ou conjunturais do
contexto ; e, uma segunda parte, um segundo subconjunto de elementos, que se adapta
facilmente às alterações cotidianas do meio, às alterações « não-permanentes » do
contexto social imediato. Cada grupo constrói, assim, um significado partilhado acerca
de uma dada situação e este significado é relativamente « adaptável » ao contexto
imediato, mas, ao mesmo tempo, suficientemente « estável » para não permitir que o
significado atribuído à situação sofra alterações importantes, frente à menor variação
contextual. O que existe de constante nas condutas, nas atitudes, nas opiniões, nas
práticas e nas comunicações são geradas e gerenciadas pela estrutura da representação aí
imbricada.
Com base em um conjunto de estudos experimentais sobre a interação grupal,
Codol (1968, 1969a, 1969a) alerta para o risco de serem estudadas separadamente as
representações no interior de grupos restritos, porque em toda situação de grupo os
61
elementos da situação (tarefa, grupo, o indivíduo e os outros) constituem um sistema
indissociável; no interior das situações de grupo, existem sistemas de representações
que se correlacionam, de modo tal que a representação que os indivíduos fazem da
tarefa a ser executada pode influenciar a representação que eles mantém sobre si deles
próprios e dos outros membros de outro grupo.
Nesse contexto, Codol (1969a) aventa a hipótese de
que, no quadro dos
fenômenos representacionais, nas situações de grupo, a representação global da tarefa
constituiria o determinante principal da configuração final do sistema de representações:
“Nós gostaríamos de demonstrar aqui que, a percepção que os
sujeitos têm deles mesmos e dos outros depende não somente
depende da estrutura da tarefa, mas da representação global
que estes sujeitos elaboram acerca da tarefa. (...) uma das
hipóteses essenciais é que duas representações diferentes de
uma mesma estrutura de tarefa, induzem definitivamente os
sujeitos a perceberem diferentemente sua própria posição no
interior do grupo.” (Codol, 1969a, p.218)
Os resultados obtidos neste conjunto de pesquisas, levam Codol (1969a) a
afirmar que a representação global da tarefa, como elemento do sistema
representacional da situação, está ligada à representação de si mesmo e à representação
dos outros. Pela primeira vez, no quadro dos trabalhos dedicados ao estudo das
representações sociais, a terminologia Sistema Representacional da Situação
é
utilizada, com vistas à identificação e compreensão de um conjunto de representações
sociais, antes tratadas como elementos isolados.
Na mesma direção, Abric (1994)
expande a afirmação de Codol (1969a),
operando modificação na idéia de “representação global da tarefa” para a noção de
“Representação global da Situação”, ou, simplesmente, a representação da situação,
que abarca o sentido de “representação do contexto”. Assim delineada, a nova expressão
torna-se o centro de uma formulação mais instigante como pista de pesquisas: no
62
contexto de uma situação que implique um conjunto de representações e práticas dadas,
a representação global da situação vai determinar a natureza das relações entre práticas
sociais e representações. Em seguida, alguns autores (Abric,1996; Abric e Campos,
1996; Mammontoff, 1996; Campos, 1998) vão adotar a posição segundo a qual a
abordagem estrutural é um precioso instrumento no estudo das situações de exclusão
social, porque permite tratar a perspectiva de um determinado ator como um sistema
cognitivo, de interação entre práticas e representações. Tal sistema é determinado pela
representação da situação.
Sob o nosso ponto de vista, a teoria das representações sociais é um importante
instrumento de estudo das situações, como por exemplo, as de exclusão social, a medida
em que ela abre a possibilidade de identificar e analisar os fatores simbólicos que nela
se encontram imbricados. Os fatores simbólicos são, na mesma intensidade que os
fatores objetivos, determinantes da situação.
« As representações sociais têm aí um papel determinante. Se
considerarmos (esquema abaixo) que o excluído é um indivíduo
que se refere a um grupo, ao qual pertence, em uma dada
situação social (contexto sócio-econômico), ele está em
interação com múltiplos atores: os membros de seu próprio
grupo, os agentes sociais (educadores, por exemplo) que se
ocupam dele, as instituições e seus sistemas de regras e normas
etc... E cada um dos elementos desse sistema é o sujeito e o
objeto, o produtor e o receptor de uma representação social. »
(Abric, 1996, p.13)
63
Figura 5– Esquema de Análise de Situações de Exclusão, Proposto por Abric, 1996
Sistema Social (regras, normas, instituições)
Sujeito
X
Grupo de Pertença
Agentes Sociais
Outros Grupos
No esquema proposto por Abric (1996) – Figura 5, para estudo da situação
social de exclusão, que imaginamos ser adequado também para o nosso propósito, ao
estudarmos o trânsito como uma situação social complexa, podemos observar que o
comportamento individual ocorre dentro de um sistema social, constituído de regras,
normas e instituições, de que o indivíduo participa, em várias dimensões: como
indivíduo, relaciona-se com este sistema nas suas interações particulares com outros
indivíduos, que são, por sua vez, agentes sociais com seus papéis específicos,
participante do mesmo sistema social, havendo, nessa interação, influências de um sobre
o outro, conforme a situação e o status de cada agente social; em outra dimensão, o
indivíduo relaciona-se com o seu próprio grupo, no seio do qual desempenha um papel
social específico; por outro lado, este mesmo indivíduo participa de vários grupos e
exercita neles papéis diferentes; ainda, numa terceira dimensão, este indivíduo
relaciona-se com outros grupos, carregando, nessa interação, as normas e regras
inerentes ao seu próprio grupo e tendo que reagir às regras e normas do outro grupo,
num processo contínuo de influência social.
64
Com base nos estudos precedentes, propomos tratar a representação que os
diferentes grupos de sujeitos têm do trânsito como um sistema cognitivo complexo
dotado de, no mínimo, quatro componentes: a representação do papel próprio como
motorista; a representação dos outros motoristas; a representação da tarefa (o “dirigir”);
e, finalmente a representação global da situação, ou seja, do trânsito, em si.
Evidentemente, o estudo de toda e qualquer prática social, como, por exemplo,
os estudos das práticas sociais profissionais (o papel do professor, em Gilly, 1980; o
papel das enfermeiras em Guimelli, 1994; os educadores sociais de rua, em Campos,
98a, entre outros exemplos) , resultam, mesmo que implicitamente, no estudo dos
componentes acima diferenciados. Dito de outro modo, ao se representar, por exemplo,
o “ensinar”, não se pode dissociar as representações de “professor”, de “aluno” e da
“escola”. Entretanto a perspectiva da aplicação do modelo aqui proposto, fundado,
sobretudo, em Codol (1969a,1969a) é a de uma aproximação de como as representações
sociais podem influenciar os comportamentos no trânsito e tem a vantagem
metodológica de explicitar os componentes, permitindo
análise mais acurada, em
relação a trabalhos de pesquisa, centrados numa representação “global” única da prática
ou da “tarefa”.
Nesta perspectiva, propomos aplicar este esquema (Figura 6) ao estudo do
trânsito como uma situação complexa, através do estudo das representações de si e do
outro como motorista, da tarefa (dirigir) e do contexto (trânsito), em dois grupos
distintos, ambos implicados em práticas sociais ligadas ao fenômeno: jovens
universitários motoristas e agentes de fiscalização
65
Figura 6– Modelo de análise da representação global da situação como proposto por Codol, (1969a)
Representação da Situação
RS de Sí Mesmo
( RS do papel do
agente)
RS do Outro
( RS do papel dos
outros agentes)
RS da Tarefa
RS do Contexto
Estudando a apropriação da representação de “cooperação” entre crianças bem
novas (de 1 a 4 anos de idade), Garnier (1999) opta pela definição de cooperação como
uma forma de organização coletiva da atividades, que necessita de coordenação das
ações dos diferentes participantes. As interações que promove esta coordenação de
ações colocam em funcionamento os papéis sociais distribuídos entre os participantes e
as regras de organização, implícitas e explícitas, destas interações.
“Desta definição, extrai-se que os elementos constitutivos da cooperação são o
grupo, a atividade desenvolvida por este grupo, o objeto que intervém na
atividade do grupo, o papel que cada um deve assumir para realizar as diversas
atividades necessárias ao empreendimento comum, a regra que organiza as
tarefas, assim como as interações e as interrelações entre os participantes e,
enfim, a coordenação das ações.. (Garnier, 1999, p. 95).
Para este autor, os elementos constitutivos da cooperação, segundo a definição
adotada, correspondem, em certa medida, às sub-dimensões descritas por Codol (1969),
a saber: o “eu”, a “tarefa” e os “outros”, com relação às representações sociais do
trabalho de grupo.
66
No trabalho de pesquisa apresentado, Garnier (1999) opta por uma distinção das
“práticas” por meio de um recorte institucional, distinguindo dois tipos de creches1 , um
favorecendo mais intensamente as atividades coletivas e outro tipo, com menor destaque
às atividades de conjunto. Os resultados indicam um impacto desta diferença de
“culturas” entre as creches, no descobrimento da representação social da cooperação.
Podemos considerar que neste estudo, a representação social do contexto, que Codol
(1969) considera um dos quatro elementos essenciais da representação global da
situação, é tratado de modo heteróclito: é o pesquisador que delimita os diferentes
contextos, as “creches”, através de estudo complementar de observação.
1
Em francês, “garderies”.
67
CAPÍTULO II - ESTUDO DAS RELAÇÕES ENTRE PRATICAS
SOCIAIS E TRÂNSITO
3.1 Método
Para tratar o trânsito como uma situação social complexa, utilizando o modelo
teórico proposto por Codol (1974), escolhemos a abordagem estrutural das
representações sociais, buscando, como propõe Abric (1994), em sua teoria do núcleo
central das representações sociais, identificar o conteúdo da representação, estudar as
relações entre os elementos, sua importância e sua hierarquia e, finalmente, identificar
o núcleo central da representação.
