UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ - UNOCHAPECO
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
EVLIS JULIÊ ORTMEIER
A INCONSTITUCIONALIDADE DA PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA DO
FIADOR NOS CONTRATOS LOCATÍCIOS
CHAPECÓ (SC),
2010
EVLIS JULIÊ ORTMEIER
A INCONSTITUCIONALIDADE DA PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA DO
FIADOR NOS CONTRATOS LOCATÍCIOS
Monografia apresentada ao Curso de Direito da
Universidade Comunitária da Região de Chapecó,
UNOCHAPECÓ, como requisito parcial à obtenção
do título de bacharel em Direito, sob a orientação da
Profª. Me. Cláudia Cinara Locateli.
Chapecó (SC), maio 2010.
UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ - UNOCHAPECÓ
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
A INCONSTITUCIONALIDADE DA PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA DO
FIADOR NOS CONTRATOS LOCATÍCIOS
EVLIS JULIÊ ORTMEIER
________________________________________
Profª. Me. Cláudia Cinara Locateli
Professora Orientadora
________________________________________
Prof. Me. Glaucio Wandre Vicentin
Coordenador do Curso de Direito
________________________________________
Profª. Me. Silvia Ozelame Rigo Moschetta
Coordenadora Adjunta do Curso de Direito
Chapecó (SC), maio 2010.
EVLIS JULIÊ ORTMEIER
A INCONSTITUCIONALIDADE DA PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA DO
FIADOR NOS CONTRATOS LOCATÍCIOS
Monografia aprovada como requisito parcial para
obtenção do grau de BACHAREL EM DIREITO no
Curso de Graduação em Direito da Universidade
Comunitária
da
Região
de
Chapecó
UNOCHAPECÓ,
com
a
seguinte
Banca
Examinadora:
________________________________________
Profª. Me. Cláudia Cinara Locateli
________________________________________
Profª. Me. Kassiana Ventura Oliveira
________________________________________
Profª. Laura Cristina de Quadros
Chapecó (SC), maio 2010.
DEDICATÓRIA
Dedico a minha mãe Ilse e ao meu esposo Nilso, em razão da minha ausência, por todo
o apoio durante ao longo destes anos de estudo, pela motivação conferida e pela alegria de têlos sempre ao meu lado.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, obrigada Deus, pela proteção ao longo desta caminhada, pela
inspiração e por todas as vitórias concedidas ao longo destes cinco anos.
Agradeço a todos os meus professores pela dedicação, pela atenção, especialmente à
professora orientadora, Cláudia Cinara Locateli, pela orientação segura e pela gentileza com
que sempre atendeu as minhas demandas, às professoras Carmelice Faitão Balbinot Pavi e
Helenice da Aparecida Dambros Braun que orientaram-me com zelo e paciência quanto à
metodologia, ao professor Idir Canzi, e, às professoras Kassiana Ventura Oliveira e Laura
Cristina de Quadros por aceitar em participar da Banca Examinadora.
Agradeço também ao meu esposo Nilso José Veni, que me apoiou e incentivou em
todos os momentos para concretização deste sonho, de tal maneira que ninguém mais o faria.
Os agradecimentos se estendem a minha mãe M. Ilse Cardoso da Silva Ortmeier e ao
meu irmão Valter Esli Ortmeier, que em meio às dificuldades superaram a tudo, sempre ao
meu lado, e, a minha amiga Maria Luiza Dal Bello pela amizade sincera.
O Direito deve tutelar a pessoa humana, “com
vistas a uma igualdade substancial, com base
no valor da solidariedade”. (Luiz Edson
Fachin, 2006).
"A norma, com efeito, não poderá estrangular a
vida, antes deverá afeiçoar-se a esta, para que
não se cristalize nos formalismos estéreis.
[...]." (Jorge Lacerda).
RESUMO
A INCONSTITUCIONALIDADE DA PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR NOS CONTRATOS
LOCATÍCIOS. Evlis Juliê Ortmeier.
Cláudia Cinara Locateli (ORIENTADORA). (Universidade Comunitária da Região de Chapecó –
UNOCHAPECÓ).
