Ecoinovação no contexto europeu: a União Europeia como agente indutor
da mudança – análise retrospectiva (2007-2013) e perspectiva (2014-2020)
André Tavares Barbosa1
João Medina Prata Pinheiro2
Sara Maria Barbosa de Medina3
Resumo estruturado
Este artigo tem como objetivo apresentar políticas e programas da União Europeia (UE) que
apoiaram (no período 2007-2013) e que apoiam (entre 2014-2020) a ecoinovação e
exemplificar, através de casos concretos, de que forma o apoio da UE contribui para o
desenvolvimento da Ecoinovação no contexto europeu. Metodologicamente, este artigo
implica inicialmente a definição das premissas teóricas e empíricas, com ênfase no conceito
de ecoinovação pela UE. Implica, ainda, uma análise bibliográfica e documental sobre a
Iniciativa Ecoinovação (2008) e a avaliação da programação estratégica, operacional e
financeira da UE para o período 2014-2020. A Iniciativa Ecoinovação e os demais programas
da UE analisados evidenciam a relevância das temáticas da sustentabilidade e da ecoinovação
e o alcance de impactos positivos expressivos, do ponto de vista económico e ambiental. A
análise empreendida permite evidenciar a influência das questões de mercado e das questões
financeiras no desenvolvimento da ecoinovação. A incerteza na demanda, o conservadorismo
relativo dos consumidores, a volatilidade no preço das matérias-primas e materiais, a
necessidade de elevado investimento para a replicação no mercado de tecnologias inovadoras
são algumas das principais tendências e barreiras associadas. A influência das questões de
mercado sobre a ecoinovação induz a adoção de processos colaborativos na condução da
pesquisa e inovação, centrados no envolvimento dos consumidores/usuários finais. Infere-se,
ainda, que o apoio financeiro da UE à ecoinovação, embora subsidiário, atua de forma
“cirúrgica”, procurando colmatar as lacunas da cadeia de valor, nomeadamente o “vale da
morte” – transição entre o estágio de demonstração do produto e a sua produção escalável e
comercialização. A análise retrospectiva identifica boas práticas, do ponto de vista da
arquitetura político-institucional e financeira, que estimulem de modo eficaz a ecoinovação e
o desenvolvimento de novos produtos e serviços para a economia verde. Estas boas práticas
poderão servir de exemplo inspirador ao contexto brasileiro. A análise perspectiva, por sua
vez, identifica, nos programas analisados para o período 2014-2020, apoios financeiros
relevantes na área da ecoinovação e aplicáveis a instituições brasileiras, podendo servir como
ponto de partida para a geração de oportunidades de cooperação bilateral nas áreas de P&D,
inovação e empreendedorismo.
Palavras-chave
1
Formado em Direito pela Universidade de São Paulo e mestre em Relações Internacionais pela Universidade do Minho (Portugal). É
consultor sênior na Sociedade Portuguesa de Inovação - SPI (Av. Marechal Gomes da Costa, nº 1376, fone: +351 226076400, Porto,
Portugal). [email protected].
2
Formado em Gestão Industrial e mestre em Planejamento e Projeto do Ambiente Urbano pela Universidade do Porto (Portugal). É gestor da
área de Desenvolvimento Regional na SPI. [email protected].
3
Formada em Engenharia Alimentar pela Universidade Católica Portuguesa, mestre em Estudos Alimentares por 5 universidades europeias e
doutora em Economia Agroalimentar pela Universidade da Flórida. É Administradora da SPI. [email protected].
