CEFAC CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA MOTRICIDADE ORAL FONOAUDIOLOGIA: UMA VIVÊNCIA EM SAÚDE PÚBLICA Monografia de conclusão do curso de especialização em Motricidade oral Orientadora: Miriam Goldenberg MARIA THEREZA JUNQUEIRA DE GODOY PEREIRA SÃO PAULO 1999 1 RESUMO O objetivo geral deste estudo propõe a reflexão de uma vivência em Instituição Pública. Foi descrito o histórico dos setores de fonoaudiologia do Ambulatório de Saúde Mental - Centro, que funcionou entre 1984 e 1997, e do Centro de Saúde Armando Darienzo, organizado a partir de agosto de 1997, funcionando até os dias de hoje. O trabalho compõe-se de cinco partes : História da Fonoaudiologia no Brasil, O Sistema de Saúde no Brasil, Prevenção em Fonoaudiologia, Organização dos Serviços X Atuação do Fonoaudiólogo .e Pesquisa Prática, realizada entre agosto de 1997 e julho de 1999, no Centro de Saúde já citado. Pretendo com esta monografia analisar este serviço , que apesar de não ter muitos recursos , tem conseguido ser referência para uma população carente. Um maior conhecimento da minha clientela, sua origem, sua faixa etária, suas queixas, enfim suas características, irão me auxiliar no planejamento de novas estratégias de atendimento. Levantei as condutas tomadas (encaminhamento, terapia ou acompanhamento fonoaudiológico, entre outros), descrevi e refleti sobre os resultados do tratamento (alta, abandono, fila de espera). Esta monografia poderá ser útil a outros profissionais e estudantes, que se interessem pela área da saúde pública. 2 SUMMARY This study was a reflection about my job at Public Health Institution. I have worked for thirteen years (1984 – 1997) at a Mind Health Clinic, and then since 1997, I have been working at Armando Darienzo Health Clinic. The monograph was composed of five chapters: the Speech Therapy in Brazil, the Health System in Brazil, the Prevention, the Speech Therapy and the Public Health Institution and the Practice Research. I have studied the customers, their age, their complaints, where they live, where they come from and so on. This knowledge will help me to review Armando Darienzo Health Clinic’s structure. My study will be useful for students and people who work and have interest for Public Health. 3 Dedico este estudo aos quatro homens da minha vida: Tadeo, Gustavo, Pedro e Marcelo AGRADECIMENTOS Agradeço a meus pais e a minha avó Antonieta pelo incentivo a voltar a estudar. A minha diretora Dra. Eliana Paiva da Silva, aos funcionários da UBS Armando Darienzo, principalmente à psicóloga Evelyn Britto, por toda colaboração. A todos os pacientes, sem os quais eu não poderia realizar este trabalho. 4 SUMÁRIO 1. Introdução 6 2. Discussão Teórica 8 2.1. História da Fonoaudiologia no Brasil 8 2.2. O Sistema de Saúde no Brasil 10 2.3. Prevenção em Fonoaudiologia 12 2.4. Organização dos Serviços de Fonoaudiologia e Atuação do Fonoaudiólogo 15 3. Pesquisa Prática 22 4. Considerações Finais 36 5. Referências Bibliográficas 39 5 1. INTRODUÇÃO A fonoaudiologia tem uma área de atuação bastante ampla, porém, desde a graduação meu interesse encaminhou-se para o trabalho em instituição. Entrei para o serviço público em 1984, através de concurso, tendo sido lotada no Ambulatório de Saúde Mental - Centro. Trabalhei por treze anos na Equipe Multiprofissional de Atendimento à Criança, que teve sua formação alterada, várias vezes, durante esses anos. Diversos profissionais, tais como psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos estiveram trabalhando por algum período de tempo ( o que comprova a rotatividade no Estado ). Apesar disso, tive como colegas constantes, uma psiquiatra, uma psicóloga e uma assistente social. Durante este período, atendi predominantemente alterações na aquisição e no desenvolvimento da linguagem, distúrbios articulatórios, distúrbios de leitura e escrita, e distúrbios miofuncionais orais. A organização básica do atendimento era realizada através da triagem ( “porta - de - entrada” do Ambulatório ) e da avaliação de linguagem. O paciente poderia ser encaminhado para terapia fonoaudiológica individual, grupal ou para outro recurso da comunidade. Qualquer membro da família ou responsável deveria participar do grupo de orientação familiar, realizado pela psiquiatra ou assistente social. O serviço recebia crianças de até doze anos provenientes de creches, escolas, unidades básicas de saúde, entre outros. A partir de estatísticas realizadas por exigências do serviço, acredita-se que a equipe atendia a praticamente 30% da demanda do ambulatório. 6 As atividades realizadas enquadravam-se na definição de prevenção secundária de Andrade (1995) que considera como ações secundárias aquelas que têm como objetivo a reversão de um quadro em andamento, alterando ou retardando sua evolução, através do diagnóstico e tratamento precoce. Em 1997, o prédio do ambulatório foi cedido para a implantação de um serviço de atendimento a psicóticos. A coordenação dos trabalhos coube a profissionais que não se interessaram pelo tratamento de crianças, fixando a idade limite em dezesseis anos. Com o trabalho descaracterizado e com a impossibilidade de vê-lo transferido para outra unidade, a equipe foi desmantelada. A psiquiatra infantil aposentou-se, a assistente social integrouse ao “novo” ambulatório, a psicóloga e eu fomos trabalhar na Unidade Básica de Saúde Armando Darienzo (UBS). Aqui começa meu interesse em realizar esse estudo, registrando o surgimento de um setor de psicologia e fonoaudiologia infantil voltado para a comunidade do bairro da Bela Vista. Tentarei mostrar ( e realmente acredito nisso) que existem profissionais dentro das instituições públicas, que apesar dos parcos recursos, fazem um trabalho honesto, visando atender as necessidades da população. Tendo nascido numa família que sempre demonstrou interesse pelo trabalho em instituições públicas, acredito ser essencial mostrar a estruturação de um serviço que vem funcionando bem há quase dois anos. Para mim, como fonoaudióloga, é uma oportunidade de repensar meu trabalho e desenvolver novas formas de atuação para a população atendida, na UBS. Armando Darienzo. 