(INTRODUÇÃO) Para proteger a entidade familiar das crises econômicas, criou-se o instituto do bem de
família, impenhorável por determinação legal. Entretanto, esta proteção não é absoluta, pois há exceções, como a
possibilidade de penhora do único imóvel do fiador da locação. Com a edição da Emenda Constitucional n. 26, o
direito à moradia adquiriu status de direito fundamental. A partir de então, o Supremo Tribunal Federal passou a
entender que a penhora do bem de família do fiador da locação seria inconstitucional. Ocorre que Suprema
Corte, em sessão plenária, voltou atrás em seu entendimento, decidindo ser constitucional, com fundamento no
princípio da autonomia da vontade e que o direito à moradia também se concretiza sobre imóvel alugado. Surge
então a problemática: é ou não inconstitucional a penhora do bem de família do fiador do contrato de locação,
frente ao direito social à moradia e ao princípio da isonomia? Nessa perspectiva analisar-se-à os antecedentes
históricos do bem de família, a questão habitacional no Brasil, os aspectos gerais das modalidades de bem de
família, as exceções à impenhorabilidade, bem como as garantias aplicadas ao contrato de locação,
especialmente a fiança. E, por fim, analisa-se sobre a inconstitucionalidade da penhora do bem de família do
fiador da locação. (OBJETIVOS) O objetivo geral da pesquisa é analisar se a penhora do bem de família do
fiador da locação viola o direito social à moradia. Têm-se como objetivos específicos a relação da fiança nos
contratos locatícios; a admissibilidade ou não, do Estado intervir nas relações entre particulares a fim de
assegurar um patrimônio mínimo, do qual a pessoa não pode ser desapossada; e, por fim, a reflexão sobre se a
penhora do bem de família do fiador do contrato de locação ofende ou não a proteção constitucional do direito à
moradia. (EIXO TEMÁTICO) O eixo temático do Curso de Direito da Universidade Comunitária da Região de
Chapecó - UNOCHAPECÓ pelo qual a pesquisa vincula-se é a ―Cidadania e Estado‖. (METODOLOGIA) A
pesquisa caracteriza-se como bibliográfica, devido à análise de legislação, doutrinas, artigos jurídicos,
jurisprudências, teses e dissertações, e utiliza-se o método dedutivo. (CONCLUSÃO) Conclui-se que a penhora
do bem de família do fiador da locação é inconstitucional porque viola o direito social à moradia, uma das
exteriorizações do princípio de proteção da dignidade da pessoa humana, por ofender o princípio constitucional
da isonomia e também por descumprir a função social dos contratos. (PALAVRAS-CHAVE) Bem de família,
impenhorabilidade, fiador.
LISTA DE APÊNDICES
APÊNDICE A - ATESTADO DE AUTENTICIDADE DA MONOGRAFIA .....................111
APÊNDICE B - TERMO DE SOLICITAÇÃO DE BANCA ............................................ ...113
LISTA DE ANEXOS
ANEXO I - DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL .......................................................115
ANEXO II - GRÁFICO SOBRE O DÉFICIT HABITACIONAL URBANO POR FAIXAS
DE RENDA MÉDIA MENSAL ............................................................................................119
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13
CAPÍTULO I ....................................................................................................................... 16
1 BEM DE FAMÍLIA: ASPECTOS CONCEITUAIS, EVOLUÇÃO HISTÓRICA E
MODALIDADES PREVISTAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ........... 16
1.1 A moderna concepção de família: objeto de tutela .......................................................... 17
1.2 Bem de família: tentativa conceitual ............................................................................... 18
1.3 A gênese do bem de família............................................................................................ 20
1.3.1 Bem de família: laboratório no direito romano............................................................. 20
1.3.2 O berço do nascimento do bem de família: no Texas ................................................... 22
1.4 Bem de família no Brasil ................................................................................................ 25
1.4.1 A questão habitacional no Brasil como fundamento à tutela do direito a moradia ........ 28
1.5 Bem de família: formas de instituição e reconhecimento ................................................ 32
1.5.1 Bem de família voluntário ........................................................................................... 33
1.5.2 Bem de família legal.................................................................................................... 38
CAPÍTULO II ...................................................................................................................... 42
2 EXCEÇÕES À IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA E A FIANÇA COMO
GARANTIA DE PAGAMENTO NOS CONTRATOS LOCATÍCIOS................................. 42
2.1 A penhorabilidade restrita do bem de família.................................................................. 42
2.1.1 Exceções de ordem econômica .................................................................................... 43
2.1.2 Exceções de ordem penal ............................................................................................ 48
2.1.3 Exceções de ordem pessoal ......................................................................................... 50
2.2 Garantias dos contratos locatícios ................................................................................... 54
2.3 Fiança locatícia .............................................................................................................. 57
2.3.1 Características, requisitos e extinção da fiança locatícia............................................... 59
12
2.3.2 Efeitos jurídicos decorrentes da fiança ......................................................................... 64
CAPÍTULO III .................................................................................................................... 68
3 A inconstitucionalidade DA PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR NOS
CONTRATOS LOCATÍCIOS ............................................................................................. 68
3.1 O direito à moradia: um direito fundamental .................................................................. 69
3.1.1 A moradia como garantia de um patrimônio mínimo ................................................... 75
3.2 Tutela da dignidade da pessoa humana: diretriz principiológica na efetivação do direito à
moradia ................................................................................................................................ 78
3.3 A violação do princípio da isonomia na penhora do bem de família do fiador da locação 81
3.4 A função social dos contratos na perspectiva da penhora do bem de família do fiador da
locação................................................................................................................................. 85
3.5 A inconstitucionalidade do inciso VII, do artigo 3º, da Lei n. 8.009/1990 ....................... 88
CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 96
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 101
APÊNDICES ..................................................................................................................... 109
ANEXOS ........................................................................................................................... 114
INTRODUÇÃO
O legislador brasileiro no afã de proteger a entidade familiar das crises econômicas do
sistema capitalista vigente no Brasil criou o instituto do bem de família, com a finalidade de
tutelar o direito à moradia. Entretanto, esta proteção não é absoluta, pois se conferiu exceções
à impenhorabilidade, como a possibilidade de penhora do único imóvel residencial do fiador
do ajuste locatício.
