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MODOS DE CUIDAR EM SAÚDE PÚBLICA: O TRABALHO
GRUPAL NA REDE BÁSICA DE SAÚDE
WAYS OF PROVIDING CARE IN COLLECTIVE HEALTH: TEAMWORK
IN THE PRIMARY PUBLIC HEALTH CARE SYSTEM
MODOS DE CUIDAR EN SALUD PÚBLICA: EL TRABAJO EN GRUPPO EN
LA RED BÁSICA DE SALUD
Ana Lúcia AbrahãoI
Carla Sueli Fernandes de FreitasII
RESUMO: O incentivo à formação de grupos de educação em saúde, no interior dos programas do Ministério da
Saúde, vem ganhando destaque nos últimos anos como um dos elementos capazes de mobilizar a população para a
redução dos riscos relacionados às doenças, principalmente na atenção básica. Este artigo tem por objetivo trazer ao
debate as estratégias usadas na construção e manutenção de um grupo educativo na atenção básica. Identificamos
que a combinação das tecnologias do cuidar são empregados para além do cunho educativo, buscando a ampliação
da mobilização de subjetividades e de potencialidades no viver.
Palavras-Chave: Saúde pública; promoção da saúde; educação em saúde; prevenção de doença.
ABSTRACT
ABSTRACT:: Over the past few years, health education teams within the programs developed by the Brazilian
Ministry of Health have been systematically fostered and have increased. They have stood out as one of the mobilizing
forces among the population, accounting for the reduction of risks associated with diseases, especially at the primary
care setting. The purpose of this article is to discuss the strategies used to create and maintain a primary care
educational group. We have identified that the combination and use of care technologies are employed beyond
educational purposes, aiming at an increase in the mobilization of subjectivities in the course of life’s latent power.
Keywords: Collective health; health education; prevention in health; health promotion.
RESUMEN: En los últimos años, el incentivo a la formación de grupos de educación acerca de la salud, como parte
de los programas del Ministerio de la Salud – Brasil, ha ganado destaque como un de los elementos capaces de
movilizar la población acerca de la reducción de los peligros relacionados a las enfermedades, principalmente en el
cuidado básico. Ese articulo tiene como objetivo hablar de las estrategias utilizadas en la construcción y manutención
de un grupo educativo en el cuidado básico. Identificamos que la combinación y la utilización de las tecnologías del
cuidar son empleadas no sólo para fines educativos, buscando la ampliación de la movilización de subjetividades y
potencialidades de la vida.
Palabras Clave: Salud pública; promoción de la salud; educación en salud; prevención de enfermedad.
INTRODUÇÃO
A forma de organização e de produção das ações
de saúde vem sendo modificada ao longo dos últimos
anos como resposta a uma certa conjuntura do campo social, político e científico que passa a identificar
hiatos no modelo de atenção centrado no biológico.
Dessa forma, as políticas passam a ser conduzidas,
prioritariamente, para o campo da promoção da saúde e da prevenção de doenças sem prejuízo para as
ações curativas. Os grupos educativos, neste cenário,
principalmente na atenção básica, ganham destaque
e passam a ser amplamente incentivados por políticas e programas de saúde no cenário nacional.
As atividades com grupos passam a ser incorporadas na lista de procedimentos financiados pelo
Sistema Único de Saúde (SUS), e estimuladas, como
uma modelagem que amplia o entendimento do usuário sobre seu problema de saúde. Consequentemente,
espera-se mudança nos hábitos de vida que constituam risco à saúde. O grupo passa a ser empregado não
somente na atenção básica, o seu maior foco, mas
também nos demais níveis da atenção.
Atualmente, início do século XXI, pode ser
identificada essa prática educativa sendo orientada numa
perspectiva de intercâmbio de saberes com vistas à soci-
I
Pesquisadora e Professora Titular do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa da Universidade
Federal Fluminense (EEAAC/UFF). Doutora em Saúde Coletiva da EEAAC/UFF. Niterói, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected].
