A Crise do autor - O declínio da gravação na
nova musica
Segundo Pierre Levy em Cyberculturas (2000) “criar uma obra, deixar um traço, gravar, não tem mais o
mesmo sentido, o mesmo valor que antes do dilúvio informacional. A desvalorização das informações é
uma conseqüência natural de sua inflação.A partir de então, o propósito do trabalho artístico se desloca
para o acontecimento, ou seja, em direção à reorganização da paisagem de sentido que, fractalmente,
em todas as escalas, habita o espaço de comunicação, as subjetividades de grupo e a memória sensível
dos indivíduos. Ocorre alguma coisa na rede dos signos, assim como no tecido humano.”(p154)
Esta desvalorização da gravação parece estar cada vez mais clara quando se observa o que
está acontecendo no mercado da musica. Se podemos acessar qualquer musica que
quisermos, o que hoje em dia fica explicito quando acessamos Blogs onde as pessoas
oferecem gratuitamente suas coleções completas para todos por nenhum dinheiro. O que
esperar da motivação dos futuros artistas para criar quando percebem que suas obras serão
imediatamente transformadas em mais um código binário pronto para ser copiado e manipulado
eternamente?
Levy aponta para a criação de um enorme museu virtual feito de reproduções do real, o que de
certa forma aconteceu quando o disco permitiu que muito mais pessoas entrassem em contato
com artistas como Beetholven ou os Beatles do as que puderam estar em seus concertos,
tornando-se a principal interface do publico com a obra. Diz ele: “Os gêneros da cibercultura são
da ordem da performance, como a dança e o teatro, como as improvisações coletivas do
jazz......”....”Seu centro de gravidade é um processo subjetivo, o que os livra de qualquer
fechamento espaço-temporal”. Propõe a participação em eventos mais do que espetáculos e
utiliza a metáfora do jogo para pensar essa nova arte. “No jogo como no ritual, nem autor nem
gravação são importantes, mas antes o ato coletivo aqui agora.
A musica da cibercultura , para Levy chamada de musicas tecno são resultantes de um trabalho
recursivo de amostragem e arranjo de musicas já existentes. As características dessa nova arte
convergem em direção ao declínio de 2 elementos importantíssimos até hoje na musica: o autor e a
gravação. A tese é da forma do universal sem totalidade representado pela musica pop mundial.
Universal pela difusão e sem totalidade já que os estilos são múltiplos e sempre em processos de
metamorfoses constantes.
O interprete foi sempre mais valorizados do que o compositor nas sociedades de cultura oral. É ele que
dá uma nova vida à tradição. A invenção da escrita da musica fez com que o sistema musical ocidental
seja ensinado como tal em todos os conservatórios de todo mundo. Essa tradição escrita reforça a figura
do compositor que assina a obra que é pretensamente original. Essa mesma escrita nos faz identificar as
obras clássicas em função de suas características históricas, mesmo que não saibamos exatamente
quem é o autor.
A gravação surge então para fixar os estilos de interpretação da musica escrita. O arquivamento da
atualização sonora de uma estrutura abstrata, que antes ficavam dependentes da tradição oral agora
permite que tenhamos arquivados estilos populares como jazz, rock ou mesmo o samba. O estúdio
passa a ser o local sagrado da musica, representando a possibilidade do registro original da peça. O
produtor ganha importância já que a performance ao vivo não garante que o original possa ser
reproduzido sem as técnicas de mixagem, só possíveis com os aparatos tecnológicos de grandes
estúdios.
A digitalização permitiu que os estúdios estivessem acessíveis a um numero cada vez maior de pessoas,
que podem produzir e divulgar suas musicas sem passar por um numero enorme de intermediários. O
uso de samplers, o MIDI, o remix fazem com que as musicas possam ser produzidas a partir de
amostras pré-produzidas que são re-ordenadas e re-combinadas com outras amostras criando-se
sempre novas combinações de um jogo de montar infinito.
Não se trata mais de uma repetição da tradição mas de uma “transformação permanente em
uma rede cíclica de colaboradores.” A gravação deixou de ser o principal fim ou referencia
musical. Mais do que “acrescentar um item memorável aos arquivos da musica” o importante é
criar um happening onde todos são ao mesmo tempo produtores de materia prima (na
gravação), transformador, autor, interprete e ouvinte. Esse processo de inteligência coletiva
musical dispensa a totalização e se mostra universal ao incluir uma transmissão por contato,
um fluxo musical constante que se alimenta do “todo”aberto na musica, da mais moderna a
mais arcaica”.Desta forma os modos de fechamento da musica, a gravação e a composição
deixam de representar o unico objetivo dos músicos de estúdio.
“Para Pierre Levy, o gênero da cibercultura é o mundo virtual. Os mundos virtuais podem ser
percorridos e enriquecidos coletivamente. O engenheiro de mundos surge como o grande artista
do século XXI. Pode definir-se dois tipos de mundos virtuais: on-line e of-line. Os mundos virtuais
são também criações coletivas de seus exploradores. O engenheiro de mundos virtuais não
assina uma obra acabada, mas sim uma obra inacabada, a qual, os exploradores vão dando
forma. A cibercultura participa de rizomas. Na cibercultura, qualquer imagem é potencialmente
matéria prima na construção de outra e, todo texto pode constituir fragmento na construção de
outro maior. Existem grandes obras sem autor identificado. Portanto, não será estranho que com
o desenvolvimento das novas tecnologias o autor passe para segundo plano uma vez que os
sistemas de comunicação e as relações sociais que o fizeram emergir se transformará
completamente.” Santos (2007)
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