Com a edição da Emenda Constitucional n. 26, o direito à moradia adquiriu status de
direito fundamental. A partir de então, parte da jurisprudência, e especialmente o Supremo
Tribunal Federal, passaram a decidir que a penhora do bem de família do fiador da locação,
seria inconstitucional frente ao direito à moradia, cuja previsão constitucional teria revogado a
norma especial, do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à igualdade.
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, voltou atrás em sua
decisão em 08 de fevereiro do ano 2006, decidindo pela constitucionalidade do referido
dispositivo com fundamento na tese de que a pessoa tem liberdade para escolher se deve ou
não afiançar, princípio da autonomia da vontade, e, também, sob a compreensão de que o
direito à moradia não se exerce apenas em imóvel próprio, mas também sobre imóvel alugado
cujo contrato teria suas garantias prejudicadas, caso prevalecesse a tese contrária.
A partir dessas premissas, é que será desenvolvida a pesquisa perquirindo sobre a
constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador nos contratos locatícios.
A análise da inconstitucionalidade do artigo 3º, inciso VII da Lei n. 8.009/1990
sobrevém em decorrência da importância jurídica e social do tema. A importância jurídica
decorre da aplicabilidade da exceção nos contratos de locação em razão de que os fiadores
ainda têm a possibilidade de perder por meio da penhora, o seu único bem por determinação
14
da lei, contrariando os fundamentos da caracterização do bem de família. A importância social
está diretamente relacionada com a crise habitacional no Brasil, bem como pela função do
bem de família como meio de proteção da entidade familiar da privação de seu lar.
Com vistas a fazer da lei um instrumento de cidadania, é que se propôs como
problema da pesquisa responder a seguinte questão: é constitucional a penhora do bem de
família do fiador do contrato de locação, frente ao direito social à moradia e ao princípio da
isonomia?
O objetivo geral da pesquisa é analisar se a penhora do bem de família do fiador da
locação viola o direito social à moradia, uma das exteriorizações do princípio de proteção da
dignidade da pessoa humana, bem como o princípio constitucional da isonomia.
Como objetivos específicos contemplam-se a gênese do bem de família; a relação da
fiança nos contratos locatícios; a admissibilidade ou não do Estado intervir nas relações entre
particulares a fim de assegurar um patrimônio mínimo mensurado de acordo com parâmetros
elementares de uma vida digna, do qual a pessoa não pode ser desapossada ou expropriada
mesmo em detrimento da liberdade contratual; e, por fim, a reflexão sobre se a penhora do
bem de família do fiador do contrato de locação ofende ou não a proteção constitucional do
direito à moradia.
Para o desenvolvimento da pesquisa adota-se o método de abordagem dedutivo, e o
tipo de pesquisa baseia-se na análise bibliográfica de livros de leitura corrente, periódicos,
artigos, teses, dissertações, jurisprudências e legislação nacional e internacional.
A pesquisa vincula-se ao eixo temático ―Cidadania e Estado‖, tendo em vista que a
pesquisa demonstra uma preocupação com a questão habitacional do país, especialmente com
o bem de família do fiador da locação, que teve seus fundamentos descaracterizados pela
exceção à impenhorabilidade.
O presente estudo está estruturado em três capítulos.
O capítulo primeiro, cujo objetivo é compreender o instituto do bem de família, aborda
a concepção de família, o conceito do bem de família, seus antecedentes históricos desde a
época do direito romano, perpassando pela origem nos Estados Unidos da América até a sua
evolução no Brasil. Traz também uma reflexão sobre a questão habitacional no Brasil e uma
análise dos aspectos gerais das modalidades de bem de família presentes no ordenamento
15
jurídico brasileiro.
O capítulo segundo constitui-se numa análise das exceções à impenhorabilidade do
bem de família voluntário e legal, bem como sobre as garantias aplicadas ao contrato de
locação, principalmente a fiança. Especificamente sobre a fiança locatícia, examinam-se suas
características, requisitos para a sua constituição, causas determinantes para a extinção e os
efeitos que se operam nas relações entre o fiador e credor e também entre o fiador e o devedor
afiançado.
E, por fim, o capítulo terceiro objetiva analisar a inconstitucionalidade da penhora do
bem de família do fiador da locação com fundamento no direito à moradia, na garantia de um
patrimônio mínimo, no princípio da dignidade da pessoa humana, no princípio constitucional
da isonomia e na função social dos contratos.
CAPÍTULO I
1 BEM DE FAMÍLIA: ASPECTOS CONCEITUAIS, EVOLUÇÃO HISTÓRICA E
MODALIDADES PREVISTAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A família, como base do Estado, merece especial proteção, de forma que, ao assegurar
o direito à moradia, se garante além do acesso à habitação, o direito a um mínimo necessário
para se ter uma vida digna.
É no aconchego do lar que as pessoas desenvolvem-se enquanto seres humanos
sensíveis, encontram refúgio, recebem e dedicam amor, o que justifica a proteção ampla e
profícua do direito à moradia por parte do Estado. No entanto, ainda é apenas um sonho de
muitas famílias, a propriedade de uma casa, ou mesmo o acesso a um abrigo.
Neste sentido, o Estado, na tentativa de resguardar a casa dos negócios externos ao lar
e, consequentemente, conferir tutela especial à família, criou normas protetivas do patrimônio
familiar, a exemplo do instituto do bem de família.