Ecoinovação; União Europeia; Vale da Morte; Abordagem centrada no usuário
Eco-innovation in the European contexto: the European Union as a driver
of change – retrospective (2007-2013) and perspective (2014-2020) analysis
Structured summary
This article intends to present the policies and programmes of the European Union (EU) that
supported (in 2007-2013) and that currently support (between 2014-2020) the eco-innovation
and to exemplify, with concrete cases, how the EU support has contributed to the
development of Eco-innovation in the European context. Methodologically, this articles
begins with the definition of the theoretical and empirical premises of the article. It also
includes a bibliographic analysis, with a retrospective character, focused on the impact and
results assessment of the Eco-innovation Initiative (2008) as well as a bibliographic analysis,
with a perspective character, focused on the strategic, operational and financial EU
programming for 2014-2020. The Eco-innovation Initiative and all the other assessed EU
programmes show the relevance of sustainability and eco-innovation as well as the substantial
positive impacts to the economy and to the environment. The undertaken analysis has shown
the influence of market-related issues and financially-related issues into eco-innovation
development. Demand, uncertainty, consumers’ conservative choices, raw materials and
materials volatile prices, the need of high investment for market uptake of innovative
technologies and the scarcity of such investment supported by the private sector are a few of
the key trends and barriers associated to these two issues. In addition, the influence of marketrelated issues over eco-innovation push forward the undertaking of research & innovation
collaborative processes on eco-innovation, focused on involving consumers/end users in
designing solutions to their problems and needs. This article helps concluding that the EU
financial support to eco-inovation, despite beying subsidiar, has a “surgical” implementation,
as it tries to fulfill gaps identified in the value chain, namely the so called “valley of death” –
the transition between the product demonstration stage and its competitive manufacturing and
commercialization. The retrospective analysis identifies good practices from the policyinstitutional and financial perspective, which effectively foster eco-innovation and the
development of new products, new services, new technologies and new businesses for the
green economy. Such good practices may be inspiring cases for the Brazilian context. The
perspective analysis identifies, in the 2014-2020 programmes assessed, relevant financial
support opportunities for the eco-innovation which are applicable to Brazilian institutions, and
which can serve as the starting point for generating bilateral cooperation opportunities within
the research, development, innovation and entrepreneurship fields.
Key words

Eco-innovation;

European Union;

Valley of Death;

User-centered approach.
Ecoinovação no contexto europeu: a União Europeia como agente indutor
da mudança – análise retrospectiva (2007-2013) e perspectiva (2014-2020)
1. A ecoinovação no contexto europeu: dados conceituais e empíricos
A UE define ecoinovação como “qualquer forma de inovação que permite ou visa progressos
significativos demonstráveis na consecução do objetivo de desenvolvimento sustentável,
através da redução dos impactos no ambiente, do aumento da resiliência às pressões
ambientais ou de uma utilização mais eficiente e responsável dos recursos naturais.4
Em 2013, a entidade gestora da Iniciativa Ecoinovação – Executive Agency for
Competitiveness & Innovation (EACI) – realizou um estudo de avaliação sobre os resultados e
impacto dos projetos que apoiou.5 As duas principais motivações para a ecoinovação são a
obtenção de vantagens competitivas e o aumento da demanda por produtos ecoinovadores e
eficientes. Já o Eurobarômetro sobre as atitudes dos empreendedores europeus em relação à
ecoinovação6 identifica (i) a incerteza da demanda e (ii) a incerteza do retorno do
investimento ou um período de payback bastante longo como as principais barreiras à
ecoinovação. Assim, os principais gargalos à ecoinovação incidem sobre o “Vale da Morte” –
estrangulamento da cadeia de valor da inovação entre o desenvolvimento tecnológico (ações
de demonstração e validação em ambiente real) e a comercialização para o mercado
(escalabilidade e competitividade da produção).7
2. Uma análise retrospetiva: a Iniciativa Ecoinovação
A Iniciativa Ecoinovação é promovida pela UE desde 2008e pretende colmatar as lacunas
entre a pesquisa e o mercado, apoiando a transformação dos resultados de atividades
científicas relacionadas com o meio ambiente em produtos, serviços e processos prontos para
utilização pelo mercado. Abaixo apresenta-se um exemplo de projeto apoiado pela Iniciativa.
Runcombar (Rubberised Concrete Noise Barriers) (http://www.ruconbar.com/)
O seu objetivo fundamental foi o desenvolvimento de barreiras anti-ruído de borracha a partir
da reciclagem de pneus. Cerca de 7.800 pneus permitem a construção de 3.000m2 de
barreiras anti-ruído, permitindo uma redução de cerca de 30% na emissão de gases de efeito
estufa (em comparação com outras soluções similares existentes no mercado) e na utilização
de recursos não renováveis, como a argila.8
Segundo o estudo da EACI, os principais resultados ambientais alcançados pelos projetos
foram os seguintes:
 Redução na emissão de gases de efeito estufa (3,7 milhões de toneladas de CO2);
 Poupança de água (169 milhões de m3);
 Poupança energética (1,3 milhão de toneladas de petróleo);
COM(2011) 899: Comunicação da Comissão «Inovação para um futuro sustentável – Plano de Ação sobre Ecoinovação), p.3.