Para tanto, foram realizadas duas etapas de pesquisa, antecedidas de um estudo
preparatório, com três grupos de sujeitos: um grupo, constituído de 192 (cento e
noventa e dois) sujeitos, estudantes universitários de diferentes cursos da Universidade
Católica de Goiás, de ambos os sexos, detentores da Carteira Nacional de Habilitação
e com idade até 25 anos, distribuídos em grupos equivalentes, nas diferentes fases da
pesquisa; outro grupo com as mesmas características, constituído de 177 (cento e
setenta e sete) sujeitos; e um terceiro grupo, de agentes de fiscalização, constituído de
88 (oitenta e oito) sujeitos, servidores públicos municipais, detentores da Carteira
Nacional de Habilitação, de ambos os sexos, sem classificação por idade.
.
Na operacionalização das representações a serem estudadas, optou-se por
considerar, segundo o modelo teórico: a representação de si mesmo, como a
68
“representação do eu, como motorista”; a representação dos outros como “outros
motoristas”; a representação da tarefa como “dirigir”; e do contexto como “trânsito”.
As três etapas da pesquisa tiveram como objetivo: num estudo preparatório,
conhecer a representação das características do “bom motorista” e do “mau motorista;
na Etapa 1, o estudo da representação do trânsito como prática social complexa, em
sujeitos estudantes universitários; na Etapa 2, o estudo da representação social do
trânsito como prática social complexa em agentes de fiscalização.
Estudo preparatório
1. Procedimento
Inicialmente, o objetivo foi
identificar quais as práticas efetivadas mais
freqüentemente pelos motoristas. Considerando que “dirigir” é uma tarefa complexa e
pouco estruturada e afim de
evitar um delineamento das práticas idealizadas
(positivamente), optou-se pelo enquadramento específico, diferenciando as práticas
adequadas e não-adequadas, operacionalizadas sob os títulos de “práticas do bom
motorista” e “práticas do mau motorista”.
Foi elaborada uma questão aberta, exploratória, aplicada em duas condições
diferentes, uma versão centrada no “bom motorista” e outra versão referente ao “mau
motorista”.
A questão apresentada foi a seguinte:
“Imagine que você pegou carona pela primeira com uma pessoa. Você está
sentado no banco do passageiro e observa o modo como esta pessoa dirige. Quais os
comportamentos ou condutas lhe indicam ser esta pessoa mau/bom motorista?”. Dê,
no mínimo, quatro respostas .”
69
2. Sujeitos
A primeira versão foi aplicada a 94 sujeitos, estudantes universitários, segundo
as características já definidas neste trabalho, enquanto a outra versão foi aplicada a 98
sujeitos com as mesmas características.
3. Resultados
Os resultados foram analisados com base na freqüência, sendo levantados os
principais comportamentos definindo o “bom motorista” e o “mau motorista”, conforme
consta na Tabela 4.
Tabela 4- Características Atribuídas ao “bom” e ao “mau” motoristas, por sujeitos jovens
motoristas universitários (N=192)
Bom Motorista
Atenção
Calmo
Velocidade Adequada
Usa o Cinto de Segurança
Tem Confiança
Respeita as Leis de Trânsito
Dirige com Responsabilidade
Velocidade Adequada
Usa a Seta
Respeita o Semáforo
Tem Agilidade
Olha no Retrovisor
Somente Ultrapassa com Segurança
Respeita a Distância Mínima entre os Veículos
Freia Calmamente
“Mau” Motorista
Desatenção
Afoito
Alta Velocidade
Não usa o Cinto de Segurança
É Inseguro
Não Respeita as Leis de Trânsito
Imprudência
Baixa Velocidade
Não usa a Seta
Não Respeita o Semáforo
Não Tem Agilidade
Não olha no Retrovisor
Ultrapassa sem Segurança
“Cola” na Traseira do veículo da Frente
Freia Bruscamente
Conforme era de se esperar, encontrou-se uma estrutura bipolar, em que os
comportamentos do “bom-motorista” e do “mau-motorista” se opõem, sendo que os
principais comportamentos foram: atenção/desatenção; calmo/afoito; velocidade
adequada/alta velocidade; usa o cinto/ não usa o cinto; confiança/ insegurança;
responsabilidade/imprudência; respeita as leis/desrespeita as leis; velocidade adequada/
baixa velocidade.
70
3.2. Etapa 1 - A representação global do trânsito em jovens
universitários motoristas
3.2.1
A representação de si e dos outros como “Motoristas”
Com base nos resultados do estudo preparatório (Tabela 4) foi elaborado um
segundo instrumento, constituído de duas questões, cada uma delas composta de 14
escalas2, variando de sete pontos, sendo um pólo caracterizado por um comportamento
percebido como “típico” do bom motorista, e no outro o comportamento que se lhe
opõe, ou seja, característico do “mau motorista”. Na primeira questão, do tipo
“diferencial semântico”, perguntou-se aos sujeitos, “Na sua opinião, você”, seguida das
escalas; enquanto a segunda questão, foi formulada nos seguintes termos “Na sua
opinião, a maioria dos motoristas”, solicitando-se aos sujeitos que se posicionassem
nas escalas, de acordo a seguinte instrução:
“Nesta questão, são apresentados alguns itens, em uma escala
variando de 1 a 7. Caso você concorde plenamente com uma
das afirmações, marque com um “X” acima do número que
aparece logo abaixo da afirmação, ou 1 ou 7. Caso concorde
muito com uma das afirmações, marque o número que melhor
expresse sua opinião, ou seja, 2 ou 3 para a afirmação do lado
esquerdo, ou 5 ou 6 para a afirmação do lado direito. Se não
tiver opinião formada, ou discordar de ambas as afirmações,
assinale o número 4.”
Abaixo apresentamos dois exemplos:
A) Na sua opinião você (a maioria dos motoristas)
Dirige com
Dirige com
Bastante
Muita
Atenção
Não sei dizer
Desatenção
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
2
A ordem de apresentação das escalas, no instrumento, foi variada aleatoriamente
71
B) Na sua opinião você (a maioria dos motoristas)
Dirige com
Dirige de modo
Bastante
afoito, com muito
Calma
Não sei dizer
nervosismo
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
Este segundo instrumento foi aplicado ao grupo de 177 sujeitos participantes
desta etapa, jovens universitários motoristas.
Tabela 5- Resultados das escalas de auto e hetero-percepção de jovens motoristas universitários,
em referência aos comportamentos característicos do “Bom Motorista” e do “Mau Motorista”
(N=177)
Pares comparados
Média na
“autopercepção”
( RS de Sí)
Atenção/desatenção
Usa a seta/não usa a seta
Ultrapassagem Segura/insegura
Respeita as leis /não respeita
Respeita distância mínima/cola na traseira
Responsabilidade/imprudência
Freia bruscamente/freia calmamente
Calma/nervosismo
Usa o retrovisor/não usa o retrovisor
Respeita semáforo/não respeita
Velocidade adequada/velocidade alta
Bastante agilidade/Pouca agilidade
Confiança/insegurança
Usa o cinto/não usa o cinto
1.98
1.98
1.96
2.07
2.60
2.07
2.15
2.59
1.65
2.07
2.91
2.05
1.87
1.56
Média na
percepção
da Maioria
(RS do
“outro”)
5.24
5.24
5.10
5.18
5.58
5.01
4.99
5.26
4.13
4.42
5.00
4..13
3.53
2.69
Diferença
entre
As
Médias
3.26
3.26
3.14
3.11
2.98
2.94
2.84
2.67
2.48
2.35
2.09
2.08
1.66
1.13
Os dados resultantes indicam uma tendência global dos sujeitos de se atribuírem
características de “bom motorista”, enquanto aos “outros motoristas” são atribuídas, de
modo geral, características do “mau motorista”. Podemos destacar esta tendência mais
acentuada nos itens a atenção, uso da sete, ultrapassagem segura, respeito às leis,
respeito e à distância mínima e responsabilidade, em que aparecem as maiores
diferenças entre as
médias atribuídas a si e aos outros motoristas. Os resultados
apresentam ainda alguns elementos :
freia calmamente, usa o retrovisor, respeita
semáforo, velocidade adequada, agilidade, confiança e uso do cinto, em resposta aos
72
quais os sujeitos tendem a se aproximar mais da representação que têm dos outros
motoristas, aceitando, com relativa proximidade, características de maus motoristas. .
Os resultados são mostrados na Tabela 5.
O teste estatístico (Tabela 6) demonstra diferenças significativas entre a
percepção dos outros e autopercepção como motoristas, no grupo pesquisado, vindo
reforçar o mesmo efeito já demonstrado por Codol (1976), o chamado efeito PIP
(primus inter pares) segundo o qual, de uma forma geral, todos nós apresentamos uma
tendência a nos julgar melhores que a média dos outros indivíduos. Para Codol, trata-se
da manifestação de uma tendência humana muito fundamental, motivada por sermos ao
mesmo tempo iguais e diferentes das outras pessoas.
Tabela 6– Média e desvio padrão da percepção dos outros e autopercepção como motoristas em
jovens universitários motoristas
PARES/ VARIÁVEIS
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Desatenção
Atenção
Nervosismo
Calma
Velocidade alta
Velocidade adequada
Não usa cinto
Usa cinto
Não respeita leis de trânsito
Respeita leis de trânsito
Imprudência
Responsabilidade
Pouca agilidade
Bastante agilidade
Insegurança
Confiança
Não olha o retrovisor
Olha no retrovisor
Ultrapassa sem condições
Ultrapassa com condições
Raramente usa a seta
Sempre usa a seta
Avança o sinal
Respeita o semáforo
Cola na traseira
Respeita distância mínima
Freia bruscamente
Freia calmamente
MÉDIA
5,24
1,98
5,26
2,59
5,00
2,91
2,69
1,56
5,18
2,07
5,01
2,07
4,13
2,05
3,53
1,87
4,13
1,65
5,10
1,96
5,24
1,98
4,42
2,07
5,58
2,60
4,99
2,15
N
167
167
167
167
167
167
167
167
167
167
167
167
166
166
165
165
165
165
165
165
165
165
165
165
163
163
163
163
DESVIO
PADRÃO
1,89
1,32
1,57
1,64
1,75
2,03
1,75
1,41
1,72
1,43
1,76
1,63
1,75
1,32
1,67
1,36
1,94
1,22
1,66
1,58
1,80
1,65
1,94
1,54
1,78
2,00
1,78
1,67
T
GL
p<
19,576
166
,000
16,187
166
,000
11,049
166
,000
7,871
166
,000
19,957
166
,000
16,641
166
,000
12,236
165
,000
10,849
164
,000
14,406
164
,000
19,275
164
,000
17,695
164
,000
13,630
164
,000
16,460
162
,000
16,198
162
,000
73
3.2.2
A representação da tarefa (dirigir)
Para realizar o estudo da representação social do “dirigir” foi construído um
instrumento, em que se utilizou uma questão do tipo “questão de evocações”, clássica,
na abordagem estrutural das representações sociais, desenvolvida por Vergés (1992 e
Morin e Vergés (1992). Este método consiste na indução de um processo de associação
livre, tendo como estímulo uma palavra que designa o objeto da representação.