Este capítulo tem como objetivo compreender o instituto do bem de família. Para
tanto, apresenta-se a atual concepção da família, o conceito do bem de família, seus
antecedentes históricos desde a época do direito romano, perpassando pela origem nos
Estados Unidos da América até a sua evolução no Brasil. Propõe-se, ao final, uma reflexão
sobre a questão habitacional no Brasil, e uma análise dos aspectos gerais das modalidades de
bem de família presentes no ordenamento brasileiro.
17
1.1 A moderna concepção de família: objeto de tutela
No que tange à família, caracterizá-la nos dias atuais é importante para decidir sobre a
aplicação ou não do instituto do bem de família. Os debates sobre a caracterização da família
são corriqueiros em sede de ações de execução, recursos e embargos, uma vez que verificada
a existência da entidade familiar, é possível invocar a proteção do bem de família.
A definição de família é complexa, porque o sentido de entidade familiar se modificou
com a própria história da humanidade. Dias apud Lôbo (2007, p. 40) conceitua família como
―um grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade após o desaparecimento da
família patriarcal, que desempenhava funções econômicas, religiosas e políticas.‖
É importante salientar que quando o instituto do bem de família nasceu no Brasil, a
família era patriarcal. Sendo apenas reconhecido pelo ordenamento jurídico brasileiro o
modelo familiar matrimonial, ou seja, constituído pelo casamento civil.
Nesta linha, o modelo familiar da revolução industrial, tutelado pelo Estado, era
concebido como uma ―unidade de produção‖. As famílias eram constituídas para construir
bens patrimoniais destinados aos herdeiros, de tal forma que o vínculo matrimonial não podia
ser rompido porque seria o mesmo que destruir a sociedade. (FARIAS, 2007, p. 4).
O modelo familiar da época do nascimento da codificação civil no Brasil, o qual
buscava essencialmente a proteção do patrimônio cedeu espaço para a família sustentada no
afeto e na solidariedade. Este fenômeno, sem dúvida, é resultado da evolução das relações
sociais no decorrer do tempo que determinaram um modelo familiar ―descentralizado,
democrático, igualitário e desmatrimonializado.‖ Outro fator que contribuiu para a
consolidação de diversos modelos familiares foi a busca da dignidade da pessoa humana em
detrimento dos valores patrimoniais. (FARIAS, 2007, p. 3; 7).
A família evolui conforme o desenvolvimento da sociedade, assim, sua concepção é
mutável, apresentando-se de formas tão diferentes quanto as possibilidades de
relacionamentos centradas no afeto e no amor. Além disso, a família atual deve ser
compreendida como um sistema democrático, ou seja, um espaço para a troca de idéias entre
seus integrantes como ―instrumento para o desenvolvimento da pessoa humana.‖ (FARIAS,
2007, p. 5; 7; 9).
18
Hodiernamente, a tutela conferida a família não decorre pela importância desta em si
mesmo, mas, em razão da importância de proteger o núcleo em que se desenvolve a pessoa
humana, a razão é pela amparo ao próprio ser humano de forma a preservar sua dignidade.
(FARIAS, 2007, p. 10).
Assim, família, não é mais apenas um conjunto de pessoas ligadas por laços
consaguíneos ou civis, mas por laços de afetividade, de amor, onde todos os integrantes
buscam o fortalecimento de cada um.
No seio da família é que as pessoas desenvolvem sua personalidade, seu espírito e são
preparadas para os primeiros contatos com a sociedade. Dessa forma, a família, como célula
básica do Estado1, merece proteção por meio de uma legislação especial, de órgãos e
entidades assistenciais e protetivas. Neste sentido, é que o bem de família se insere no
conjunto de meios de tutela da entidade familiar. (BITTAR, p. 46-47).
Não é o modelo de entidade familiar que se deve considerar para definir o conceito e a
aplicação do bem de família, mas, o importante é que seja assegurado um lar ao ser humano,
efetivando o direito social à moradia.
1.2 Bem de família: tentativa conceitual
Conceituar o instituto do bem de família 2 não é uma tarefa simples, em razão de que o
seu conceito evoluiu no decorrer do tempo de acordo com as mudanças de paradigmas do
direito brasileiro, especialmente os relacionados com a tutela da família. Busca-se por
intermédio dos elementos conceituais do bem de família, construídos por doutrinadores,
encontrar uma concepção conceitual humanizada e condizente ao direito contemporâneo.
1
2
Artigo 226, Constituição Federal. A família, base da sociedade tem especial proteção do Estado.
Azevedo (2002, p. 17-18) indica a origem etimológica da expressão ―bem de família‖ dos vocábulos ―bem‖ e
―família‖. O vocábulo ―bem‖ é sinônimo de utilidade, proveito, vantagem, propriedade, domínio. Originou-se
do advérbio latino bene que por sua vez descende do adjetivo bônus, a, um. Interessante é que o vocábulo
bônus tem ligação com os verbos latinos beo, as, ai, atum, are, que significa tornar alegre, fazer feliz, causar
felicidade, gratificar, enriquecer. A palavra ―família‖ tem origem no vocábulo latino ―família‖ e se reporta à
coletividade, é provável que sua origem seja do radical dha que dá a entender ―por‖, ―estabelecer‖, da língua
ariana, que se transformou no vocábulo fam. A palavra dhaman significa casa e com o tempo o dh se
transformou em f, surgindo o vocábulo faama entre os diletos do Lácio. Do vocábulo faama, surgiu famel que
quer dizer servos e famelia que significava o conjunto de todos aqueles que estavam sob a chefia e proteção
do pater.