EACI, 2013. Analysing and reporting on the results achieved by CIP Eco-Innovation market replication projects. Final report.
EACI/ECO/2011/001.
6
Eurobarómetro Flash n.º 315: «Attitudes of European entrepreneurs towards eco-innovation», Março de 2011.
7
European Commission, 2011. High Level Expert Group on Key Enabling Technologies – Final Report.
8
http://www.ruconbar.com/rcnb/wp-content/uploads/2014/06/RUCONBAR_brochure_A4_EN_web.pdf.
4
5
1
 Redução de 130.000 quilos na geração de resíduos perigosos;
 Redução de 609.000 toneladas na geração de resíduos não perigosos;
 Poupança de 1,5 milhão de toneladas na utilização de diferentes matérias-primas.
3. Uma análise prospectiva: o período de programação 2014-2020
O programa Horizonte 2020 (H2020) é o principal programa de financiamento à pesquisa e
inovação no contexto europeu, com um orçamento de cerca de € 80 bilhões. O H2020 está
estruturado em 3 pilares fundamentais e cada pilar subdivide-se em áreas temáticas. A
ecoinovação insere-se no pilar dos desafios societais e, em particular, no desafio nº 5 - Ação
climática, Ambiente, Eficiência de Recursos, e Matérias-primas. Destacam-se a seguir
chamadas de propostas, dentro do desafio 5, que se relacionam com ecoinovação.
WASTE-5-2014: Preparing and promoting innovation procurement for resource efficiency
Estabelecimento de grupos de aquisições públicas (buyer’s group of public procurers) com o
intuito de superar a fragmentação da demanda por soluções ecoinovadoras para a eficiência
no uso dos recursos e para a gestão e prevenção de resíduos. Este grupo ficará responsável
pelo delineamento de diretrizes comuns (avaliação de necessidades, modelização financeira,
consultas ao mercado) e concepção e análise de viabilidade de uma aquisição pública de
inovação conjunta ou coordenada.
WASTE-6-2015: Promoting eco-innovative waste management and prevention as part of
sustainable urban development
a) Soluções ecoinovadoras – ações de demonstração, ações-piloto e replicações no
mercado de tecnologias, processos e/ou serviços ecoinovadores, eficientes do ponto
de vista energético e do custo, em áreas como prevenção, tratamento, coleta e
reciclagem de resíduos e recuperação de materiais valiosos de resíduos;
b) Estratégias ecoinovadoras – desenvolvimento de estratégias inovadoras e sustentáveis
para a prevenção e gestão de resíduos em áreas urbanas e periurbanas, que enfatizem
como os padrões, tendências, comportamentos de consumo, estilos de vida, cultura
arquitetura e aspectos socioeconômicos urbanos que influenciam o “metabolismo das
cidades”.
SC5-20-2014/2015: Boosting the potential of small businesses for eco-innovation and a
sustainable supply of raw materials
Este tópico enquadra-se na tipologia de projeto intitulada “Instrumento PME”, destinando-se
exclusivamente a pequenas ou médias empresas (subvencionadas a 70%) e seguindo uma
metodologia de 3 fases (estudo de viabilidade, desenvolvimento da inovação/demonstração,
acesso a capital de risco).
Seu objetivo é apoiar PME ecoinovadoras que enfrentam dificuldades na comercialização da
tecnologia que desenvolvem, tais como ausência de prova de conceito, de prototipagem ou de
estudos de escalabilidade.
A fase 1 inclui análise de risco, estudo de mercado, gestão de Propriedade Intelectual ou
estudo de viabilidade; a fase 2 enquadra ações de demonstração, ações-piloto, design,
2
prototipagem, miniaturização, replicação.
O Programa Life+ é o instrumento financeiro que apoia projetos europeus nas áreas do
ambiente, conservação natural e ação climática. O Programa conta com uma dotação
financeira de € 3,45 bilhões de euros e as taxas de subvenção situam-se normalmente entre os
60% e os 75%.