Um grupo de 192 sujeitos, estudantes universitários,
participou desta fase,
respondendo à questão formulada nos seguintes termos:
“Quando você escuta a expressão DIRIGIR, quais as palavras
ou expressões lhe vêm espontaneamente à cabeça?”
Para o tratamento dos dados, dois critérios são levados em consideração: a
freqüência e o “rank” (ordem) médio de evocação. Os resultados são apresentados na
Tabela 3, denominada classicamente de “tabela de 4 casas”, em que se encontram
distribuídas as produções dos sujeitos: na casa superior esquerda encontram-se os
elementos hipoteticamente centrais3 que apresentam freqüência elevada e são evocados,
em média, nas primeiras posições; nas casas superior direita e inferior esquerda,
encontram-se os elementos pertencentes ao que se chama de “primeira periferia” ou
periferia próxima, caracterizados ou por uma elevada freqüência associada a uma média
de posição de evocação nas ultimas posições, ou por baixa freqüência associada a uma
média de evocação nas primeiras posições; finalmente, a última casa inferior direita, é
constituída dos elementos tipicamente periféricos, mais associados às modulações
individuais da representação.
3
nesta casa podem também se situar dois tipos de elementos que não são centrais: os protótipos e aqueles
elementos que se aproximam quantitativamente do núcleo sem, no entanto, possuir a característica
fundamental da centralidade que é qualitativa e se refere ao fato dos elementos centrais serem “não
negociáveis”.
74
Tabela 7- Resultados da Questão de Evocação, Representação Social do “Ato de Dirigir”, elaborada
por Jovens Motoristas Universitários
Ordem Média de Evocação
3.25
85 responsabilidade (2.25)
81 atenção (2.28)
50 cuidado (2.06)
30 respeito (3.23)
F
R
E
Q
Ü
Ê
22 prudência (2.82)
N
20 guiar (1.30)
C
18 segurança (2.72)
I
14 trânsito (1.79)
A
13 prazer (2.85)
16 paciência (3.75)
12 calma (3.25)
10 pedestre (3.50)
11 controle (3.09)
10 acidente (3.40)
10 perigo (3.00)
10 conduzir (1.30)
09 agilidade (3.89)
09 liberdade (2.44)
09 imprudência (3.33)
Assim, os resultados obtidos nesta questão parecem indicar que a representação
da tarefa de “dirigir” é bastante positiva e está organizada em torno de dois elementos
principais, responsabilidade e atenção (representados pelas palavras: responsabilidade,
prudência e respeito, de um lado, e atenção, cuidado e segurança, de outro lado); além
destes, podemos destacar, na primeira periferia, os elementos como trânsito, prazer,
calma, perigo, controle. Podemos ainda inferir que se trata de uma representação
supostamente adequada, no sentido das regras e expectativas, explícitas e implícitas,
emanadas do Código Nacional de Trânsito e dos princípios de engenharia do trânsito.
Entretanto, podemos também supor que a palavra indutora “dirigir” acaba por induzir
75
uma representação social idealizada, ou seja, muito provavelmente foi ativada a
representação do “dirigir ideal”.
No tratamento de dados específicos da chamada “análise de evocações”, operase, em seguida uma categorização com o objetivo de agrupar as palavras e expressões
que “denotam ou se referem ao mesmo núcleo de sentido”, a um mesmo “significado”.
Operada a categorização, os dados são submetidos a uma análise estatística, do tipo
“análise de similitude”, cuja matriz de similitude pode ser expressa através de gráficos.
Os resultados referentes à representação social do “dirigir”, estão apresentados
na Figura 7, representação gráfica, também chamada “árvore máxima”4.
Nos gráficos de similitude observa-se o grau de conexão dos elementos (a
quantidade de ligações em torno de um elemento), assim como a intensidade destas
ligações (que são expressas graficamente por traços mais intensos que os demais). É de
se esperar que os elementos centrais sejam “ligados” a um maior número de elementos
da representação, posto que geram o significado do conjunto da representação e dos
outros elementos, bem como estas ligações sejam “mais intensas” que as ligações em
torno de elementos periféricos.
Assim, a análise do gráfico da árvore máxima da representação do “dirigir”
(Figura 7), parece reforçar as constatações anteriores, indicando um lugar central na
estrutura da representação para os elementos responsabilidade e atenção. A
organização dos elementos, representada no gráfico (Figura 7) nos permite reforçar a
suposição de que a palavra indutora (dirigir) remete a uma representação idealizada das
práticas no trânsito.
76
Figura 7- Gráfico de similitude (árvore máxima)da representação social de “dirigir” em jovens
universitários motoristas (n=177)
3.2.3 A representação do contexto (trânsito) em jovens universitários motoristas
Para estudar a representação social do contexto (trânsito)
foi utilizado um
instrumento de pesquisa contendo o mesmo tipo de “questão de evocação”, tendo como
indutora a expressão “trânsito”, como se vê a seguir:
“Quando você escuta a expressão “TRÂNSITO”, quais são as
palavras ou expressões que vêm imediatamente à sua cabeça?”
Participaram desta etapa da pesquisa, 177 sujeitos, estudantes universitários.
Os resultados estão apresentados na Tabela 8, já denominada “tabela de quatro
casas,
em
que
podemos
destacar
como
elementos
provavelmente
centrais
congestionamento, atenção, stress e carro; enquanto isso, aparecem no quadrante da
4
Uma árvore máxima é uma reunião sintética de relações de conexão entre diferentes elementos, cuja
caractrística é a de expressar graficamente, não as relações “mais fortes”, mas o mais elevado grau de
conexão entre dois elementos, considerando os elementos que estão mais próximos um do outro.
77
primeira periferia os elementos acidente, multas, barulho, perigo, responsabilidade e
tumulto.
Tabela 8– Resultados da questão de evocação – a representação social do “trânsito”, elaborada por
jovens motoristas universitários.
Ordem Média de Evocação
3.6
83 Congestionamento (3.21)
52 Atenção (3.57)
45 Stress (3.36)
43
F
37 Carro (3.57)
Multas (4.81)
38 Acidentes (4.18)
R
E
Q
Ü
Ê
28 Responsabilidade (3.39)
N
27 Pedestre (5.04)
C
I
25 Imprudência (4.72)
A
24 Cuidado (4.02)
22 Tumulto (2.77)
22 Respeito (4.50)
22 Barulho (3.32)
22 Perigo (3.50)
21 Velocidade (4.95)
É importante destacar que, contrariamente à representação do “dirigir”, em que
predominam elementos positivamente considerados na organização do trânsito, na
representação do contexto (trânsito), embora apareça o elemento atenção, os outros
elementos principais, se considerarmos apenas aqueles supostamente centrais,
são
“negativos” (congestionamento, stress e carro). Ao considerar os elementos da primeira
periferia, teremos ainda mais elementos negativos, como tumulto, barulho e perigo.
Embora os elementos centrais da “tarefa”, ou seja, do dirigir (atenção e
responsabilidade), ainda apareçam com relativo destaque, o predomínio é de elementos
que expressam uma representação negativa do contexto (trânsito).
O mesmo procedimento de categorização aplicado anteriormente, no estudo da
representação da tarefa, foi aplicado aos dados, as palavras foram agrupadas em
78
categorias, o que possibilitou, também, encontrarmos a configuração gráfica da
representação, a árvore máxima, através da chamada análise de similitude (Figura 8).
Figura 8- Gráfico de similitude (árvore máxima) da representação social do trânsito em jovens
universitários motoristas (n=177)
Na análise do gráfico de similitude podemos notar que a representação do
contexto (trânsito) está organizada em dois núcleos de elementos, em torno de dois
elementos principais, fiscalização e tumulto. Em torno do primeiro elemento,
fiscalização, encontra-se, em primeiro plano, multas, pedestre, veículos, circulação e
congestionamento, expressando idéias
como: a fiscalização existe para garantir a
circulação dos veículos e evitar o congestionamento; fiscalização está intimamente
ligada a multas. Com ligação mais tênue, aparece o elemento respeito, que por sua vez
liga-se a atenção/responsabilidade, formando uma linha de ligação com o outro núcleo,
organizado em torno de tumulto e podendo expressar uma parte da representação que se
funda na representação da tarefa (dirigir), surgindo como elementos estabilizados da
79
representação do contexto (trânsito), que, do contrário, seria totalmente negativa. O
elemento tumulto traz em volta de si, com muita força, a violência e outros (motoristas),
denotando que o grupo pesquisado relaciona o tumulto do contexto com a violência e
com o comportamento dos outros motoristas; aparecem, ainda, os elementos cansaço e
desrespeito, ligados a stress/pressa. Todos esses elementos influenciam no tumulto da
situação. O elemento perigo, que aparece ligado a atenção/responsabilidade, agilidade
(ou falta de) e acidente, faz supor que o grupo representa a falta de agilidade ou a falta
de atenção/responsabilidade, juntamente com o tumulto, elementos que podem provocar
acidentes.
Globalmente, observa-se que há, da parte dos sujeitos, uma autopercepção
positiva como motorista e uma representação negativa dos outros motoristas e do
sistema de tráfego como um todo.
O conjunto dados mostra que, enquanto têm uma
representação de si bastante positiva como motoristas, semelhante à representação que
têm do dirigir, ao representarem o contexto do trânsito, têm uma representação social
negativa, constituída em torno de dois problemas: o primeiro, ligado à organização do
trânsito (má sinalização, vias inadequadas, fiscalização deficiente etc) e o segundo,
ligado às características dos outros motoristas (velocidade inadequada, não obedecem a
distância mínima, são afoitos, ultrapassam sem segurança, são irresponsáveis, freiam
bruscamente, não respeitam as leis, são desatentos etc).