19
Azevedo apud França (2002, p. 93) definiu o bem de família como ―o imóvel urbano
ou rural, destinado pelo chefe de família ou com o consentimento deste mediante escritura
pública,
a
servir
como
domicílio
da
sociedade
doméstica,
com
cláusula
de
impenhorabilidade.‖
Este conceito retrata a época anterior à promulgação da atual Constituição Federal, em
que era reconhecida apenas como entidade familiar a família matrimonial, sendo o cônjuge
varão o seu gestor. Além disso, refere-se exclusivamente ao bem de família voluntário
regulado na época pelo Código Civil de 1916, uma vez que, o bem de família legal foi criado
apenas em 29 de março de 1990, pela Lei n. 8.009.
Azevedo (2002, p. 93) conceitua ainda, o bem de família como sendo ―[...] um meio
de garantir um asilo à família, tornando-se o imóvel onde a mesma se instala domicílio
impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem
sua maioridade.‖
Embora esta definição contemple a função social de garantia de um abrigo inviolável à
família, observa-se que limita a proteção enquanto viverem os cônjuges e até a maioridade
dos filhos. Neste caso, Dias (2007, p. 526) entende que não se opera a extinção do bem de
família porque a família anaparental (formada por parentes conviventes) é reconhecida como
entidade familiar, e, sendo assim, a proteção à habitação familiar deve perdurar.
Por sua vez, Venosa (2006, p. 407), harmonizando-se aos dias atuais, conceitua
genericamente o bem de família como sendo ―uma porção de bens que a lei resguarda com os
característicos de inalienabilidade e impenhorabilidade, em benefício da constituição e
permanência de uma moradia para o corpo familiar. [...].‖
Enfim, define-se como bem de família, o imóvel urbano ou rural, destinado à
residência familiar ou os valores mobiliários com a finalidade de conservação do imóvel
residencial e o sustento da família, os quais são impenhoráveis, salvo as exceções legais, e
inalienáveis relativamente no caso do bem de família voluntário, com propósito de conferir
proteção ampla ao ser humano por meio da garantia de moradia.
Esta compreensão decorre da origem e evolução jurídica do bem de família, e
corrobora para entender os aspectos legais e até mesmo a evolução conceitual ora exposta.
20
1.3 A gênese do bem de família
Desde que se tem notícia da convivência humana civilizada, há o interesse em proteger
o núcleo familiar. As primeiras manifestações legais para a proteção da família por intermédio
da garantia do patrimônio familiar se reportam aos romanos.
Na época da República Romana registram-se as primeiras manifestações de proteção
dos bens da célula familiar, a inalienalibidade se impunha pela sacralidade que eram tratados
os bens dos antepassados.
Mas, foi no Texas que surgiu o instituto do bem de família nos moldes atuais, em
decorrência da crise econômica do início do Século XIX para proteger a pequena propriedade
rural e os instrumentos de trabalho das execuções por dívidas contraídas por empréstimos
bancários. (AZEVEDO, 2002, p. 24-29).
Neste contexto, para analisar as origens do instituto do bem de família, adota-se a
divisão em dois momentos distintos, o primeiro aborda as primeiras manifestações de
proteção do patrimônio familiar com fundamento no Direito Romano e o segundo, se reporta
à criação do instituto propriamente dito, no Texas.
1.3.1 Bem de família: laboratório no direito romano
O bem de família como se concebe atualmente, teve origem nos Estados Unidos da
América, porém, no Direito Romano 3, registram-se os primeiros diplomas legais com vistas a
resguardar o lar.
No Período da República, era proibido alienar o patrimônio familiar porque os bens
dos antepassados eram considerados sagrados. Dessa forma, até o final deste período, a
conduta de alienar os bens herdados era uma profanação. (AZEVEDO, 2002, p. 20).
3
O Direito Romano passou por diversas fases de desenvolvimento, e, para facilitar a compreensão, os
historiadores o dividem em fases. Adota-se nesta pesquisa a classificação de Girard que divide o Direito
Romano em cinco períodos: ―Realeza (753 a.C a 540 a.C), República (510 a.C a 27 a.C), Alto Império (27 a.C
a 284 d.C), Baixo Império (254 a 565) e Bizâncio (565 a 1453). (LUIZ, 1999, p. 23).
21
Os romanos eram politeístas, e os deuses familiares ou domésticos eram os seus
antepassados, de forma que cada família tinha deuses próprios diferentes de outras famílias.
Os deuses familiares eram chamados de Lares, Manes e Penates. Os deuses Lares eram os
antepassados próximos, sendo reverenciados todos os dias, enquanto os Manes que eram os
antepassados mais distantes e os Penates os mais remotos, eram reverenciados
periodicamente. Os entes eram sepultados nos quintais das domus4 e representavam a
segurança da família. (LUIZ, 1999, p. 34-35).