II
Residente em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa da Universidade Federal Fluminense. Niterói, Rio de Janeiro, Brasil. Email: [email protected].
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alização do conhecimento sobre a prevenção das doenças, a promoção e a recuperação da saúde. Nesse sentido,
houve uma valorização de ações preventivas de alcance
coletivo. O trabalho com grupo educativo configura um
território voltado para a produção do cuidado em saúde,
para a pesquisa e a criação de novos modos de agir em
saúde, comprometidos com a vida1.
Nessa perspectiva, trabalhamos com grupo
educativo na rede básica, a partir da articulação entre
a universidade e serviço de saúde, via projeto de ensino e extensão. Partimos, para instituir o grupo foco
da análise, de uma dupla necessidade. Uma vinculada
ao serviço que percebia a importância de possuir um
espaço de discussão sobre temas relativos ao adoecer
e a segunda, da academia, voltada para um cenário de
aprendizagem que operasse com a combinação das
diferentes tecnologias que circulam no processo de
trabalho com grupos educativos.
A proposta foi constituída por docentes e discentes da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso
Costa da Universidade Federal Fluminense, por meio
do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Gestão e Trabalho em Saúde, linha sujeito, tecnologia e linguagem no
trabalho em saúde, disciplina Saúde Coletiva II, e profissionais de uma das unidades de saúde da família, no
Município de Itaboraí.
O grupo acontece a cada 15 dias e possui uma
frequência constante de cerca de 20 pessoas, além
dos estudantes de graduação que participam do grupo
de acordo com o período letivo.
O presente texto tem como objetivo trazer ao
debate as estratégias usadas na construção e manutenção de um grupo educativo na atenção básica. Entretanto, não estaremos, neste texto, tratando da relação
ensino e serviço e muito menos da questão da formação em saúde, mas sim levando em conta a intrincada
rede que envolve a produção do cuidado, sempre aberta a novas contribuições. Logo, é importante ressaltar
o caráter parcial deste tipo de estudo que não tem a
pretensão de esgotar o tema em questão.
A seguir, são apresentadas quatro seções. A primeira dedica-se ao caminho conceitual sobre grupo
que orientou o trabalho. Em seguida abordamos o grupo na rede básica, como elemento que se coloca no
limiar da produção de novos dispositivos subjetivantes
e na cristalização da doença. A terceira seção remete à
coordenação e à dinâmica do grupo. A última conclui
o texto, revisa os caminhos que foram sendo desenhados ao longo do trabalho, mas não acabados, e que remetem a novos territórios da prática em saúde.
GRUPO, O CONCEITO
Os humanos passam grande parte do tempo vivendo em grupo, desde um pequeno núcleo familiar
até associações, clubes, turmas, equipes esportivas, ban-
Abrahão AL, Freitas CSF
dos etc. A participação nestas ilhotas humanas modela fortemente a conduta de cada um, seja por um sentimento de pertencimento ou de acolhimento.
Viver em sociedade, em relação com o outro, é uma
característica do humano. Faz parte da natureza humana
o convívio social, a troca de informações, de emoções, no
sentido de constituir a sua própria singularidade.
O tema grupo é uma preocupação evidenciada
em estudos acadêmicos desde os anos 20 do século
XX, principalmente no campo da psicologia, entre os
psicólogos sociais. Estes passam a desenvolver estudos sobre indivíduos e consequentemente um saber
próprio sobre os grupos humanos.
Nos últimos anos identificamos que a literatura
sobre grupo apresenta e discute diversos modos de abordagem. São estudos relacionados a uma perspectiva terapêutica, outros de pesquisa, de intervenção institucional,
e ainda aqueles com delimitação clara e propósitos traçados, a partir de uma perspectiva operativa.