7 A partir deste estudo, levantarei características fonoaudiológicas da minha clientela, as quais poderão ajudar-me no planejamento de ações de saúde mais efetivas. Segundo Befi (1997) é necessário que as intervenções sejam planejadas após a compreensão da realidade da comunidade e seus determinantes, bem como de sua relação com o atendimento em saúde pública. Os serviços não devem ser organizados segundo o interesse dos profissionais que lá trabalham ou a partir de um paciente em particular. Mendes (1997) afirma que as prioridades e critérios não estão na UBS e sim na população que usa o serviço, levando-se em conta as condições de atendimento da unidade 2. DISCUSSÃO TEÓRICA 2.1. HISTÓRIA DA FONOAUDIOLOGIA NO BRASIL Segundo Cavalheiro (1997), a fonoaudiologia tem sua origem nos anos trinta. Nas décadas de quarenta e cinqüenta inicia-se a atividade profissional propriamente dita, cuja formação estava ligada ao curso de Magistério. Desde então, tem tido estreita relação com as atividades pedagógicas dos professores, vinculando-se também à área médica em virtude de seu caráter reabilitador. Na década de sessenta, surgem os primeiros cursos, na USP em 1960 e na PUC-SP em 1961, ambos com duração de um ano. Meira (1997) relata que foram necessários anos de luta para que fosse adquirido o status de nível superior. O Conselho Federal de Educação e do 8 Departamento de Assuntos Universitários ( DAU ) tinha interesse em regulamentar o Curso de Fonoaudiologia como um curso superior de curta duração. Sendo assim, o fonoaudiólogo seria um tecnólogo, subordinado a outro profissional de curso superior de longa duração. Os fonoaudiólogos não aceitaram e assinaram um documento solicitando que a fonoaudiologia tivesse status de curso superior de longa duração. As exigências do Conselho foram muitas. Foi necessário criar um plano de curso (1975), mas a “batalha” foi vencida. Cappelletti (1985) faz uma análise da profissão através da legislação existente e afirma que o primeiro documento oficial que fala no Brasil sobre a fonoaudiologia e o papel do fonoaudiólogo é o Parecer 2013/74, que na época conceituava o profissional como técnico, desenvolvendo atividade paramédica. Em 1976, é finalmente fixado o primeiro Currículo Mínimo (Resolução nº 54/76) com disciplinas voltadas à reabilitação, mas também à educação. Paralelamente, existia a luta para regulamentar a profissão. Em 1977,segundo Meira, houve a primeira tentativa com o Projeto de Lei do Senador André Franco Montoro, que tornou a profissão conhecida pelos deputados, senadores e pela própria sociedade. A segunda tentativa ocorreu com o Projeto de Lei do Deputado Otacílio de Almeida. Porém, apenas após a unificação de diversos projetos, foi homologada a Lei nº 6965, apresentada pelo mesmo Deputado, em 9 de dezembro de 1991. Em 1978, começaram os Congressos, seguindo-se a publicação dos primeiros trabalhos científicos e livros. Na década de oitenta, o número de cursos e eventos na área cresceu por todo o Brasil, sendo realizado, apenas 9 em 1992, o 1º Encontro Nacional de Fonoaudiologia. O Novo Currículo Mínimo foi implantado em 1993, sem modificações profundas, principalmente, em relação à área preventiva e educacional Neste mesmo ano, o Conselho Regional de Fonoaudiologia - 2ª Região promoveu o “ I Fórum de Formação Profissional “. Suas principais conclusões foram registradas por Cavalheiro (1997).Entre elas, a revisão do currículo mínimo que deve ser realizada com urgência para possibilitar uma melhor formação dos profissionais ligados às questões sócio - comunitárias. Os cursos deverão oferecer disciplinas que habilitem o profissional para o trabalho preventivo 2.2. O SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL O Sistema de Saúde do Brasil originou-se a partir da necessidade de resolver os problemas de saúde das classes menos privilegiadas. O governo, sob pressão da Igreja, criou alguns serviços para evitar prejuízos à produção. Em 1923, são criados os Institutos de Aposentadoria e Pensão ( IAPS ), visando a proteção de trabalhadores do sistema bancário, do comércio e da indústria. Esses Institutos, em 1960, são agrupados no Instituto Nacional de Previdência Social ( INPS ). Em 1977, cria-se o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social ( INAMPS ) com o objetivo de oferecer assistência médica aos trabalhadores urbanos, aos servidores civis da União e suas Autarquias e do Distrito Federal. Em 1980, é divulgado o Programa de Serviços Básicos de Saúde 10 (PREV-SAÚDE ) com o objetivo de universalizar a atenção primária em todo território nacional. Na tentativa de integrar a atenção à saúde, oferecidas pelas Instituições Públicas (a nível municipal, estadual e federal ), inclusive com repasse de verbas aos Estados, foram assinadas, em 1984, as Ações Integradas de Saúde ( AIS ). A partir do Decreto nº 94657, de 1987, cria-se o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde ( SUDS ), que com a publicação da Constituição (1988), defini-se como Sistema Único de Saúde ( SUS ). Conforme definição de Garbin (1995) o SUS é um sistema único e integrado por uma rede regionalizada de ações e serviços, que visa a redução de doenças e o acesso universal e igualitário da população. Tem como prioridade as ações preventivas, garantindo a participação da comunidade nas decisões e garantindo igualmente a gratuidade dos serviços. São definidos como de competência do Município o planejamento e execução das ações e serviços de atenção básica à saúde da população. Ao Estado cabe a execução de ações e serviços do nível terciário e quaternário, além de ter o poder de corrigir distorções. Para a União cabe o financiamento, a normatização, a regulamentação e o controle do SUS. Para Garbin, a Municipalização é a base da organização do SUS, pois possibilita a descentralização e a hierarquização dos serviços, a otimização dos recursos e pela proximidade da população possui um maior controle e participação social. Entre os anos setenta e oitenta, os fonoaudiólogos foram inseridos no sistema público pelas Secretarias de Educação e Saúde. Os serviços, 11 geralmente, eram estruturados como um consultório com o objetivo de reabilitar seus pacientes. A maior parte dos profissionais trabalhava de forma isolada, em Hospitais e Ambulatórios de Saúde Mental. Com a estruturação do SUS, são realizados concursos públicos pela Secretaria da Saúde ( principalmente em São Paulo ). Alguns fonoaudiólogos foram lotados em Centros de Saúde iniciando a participação da Fonoaudiologia na atenção primária à saúde. 