Os deuses Lares eram reverenciados junto ao altar, que ficava logo na entrada da casa,
onde era aceso o ―fogo sagrado‖, que jamais poderia se apagar, porque uma chama que se
apagava era considerada uma profanação. Assim, o culto aos antepassados impunha uma
fixação da moradia, tornando-a inalienável, constituindo-se esta uma manifestação primária
do bem de família. (CASTRO apud SANTOS, 2003, p. 3).
Vários institutos jurídicos foram criados pelos romanos para conservar o patrimônio
da família. Azevedo (2002, p. 23) aduz que no século II, período do Alto Império, foram
criadas cláusulas de inalienabilidade em testamentos, de forma que era transmitido de geração
para geração. Ainda, criaram o instituto da ad rogatio, que consistia na adoção de um cidadão
livre, em que o paterfamílias5 com todos os seus dependentes, escravos e bens passava à
autoridade de outro parterfamílias. Em consequência, o paterfamílias ad-rogado passava a
qualidade de alieni juris (dependente), mas, eram preservados o culto e as coisas sagradas da
família.
Também com o propósito de preservar o patrimônio familiar, os romanos instituíram o
chamado fideicomissum6. Por este instituto, o testador determinava que a casa não fosse
alienada, ficando sempre pertencendo à família. Com a morte do fideicomitente, o
fideicomisso passava aos filhos, que na qualidade de fiduciários, não podiam aliená-lo a
estranho. Caso o fiduciário morresse sem descendente, o fideicomisso passava às pessoas que
4
5
6
Domus era a casa dos romanos. (LUIZ, 1999, p. 34).
A família romana era regida, paterfamílias, que significa chefe da família. Este detinha o poder de vida e de
morte sobre seus descentes, reconhecido pelas XII Tábuas (450-451 a.C.). Este pode perdurou até Constantino
(324-337 d.C.). Quanto ao patrimônio, o paterfamilias possuía todos os direitos patrimoniais. No período do
fim da República até metade do século III d. C, era a única pessoa capaz de direitos e obrigações. Dessa
forma, as pessoas sujeitas ao pátrio poder, não possuíam plena capacidade jurídica. (MARKY, 2007, p. 155).
No direito brasileiro, fideicomisso é uma disposição testamentária de acordo com o Artigo 1951 do Código
Civil de 2002, em que o testador institui herdeiro ou legatário. Por ocasião da morte do fideicomitente, que é o
próprio testador, a herança ou o legado se transmite para o fiduciário. Resolvendo-se o direito do fiduciário
pela implementação de certa condição ou por sua morte, o bem é transmitido ao fideicomissário, que é o
destinatário final do bem.
22
tinham o nome do de cujus. (AZEVEDO, 2002, p. 21-23).
Assim, o objetivo do fideicomisso de família era impedir que o bem fosse alienado a
um estranho, tanto por ato inter vivos como causa mortis. Se o patrimônio familiar fosse
alienado ou se em decorrência do falecimento do herdeiro fosse conferido a terceiro estranho
a família por disposição testamentária, o membro da família de grau mais próximo poderia
reclamar o fideicomisso. Inicialmente, o fideicomisso tinha apenas conotação moral, ficando
o fideicomissário (destinatário final do bem) sujeito à vontade do fiduciário (pessoa
encarregada do fideicomisso). Após o instituto se generalizou de tal maneira, que para coibir
abusos se tornou necessário a sua regulamentação e até a intervenção pelo chamado pretor
fideicomissário7.
Enfim, importante mencionar, que o fideicomisso de família no Direito Romano
acarretava a perpetuação de bens em uma família, o que levou o imperador Justiniano a
limitar as substituições fideicomissárias até o quarto grau com a edição da Novela 159 8.
Embora no direito romano não existisse o bem de família em seu sentido técnico,
observa-se que havia um especial interesse em proteger o patrimônio familiar pelo caráter
sagrado de conservação da casa romana.
A partir desta forma de tutela do bem de família, a idéia foi progredindo até o
surgimento do bem de família propriamente dito, conforme se verá a seguir, com o objetivo
de resguardar a pequena propriedade de execuções por dívidas, durante a crise econômica.
1.3.2 O berço do nascimento do bem de família: no Texas
O bem de família foi criado oficialmente na América do Norte, na década de 1830,
com a finalidade de tutelar a pequena propriedade rural. Neste sentido, a compreensão do
contexto histórico e da finalidade do instituto no momento do seu nascimento corrobora para
o exame da instituição e desenvolvimento do bem de família no Brasil.
7
8
―O Pretor era um magistrado romano investido de poderes extraordinários. Era hierarquicamente subordinado
ao Cônsul e equivalia modernamente ao juiz ordinário ou de primeira instância. Tinha por função administrar
a justiça e era posto privativo das famílias nobres, até 337 a.C., quando os plebeus puderam ascender ao
cargo. Os pretores, cujo cargo era vitalício, estabeleciam as audiências do fórum, cujo processo inspirou o
Direito Processual, especialmente da área cível, no Ocidente atual.‖ (WIKIPÉDIA, 2009).
Novelas (Nouellae constitutiones) eram chamadas as novas leis editadas pelo imperador Justiniano após a
segunda edição do Corpo de Direito Civil (Corpus Juris Civilis), no ano de 534. (WIKIPÉDIA, 2009).