Os trabalhos que sistematizaram e delimitaram
o grupo, como território de estudo, passam a surgir de
forma consistente na década de 30 do século XX, marcado pela contribuição de Kurt Lewin2, estudioso que
fortaleceu o adensamento da produção no campo da
psicologia social e cunhou a expressão dinâmica de grupo que vem a influenciar a vertente sociológica do
movimento grupalista. Atuou em indústrias onde seu
trabalho ficou marcado pelo treinamento de funcionários. Na mesma área, Elton Mayo3 prioriza estudos
sobre o comportamento dos indivíduos em grupo e a
sua dinâmica. Ambos os autores, de um modo geral,
construiram um saber e uma prática sobre este modo
de organização das pessoas, ou seja, a grupalidade. Denominação utilizada com muita frequência em associação ao trabalho em grupos em qualquer perspectiva.
Com Pichon-Rivière4, passamos a um outro campo da prática com grupos, centrado na influência do ser
humano e na constituição de diferentes papéis que este
assume nos grupos dos quais faz parte. O autor cunha o
conceito de grupo operativo, que significa aquele conjunto que se centra em uma tarefa de forma explícita e outra
implícita, subjacente à primeira. A idéia é centrar-se no
processo de interação do sujeito e não no grupo ou nas
pessoas individualmente5.
Entretanto, no campo conceitual, observamos
uma ausência na definição do termo, e uma grande
variedade na sua concepção que reflete em uma prática que se sustenta à revelia de uma maior precisão
conceitual6
Há uma gama de conceitos que apóiam e
direcionam nossas atividades em grupo, quer sejam
acadêmica ou na prática assistencial. Por essa razão,
Rodrigues7, ao rever criticamente o grande repertório de conceitos de grupo, passa a denominá-los como
paisagens intricadas, construídas historicamente, com
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as mais variadas concepções ideológicas. A autora
conclui que “não existe o objeto grupo, mas múltiplas práticas de grupalização[...]”7:162
Assim, não consideramos os conceitos, nem as
definições de grupo aqui trazidas como estanques e
acabadas, mas sim pretendemos levar em conta a complexidade e a dinamicidade que todo conceito comporta, utilizando esta diretriz ao longo deste texto.
O GRUPO NA REDE DE SAÚDE
No campo da Saúde Pública, no Brasil, as atividades de grupo são amplamente divulgadas e incentivadas no interior dos programas do Ministério da
Saúde. Estas são enfocadas principalmente com o
objetivo de buscar adesão ao tratamento proposto
pelos diferentes programas, e na prevenção de risco e
no controle de doenças, principalmente as denominadas crônicas não transmissíveis. As ações pretendidas para os grupos, na maioria das vezes, circulam
pelo campo da educação em saúde, com uma forte
base na informação e esclarecimento da doença ou o
agravo foco do programa.
Os grupos organizados a partir da lógica dos programas concentram-se na grande maioria dos casos na
atenção básica e podem envolver, na coordenação dos
mesmos, qualquer profissional da equipe de saúde.
A enfermagem, como profissão do campo da saúde, tem o trabalho com grupos como uma ação usual.
O enfermeiro, em seu processo de trabalho, desenvolve ações em grupo, iniciando com as atividades
educativas no interior da equipe de enfermagem,
ampliando para a família do usuário etc. Atividades
em que o grupo é encarado como estratégia pedagógica e de troca de saberes.
Entretanto, os enfermeiros têm pouca oportunidade de conhecer aspectos teóricos do trabalho
grupal, mas revelam grande experiência nesse tipo de
abordagem6. Operam no sentido da grupalidade.
Entre os profissionais que se envolvem na coordenação de grupos no campo da saúde pública, estão os enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos.
Contudo, há uma tendência maior em identificarmos, principalmente na rede básica, as coordenações
de enfermeiros e assistentes sociais. Tal fato revela o
trabalho grupal como parte das atividades do enfermeiro na atenção básica.
O trabalho com grupo, na rede básica, de modo
geral, centraliza suas ações na doença. Estruturar ações
de saúde a partir da patologia não é novidade, pois é o
modo como são organizadas as ofertas de serviços
pelas unidades de saúde. Isso é um modo fragmentado
da produção no campo da saúde que desconsidera a
questão da necessidade do usuário no planejamento
das ações ofertadas pelos serviços. Entretanto, as sip.438 •
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tuações enfrentadas pelos profissionais e usuários são
dimensões que não devem ser pensadas como algo
descolado das questões de poder e história daquela
comunidade, ou grupo de indivíduos.