Estes resultados parecem indicar que os sujeitos desenvolvem um sistema
cognitivo, construído coletivamente na representação negativa do trânsito, que têm por
função justificar o fato de se permitirem não seguir estritamente as regras de transito
(não serem o tempo todo “bons motoristas”) por que os outros motoristas (que são
sempre maus motoristas), somados à desorganização do sistema de tráfego, os obriga a
dirigir mal.
80
Retomando o modelo de análise proposto, poderíamos sugerir um esquema
interpretativo (Figura 9), com base nos dados obtidos, que nos permite refletir sobre o
comportamento dos indivíduos no trânsito, sobre a interação social e iniciar uma
abordagem do problema integrando normas, valores, representações e práticas sociais:
Figura 9–Esquema interpretativo da representação global do trânsito como situação social
complexa, entre sujeitos jovens motoristas universitários
RS dos OUTROS
negativa
RS do Trânsito
Contexto de
Falta de
Fiscalização
e
Desorganização
RS do DIRIGIR
Positiva
Atenção e
responsabilidade
RS do
DIRIGIR
“Invertida”
negativa
RSdo
doEU
EU
RS
positiva
positiva
“Atenção”
Cuidado
Tumulto
Perigo
Segundo este esquema interpretativo (Figura 9) , os sujeitos, jovens motoristas
universitários, representam a situação do trânsito como globalmente caótica (confusa) e
perigosa. Ao mesmo tempo, parecem representar o ato de dirigir como centrado na
atenção e na responsabilidade. Os sujeitos parecem, assim, resolver esta aparente
contradição, por meio de uma separação radical entre as práticas dos outros motoristas e
as suas próprias, enquanto motoristas. Pode-se supor que o principal fator de perigo no
trânsito é representado pelo modo como os outros (a maioria) dos motoristas dirige. As
81
práticas atribuídas aos outros motoristas correspem quem a uma “representação
invertida” do dirigir ideal.
3.3. Etapa 2 - A representação global do trânsito em agentes de
fiscalização
3.3.1
A representação de si e do outro
Também para este grupo foi utilizado o mesmo instrumento de pesquisa, já
descrito na Etapa 1 e constituído de duas questões, cada uma composta de 14 escalas5,
com variação de sete pontos. Um pólo caracterizado por um comportamento percebido
como “típico” do bom motorista e outro que se lhe opõe, ou seja, é característico do
“mau motorista”.
Os sujeitos desta etapa da pesquisa foram 77 agentes de fiscalização de trânsito
do Município de Goiânia, cujas características já foram descritas anteriormente neste
trabalho.
Os resultados apurados (Tabela 9)
mostram que os sujeitos atribuem a si
próprios características de “bom motorista”, enquanto que aos “outros motoristas”,
atribuem, de forma geral, características do “mau motorista”. Podemos observar esta
tendência de forma mais evidente nos itens: respeita distância mínima, respeita
semáforo, usa a seta, velocidade adequada, responsabilidade, freia calamamente e usa
o retrovisor em que aparecem as maiores diferenças entre as médias atribuídas a si e
aos outros motoristas. Nos resultados podemos observar outro grupo de itens: atenção,
ultrapassagem segura, uso do cinto, calma, respeito às leis, agilidade e confiança, nos
5
A ordem de apresentação das escalas, no instrumento, foi variada aleatoriamente
82
quais, os sujeitos se aproximam mais da representação que têm dos outros motoristas,
atribuindo-se, eventualmente, características de maus motoristas.
Tabela 9– Resultados das escalas de auto e hetero-percepção de agentes de fiscalização, em
referência aos comportamentos característicos do “Bom Motorista” e do “Mau Motorista” (N=77)6
Pares comparados
Respeita distância mínima/cola na traseira
Respeita semáforo/não respeita
Usa a seta/não usa a seta
Velocidade adequada/velocidade alta
Responsabilidade/imprudência
Freia bruscamente/freia calmamente
Usa o retrovisor/não usa o retrovisor
Atenção/desatenção
Ultrapassagem Segura/insegura
Usa o cinto/não usa o cinto
Calma/nervosismo
Respeita as leis /não respeita
Bastante agilidade/Pouca agilidade
Confiança/insegurança
Média na
“autopercepção”
( RS de Sí)
Média na
percepção da
Maioria
(RS do
“outro”)
Diferença
entre
As
Médias
2.28
5.47
3.19
1.42
4.56
3.14
2.19
5.27
3.08
2.26
5.04
2.78
1.76
4.48
2.72
1.98
4.51
2.53
1.83
4.22
2.39
2.03
4.26
2.23
2.15
5.09
1.94
1.55
3.42
1.87
2.61
4.41
1.80
1.69
4.47
1.78
2.22
3.79
1.57
2.14
3.13
0.99
Estes resultados mostram que a percepção da maioria como motorista, quando
negativa, está centrada nos aspectos mais intimamente ligados à própria atividade desse
grupo, ou seja, a fiscalização do comportamento dos motoristas.
Foi realizado, ainda, o teste t de Student (Tabela 10), verificando-se que as
diferenças entre a percepção do outro e a autopercepção como motoristas são
significativas no grupo pesquisado, reforçando, como no grupo de jovens universitários
motoristas, o conceito de maior valorização de si mesmo quando em comparação com
os outros.
6
Do grupo de 88 sujeitos, nem todos não responderam às questões de posicionamento ou as responderam
parcialmente, o que explica os números diferentes de sujeitos nas Tabelas 5 e 6.
83
Tabela 10- Médias e desvio padrão de percepção dos outros percepção dos outros e autopercepção
como motoristas em agentes de fiscalização
PARES/ VARIÁVEIS
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
Perc. dos Outros
Autopercepção
3.3.2
Desatenção
Atenção
Nervosismo
Calma
Velocidade alta
Velocidade adequada
Não usa cinto
Usa cinto
Não respeita leis de trânsito
Respeita leis de trânsito
Imprudência
Responsabilidade
Pouca agilidade
Bastante agilidade
Insegurança
Confiança
Não olha o retrovisor
Olha no retrovisor
Ultrapassa sem condições
Ultrapassa com condições
Raramente usa a seta
Sempre usa a seta
Avança o sinal
Respeita o semáforo
Cola na traseira
Respeita distância mínima
Freia bruscamente
Freia calmamente
MÉDIA
4,26
2,03
4,41
2,61
5,04
2,26
3,42
1,55
4,47
1,69
4,48
1,76
3,79
2,22
3,13
2,14
4,22
1,83
5,09
2,15
5,27
2,19
4,56
1,42
5,47
2,28
4,51
1,98
N
69
69
69
69
69
69
69
69
70
70
67
67
67
67
64
64
65
65
66
66
64
64
64
64
64
64
55
55
DESVIO
PADRÃO
1,91
1,20
1,67
1,56
1,72
1,51
1,97
1,35
1,89
,96
1,71
1,12
1,85
1,43
1,58
1,49
2,06
1,32
1,65
1,55
1,92
1,65
1,93
,71
1,83
1,47
1,99
1,39
T
GL
p<
9,334
68
,000
7,647
68
,000
10,341
68
,000
6,437
68
,000
11,182
69
,000
11,669
66
,000
5,804
66
,000
3,840
63
,000
8,606
64
,000
10,570
65
,000
10,379
63
,000
12,010
63
,000
11,652
63
,000
7,982
54
,000
A representação da tarefa (dirigir)
Para realizar o estudo da representação social do “dirigir” foi construído um
instrumento em que se utilizou o mesmo tipo de “questão de evocações”, já descrita na
Etapa 1. A questão foi formulada nos seguintes termos:
“Quando você escuta a expressão DIRIGIR, quais as palavras
ou expressões lhe vêm espontaneamente à cabeça?”
Um grupo de 88 sujeitos, agentes de fiscalização, participou desta fase.
Para o tratamento dos dados, foram considerados, como na Etapa 1, dois
critérios: a frequência e a ordem média de evocação. Os resultados são apresentados na
Tabela 3, denominada classicamente de “tabela de 4 casas”.
84
Assim, os resultados obtidos nesta questão parecem indicar que na representação
da tarefa, do “dirigir” do grupo pesquisado, aparecem como supostamente os elementos
“atenção”, “responsabilidade” e “respeito” , além de “veículo” e “trânsito” ; na
denominada “primeira periferia”, aparecem, ainda “cuidado”, “conduzir” e “carro”,
evidenciando elementos próprios da prática social do grupo pesquisado, como é o caso
estes elementos: veículo/carro e trânsito, agregados a elementos próprios da
representação que podemos chamar de “idealizada”, bastante identificada com os
elementos presentes na legislação do trânsito e amplamente difundida no meio do
grupo pesquisado.
Tabela 11– Análise das evocações da representação social da tarefa (dirigir) de agentes de
fiscalização
Ordem Média de Evocação
3.3
41
atenção (2.12)
37 responsabilidade (2.59)
19 respeito (3.21)
19 veículo (2.52)
F
18 trânsito (2.66)
R
E
Q
Ü
16
cuidado (2.31)
14
conduzir (1.78)
Ê
13 pedestre (3.38)
N
12
C
I
A
11
acidente (3.58)
12
sinalização (3.66)
12
habilidade (3.83)
carro (2.00)
9
leis (3.57)
7 prudência (3.57)
7 educação (3.28)
7 perigo (3.28)
calma (3.55)
7
7 motorista (3.14)
7
tranqüilidade (3.71)
7 imprudência (5.14)
Como já visto antes, no tratamento de dados específico da chamada “análise de
evocações”, opera-se, em seguida, uma categorização com o objetivo de agrupar as
85
palavras e expressões que “denotam ou referem-se (sic) ao mesmo núcleo de sentido”, a
um mesmo “significado”.
Operada a categorização, os dados são submetidos a uma análise estatística, do
tipo “análise de similitude”, cuja matriz de similitude pode ser expressa através de
gráficos. Os resultados referentes à representação social da tarefa (dirigir), desta forma
apurados, estão apresentados no gráfico da “árvore máxima” (Figura 10).