2.3. PREVENÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA A Comunicação Humana, segundo Andrade (1996), abrange o falar, o ouvir, o ler, o escrever e os informes não verbais ( expressões faciais, gestos, hesitações e o próprio silêncio ). Sua qualidade é determinante para autoconfiança, felicidade e segurança, permitindo uma comunicação mais efetiva e fundamental para a saúde do indivíduo. Para Russo (1997), comunicar é partilhar informações, pensamentos, idéias, desejos e aspirações com alguém que temos alguma coisa em comum. É um ato social fundamental do ser humano. O doente fonoaudiológico tem uma patologia que interfere em sua saúde pelo sofrimento, perda ou insucesso desta capacidade única da espécie. Qualquer manifestação patológica nestas áreas pode causar “dor” ou fracasso social, limitando o contato do indivíduo com o mundo e comprometendo sua qualidade de vida. Andrade (1996) divide a prevenção em diversos níveis: 1-Primária: visa a promoção da saúde e a proteção específica. O 12 primeiro aspecto tem como objetivo desenvolver a saúde geral através de ações que aumentem a saúde e o bem-estar da população. As medidas buscam melhorias em relação à nutrição, educação sanitária e desenvolvimento global (moradia, trabalho, transporte e lazer). A proteção específica desenvolve atividades que combatam uma doença ou grupo de doenças, antes que atinjam o ser humano, como por exemplo, a imunização ou campanhas para hábitos pessoais profiláticos. Ambos aspectos têm como objetivo eliminar ou inibir fatores que levem a ocorrência ou desenvolvimento das patologias da comunicação. 2-Secundária: visa detectar e tratar, rapidamente, patologias instaladas, através do diagnóstico e tratamento precoce. São medidas individuais e coletivas, cujo principal objetivo é a avaliação em massa da população ou de grupos específicos da população (ex. screening auditivo). As ações têm como meta limitar a incapacidade, minimizando e/ou retardando as conseqüências da doença. 3-Terciária: através da reabilitação tenta reduzir ao mínimo as seqüelas, evitando o desajuste psicossocial. É também uma forma de prevenção pois tenta interromper o processo de incapacidade total A integração ou reintegração do indivíduo à sociedade é o objetivo final. Deve-se orientar o indivíduo, por meio do tratamento, a viver e trabalhar tão eficientemente quanto possível. A atenção primária à saúde, segundo Befi (1997) e Sampaio (1997), tem uma capacidade resolutiva de 85% a 90% dos problemas da população, sendo a “chave” para que seja alcançada a saúde para todos. As Unidades 13 Básicas e os Centros de Saúde, responsáveis pela APS, devem solucionar os problemas de menor dificuldade técnica, diagnóstica e terapêutica. Caso seja necessário, será realizado um encaminhamento aos demais níveis: Atenção Secundária à Saúde (Clínicas e/ou Ambulatórios de Especialidades) e Atenção Terciária à Saúde (Rede Hospitalar de Referência). Como o atendimento está próximo ao indivíduo e à sua família, os profissionais podem eleger suas estratégias a partir das necessidades daquela região. O fonoaudiólogo que escolher a Saúde Pública como área de atuação, deve ter por objetivo a promoção, a prevenção e a recuperação da saúde fonoaudiológica da população, em geral, através de medidas de alcance coletivo (BEFI, 1997). Maia (1997) concorda e afirma que a UBS deve ser um centro de atenção integral à pessoa e à coletividade, através de ações de promoção de saúde (prevenção, terapêutica e reabilitação). Befi (1997) ainda vai mais além pretendendo que o fonoaudiólogo seja um generalista, não um especialista em determinada área, capaz de identificar os problemas e planejar ações que os solucionem. Andrade (1996) sugere que os profissionais devem ampliar seus conhecimentos na área preventiva e confirma a necessidade de valorização do fonoaudiólogo generalista. O autor observa o quanto é difícil conseguir a compatibilização entre a tecnologia moderna e a demanda real dos serviços para a comunidade. As ações na área resumem-se, praticamente, às atividades individuais, unilaterais e isoladas. A formação do profissional deve incluir além da educação multidisciplinar, métodos e técnicas inovadoras e de baixo custo para a 14 realidade da saúde pública. A aprendizagem deve ser um processo contínuo, destacando-se a importância da atualização profissional. O profissional de saúde pública tem como objetivo principal a prevenção. Seu interesse está nas doenças que afetam um grupo específico e suas medidas devem ser de caráter comunitário, dentro de um determinado recurso, cuja responsabilidade é do Estado. Andrade enfatiza que a prevenção não se resume à diminuição da ocorrência de doenças. Suas ações devem proteger, diagnosticar, tratar e reabilitar a saúde dos indivíduos e das comunidades. 2.4. ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE FONOAUDIOLOGIA E ATUAÇÃO DO FONOAUDIÓLOGO A organização básica da maioria dos serviços de fonoaudiologia em Instituições Públicas (UBS, Ambulatórios de Saúde Mental, Centro de Saúde, entre outros) sustenta-se em triagem, avaliação e tratamento. A triagem, segundo Wertzner (1997), tem o objetivo de eliminar, através de um procedimento rápido, os casos não pertinentes à unidade e encaminhálos. Oliveira, Pedrozo e Macedo (1997) consideram a triagem como um momento próprio para esclarecer o paciente sobre o funcionamento da instituição e para levantar uma hipótese - diagnóstica. Corrêa (1994) e Wertzner (1997) relatam que a avaliação de linguagem é um procedimento individual, sendo seguida de devolutiva para os pais e/ou paciente. Estes autores, através de diferentes estudos, mostram a tendência 15 na escolha da terapia fonoaudiológica em grupo, em virtude da alta demanda de pacientes em fila de espera. Os critérios utilizados para formação dos grupos são: faixa etária, patologia e/ou nível/grau de desenvolvimento da linguagem. Os grupos são dinâmicos, podendo haver um “rodízio” de pacientes de acordo com o desenvolvimento dos mesmos. O atendimento tem freqüência semanal. Corrêa (1994), através de relatos de fonoaudiólogos, coloca que este grupo é um agrupamento e a terapia é “em grupo” e não “de grupo”. O paciente é considerado isoladamente, ou seja, o terapeuta trabalha com todos os membros do grupo a dificuldade de um paciente ou alterna sua atenção entre os pacientes. Santos (1993) por Oliveira, César, Silva, Silva, Nogueira e Rotea (1997) faz uma análise sobre a dinâmica do processo terapêutico fonoaudiológico grupal, relatando que este tipo de tratamento é efetivo para o desenvolvimento da linguagem, pois permite ao paciente vivenciar e compreender que diferentes relações implicam em diferentes formas de comunicação. As atividades de grupo visam a constituição da grupalidade, além da constituição da linguagem de cada indivíduo. Herrero e Pinheiro (1997) consideram o atendimento grupal uma proposta das mais interessantes, já que evitam o isolamento das crianças com distúrbios emocionais graves. As atividades propiciam situações de confronto, troca e construção do brincar, da linguagem e da inteligência. O fonoaudiólogo assume um papel de mediador entre os pacientes. Ortiz, Bertachin e Pereira (1995) desenvolveram pesquisa em que a 16 terapia fonoaudiológica, em grupo, caracterizou-se pela inclusão dos pais nas sessões, para observarem e serem treinados em procedimentos específicos para serem realizados em casa. O atendimento era semanal, durante oito semanas, com sessões de cinqüenta minutos . Durante o ano de 1995, foram formados os seguintes grupos: -2 grupos de distúrbios articulatórios e alterações miofuncionais dos órgãos fono - articulatórios (OFA), -2 grupos de atraso de aquisição e desenvolvimento de linguagem, -5 grupos de distúrbios de leitura e escrita, -1 grupo de disfonia, -1 grupo com distúrbios articulatórios e atraso de linguagem e -1 grupo de gagueira. Após este período, os pacientes foram reavaliados e os resultados foram animadores: -74,46% tiveram alta definitiva, -14,89% foram para atendimento individual, e -10,63% encaminhados para psicoterapia. Essas patologias são as mesmas encontradas nos estudos de Andrade, Befi Lopes e Wertzner (1991), no Centro de Saúde Escola Professor Samuel B. Pessoa, tendo como resultados: -13,68% das crianças atendidas apresentavam alterações fonoaudiológicas, -7.42% distúrbios articulatórios, -3,01% defasagens na aquisição da linguagem, -2,08% distúrbios de leitura e escrita, 17 -0,46% alterações na motricidade oral, -0,23% distúrbios da fluência, -0,46% distúrbios decorrentes de outras patologias. Ainda com relação à família, Delgado, Cesar, Gomes e Carvalho (1997) mostram que é importante desmistificar a visão de que o terapeuta irá sanar os problemas da criança . É fundamental que os familiares do paciente se envolvam e participem do processo terapêutico. Essa participação deve-se estender-se a todos os contextos que a criança estiver inserida. Outras formas de atuação do fonoaudiólogo foram discutidas por Ortiz, Bertachin e Pereira (1995), a partir de experiência realizada na UBS Jardim Santo Eduardo, no Embu. O trabalho ocorreu como parte do Programa de Integração Docente - Assistencial da Escola Paulista de Medicina. A inserção do fonoaudiólogo deu-se nos Programa de Vigilância e Desenvolvimento (puericultura), no Programa de Acompanhamento de Crianças Desnutridas (participação nas consultas médicas) e na Orientação e Estimulação da Audição e Linguagem em grupos. Esses profissionais também atuaram diretamente em creches e escolas. Esses autores acreditam que esta atuação em UBS requer um profissional que saiba lidar com os diversos aspectos da esfera familiar, comunitária e social. Moura (1996) sugere a inserção do fonoaudiólogo numa equipe interdisciplinar, em que os funcionários da unidade também participem e possam ser sensibilizados através de reuniões sobre sua população alvo. Herrero e Pinheiro (1997) relatam importante experiência no Hospital - 18 Dia de Saúde Mental Infantil de Santana, com atuação fonoaudiológica bastante diversificada. As crianças, com distúrbios emocionais graves, além dos atendimentos específicos (em fonoaudiologia, terapia ocupacional, psiquiatria, entre outros), recebem atendimento multiprofissional em grupos de recepção, de passeio, de corpo, em modelagem, na refeição, em atividade livre, em atendimento familiar e na visita domiciliar. Outra preocupação nas Instituições sempre foi a grande demanda de pacientes. Além da triagem, foram desenvolvidos alguns trabalhos com o objetivo de agilizar o fluxo dos pacientes. Gomes e Remencius (1997) criaram um “Grupo de Orientação a Famílias de Crianças com Queixas Fonoaudiológicas “, para conseguir continuar como “porta de entruda do sistema de saúde”. O objetivo geral do grupo era proporcionar às famílias uma discussão sobre o processo de comunicação e sobre os fatores que nele interferem. Wertzner (1995), Ortiz, Bertachin e Pereira (1995) também relatam experiências com grupos de orientação a pais dos pacientes em fila de espera. Kerr, Bertachin, Ferrarini e Reis (1997) convocam seus pacientes, que estão em fila de espera e seus familiares a cada dois meses, para participar de grupos de estimulação fonoaudiológica. Os temas discutidos são fala, audição, linguagem e leitura e escrita. Os pais são orientados a realizarem algumas atividades em casa, como alguns exercícios básicos que favoreçam o processo de reabilitação. Esses autores acreditam que este tipo de trabalho é fundamental para o controle da demanda. O fonoaudiólogo não deve se acomodar a esta situação de “espera”, devendo fazer uma reflexão profunda em relação a seus critérios para 