O discurso sobre saúde e doença, construído
no processo histórico, expressa a preocupação com
a capacidade implícita para fomentar uma dada produção das sociedades capitalistas. Entretanto, tal
prática discursiva esconde em seu interior, respaldada pela cientificidade, a demarcação dicotômica
entre os conceitos saúde e doença, entre indivíduo
e singularidade8.
O limite conceitual implica o afastamento da
subjetividade produzida na experiência concreta de
saúde e do adoecer, não sendo possível serem expressas pelo discurso conceitual científico, criam-se hiatos que se relacionam ao processo de dessubjetivação
do sujeito. A saúde e a doença tornam-se elementos
antagônicos, não sendo partes de um único processo.
A doença é combatida como um mal, assim como
outros elementos considerados indesejáveis, como o
sofrimento, a morte e outros limites humanos.
O trabalho com grupo na rede básica é revelador
desta cisão entre saúde e doença, marcando este limite da prática dos serviços e sendo representado por
parte dos profissionais na busca por estratégias para a
redução e controle dos riscos de doenças, e por parte
dos usuários de resolução de problemas em saúde (objeto social) que nem sempre são compatíveis com a
racionalidade científica, configurando, assim, uma
questão que requer a conjugação de diferentes interesses. Há ganhos e arranjos de ordem política e social que mobilizam uma grande concentração de poder.
Trata-se de questões como política e poder dentro de um processo único no interior da sociedade,
em que determinados grupos formulam propostas
consoantes com os seus desejos em um território de
disputas. Nesse processo de discussão e acordos, a
decisão pautada na cientificidade objetiva e racional
torna-se uma ferramenta para a transformação do
objeto social, de grande relevância no manejo de grupos educativos.
Os temas abordados com mais frequencia nos
grupos educativos revelam um caráter delimitado e
centrado na prevenção de doenças. Este dado indica
a importância de investimento na busca por novos
modos de cuidar que articulem, nesse espaço grupal,
questões sociais, históricas, culturais, além da prevenção de doença.
O trabalho com grupo na atenção básica transita por este tenso território. As diferentes dimensões do objeto social se fazem presentes; logo, a dimensão patológica não é a única que circula nas informações e nos debates dos encontros dos grupos
no campo da saúde.
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Dessa forma, os problemas e questões que emergem nos grupos educativos apontam direções distintas, implicando que a lógica do trabalho grupal compreenda as várias abordagens teóricas nesse campo.
Opera com os conceitos na perspectiva de provocar
aproximações sucessivas entre a prática e a teoria e
utiliza os vários recursos existentes na grupalidade.
O objetivo deverá ser o de produzir ações coletivas
orientadas para a construção de novos modos de encaminhar a vida.
COORDENAÇÃO DE GRUPO
A coordenação de grupos educativos remete a um
trabalho cuidadoso de observação, de sensibilidade e
de criatividade, com as diferentes singularidades presentes em interação constante. Neste movimento é
incluída a organização prévia das atividades, no sentido de construir um espaço, uma referência a ser
alcançada, em que se faz necessário um planejamento
das ações que serão desenvolvidas, sem, contudo, perder os acontecimentos presentes durante o encontro.
O que significa que o planejar é algo dinâmico e interage
constantemente com o movimento da grupalidade.
A formação de um grupo emprega o desenho
para aglutinação das pessoas. Estratégias que busquem
a identificação de uma questão de saúde/vida comum
para as pessoas. Porém, a delimitação deste objeto
comum é nodal para a grande maioria dos usuários
que buscam os serviços de saúde e convivem com
doenças crônicas não transmissíveis. De modo geral
ambas buscam melhorar a sua disposição frente à vida.
Em nossa experiência, o planejamento para a formação do grupo educativo baseia-se na perspectiva de
formação do sujeito e dos diferentes modos de
singularização que se fazem presentes na grupalidade.