Observando-se o grau de conexão dos elementos , podemos perceber que
“responsabilidade”, “sinalização” e “deslocamento” são aqueles que agregam em
torno de si o maior número de elementos, fato que os torna supostamente centrais na
representação pesquisada. Em torno da categoria “responsabilidade” gravitam aqueles
elementos da representação ligados às características ou comportamentos atribuídos aos
motorista. Pode-se afirmar que as categorias “sinalização” e “deslocamento” formam,
em conjunto, um núcleo em que aparecem os elementos característicos do contexto:
“veículos”, “vias”, “administrar”, “acidente”, “pedestre” e “dirigir”.
Este segundo conjunto, articulado em torno de “sinalização” e “deslocamento”,
pode ser interpretado como um núcleo organizativo, cujos componentes básicos (vias,
veículos, pedestre, motoristas) são associados a elementos que poderíamos classificar de
“sistêmicos”: o deslocamento (a própria finalidade do trânsito), a administração e a
sinalização (“ação” que regula o deslocamento e permite a administração).
É importante salientar que no trabalho de categorização a noção de
“fiscalização” foi minoritária e associada a "sinalização".
86
Figura 10– Gráfico de similitude da representação social de “dirigir”de agentes de fiscalização
(N=88)
3.3.3
A representação do contexto (trânsito) em agentes de fiscalização.
Nesta fase foi aplicada a um grupo de 88 sujeitos, agentes de fiscalização, a
seguinte questão de evocação:
“Quando você escuta a expressão“TRÂNSITO”, quais são as
palavras ou expressões que vêm imediatamente à sua cabeça?”
As palavras evocadas
foram tratadas estatisticamente, sendo os resultados
mostrados na Tabela 8, em que podemos destacar, como elementos provavelmente
centrais , veículo , atenção, pedestre, congestionamento e responsabilidade.
87
Tabela 12- Análise das evocações da representação social do contexto (trânsito) de agentes de
fiscalização
Ordem Média de Evocação
3.6
28 veículo (3.28)
F
R
27 congestionamento (3.35)
26
atenção (3.23)
24
pedestre (3.54)
E
Q
25 sinalização (4.08)
Ü
21 imprudência (4.50)
Ê
16 acidentes (4.38)
N
C
15 responsabilidade (2.73)
I
A
15 ir-e-vir (2.60)
13 vias (2.84)
12 fiscalização (4.25)
10 stres (3.70)
9 agente (5.33)
8 confusão (2.00)
8 velocidade (3.75)
8 tumulto (3.25)
8 multas (3.37)
7 barulho (3.14)
7 placas (3.71)
7 desrespeito (4.14)
6 movimento (1.66)
6 conduzir (3.63)
6 cuidado (2.33)
6 smt (4.66)
Podemos observar que os elementos presentes nesta primeira análise das
palavras evocadas mostram que, na representação do contexto (trânsito), aparecem os
elementos: veículo, congestionamento, atenção, pedestre e responsabilidade, como
supostamente centrais e na primeira periferia: sinalização, imprudência, acidentes, vias,
ir-e-vir (circulação), confusão (tumulto) e multas.
Estes resultados pressupõem um representação fortemente estruturada em torno
de uma dimensão organizativa. Do mesmo modo que na representação da tarefa
(dirigir), os componentes básicos (veículo, via, pedestre) aparecem no quadrante das
hipóteses de centralidade e primeira periferia. Fato similar pode ser observado pelas
palavras que se referem a processos ou preocupações organizativas: sinalização,
circulação (ir-e-vir).
88
Em distinção clara da representação da tarefa (dirigir), aparecem em destaque os
elementos negativos, atribuídos ao trânsito: congestionamento, imprudência, acidentes,
confusão e tumulto.
O mesmo procedimento de categorização aplicado anteriormente, quando do
estudo da representação da tarefa, foi aplicado aos dados, encontrando-se a composição
de categorias, cujos dados, ao serem
processados, possibilitaram, a
análise de
similitude, representada pelo gráfico da árvore máxima ( Figura 4).
Figura 11- Gráfico de similitude da representação social do trânsito em agentes de fiscalização
(n=88)
A representação gráfica da matriz de similitude parece indicar uma visão global
do trânsito como dotado de um núcleo de significado em torno da idéia de “confusão” e
um segundo núcleo, a que poderíamos chamar de “controlador” ou “administrador”,
correspondente ao esforço (fiscalização – sinalização) em garantir o seu funcionamento,
o bom deslocamento, ou seja, a “não-confusão”. Podemos, também, supor que a
categoria “motoristas” está associada a “confusão”, também pela associação dos
89
elementos “nervosismo”, “imprudência”, “desrespeito”, que são práticas (negativas) dos
motoristas.
Esta configuração consubstancia uma representação bastante complexa e
elaborada, em que se percebe que o encadeamento de elementos ligados aos motoristas
(nervosismo, imprudência e desrespeito) provocam confusão; um eixo formado por
fiscalização e sinalização, de sustentação ao contexto, ao qual são associados os
elementos identificados como principais (supostamente centrais) da representação da
tarefa (responsabilidade, atenção e respeito/prudência).
Podemos, então, propor o seguinte esquema interpretativo (Figura 12).
Figura 12– Esquema Interpretativo da representação Global do Trânsito Como Situação Social
Complexa, entre Sujeitos Agentes de Fiscalização.
RS do
Trânsito
FISCALIZAÇÃO
RS do dirigir
Sinalização
Sinalização
Responsabilidade
Deslocamento
RS do
outro
(NEGATIVA)
RS de si
CONFUSÃO/
TUMULTO
(positiva)
Neste esquema o contexto (RS do trânsito) seria composto de dois elementos:
um, em termos de fiscalização/sinalização, para o qual converge parte da RS da tarefa
90
(dirigir), representada pelo elemento sinalização, elemento este que embora aparecendo
como periférico na Tabela 11 (Tabela de 4 casas), adquire importância no gráfico de
similitude (Figura 10), aparecendo como elemento importante, supostamente central, na
representação da tarefa, neste grupo. O outro elemento presente na representação do
contexto trânsito, evidencia uma dimensão de confusão (tumulto), associada aos
motoristas, em geral, e, portanto, igualmente associada à representação dos outros.
Os resultados parecem indicar que o agentes de fiscalização não se excluem do
conjunto dos motoristas, estando parte incluídos no núcleo positivo do contexto, posto
que são agentes de fiscalização, e parte no núcleo negativo, posto que também são
motoristas.
3.4. Comparando os resultados dos dois grupos pesquisados
Neste segmento analisaremos a representação social do trânsito como situação
social complexa pela comparação da representação de si mesmo e dos outros como
motoristas, da representação da tarefa (dirigir), e da representação social do contexto
(trânsito) nos dois grupos pesquisados.
3.4.1. Comparação dos resultados da representação de si e dos outros como
motoristas em jovens universitários motoristas e agentes de fiscalização.
Ao verificarmos os resultados dos dois grupos, no item representação de si
mesmo e dos outros como motoristas, podemos fazer a seguinte pergunta: os dois
grupos diferem quando avaliam a si mesmo como motoristas e quando avaliam os
outros como motorista. Nesse caso, nossa hipótese experimental seria que os grupos não
91
diferem nessa avaliação, e a hipótese nula, a afirmação contrária, de que os grupos
diferem entre si.
Para verificar essas hipóteses, recorremos à estatística, utilizando o teste t de
Student (Tabela 11), cujos resultados indicam que, globalmente, os dois grupos
comparados não diferem de forma significativa na autopercepção como motoristas. Na
maioria dos pares de comportamentos avaliados, apresentando diferença significativa
apenas em três pares:
velocidade adequada/velocidade alta, respeita leis de
trânsito/não respeita e respeita o semáforo/avança o sinal.
Tabela 13– Médias e teste estatístico da autopercepção como motorista em jovens universitários
motoristas e agentes de fiscalização
Variáveis comparadas
1. Atenção/Desatenção
2. Calma/Nervosismo
3. Velocidade adequada/Velocidade alta
4. Usa cinto/Não usa o cinto
5. Respeita leis de trânsito/Não respeita
6. Responsabilidade/Imprudência
7. Bastante Agilidade/Pouca Agilidade
8.Confiança/Insegurança
9. Usa o retrovisor/Não usa o retrovisor
10. Ultrapassa com segurança/sem
condições
11. Sempre usa a seta/Raramente usa
12. Respeita o semáforo/Avança o sinal
13. Respeita distância mínima/Cola na
traseira do carro da frente
14. Freia calmamente/Freia bruscamente
Universitários Agentes
Teste Estatístico
t
Gl
p<
-,287
234
n.s.
2,0
2,6
2,9
1,6
2,1
2,1
2,1
1,9
1,7
2,0
2,0
2,6
2,3
1,0
1,7
1,8
2,2
2,2
1,8
2,2
2,0
2,1
2,6
2,2
1,5
2,1
-,860
229
n.s.
2,838
229
0,01
1,131
227
n.s.
2,2
2,0
,697
218
n.s.
-,069
234
n.s.
2,399
234
0,05
,031
234
n.s.
2,043
235
0,05
1,428
232
n.s.
-,895
231
n.s.
-1,409
228
n.s.
-,900
229
n.s.
-,822
229
n.s.
O mesmo teste foi aplicado aos resultados das questões apresentadas aos dois
grupos pesquisados, na condição “na sua opinião, a maioria dos motoristas”, sendo
que nesta comparação (Tabela 12) podemos observar, novamente, que os dois grupos,
desta vez, diferem
divergência
quando avaliam os outros como motoristas, apresentando
em relação ao seguintes pares de comportamentos comparados:
atenção/desatenção, calma/nervosismo, usa cinto/não usa cinto,
respeita leis de
92
trânsito/ não respeita, responsabilidade/imprudência e freia calmamente/freia
bruscamente. Neste caso, o grupo de agentes de fiscalização tende a ser menos exigente
na avaliação dos outros como motorista, o que parece evidenciar uma avaliação mais
precisa ou objetiva do comportamento dos outros como motoristas, enquanto que o
grupo de jovens universitários mostra-se mais severo com os outros do que consigo
mesmo.