Abaixo são referidos alguns projetos apoiados pelo Life (2007-2013) que trabalharam de
forma diretamente a ecoinovação.
ESHA-TRR - Total Roof Recycling - New ways for old bitumen
O objetivo do projeto foi promover uma alternativa viável para a reciclagem de material
betuminoso, em detrimento de técnicas menos sustentáveis (despejo ou incineração),
transformando-o, por exemplo, em feltros para telhados. O projeto apoiou a instalação de
uma unidade-piloto de reciclagem. O projeto teve continuidade através de uma nova
subvenção, por via da Iniciativa de Ecoinovação, com enfoque no desenvolvimento do
mercado para os produtos recicláveis, sob a marca Bielso (Bitumen End of Life Solutions).
LIFE GREENJOIST - Production of recycled high quality joists from wood waste
Este projeto pretende explorar uma nova finalidade na reciclagem de resíduos de madeira,
reutilizando-o para a produção de vigas. O projeto, iniciado em 2014, irá operacionalizar
uma planta industrial piloto que pretende utilizar até 10 toneladas diárias de resíduos de
madeira reciclada e, entre outros impactos, pretende contribuir para a disseminação de colas
produzidas a partir da lignina, tanino ou amido.
4. Reflexões finais – a mútua implicação entre UE e ecoinovação
Ecoinovação – uma atividade do Mercado e para o Mercado
A ecoinovação é uma atividade do Mercado no contexto europeu porque resulta
fundamentalmente da união de interesses de agentes privados. Por outro lado, a ecoinovação é
uma atividade para o Mercado porque é fortemente orientada para a resolução de problemas e
necessidades concretas deste Mercado – meio empresarial, dos consumidores ou beneficiários
finais.
Ecoinovação – um mercado incerto, um desafio financeiro, uma oportunidade futura
O mercado da Ecoinovação é ainda caracterizado por um elevado grau de incerteza e de
insegurança, decorrente do conservadorismo dos consumidores e do custo. A questão
financeira é outros dos aspectos que caracteriza o mercado da Ecoinovação. O financiamento
é um aspecto crítico para o sucesso da transição da tecnologia ecoinovadora de um protótipo
testado para um produto escalável em termos de produção e comercializável no mercado. E
num contexto de insegurança, incerteza e volatilidade do mercado, este financiamento tornase um investimento ainda mais arriscado.
Ecoinovação – processos colaborativos como denominador comum
A Ecoinovação caracteriza-se cada vez mais pela implantação de processos colaborativos no
desenvolvimento das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PDI) a ela
3
relacionadas. Isto se reflete, por exemplo, na partilha de recursos, infra-estruturas e know-how
nas atividades de PDI desenvolvidas a nível europeu; ou na operacionalização de abordagens
de design centradas no usuário – como o co-design, design contextual, entre outras.
Subvenção pública – o papel subsidiário, mas “cirúrgico” da UE
O papel da UE é subsidiário porque a Ecoinovação é uma atividade do mercado e para o
mercado. Logo, são os atores privados os que primordialmente devem atuar no
desenvolvimento e financiamento ao mercado da Ecoinovação. Este papel subsidiário da UE
não é, contudo, secundário ou residual. A UE canaliza o apoio financeiro à Ecoinovação para
estágios muito específicos da cadeia de valor da Ecoinovação, centrando esforços nas etapas
de demonstração do produto (prototipagem, linhas-piloto, por exemplo) e na sua transição
para o mercado (escalabilidade da produção e comercialização).
Subvenção pública– uma ponte para atravessar o “Vale da Morte”
Os programas europeus para o ciclo de 2014-2020 pretendem dar continuidade ao desafio de
proporcionar uma transição suave e com êxito do chamado “vale da morte” e,
consequentemente, em ajudar tecnologias e produtos ecoinovadores a chegarem ao mercado.
Um número considerável de chamadas de projetos pretendem fomentar, portanto, projetos
com forte envolvimento de atores privados, que tomem por base tecnologias já desenvolvidas
mas que tenham escassez de investimento.
4
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a União Europeia como agente indutor da mudança