Dessa forma, o convite individual constituiu o reconhecimento do usuário como um sujeito, responsável
pela sua forma de andar na vida, ao mesmo tempo em
que configura um ato de acolhimento e de respeito.
Entretanto, a eleição de uma dinâmica para o grupo
é um elemento ímpar na continuidade e participação das
pessoas no grupo. Identificar um modo de condução do
grupo que não bloqueie os movimentos de singularidade,
de certa forma corresponde a um certo cuidado em saúde.
o cuidado definido como capacidade de aconchegar,
aceitar o cliente proporcionando um clima de suporte para que ele sinta-se seguro para colocar seus
problemas e dificuldades.6:54.
Neste caso, a dinâmica aqui não é reconhecida
como o estabelecimento de ações que mobilizem o grupo em torno de incentivos voltados unicamente para o
controle e a prevenção da doença, mas que conjugue
arranjos que ampliem a interação no grupo, constituindo canais de estímulo para a verbalização dos movi-
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mentos que circulam naquele espaço. Constituímos o
cuidado com o grupo a partir do uso de dinâmica que se
valem da valise tecnológica dos coordenadores em associação aos saberes que circulam no grupo.
A formação da valise tecnológica no cuidado
configura a relação de uma tríade no agir em saúde.
Saberes de uma linha dura que se organiza em equipamentos. Um segundo saber, leve-duro, que é conformado em estruturas classificatórias, como a clínica, a
epidemiologia e um terceiro saber, leve, que é
construído durante a produção do cuidado. Vale destacar que a base do cuidado no grupo se constitui
sobre a tecnologia leve. Um saber que está presente
em todo o ato de cuidar e expõe, a partir das várias
dimensões presentes na prática em saúde, um território com muitas tensões e naturezas distintas9.
Os profissionais exercem o processo de trabalho
em saúde a partir do emprego das tecnologias, que são
consideradas como ferramentas tecnológicas que fazem sentido e são utilizadas conforme os objetivos estabelecidos. O uso da valise se dá no ato da produção,
no momento da atuação, permitindo ao profissional
processar o recorte necessário à sua intervenção9.
No trabalho com grupo, dispomos das diferentes tecnologias, a partir da nossa valise tecnológica.
O ato da produção do projeto terapêutico no grupo é
estimulado na lógica das distintas valises dos profissionais da equipe de saúde, permitindo que o vínculo
e a responsabilidade circulem não só no grupo, mas
também na equipe de saúde da família. As tecnologias
duras são empregadas na aferição da pressão arterial e
da glicemia capilar. Elementos necessários ao cuidado do grupo.
O desafio é, num primeiro momento, assegurar
a promoção de saúde e, ao mesmo tempo em que se
estimula a reflexão, ampliar a capacidade do grupo
para solucionar os problemas. A ampliação da capacidade de atuação dos sujeitos possibilita a intervenção sobre o trabalho vivo, agindo pontualmente sobre as tecnologias leves, capacitando e tornando possível o vínculo no interior do grupo. As tecnologias
leves são menos cristalizadas na prática liberal. Se,
por um lado, existe o risco de no interior do grupo
serem desenvolvidos processos de endurecimento da
subjetividade, por outro o processo analítico e contínuo que se instaura possui uma tendência a dificultar
tal fato10.
Dessa forma, operamos com as diferentes
tecnologias presentes em nossa valise, empregando-as
de acordo com o movimento que circula no grupo. Buscamos acompanhar os fluxos desejantes e produzir espaços para o agenciamento das subjetividades no coletivo. Assim, usamos em nossos encontros a aferição da
pressão arterial e glicemia capilar, além da promoção
de encontros que identifiquem as demandas que emergem paralelamente ao acontecer do grupo.