Tabela 14– Médias e teste estatístico da percepção dos outros como motoristas em jovens
universitários motoristas e agentes de fiscalização
Variáveis comparadas
1. Atenção/Desatenção
2. Calma/Nervosismo
3. Velocidade
adequada/Velocidade alta
4. Usa cinto/Não usa o cinto
5. Respeita leis de trânsito/Não respeita
6. Responsabilidade/Imprudência
7. Bastante Agilidade/Pouca Agilidade
8.Confiança/Insegurança
9. Usa o retrovisor/Não usa o retrovisor
10. Ultrapassa com segurança/sem
condições
11. Sempre usa a seta/Raramente usa
12. Respeita o semáforo/Avança o sinal
13. Respeita distância mínima/Cola na
traseira do carro da frente
14. Freia calmamente/Freia
bruscamente
Universitários
Agentes
Teste Estatístico
T
Gl
p<
5.3
53
5.0
4.2
4.4
4.9
4,186
250
0,001
3,809
250
0,001
0,253
250
n.s.
2.7
5.2
5.0
4.1
3.6
4.1
5.1
3.3
4.4
4.4
3.7
3.2
4.1
5.0
-2,467
250
0,05
3,068
250
0,05
2,566
250
0,05
1,678
250
n.s.
1,688
247
n.s.
-0,113
249
n.s.
0,334
250
n.s.
5.2
4.4
5.5
5.2
4.4
5.4
-0,037
248
n.s.
0,067
248
n.s.
0,214
248
n.s.
4.9
4.4
1,975
248
0,05
3.4.2 Comparação dos resultados da representação da tarefa (dirigir) em jovens
universitários motoristas e agentes de fiscalização
Utilizando os dados da Tabela 3, buscamos comparar, do ponto de vista do
conteúdo, a representação da tarefa (dirigir) nos dois grupos pesquisados. Da análise
rsultou que, embora mostrem muita semelhança, a representação social dos dois grupos
deixa à mostra nos dados analisados, uma diferenciação dos elementos supostamente
formadores do núcleo central da representação da tarefa, em ambos: enquanto na “tabela
93
de quatro casas”, no quadrante dos elementos supostamente centrais, o grupo de jovens
universitários motoristas apresenta os elementos “atenção”, “responsabilidade”,
“cuidado” e ”respeito’, o grupo de agentes de fiscalização acrescenta a estes os
elementos “veículo” e “trânsito”. Isto parece indicar, como ressalta Abric (1998), que
a relação do grupo com o objeto representado é determinante da representação, posto
que este grupo tem uma relação diferente com a tarefa, uma vez que a representa mais
como agente fiscalizador da tarefa do outro que na condição de motorista.
Tabela 15– Quadro sintético das palavras relevantes encontradas em cada uma das populações
para a palavra indutora “dirigir”
Jovens Universitários
Motoristas (n=177)
Hipóteses de
centralidade
Primeira
periferia
Responsabilidade
Atenção
Cuidado
Respeito
______
______
Trânsito
______
Prudência
Conduzir
Segurança
Prazer
_____
_____
Calma
Controle
Perigo
Agentes de
Fiscalização(n=88)
Responsabilidade
Atenção
_____
Respeito
Veículo
Trânsito
Sinalização
Prudência
_____
_____
_____
Pedestre
Acidente
Calma
_____
_____
Tais dados vêm confirmar a proposição de Abric (1998), de que não basta a alta
freqüência de evocação de um elemento para que este assuma caráter central na
representação, mas que o aspecto qualitativo de suas ligações com outros elementos da
representação também é um fator determinante da sua centralidade.
94
Nossos resultados parecem indicar que os dois grupos de sujeitos apresentam
uma representação idealizada da tarefa, baseada em componentes positivos, naquilo que
o dirigir deveria ser.
3.4.3 Comparação dos resultados da representação do contexto (trânsito) em
jovens universitários motoristas e agentes de fiscalização.
O mesmo ocorre quando comparamos a representação do contexto/trânsito
(Tabela 16), em que, na tabela de quatro casas, do grupo de jovens universitários
motoristas, aparecem, como supostamente centrais, os elementos “congestionamento”,
“atenção”, “stress” e “carro”. No caso do grupo de agentes e fiscalização, aparecem
outros elementos, como “pedestre” e “responsabilidade”, em substituição a “stress”,
denotando, mais uma vez, que aspectos relacionados às práticas do grupo, como a
fiscalização do fluxo de veículos e a proteção ao pedestre, estão determinando a
representação do contexto.
Finalmente, ao analisarmos os gráficos de similitude da representação do contexto
(trânsito) entre jovens universitários motoristas, vimos que as categorias “fiscalização”
e “tumulto” aparecem como supostamente centrais, enquanto que no mesmo tipo de
gráfico, entre agentes de fiscalização, as categorias “confusão" (tumulto) e
“fiscalização” aparecem ao lado de “sinalização”, “motoristas” e “imprudência”.
95
Tabela 16– Quadro sintético das palavras relevantes encontradas em cada uma das populações
para a palavra indutora “trânsito”
Hipóteses de
centralidade
Jovens Universitários
Motoristas (n=177)
Carro
Congestionamento
Atenção
________
________
Stress
Primeira
periferia
Multas
Acidentes
Responsabilidade
Tumulto
Barulho
Perigo
_______
_______
_______
_______
_______
Agentes de
Fiscalização(n=88)
Veículo
Congestionamento
Atenção
Pedestre
Responsabilidade
____________
Multas
Acidentes
______
Tumulto
Barulho
_______
Ir-e-vir
Vias
Confusão
Movimento
Cuidado
Tais resultados parecem indicar que se trata de uma representação extremamente
próxima. Porém, infere-se ainda que, enquanto entre jovens universitários motoristas, a
“fiscalização” está associada a elementos negativos (multas, congestionamento,
imprudência, velocidade e, intensamente, a confusão), entre os agentes de fiscalização,
pode-se supor que este elemento tem uma conotação positiva, posto que está associado a
atenção, respeito, prudência e responsabilidade. Neste grupo, este elemento adquire
também uma conotação organizativa e sua conexão com confusão realiza-se através do
componente motoristas.
É importante notar que, o elemento “fiscalização”, embora apareça em ambas
as representações gráficas da representação social do contexto, está impregnado de
conotações diversas, pois sua ligação ocorre com elementos diferentes, nos dois grupos
96
pesquisados: no caso dos jovens universitários motoristas, adquire conotação associada
a “multas” (no sentido de que está sujeito a elas), “congestionamento” (no sentido de
que a falta de fiscalização o provoca), “respeito” (no sentido de que a presença da
fiscalização favorece o respeito às leis de trânsito), no caso do grupo de agentes de
fiscalização este elemento liga-se mais aos elementos relacionados às práticas sociais
deste grupo: “motoristas" (fiscalização de), “congestionamento” (seu trabalho o
diminui), “sinalização” (atua para garantir o respeito à sinalização) e “pedestres” (atua
para protege-lo).
97
DISCUSSÃO GERAL
O trabalho de dissertação de Mestrado de Pereira (1997) propõe uma mesma
perspectiva que a apresentada em nosso trabalho: a da importância de se re-conceituar a
noção de “social”, dentro da psicologia do trânsito e de se buscar modelos de estudo e
análise que integrem uma sólida perspectiva psicossocial.
Para realizar seus objetivos Pereira (1997) propõe (dentre vários instrumentos) a
questão aberta: “0 que você acha dos condutores no trânsito?”. Das respostas produzidas
pelos vários sujeitos, esta pesquisadora construiu nove categorias de motoristas:
“loucos”, “barbeiros”, “despreparados psicologicamente”, “animais”, “donos-da-rua”,
“escravos-do-relógio”, “criminosos”, “alguns são ótimos e a maioria dos condutores"
(sic) e “péssimos”
Tomamos aqui a liberdade de reproduzir um trecho de suas principais
conclusões:
“Verificou-se, no presente trabalho, que as representações
sociais apareceram com elevado índice de variáveis associados
ao universo individual dos condutores e aos fatores
constitutivos de ordem social e cultural.
O estudo mostra que os condutores apresentam um pensamento
parcial e fragmentado da totalidade da realidade do trânsito.
Supervalorizam as ações individuais dos condutores e percebem
com baixa freqüência os fatores situacionais ambientais
(vias/rodovias/veículos) e culturais (legislação, administração,
policiamento) em suas ações. Ou seja, se por um lado, a visão
dos condutores como responsáveis por suas ações está bem
refletida no pensamento da amostra, por outro chama atenção a
ausência ou a baixa freqüência das representações relacionadas
ao campo legal, organizacional/administrativo, de fiscalização
e policiamento em suas ações.” (Pereira, 1997, p. 103).
98
Podemos afirmar que, tendo à disposição o conjunto de nossos resultados, o
autor em questão estudou a “representação” social do motorista, em um enfoque que se
aproxima mais do estereótipo do motorista ou da “imagem social” dos motoristas. A
análise feita desta representação, para o autor, tem implicações sobre o modo como é
representando o próprio trânsito em sua totalidade. Nossos resultados parecem
corroborar uma das perspectivas globais desses estudos: os sujeitos julgam que a
“maioria” dos motoristas não dirige adequadamente. Contudo, ao introduzir um
instrumento de posicionamento, nossos resultados parecem indicar que, para os sujeitos
pesquisados, o “mau motorista” é sempre o outro. Além disto, a abordagem estrutural
permite-nos investigar componenetes que se encontram de alguma forma “ocultos” ou
implícitos. É importante relembrar que, todo estudo de uma prática social - tal qual a
prática do dirigir - mesmo que focada sob o prisma da “representação do motorista”,
traz, ainda que implicitamente, vários aspectos ou componentes desta prática, ou seja,
aspectos relativos ao ator social, aos outros atores , à tarefa etc. A noção mesma de
posicionamento, promove a emergência, ou o evidenciamento do campo comum, a
valorização dos aspectos consensuais mais amplos.
Assim, podemos reintroduzir duas grandes “regularidades” sociais, enfocadas,
uma pela Teoria da Identidade Social (Tajfel, 1981; 1982), a chamada « atribuição de
qualidades negativas ao out-group » e, outra, pela Teoria das Representações Sociais,
através do efeito primus inter pares, (supervalorização de si mesmo quando comparado
com os outros) identificado por Codol (1968). Mais do que isto, nossa perspectiva
parece integrativa de uma noção mais dinâmica de “interação social”.