19 diferenciar uma linguagem patológica de uma linguagem “diferente”. Guedes (1995 e 1997) coloca que diferenças sociais são manifestadas através da linguagem. A criança, marginalizada culturalmente, apresenta com freqüência, alterações articulatórias, de compreensão, falhas de sintaxe e fala telegráfica. O autor questiona o encaminhamento dessas crianças para terapia fonoaudiológica, considerando essas alterações como diferenças “culturais”. A escola não aproveita a experiência dos educandos para escolher seus objetivos e meios. O sistema educacional já está pronto e é o resultado de uma sociedade determinada. Além disso, os professores tendem a “psicologizar” problemas sociais, transformando-os em individuais. Guedes (1997) aponta que a escola utiliza-se em sua comunicação de um código lingüístico elaborado, enquanto as crianças de classes sociais menos privilegiadas utilizam um código diferente, o restrito. Este possui estruturas mais simples e vocabulário mais reduzido. Os professores preocupam-se em seguir um programa, não dando atenção a essas diferenças. É importante salientar que um código não é superior ao outro, porém, indivíduos das classes mais abastadas valorizam seu próprio código, o elaborado, e depreciam o restrito, dificultando a comunicação entre os dois grupos. Através destes aspectos, pode-se explicar a evasão e repetência de alunos. Outros fatores também devem ser levados em conta, como a desnutrição, que pode acarretar alterações no desenvolvimento cognitivo, social e emocional da criança. Estes alunos têm uma reação reduzida frente ao ambiente e este passa 20 a estimulá-los com menor freqüência. Esta sociedade gera “marginalizados culturais”, apáticos, com sentimento de inferioridade e dificuldade para competir. O ambiente desta população geralmente é perigoso, acarretando nas crianças um aumento da ansiedade e uma diminuição da atenção. A percepção para estímulos externos torna-se mais aguçada, que a percepção para a estimulação oferecida pela professora. O fonoaudiólogo deve assumir, portanto, um novo papel, o de “educador”, atuando junto a professores, atendentes de creche e a pais, auxiliando na formação de programas de linguagem, tentando modificar o conceito do que é patológico. Esta atividade não tem uma abordagem clínica. A definição desta nova função junto à instituição deve ser bastante clara, garantindo o sucesso do trabalho (Bittar, 1997). Kerr, Bertachin, Ferrarini e Reis (1997) descrevem um trabalho em fonoaudiologia educacional, o qual tem como objetivo principal a prevenção aos distúrbios da comunicação por meio da informação. Os autores utilizam-se de palestras para a comunidade, reuniões com a equipe médica e material gráfico informativo, para os pacientes e suas famílias e para a equipe dos profissionais de saúde da instituição. A aprendizagem, segundo Mendes e Vianna (1995) tem como objetivo a mudança de comportamento, através de uma visão crítica a respeito das condições particulares de cada um. A simples informação não garante a mudança de comportamento. É necessário que o indivíduo sinta necessidade de aprender e se modificar. 21 À população não devem ser fornecidos apenas conhecimentos e meios para uma vida mais saudável, mas também para que atuem coletivamente como cidadãos, transformando sua realidade. Há mais de vinte anos, na Conferência Internacional sobre Atenção Primária de Saúde em Alma - Ata (1978), já se afirmava que a saúde é um estado de completo bem estar físico, mental e social, não apenas a ausência de doenças. É um direito humano fundamental, cuja realização necessita da intervenção de setores sociais e econômicos além do setor da saúde. O desenvolvimento econômico e social é de importância fundamental para se chegar ao grau máximo de saúde para todos, melhorando a qualidade de vida da população e contribuindo para paz mundial. Infelizmente, a verticalidade de ações, a descontinuidade dos programas, a desvalorização do “saber” e da participação popular associados a uma ausência de unidade conceitual em todo Sistema de Saúde têm levado o Brasil a permanecer na “pré-história” da Saúde Pública. 3. PESQUISA PRÁTICA A Unidade de Saúde escolhida para uma pesquisa foi o Centro de Saúde Armando Darienzo, situado no bairro da Bela Vista, São Paulo. O setor de fonoaudiologia e psicologia infantil atende crianças de zero a doze anos, residentes principalmente no bairro em que se encontra o posto. Como a UBS não obedece a regionalização são acolhidos pacientes de toda cidade e até de cidades vizinhas (Diadema, Embu, Itapecerica da Serra, entre outras). 22 No primeiro atendimento, marcado pelo telefone ou pessoalmente, é feito o registro do paciente no serviço e a anamnese com os pais (ou responsáveis) e com a criança. Num segundo momento é realizada individualmente, em um ou dois retornos, a triagem fonoaudiológica. Após este procedimento o paciente pode ser encaminhado para: - terapia fonoaudiológica em grupo, com freqüência semanal e duração de uma hora - terapia fonoaudiológica individual, com freqüência semanal ou quinzenal e duração de trinta minutos - orientação fonoaudiológica - acompanhamento fonoaudiológico, geralmente de crianças pequenas, até três anos de idade, com freqüência mensal - avaliação psicológica - pediatria - outros serviços (neurologia, psicopedagogia, terapia fonoaudiológica de maior freqüência, entre outros) Foram levantados os prontuários de 189 pacientes atendidos pela fonoaudióloga na UBS citada, entre agosto de 1997 e julho de 1999. As informações foram retiradas da anamnese e da triagem fonoaudiológica. Foram anotados: - nome do paciente - número de registro - data de nascimento / idade 23 - data do primeiro atendimento em fonoaudiologia - origem do encaminhamento - bairro em que reside - queixa - dados referentes a amamentação - hábitos - sistema estomatognático (postura, tônus mobilidade, entre outros) - funções (respiração, mastigação e deglutição) -hipótese - diagnóstica - procedimento O primeiro aspecto analisado foi a faixa etária dos pacientes, cujos resultados encontrados foram: Até 1 ano = 0% 1 ano = 1,6% 2 anos = 5,8% 3 anos = 5,3% 4 anos = 13,2% 5 anos = 9,5% 6 anos = 9,5% 7 anos = 10,6% 8 anos = 16,5% 9 anos = 11,1% 10 anos = 7,9% 11 anos = 5,3% 24 12 anos = 1,6% 13 anos ou mais = 2,1% É interessante observar que 70,4% dos pacientes têm entre 4 e 9 anos. Acredito que a concentração nesta faixa etária, deva ao fato de que aos 4 anos as crianças têm acesso à Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) e lá permanecem durante todo período pré - escolar. Os professores costumam estar atentos às alterações da comunicação oral, encaminhando seus alunos para fonoaudiologia. Entre 7 e 9 anos, os pacientes freqüentam as séries alfabetizantes (1ª e 2ª), nas quais as escolas, geralmente, preocupam-se com os distúrbios de leitura e escrita, principalmente, quando associados aos distúrbios articulatórios. Como já foi referido anteriormente a UBS não obedece a regionalização, recebendo pacientes de diversos pontos da cidade. Como a UBS é localizada em região servida por muitas linhas de ônibus (nas avenidas Paulista, Brigadeiro Luiz Antônio e Nove de Julho), o acesso ao posto é relativamente fácil. Os bairros que mais forneceram pacientes foram: Bela Vista - 27,3% Cerqueira César - 5,8% Consolação -5,8% Vila Mariana - 5,8% Brás - 3,7% Centro - 3,7% 25 Liberdade - 2,6% Luz - 1,6% Santa Efigênia - 1,6% Itaquera -1,6% Butantã -1,1% Jardim Nordeste – 1,1% Planalto Paulista – 1,1% Moóca - 1,1% Jardim Ismênia - 1,1% Penha - 1,1% Vila Ede - 1,1% Parque Novo Mundo - 1,1% Ermelindo Matarazzo - 1,1% Bom Retiro - 1,1% Santa Cecília - 1,1% Vila Buarque - 1,1% Jardim Paulista - 1,1% Paraíso - 1,1% Outros bairros - (menos de 1% cada um) - 22,5% Outros municípios - 2,6% Acredito que a regiona lização favoreça a adesão de pacientes, pois não gastam tempo e nem dinheiro com transporte. Porém, com a criação do Plano de Assistência à Saúde (PAS), muitos fonoaudiólogos lotados em unidades da Prefeitura,preferiram não se incorporar ao serviço, tendo sido transferidos para 26 os setores administrativos. Com isso, a única opção dos pacientes é enfrentar grandes distâncias e enormes filas de espera. O próximo item pesquisado foi relativo à queixa. O que realmente chama atenção dos pais ou responsáveis pelo paciente? O que incomoda a família, a criança ou o professor ? As diversas queixas foram agrupadas por similaridade de significados: Fala errado / troca sons / pronuncia mal – 42,8% Fala pouco / não fala quase nada / não fala nada – 11,6% Escreve errado / troca letras – 7,9% Para ajudar no tratamento ortodôntico / tratamento dos dentes / alteração nos dentes – 6,9% Fala e escreve errado – 6,3% Gagueira – 5,3% Dificuldade escolar / não acompanha a escola / não consegue se alfabetizar – 3,7% Fala errado e gagueja – 2,6% Respira pela boca / fica de boca aberta – 2,1% Dificuldade para engolir / língua empurra os dentes – 2,1% Não escuta bem / parece não ouvir – 1,1% Não fala fora de casa – 1,1% Fala errado e tem dificuldade para engolir – 1,1% Deficiência Mental / rebaixamento com alterações de fala – 1,1% Não tem queixas / veio porque mandaram – 1,6% Outras queixas (foram agrupadas pois não representavam 1%, cada uma) – 27 2,7% As queixas que abordam algum aspecto da fala (gagueira, fala errado ou pouco, entre outros) representam aproximadamente, 72,4%. Existe, portanto, uma maior mobilização ou mesmo motivação da família em busca de tratamento, nas alterações da comunicação oral. As queixas relativas aos distúrbios miofuncionais orais, se agrupados, somam aproximadamente 12,25% da demanda. Tenho observado um aumento da procura destes pacientes. Acredito que o acesso mais freqüente a dentistas e ortodontistas tem conscientizado a população para a importância do trabalho associado entre eles e os fonoaudiólogos. Esta população carente tem conseguido atendimento em odontologia em algumas UBS, na USP ou outras faculdades e também no sindicato dos cirurgiões - dentistas. O conhecimento da procedência das crianças é essencial para que seja conhecido os diversos recursos dos bairros e comunidades (escolas, serviços de saúde, hospitais, entre outros). Porém, é importante lembrar que esta população não reside numa mesma região. Os pacientes vem encaminhados por: Escola Pública (Ensino Fundamental) – 10% Psicólogo (da própria UBS ou de outros serviços de saúde) – 10% Dentista/Ortodontista – 10% Pediatra (da própria UBS ou de outros serviços de saúde) – 8,5% Centro de Saúde / Posto de Assistência Médica (PAM), sem referir o profissional –7,9% 28 Creche – 6,3% Professor (iniciativa do profissional, independente da escola) – 3,7% Escola Particular (pré - escola e ensino fundamental) – 2,6% EMEI – 2,1% Hospital – 2,1% Otorrinolaringologista – 1,6% Professor e Dentista – 1,6% Centrinho de Bauru – 1,1% Demanda Espontânea – 30,4% Outros (que representam menos de 1% cada um) – 2,1% É interessante registrar a importância da indicação informal para o serviço, 30,4% dos pacientes vieram espontaneamente. Estes foram questionados a respeito de como tomaram conhecimento da existência deste serviço de fonoaudiologia. Grande parte da clientela era usuária da própria UBS, outros através do número telefônico do disque - saúde ou mesmo através de vizinhos e parentes. No estudo sobre amamentação, tão importante para a estimulação do sistema estomatognático, tive interesse na duração do período de aleitamento. Quando questionadas, as mães raramente relatam que não amamentaram. Outras não sabem informar, principalmente no caso de crianças adotadas ou criadas por parentes. Os dados encontrados foram os seguintes: Não foram amamentados – 12,7% Não sabe informar / não lembra – 10% Amamentado alguns dias – 7,4% 29 Amamentado por 1 até 3 meses – 14,8% Amamentado por 3,5 a 6 meses – 21,2 % Amamentado por 6,5 a 12 meses – 18% Amamentado por mais de 1 ano – 15,9% É significativo o número de crianças amamentadas por mais de 3 meses - 45,1% - pois no Brasil, a amamentação exige mais que vontade. O medo do desemprego, a ausência do registro em carteira, o que lhes garantiria o direito de permanecer em licença por 4 meses, obriga as mães ao desmame ou mesmo à introdução complementar de outros alimentos no retorno precoce ao trabalho. Quanto aos hábitos parafuncionais, foram avaliados os prontuários de 165 crianças a partir de 3 anos , quando acredito ser ainda um limite de idade aceitável,para o uso de mamadeira e chupeta. Os resultados encontrados foram: Mamadeira – 11,5% Onicofagia – 6,6% Sucção Digital – 4,9% Mamadeira e Chupeta – 3% Chupeta – 2,4% Outros – 1,9% Em 69,7% das crianças, os hábitos estiveram ausentes. Os familiares, quando questionados sobre a manutenção do uso da mamadeira e chupeta (16,9%), responderam que estas facilitavam o dia - a - dia e tornavam seus filhos mais calmos e relaxados. 