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Vale lembrar que a dinâmica é empregada de acordo com conformação das necessidades da grupalidade
em foco, e que este movimento mobiliza as diferentes
tecnologias presentes no cuidado em saúde. Um elemento de destaque no uso e emprego das tecnologias
em acordo com as necessidades, sentidas e expressas
pelas pessoas do grupo é a possibilidade de criação de
espaço de escuta e comparti-lhamento de questões
próximas que circulam na mesma grupalidade. Isso não
fica atrelado à discussão da doença, mas permite que
questões brotem no decorrer da roda de conversa, identificando novos modos de cuidar em saúde.
A promoção do vínculo, como elemento
nucleador do grupo, foi e é trabalhada na perspectiva
e no entendimento de que ele estabelece a ligação
afetiva entre dois sujeitos; no nosso caso, entre as
coordenadoras do grupo e cada um dos integrantes, o
que não invalida o fato desta relação, por muitas vezes, acontecer em posição assimétrica, mas que não
impede de manter uma relação efetiva. Trabalhamos
para a constituição e formação de vínculo combinando três elementos: o convite individual, personalizado pelo agente comunitário de saúde, o que permitiu
também uma maior aproximação da comunidade e a
participação da equipe de saúde; a discussão coletiva
das atividades e questões dos temas dos encontros; e
o espaço de acolhimento das questões que circulam
na vida. Uma tríade que articula a capacidade de
interação comunicativa entre dois sujeitos, sem
dessubjetivação de ambas as partes11.
Logo, há vinculo quando identificamos na relação com o outro, no nosso caso, as diferentes singularidades presentes no grupo, a vontade de interação, a
responsabilidade e o respeito pela autonomia de cada
um dos envolvidos.
Buscamos ampliar o grau de transversalidade do
grupo e, na nossa experiência, significa potencializar
os fluxos desejantes que circulam no grupo e os vários
sentimentos de pertença das pessoas, discutindo o
que será um grupo sujeito, no sentido de que sua prática seja atuar de acordo com o seu próprio desejo, de
suas próprias regras, sempre em discussão, e de poder
encarar sua própria finitude.
Combinado à expansão dessa transversalidade,
buscamos oferecer ao grupo novos espaços de circulação em outros territórios geográficos, pois a maioria dos participantes permanece circunscrita no mesmo território com baixa circulação pela cidade. A
estratégia de deslocamento espacial implica também
a descoberta de novos agenciamentos e de novos modos de combinação da vida. Buscamos nesta atividade associar lugares, na cidade, de circulação cultural
com a identificação de novos caminhos de prosseguir
com a vida. Coordenação e dinâmica de grupos
educativos, na nossa experiência, seguem o fluxo e as
combinações desejantes do momento da grupalidade.
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CONCLUSÃO
O grupo foco da análise constitui um mediador
da busca por caminhos produtores de ética na vida
no campo da saúde. É um espaço para o convívio com
as limitações, cumplicidade e identidade presentes
no cerne das questões que emergem a cada reunião.
Assim, é preciso ressaltar a redução dos níveis de
glicemia e da pressão arterial como importantes ações,
demandadas pelos participantes, que sugerem a incorporação de saberes específicos, que representa um
bom serviço.
Operando a combinação do uso das tecnologias
do cuidar para além do cunho educativo, o espaço
torna-se propício para novos agenciamentos no agir
em saúde que ultrapassam a linha estruturada na
doença e avançam na construção de outras linhas
do cuidado.
Entretanto, a renovação do que é proposto passa a ser trabalhada sob uma dinâmica acentuada de
alteridade, mas é importante deixar claro que esta
opção de trabalho não é suficiente para impedir a
criação de linhas pouco flexíveis que têm origem na
própria condição social que por vezes constitui território de difícil circulação. Nestes casos é necessária a
construção coletiva de novos agenciamentos que provêm na grande maioria dos casos da experiência partilhada no grupo. Este modo de ação grupal incentiva
a reivindicação social e a luta por melhores condições de vida e de saúde. Elementos sempre presentes
na dinâmica daquela grupalidade.
Enfim, o grupo educativo concorre para o debate de outras formas de lidar e conviver com a doença.
Um espaço de construção coletiva e singular de cuidar na vida.
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Recebido em: 23.06.2008 – Aprovado em: 20.02.2009
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