23
A Constituição Texana de 1836 conferiu aos cidadãos da República do Texas 9, exceto
negros africanos e seus descendentes, a possibilidade de obter junto ao Governo uma pequena
porção de terras do Estado. Em vista dos incentivos, a agricultura e o comércio cresceram
rapidamente e instalaram-se naquela região os bancos Europeus oferecendo empréstimos
bancários para custear as atividades produtivas. Diante da oferta dos empréstimos oferecidos
pelos bancos, em busca de lucro fácil, o povo ultrapassou limites. (AZEVEDO, 2002, p. 27).
A especulação aliada ao descontrole da emissão de moeda desencadeou uma crise
econômica entre os anos de 1837 e 1839, sendo a falência de um grande banco de Nova York
em 10 de maio de 1837, o marco do início da crise. (AZEVEDO, 2001, p. 211-212).
[...] Para fazer-se uma idéia da extensão do desastre: 959 bancos fecharam suas
portas, somente no ano de 1839, e, durante a crise, entre os anos de 1837 e 1839,
ocorreram 33.000 falências e uma perda de 440 milhões de dólares, ou seja, perto de
dois bilhões e trezentos milhões de francos, à época. (BOREAU apud AZEVEDO,
2001, p. 212).
Neste cenário, os credores passaram a realizar penhoras e os devedores sofriam a
execução de seus bens por preços irrisórios. Logo, as famílias dos trabalhadores foram
atingidas, e, a partir de movimentos democráticos, foram editadas várias leis de proteção,
destacando a abolição da prisão por dívidas em 1833 e a promulgação da Lei do Homestead
Exemption Act10 em 26 de janeiro de 1839, que regulamentou o bem de família no Texas.
O homestead ou lar de família consistia na concessão de uma gleba de terras para que
o colono cultivasse, desde que constituísse sua residência na gleba durante cinco anos. Depois
de cumprida a exigência, o colono obtinha o título dominial. (FACHIN 2006, p. 154-155).
A Lei do Homestead Exemption Act visava tornar impenhorável e inalienável a
pequena propriedade rural e o imóvel urbano residencial limitado a quinhentos dólares mais
os instrumentos de trabalhos e suprimentos para um ano.
9
10
O Texas foi colonizado pelos espanhóis, passando ao governo do México em 1821, quando este se tornou
independente da Espanha. Em 21 de abril de 1836, o Texas tornou-se independente do México após o
confronto militar entre o Estado e os colonos texanos, o que resultou na instituição da República do Texas.
Logo após a independência, empresários americanos, autorizados pelo governo, começaram a investir no local
comprando terras. Em consequência, a emigração americana, que ocorria desde que o Texas era parte do
território mexicano, se intensificou. Formaram-se assentamentos, de tal forma que em 1836 a população de
americanos era maior do que a população de texanos. Nove anos mais tarde, em 29 de dezembro de 1845, o
Texas tornou-se um estado norte-americano. (WIKIPÉDIA, 2009).
Significa ato de isenção do lar de família.
24
A lei que regulamentou o bem de família, no Texas, foi editada em 26 de janeiro de
1839 (homestead exemption act) e implicava a proteção de pequena propriedade
agrícola, residencial, da família, consagrada à sua proteção, limitada em suas
dimensões (cinqüenta acres de terra11), ou de terreno na cidade e melhorias, no valor
máximo de quinhentos dólares, como mobiliário e utensílios domésticos, no valor
máximo de duzentos dólares, e todos os instrumentos de lavoura, no valor máximo
de cinqüenta dólares, bem como ferramentas, aparatos e livros pertencentes ao
comércio ou profissão de qualquer cidadão, cinco vacas de leite, uma junta de bois
para o trabalho ou um cavalo, vinte porcos e provisões para um ano. [...].
(AZEVEDO, 2001, p. 210-211).
Para conferir êxito ao instituto eram expedidos os homestead exemption laws12, que
consistiam em atos legislativos com o objetivo de atrair as famílias, para que pudessem
trabalhar sem a ameaça de ficarem desabrigadas. (MARMITT apud FACHIN, 2006, p. 155).
Nota-se que Lei do Homestead tinha como objetivo promover o desenvolvimento
econômico social ao par de garantir que as famílias de trabalhadores atingidas pela crise não
ficassem desabrigadas. Hora Neto (2007), explica que em síntese a Lei do Homestead
pretendia fixar o homem à terra ao decretar a impenhorabilidade dos bens imóveis e móveis
domésticos, com o objetivo de proteger a família e seu imóvel residencial.
Depois da anexação do Texas aos Estados Unidos da América em 1845, a Constituição
texana estabeleceu a impenhorabilidade do imóvel rural de até dois mil acres 13 e do imóvel
urbano se valesse até dois mil dólares contra qualquer execução. Esta constituição foi revista
em 1866, 1868, sempre com disposições regulamentadoras do homestead, e, em 1876
estabeleceu que o bem de família não poderia ser alienado sem a outorga uxória. (AZEVEDO,
2002, p. 29-35). Outra medida de incentivo ao desenvolvimento da economia foi concedida
por meio de uma lei federal de 20 de maio de 1862, que concedia ao cidadão americano o
título de domínio definitivo da terra, depois que residisse nela por 05 anos. (FACHIN, 2002,
p. 156-157).