30 As funções de respiração, mastigação e deglutição foram observadas durante a anamnese e na triagem fonoaudiológica de uma forma rápida (solicitando ao paciente que comesse algum alimento trazido de casa ou uma bolacha, única opção disponível na UBS). Em 51,9% dos pacientes não foi constatada nenhuma alteração significativa nas três funções. Em 13,2% dos casos não foi possível uma conclusão, pois os pacientes abandonaram o processo de triagem. Em 34,9% dos casos foram observadas as seguintes alterações: Respiração bucal – 4,8% Mastigação alterada – 7,9% Deglutição alterada – 5,8% Mastigação e Deglutição alterada – 12,7% Alterações na Mastigação, Deglutição e Respiração – 3,7% No momento da triagem não foi feito um diagnóstico diferencial entre as atipias e as adaptações, porém foram registrados alguns dados relativos ao sistema estomatognático: 30,7% apresentavam alterações de tônus / mobilidade / propriocepção intraoral / postura. 17,4% apresentavam alterações na oclusão / mordida/ posição dos dentes, fazendo uso de aparelho ortodôntico ou ortopédico. 6,9% apresentavam as mesmas alterações do item acima, porém não estão aparelhados. 32,3% não apresentavam alteração alguma. De forma geral, havia possibilidade de intervenção fonoaudiológica em 31 55% dos casos, demonstrando uma área bastante promissora de atuação, mesma na área de saúde pública. A odontologia está buscando atender a população e a fonoaudiologia deve ocupar seu espaço. Após o atendimento, em aproximadamente três sessões, para o registro do paciente na UBS, entrevista com os pais ou responsáveis e triagem, o caso recebe uma hipótese - diagnóstica (HD), a ser comprovada no processo terapêutico. Quando o paciente é atendido pela psicóloga da UBS ou por um dos pediatras é realizada uma discussão de caso entre os profissionais envolvidos e só então é fechada uma HD. Os resultados foram categorizados em diversas patologias: Distúrbio Articulatório – 18% Retardo de Linguagem – 17,5% Distúrbio Miofuncional Oral – 12,2% Distúrbio Articulatório e de Leitura e Escrita – 9,5% Distúrbio de Leitura e Escrita – 8,5% Retardo de Linguagem dentro de um quadro de deficiência mental – 4,2% Gagueira – 2,6% Deficiência Auditiva – 1,6% Distúrbio de Aprendizagem – 1,6% Fissura – 1,1% Em Avaliação – 2,1% Sem Patologia – 6,3% Sem HD – 14,8%, estes não aderiram ao atendimento, abandonando o processo de triagem. 32 Os achados foram similares aos estudos de Andrade, Befi Lopes e Wertzner (1991), nos quais a maior incidência entre as patologias era de distúrbio articulatório, retardo de linguagem e distúrbio de leitura e escrita. Porém, tenho uma incidência bem maior de distúrbios miofuncionais orais, talvez por servir de referência para um serviço de odontologia da Secretaria da Saúde e para o PAS Humaitá. Outro dado importante é o número pequeno de crianças que não apresentavam alterações fonoaudiológicas (6,3%). Este fator é indicativo de que o encaminhamento das crianças está sendo realizado de forma correta, com critérios, tanto pelas escolas como pelos diversos profissionais da saúde. Todos os casos atendidos receberam uma conduta, com exceção, de 16,9% dos pacientes, que não concluíram todo processo de triagem. Em 1,1% dos triados, não houve necessidade de qualquer intervenção fonoaudiológica ou encaminhamento. Os demais receberam as seguintes condutas: Terapia Fonoaudiológica – 39,1% Terapia Fonoaudiológica e Encaminhamento para Psicodiagnóstico – 12,7% Encaminhamento – 11,1% Encaminhamento para Psicodiagnóstico – 6,9% Acompanhamento Fonoaudiológico – 6,3% Acompanhamento Fonoaudiológico e Encaminhamento – 2,1% Terapia Fonoaudiológica e Encaminhamento – 1,6% Orientação Fonoaudiológica – 1,1% Escola Especializada – 1,1% 33 Os encaminhamentos foram divididos em dois grupos, para psicodiagnóstico (com a psicóloga da unidade) e para outros recursos (DERDIC, fonoaudiologia particular, psicopedagogia, Casa do Adolescente do C. S. de Pinheiros, ortodontia, otorrinolaringologia, outra UBS) . A grande demanda de crianças para terapia fonoaudiológica (51,8%), explica a fila de espera de aproximadamente 6 meses para início do tratamento. Com isso, há um ano passei a atender grupos abertos, em que novos pacientes pudessem iniciar tratamento assim que houvesse vaga. Os grupos são remanejados a cada seis meses, porém recebem pacientes durante o período citado. Este estudo, levou o setor de fonoaudiologia a repensar novas formas de atendimento que possibilitem um fluxo maior de pacientes que serão relatadas na reflexão final do capítulo. Dentre os 189 pacientes que passaram pelo menos uma vez pelo setor: 17% receberam alta 5,3% receberam alta a pedido, geralmente estavam satisfeitos com o que seus filhos haviam alcançados 16,8% foram dispensados após a devolutiva ou após orientação, sem necessidade de retorno 17,5% estão em tratamento 4,8% estão aguardando vaga 2,2%estão passando pelo processo de triagem 2,2% foram transferidos 15,3% abandonaram a triagem, talvez decepcionados após receberem a 34 informação de que deveriam retornar. Ainda hoje, alguns pacientes por total desconhecimento do atendimento em fonoaudiologia, mostram-se surpresos quando informados sobre a freqüência e duração média do tratamento. 