Assim, uma representação positiva da tarefa de dirigir, sofre um certo
« deslocamento » de valor ou se ancora no contexto sócio-histórico, com outro valor,
quando associada a uma outra representação social, a do contexto, de valor
99
marcadamente negativo. Ao vislumbrarmos que estas duas representações de « vetores »
opostos referem-se (ancoram-se) em um mesmo contexto consensualmente partilhado,
elas exigem uma leitura dos aspectos « implícitos » do dirigir e do contexto, que
poderíamos apresentar do seguinte modo :
1. Considerando uma representação partilhada do dirigir, em termos de
responsabilidade e atenção, resta sempre ao sujeito (sobretudo ao
sujeito coletivo) uma tomada de posição ; e o « eu » (o eu como
ator social) dirige com muita ou pouca responsabilidade/atenção,
além, evidentemente, de se fazer necessário conhecer os raciocínios
(racionalizações ?) pelos quais o sujeito justifica sua posição.
2. Do mesmo modo que para o ator « eu », como o sujeito avalia a
posição dos outros atores, e quais justificativas são empregadas para
justificar esta posição, no caso de ser diferente daquela do primeiro
ator.
3. Considerando, uma outra representação, não dissociada da primeira,
e também partilhada, do conjunto do trânsito, como « objeto »
dotado de um caráter organizativo com um « esforço » de
fiscalização/sinalização, mas cujo resultado final é caótico e
tumultuado, também aqui resta a questão de saber : se o trânsito é
isto, qual a parte que cabe a cada ator social, o « eu » e os outros ?
Apesar do caráter inicial e exploratório dos resultados obtidos, podemos nos
permitir uma primeira aproximação que evidencia o caráter histórico e dinâmico da
interação social no trânsito. Sem desejar abusar do recurso aos esquemas visuais,
parece-nos bastante pertinente a apresentação de um último esquema de síntese
100
analítica. Este modo de análise é inspirado pelo modelo de análise desenvolvido por
Angela de Oliveira Almeida e colaboradores (Ribeiro, 2000 ; Guterrres, 2001), com
base na abordagem genética das representações sociais, também conhecida como
abordagem da « tomada de posições » (Doise, 1989 ; Doise, Clemence et LorenziCioldi, 1992).
Figura 13 - Esquema interpretativo de estudo da representação global do trânsito
como situação social complexa, em jovens estudantes motoristas e agentes de
fiscalização de trânsito.
Este esquema parece-nos útil posto que nos permite evidenciar dois grandes
eixos de regulação social do comportamento no trãnsito e da atividade representativa
dentro dele. Estes « eixos » são chamados de « dimensões » (Ribeiro, 2000 ; Guterres,
2001) a partir de análise de classificação hierárquica, que possibilita um posicionamento
exato (dotado de coordenadas estatisticamente geradas) no plano. O posicionamento
aqui apresentado é aproximativo, posto que sua finalidade é ilustrativa. As
101
« dimensões », reguladoras da atividade representativa são : uma dimensão de ordem e
caos, definindo pólos opostos no plano, posicionando-se de um lado (no caso o superior
esquerdo), os sujeitos aproximarão de uma visão do trânsito como fenômeno (talvez
fosse mais lícito dizer evento) ordenado; posicionando-se de outro lado ( inferior
direito) o trânsito os sujeitos se aproximam de uma representação global do trânsito
como caótico. A segunda dimensão refere-se à parte de responsabilidade ou de
responsabilização atribuída a cada um dos atores estudados (o eu e os outros)
Dentro deste contexto, ao falar da prática de dirigir, os sujeitos parecem
representá-la de modo idealizado, provavelmente indicando uma noção aprendida de
modo adequado, que podemos considerar positiva para o bom funcionamento do
trânsito: se os sujeitos representam “corretamente” a tarefa (dirigir), deverão, também,
praticá-la corretamente. Entretanto, neste ponto, somos remetidos àquilo que Saad
(1996a) chama de “tarefa atualizada”, que é o comportamento mesmo do indivíduo,
intermediado pelas representações, e que não corresponde, exatamente, à “tarefa
redefinida” ou representada. Nossos resultados, embora sintéticos, parecem apontar
para uma representação do “eu-motorista” como melhor do que os ”outros motoristas”,
embora, em alguns itens, perceba-se uma tendência de que o “eu-motorista” aceita que,
da mesma maneira que os “outros-motoristas”, comporta-se inadequadamente.
Retomando a referência ao estudo de Pereira (1997), podemos destacar que a
mais intrigante das diferenças entre os resultados obtidos por este autor e os nossos é a
afirmação, por parte de Pereira (1997), da baixa percepção, por parte dos motoristas,
dos fatores ambientais e culturais. Nossos resultados apontam para uma representação
do trânsito organizada em torno de, no mínimo, dois componentes centrais: o “tumulto”
(o caos, a confusão, o congestionamento, o acidente) e “fiscalização” (sinalização, vias,
102
veículos, pedestres, obediência/desobediência às leis etc), que se referem ambos ao
ambiente, não naturalizado, mas o ambiente humanizado e histórico
Não se pode supor que um estudo anula o outro, mas, ao contrário, parece-nos
legítimo supor que o modelo de Codol (1969a), ao decompor a situação em quatro
componentes representacionais, permite colocar em evidência aspectos cuja explicação
e compreensão tinham, até então, outra perspectiva.
Resta, ainda, uma questão teórica importante: a definição (teste) dos elementos
centrais. Cabe-nos ressaltar que nosso objetivo não era o de “conhecer o núcleo
central”, mas de contribuir na construção de um modelo psicossocial de análise do
trânsito. O conjunto de resultados obtidos leva-nos a propor a hipótese: a representação
global do trânsito é estruturada em torno de, no mínimo, dois elementos centrais, para
ambos os grupos de sujeitos: o “tumulto” e a “fiscalização/sinalização”. Em conjunto,
os mesmo resultados levam-nos a supor que nos encontramos diante de uma situação ,
em que os elementos consensuais (teoricamente centrais) são os mesmos. Entretanto, os
diferentes grupos se posicionam , ancorados em suas práticas cotidianas. Isto é tanto
mais evidente, se relembramos o modo como os agentes de trânsito representam o
dirigir , com forte carga nos componentes organizativos, gerenciais, do dirigir e do
trânsito.
O conjunto dos resultados parece indicar que a parte consensual é convalidada.
Entretanto, resta-nos compreender as “práticas específicas”de cada grupo, para integrar
no modelo de estudo (melhor seria dizer, na aplicação do modelo a esta situação social
complexa, em particular) as explicações sobre os diferentes posicionamentos, que
podem ser percebidos pela comparação dos dois esquemas interpretativos (Figuras 9 e
12). Certamente, a operacionalização das práticas, em termos de “bom-mau motoristas”,
103
induz uma perspectiva de consenso, posto que fundada na objetivação de uma “subrepresentação”, ou de um componente isolado da situação, a “objetivação” da
representação social do motorista. Os agentes de fiscalização desenvolvem dois pápeis
em relação à uma única tarefa, o dirigir : são motoristas quando dirigem ; são fiscais
quando trabalham, supervisionando o modo como os outros dirigem. Podemos supor,
então, que os sujeitos « agentes de fiscalização » possam ativar diferentes componentes
de uma mesma representação, conforme são colocados nas diferentes situações, ora
como motorista ora como fiscal ; o mesmo não ocorre com os jovens motoristas
universitários.
Podemos afirmar que nossos resultados, assim como o modelo proposto abre
interessantes perspectivas de abordagem para a compreensão de porque, no trânsito, a
« maioria » dos sujeitos não se sente implicado na responsabilidade quanto ao caráter
caótico do mesmo e para o aprofundamento da noção político-social de cultura para o
trânsito, enraizando esta « cultura » da qual os motoristas são acusados por autoridades
e pelos « outros » motoristas, no estudo das práticas efetivas. Nossos resultados abrem
importante vias de estudo para além do consenso e do conteúdo das representações
estudadas. A noção de Representação Global da Situação, de Codol (1969a) parecenos um instrumento peculiar na compreensão do que há de « social » na interação
social no trânsito.
“Permanecer neste ponto, não seria exatamente estudar as
representações, posto que estas somente recebem suas
especificidades da sua ancoragem nas relações simbólicas entre
atores sociais.” (Doise, Clémence et Lorenzi-Cioldi, 1992, p.
99)
104
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116
ANEXO 1 – Modelo de questionário com questão aberta, utilizado no
estudo exploratório, aplicado ao grupo de jovens universitários
motoristas.
Idade: 18-19 anos
20-21 anos
22-23 anos 24-25 anos
26 anos ou mais
Dirige há quanto tempo? Menos de 1 ano De 1 a 2 anos De 2 a 3 anos
de 3 anos
Tem carro próprio? SIM
NÃO
Se respem queu não, responda à próxima questão:
Utiliza constantemente o veículo de outra pessoa?
SIM
NÃO
De quem?______________________
Normalmente, dirige quantas vezes da semana?
1 dia
2 dias
3 dias
mais de 3 dias
Mais
Imagine que você pegou carona pela primeira com uma pessoa. Você está
sentado no banco do passageiro e observa o modo como esta pessoa dirige.
Quais os comportamentos ou condutas lhe indicam ser esta pessoa mau7
motorista?
(mínimo de 4 resposta)
1)_______________________________________________
2)_______________________________________________
3)_______________________________________________
4)_______________________________________________
5)_______________________________________________
6)_______________________________________________
7)_______________________________________________
8)_______________________________________________
7
Foi aplicada uma variação com a palavra “bom”.
117
ANEXO 2 – Modelo de questionário com questão de evocação com
palavra indutora “dirigir”, aplicado ao grupo de jovens universitários
motoristas.
Idade: 18-19 anos
20-21 anos
22-23 anos 24-25 anos
26 anos ou mais
Dirige há quanto tempo? Menos de 1 ano De 1 a 2 anos De 2 a 3 anos
de 3 anos
Tem carro próprio? SIM
NÃO
Se respem queu não, responda à próxima questão:
Utiliza constantemente o veículo de outra pessoa?
SIM
NÃO
De quem?______________________
Normalmente, dirige quantas vezes da semana?
1 dia
2 dias
3 dias
mais de 3 dias
Mais
B) Quando você escuta a expressão “DIRIGIR”, que as palavras ou
expressões lhe vêm espontaneamente à cabeça?