18,9% abandonaram o atendimento, acredito que grandes distâncias entre a UBS e as residências, mudanças freqüentes de endereço e de emprego, assim como a dificuldade em se ausentar do trabalho semanalmente dificultam a continuidade da terapia. Refletindo sobre este estudo como um todo, considero a ausência de regionalização como uma dificuldade em estabelecer o vínculo UBS comunidade, uma vez que não há uma comunidade específica. Porém, talvez fosse interessante um maior contato com as instituições dos bairros da Bela Vista, Cerqueira César, Consolação, Centro e Liberdade, realmente pertencentes a nossa região. Essa aproximação poderia ser feita visando um incremento no trabalho preventivo da unidade, principalmente em creches, escolas públicas, Centros da Juventude (CJ) que atendem crianças até aproximadamente 14 anos. Com a pesquisa, já alterei minha conduta em relação à fila de espera. Anteriormente, após a triagem, a criança, caso recebesse indicação para terapia fonoaudiológica, era encaminhada para grupo terapêutico (quando houvesse vaga) ou para fila de espera. Essa família era convocada para tratamento apenas quando surgisse a vaga. Atualmente, esses pacientes e suas famílias (em espera), são orientados a comparecer à UBS a cada bimestre, para receber uma orientação fonoaudiológica que incluem algumas atividades a serem realizadas em casa. 35 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo trabalhado por quinze anos em saúde pública, resolvi realizar esta pesquisa teórico – prática com o intuito de conhecer melhor minha clientela e refletir sobre esta vivência em instituição. É importante registrar e mostrar que existem trabalhos honestos e eficientes, mesmo com os poucos recursos existentes nos serviços. Foram descritos os setores de fonoaudiologia do Ambulatório de Saúde Mental – Centro e do centro de Saúde Armando Darienzo, onde atuei desde 1994 até o término deste trabalho. A partir de um levantamento da história da fonoaudiologia no Brasil, foi descrita sua origem e verificada sua estreita ligação com as áreas da educação e medicina. As diversas formas de atuação do fonoaudiólogo apresentadas no estudo demonstraram um leque de possibilidades no trabalho em Instituição. No atendimento clínico é importante destacar que a estruturação dos serviços não varia muito. Os pacientes passam por triagem e/ou avaliação de linguagem, geralmente num procedimento individual, sendo seguida de devolutiva para os pais e/ou paciente. Posteriormente, são conduzidos para terapia individual ou grupal (preferida encaminhados pela para alta outros demanda dos atendimentos ortodontia, entre outros). 36 serviços), orientações (psicopedagogia, ou ludoterapia, Em relação à demanda de pacientes, é fundamental salientar a importância do estudo de Guedes sobre as diferenças sociais e suas manifestações através da linguagem. A autora questiona o encaminhamento dessas crianças para terapia fonoaudiológica, enfocando o papel da escola para minimizar as dificuldades dos “marginalizados culturais”. Outras formas de atuação foram discutidas como a inserção do fonoaudiólogo nos programas de puericultura, de crianças desnutridas e na orientação e estimulação de audição e linguagem, em grupo. Cabe ressaltar a importância da prevenção em fonoaudiologia, lembrando que deve ser realizada em três níveis: primária (visando a promoção da saúde geral e a proteção específica a determinada patologia), secundária (visando a detecção, diagnóstico e tratamento precoce) e terciária (que tenta minimizar as seqüelas através da reabilitação). Após a leitura de diversos autores, mas principalmente do Informe da Conferência Internacional sobre Atenção Primária de Saúde, realizada há mais de vinte anos em Alma - Ata, foi possível concluir que faltou, num primeiro momento, auxílio dos países ricos aos países em desenvolvimento. Além disso, é evidente o menosprezo para com as diretrizes traçadas na Conferência. Não houve cooperação entre os países, faltou vontade política na escolha de estratégias e de planos de ação nacional. O objetivo de iniciar e manter a atenção primária à saúde, como parte de um sistema nacional de saúde completo e em coordenação com outros setores, não foi atingido. Acreditava-se ser possível atingir um nível aceitável de saúde para toda humanidade até o ano 2000. Sugeria-se uma melhor utilização dos recursos 37 mundiais, dos quais uma parte considerável era destinada a armamentos e conflitos militares. Estamos às portas do século XXI, mas conflitos sucessivos e guerras étnicas eclodem em vários lugares do planeta. Novamente a verba da saúde está sendo destinada a outros interesses. As diversas tentativas no âmbito nacional perderam-se em siglas: APS, INPS, INAMPS, AIS, SUS, entre outras. É fato ser necessária uma política de Saúde Pública baseada na integração e cooperação entre profissionais, instituições e população. Porém, não acontece. A valorização dos profissionais dentro do sistema público praticamente inexist, desmotivando os fonoaudiólogos, a se interessarem por esta área de atuação. O que se deve buscar é qualidade de vida para a população em geral, com cidadãos atuando individual e coletivamente na transformação de sua realidade. As ações que visam uma melhor condição de saúde são as mesmas que têm como objetivo essa qualidade de vida. Somente uma política nacional bem definida sobre questões da comunicação humana poderá mostrar o quanto ela é determinante da saúde global do indivíduo. 38 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, C.R F. - Fases e níveis de prevenção em fonoaudiologia. Ações coletivas e individuais. In: VIEIRA, R.M.; VIEIRA, M.M. ; AVILA, C.R.B.; PEREIRA, L.D. - Fonoaudiologia e saúde pública. Carapicuiba, Pró - Fono, 1995. p. 65-83. ANDRADE, C.R.F. - Fonoaudiologia preventiva. São Paulo, Lovise, 1996. 165p. BEFI, D. - A inserção da fonoaudiologia na atenção primária à saúde. In: BEFI, D. - Fonoaudiologia na atenção primária à saúde. São Paulo, Lovise, 1997. p15-35. BITTAR, M. L. - A construção da relação fonoaudiólogo - creche. In: BEFI, D. - Fonoaudiologia na atenção primária à saúde. São Paulo, Lovise, 1997. p. 101-17. CAPPELETTI, I. F. - A fonoaudiologia no Brasil. 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