(mínimo de 4 respostas)
1)_______________________________________________
2)_______________________________________________
3)_______________________________________________
4)_______________________________________________
5)_______________________________________________
6)_______________________________________________
7)_______________________________________________
8)_______________________________________________
118
ANEXO 3– Modelo de questionário com questão de evocação com a
palavra indutora “trânsito”e questões de escalas, aplicado ao grupo de
jovens universitários motoristas.
Idade: 18-19 anos
20-21 anos
22-23 anos 24-25 anos
26 anos ou mais
Dirige há quanto tempo? Menos de 1 ano De 1 a 2 anos De 2 a 3 anos
de 3 anos
Tem carro próprio? SIM
NÃO
Se respondeu não, responda à próxima questão:
Utiliza constantemente o veículo de outra pessoa?
SIM
NÃO
De quem?______________________
Normalmente, dirige quantas vezes da semana?
1 dia
2 dias
3 dias
mais de 3 dias
Mais
1) Quando você escuta a expressão “TRÂNSITO”, quais são as palavras ou
expressões que vêm imediatamente à sua cabeça?
1)___________________________________
2)___________________________________
3)___________________________________
4)___________________________________
5)___________________________________
6)___________________________________
7)___________________________________
8)___________________________________
2) Dentre as palavras que você citou na primeira questão, selecione as duas que
acredita serem as principais.
1)___________________________________
2)___________________________________
119
3) Nesta questão, são apresentados alguns itens, em escala variando de 1 a 7. Caso
você concorde plenamente com uma das afirmações, marque com um “X”acima do
número que aparece logo abaixo da afirmação, ou 1 ou 7. Caso concorde muito com
uma das afirmações, marque o número que melhor expresse sua opinião, ou seja, 2
ou 3 para a afirmação do lado esquerdo, ou 5 ou 6 para a afirmação do lado direito.
Se não tiver opinião formada, ou discordar de ambas as afirmações, assinale o
número 4.
Na sua opinião, a maioria dos motoristas:
A)
Dirige com
Dirige com
bastante
muita
atenção
não sei dizer
desatenção
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
B)
Dirige com
Dirige de modo
bastante
afoito, com muito
calma
não sei dizer
nervosismo
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
C)
Dirige com
Dirige em
velocidade
Velocidade alta
adequada
não sei dizer
Demais
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
D)
Usa constantemente
o cinto de
segurança
não sei dizer
Não usa o
Cinto de
Segurança
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
E)
Respeita
Não respeita
as leis de
As leis de
trânsito
Trânsito
não sei dizer
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
120
F)
Dirige com
Dirige
bastante
com
responsabilidade
não sei dizer
imprudência
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
G)
Dirige com
Dirige com
bastante
muito pouca
Agilidade
não sei dizer
Agilidade
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
H)
Dirige com
Dirige
bastante
completamente
Confiança
não sei dizer
insegura
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
I)
Usa
Normalmente
regularmente
não olha pelo
o Retrovisor
não sei dizer
retrovisor
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
J)
Somente
Ultrapassa sem
as condições
ultrapassa com
necessárias
não sei dizer
segurança
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
K)
Sempre usa a
Raramente usa
seta quando vai
a
mudar de direção
seta
não sei dizer
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
L)
costuma
Sempre
avançar o
respeita o
sinal
não sei dizer
semáforo
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
121
M)
Normalmente
Frequentmente
Respeita a distância
cola na traseira
do carro da frente
mínima
não sei dizer
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
N)
Normalmente diminui a
Freia bruscamente,
velocidade, para
com uma certa
frequência
freiar calmamente
não sei dizer
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
122
Na sua opinião, você:
A)
Dirige com
Dirige com
bastante
muita
atenção
não sei dizer
desatenção
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
B)
Dirige com
Dirige de modo
bastante
afoito, com muito
calma
não sei dizer
nervosismo
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
C)
Dirige com
Dirige em
velocidade
velocidade alta
adequada
não sei dizer
demais
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
D)
Usa constantemente
Não usa o
o cinto de
cinto de
segurança
não sei dizer
segurança
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
E)
Respeita
as leis de
trânsito
não sei dizer
Não respeita
as leis de
trânsito
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
F)
Dirige com
Dirige
bastante
com
responsabilidade
não sei dizer
imprudência
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
123
G)
Dirige com
Dirige com
bastante
muito pouca
Agilidade
não sei dizer
Agilidade
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
H)
Dirige com
Dirige
bastante
completamente
Confiança
não sei dizer
insegura
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
I)
Usa
Normalmente
regularmente
não olha pelo
o Retrovisor
não sei dizer
retrovisor
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
J)
Somente
Ultrapassa sem
as condições
ultrapassa com
necessárias
segurança
não sei dizer
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
124
K)
Sempre usa a
Raramente usa
seta quando vai
a
mudar de direção
seta
não sei dizer
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
L)
Sempre
costuma
respeita o
avançar o
semáforo
não sei dizer
sinal
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
M)
Normalmente
Frequentmente
Respeita a distância
cola na traseira
do carro da frente
mínima
não sei dizer
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
N)
Normalmente diminui a
Freia bruscamente,
velocidade, para
com uma certa
frequência
freiar calmamente
não sei dizer
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
125
ANEXO 4 – Modelo de questionário utilizado no estudo da
representação global do trânsito em agentes de fiscalização.
Idade: 18 anos ( ) 19 anos ( ) 20 anos ( ) 21 anos ( ) 22 anos ou mais ( )
Escolaridade: 2º. Grau completo ( ) Universitário ( ) Curso Superior completo ( )
Há quanto tempo sabe dirigir: até 1 ano ( ) de 1 a 2 anos ( ) Mais de 2 anos ( )
Tem CNH? Sim ( ) Não ( )
1)Quando você escuta a expressão “DIRIGIR”, quais são as palavras ou expressões que
lhe vêm espontaneamente à cabeça? (Mínimo 4 respostas)
1)___________________________________
2)___________________________________
3)___________________________________
4)___________________________________
5)___________________________________
6)___________________________________
7)___________________________________
8)___________________________________
2)Quando você escuta a expressão “TRÂNSITO”, quais são as palavras ou expressões
que lhe vêm espontaneamente à cabeça?
1)___________________________________
2)___________________________________
3)___________________________________
4)___________________________________
5)___________________________________
6)___________________________________
7)___________________________________
8)___________________________________
126
3)Nesta questão, são apresentados alguns itens, em uma escala variando de 1 a 7. Caso
você concorde plenamente com uma das afirmações, marque com um “X”acima do
número que aparece logo abaixo da afirmação, ou 1 ou 7. Caso concorde muito com
uma das afirmações, marque o número que melhor expresse sua opinião, ou seja, 2 ou 3
para a afirmação do lado esquerdo, ou 5 ou 6 para a afirmação do lado direito. Se não
tiver opinião formada, ou discordar de ambas as afirmações, assinale o número 4.
Na sua opinião, a maioria dos motoristas
A)
Dirige com
Dirige com
bastante
muita
atenção
não sei dizer
desatenção
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
B)
Dirige com
Dirige de modo
bastante
afoito, com muito
calma
não sei dizer
nervosismo
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
C)
Dirige com
Dirige em
velocidade
Velocidade alta
adequada
não sei dizer
Demais
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
D)
Usa constantemente
o cinto de
segurança
não sei dizer
Não usa o
Cinto de
Segurança
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
E)
Respeita
Não respeita
as leis de
As leis de
trânsito
Trânsito
não sei dizer
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
127
F)
Dirige com
Dirige
bastante
com
responsabilidade
não sei dizer
imprudência
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
G)
Dirige com
Dirige com
bastante
muito pouca
Agilidade
não sei dizer
Agilidade
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
H)
Dirige com
Dirige
bastante
completamente
Confiança
não sei dizer
insegura
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
I)
Usa
Normalmente
regularmente
não olha pelo
o Retrovisor
não sei dizer
retrovisor
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
J)
Somente
Ultrapassa sem
as condições
ultrapassa com
necessárias
não sei dizer
segurança
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
K)
Sempre usa a
Raramente usa
seta quando vai
a
mudar de direção
seta
não sei dizer
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
128
L)
Sempre
costuma
respeita o
avançar o
semáforo
não sei dizer
sinal
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
M)
Normalmente
Frequentmente
Respeita a distância
cola na traseira
do carro da frente
mínima
não sei dizer
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
N)
Normalmente diminui a
Freia bruscamente,
velocidade, para
com uma certa
frequência
freiar calmamente
não sei dizer
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
129
4)Na sua opinião, você:
A)
Dirige com
Dirige com
bastante
muita
atenção
não sei dizer
desatenção
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
B)
Dirige com
Dirige de modo
bastante
afoito, com muito
calma
não sei dizer
nervosismo
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
C)
Dirige com
Dirige em
velocidade
velocidade alta
adequada
não sei dizer
demais
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
D)
Usa constantemente
Não usa o
o cinto de
cinto de
segurança
não sei dizer
segurança
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
E)
Respeita
as leis de
trânsito
não sei dizer
Não respeita
as leis de
trânsito
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
F)
Dirige com
Dirige
bastante
com
responsabilidade
não sei dizer
imprudência
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
130
G)
Dirige com
Dirige com
bastante
muito pouca
Agilidade
não sei dizer
Agilidade
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
H)
Dirige com
Dirige
bastante
completamente
Confiança
não sei dizer
insegura
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
I)
Usa
Normalmente
regularmente
não olha pelo
o Retrovisor
não sei dizer
retrovisor
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
J)
Somente
Ultrapassa sem
as condições
ultrapassa com
necessárias
segurança
não sei dizer
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
K)
Sempre usa a
Raramente usa
seta quando vai
a
mudar de direção
seta
não sei dizer
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
L)
costuma
Sempre
avançar o
respeita o
sinal
não sei dizer
semáforo
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
131
M)
Normalmente
Frequentmente
Respeita a distância
cola na traseira
do carro da frente
mínima
não sei dizer
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
N)
Normalmente diminui a
Freia bruscamente,
velocidade, para
com uma certa
frequência
freiar calmamente
não sei dizer
⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥______⊥
1
2
3
4
5
6
7
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dissertacão rosival lagares