O instituto do homestead foi editado em vários Estados americanos, embora com
pequenas diferenças entre si, mantinham três condições em comum: ―necessidade de
existência um direito sobre determinado imóvel que se pretende ocupar a título de homestead;
necessidade de que o titular desse direito seja chefe de família (head of a family); necessidade
de que seja esse imóvel ocupado pela família (occupancy).‖ Alguns Estados americanos
11
12
13
―Acre é o nome de uma unidade de medida de área que equivale a 4.046,8564224 m².‖ (WIKIPÉDIA, 2009,
grifo do autor). Assim, cinquenta acres equivale a 202.342,8211 m² (metros quadrados) ou 20,23428211 ha
(hectares).
Significa leis de isenção do lar de família.
Corresponde a 8.093.713 m² (metros quadrados) ou 809,3713 ha (hectares).
25
adotaram uma quarta condição, a qual consistia numa publicidade especial, que consistia
numa declaração feita no registro imobiliário, registrar of deeds, era conferido ciência aos
credores de que o patrimônio estava sob regime de homestead. (AZEVEDO, 2002, p. 33; 35).
Hora Neto (2007) conclui que o homestead formal, dependente de registro, deu origem ao
bem de família voluntário e o homestead legal deu origem ao bem de família legal, o qual é
independente da manifestação de vontade do titular.
Deduz-se que homestead americano nasceu para promover o desenvolvimento
econômico e social por meio da proteção da pequena propriedade, ou seja, era oferecida a
garantia de que a família não ficaria desabrigada, com o intuito de atrair colonizadores para a
região do Texas, e, consequentemente, gerar riquezas. No Brasil, embora tenha o legislador
brasileiro se inspirado no instituto do homestead americano para a admissão do bem de
família, o contexto histórico e a razão da proteção em muito se difere.
1.4 Bem de família no Brasil
No Brasil, o instituto do bem de família, embora criado nos moldes do homestead
americano, surgiu pela necessidade de conferir proteção a própria entidade familiar em
decorrência do problema da habitação no país entre o final do século XIX e início do século
XX. Após vários debates acadêmicos e políticos, o instituto do bem de família foi inserido no
Código Civil de 1916, e foi amoldando-se no decorrer do tempo de acordo com as
necessidades sócio-culturais de cada época.
A primeira notícia que se tem a respeito da tentativa de inclusão do instituto do bem de
família no ordenamento jurídico brasileiro, data-se de 1893, ainda em fase de elaboração do
projeto do Código Civil por Coelho Rodrigues, quando o deputado baiano Leovigildo
Filgueiras, apresentou ao Congresso Nacional, com o intuito de conferir proteção ao imóvel
residencial familiar em face de execuções por dívidas, o Projeto de Lei n. 10/1893.
O Projeto de Lei n. 10/1893, nos moldes do homestead americano, era contemporâneo
para a época, porque estabelecia a impenhorabilidade dos móveis que ocupam a residência. O
projeto foi para a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça e lá recebeu parecer
favorável, no entanto, como deveria aguardar a discussão do Projeto do Código Civil de
26
Coelho Rodrigues, não chegou a ser discutido na Câmara. (SANTOS, 2003, p. 51).
Fachin (2006, p. 133) e Azevedo (2002, p. 86) atribuem o surgimento do bem de
família, ao projeto de Código Civil em 1893, proposto por Coelho Rodrigues. Na época foi
adotado o nome de ―lar de família‖ e inserido no livro do ―Direito de Família‖. Previa que
poderia ser instituído pelos cônjuges ou até mesmo por terceiros, caracterizando-se pela
inalienabilidade e indivisibilidade durante a sociedade conjugal, até que permanecesse viúva a
mulher e durante a menoridade dos filhos. Cumpre observar que o referido Projeto não
conferia impenhorabilidade, distanciando neste ponto do instituto do homestead americano.
Como este Projeto de Código Civil não foi aceito pela Comissão do Governo
provisório do ministro Campo Sales, a matéria atinente ao bem de família, não chegou a ser
analisada. Designou-se então, Clóvis Beviláqua para dar continuidade à elaboração do Código
Civil, sendo que o seu projeto inicialmente não contemplou o bem de família. (FACHIN,
2006, p. 133).
Na data de 05 de outubro de 1903, o deputado Francisco de Toledo Malta apresentou à
Câmara dos Deputados um Projeto14 com 15 artigos sobre o homestead, que foi aprovado,
entretanto, no Senado não foi apreciado. Este projeto contemplava a fixação do homem ao
campo ao prever exploração direta e moradia no imóvel rural pelo instituidor. Previa
expressamente a impenhorabilidade do imóvel rural limitado a 25 hectares, os móveis,
utensílios de trabalho e animais. A exceção à impenhorabilidade seria pelo não pagamento ao
vendedor do imóvel e no caso de não pagamento do salário a trabalhadores. Previa a extinção
do privilégio no caso de falecimento dos cônjuges, o que foi considerado um retrocesso
jurídico, em razão de ser um momento em que os filhos menores estariam mais vulneráveis.
(AZEVEDO, 2002, p. 88).
Foi na Câmara do Senado que a Comissão Especial presidida por Feliciano Penna,
sendo primeiro relator Sá Freire e segundo Fernando Mendes, incluiu uma emenda após o
artigo 33, no livro ―Das Pessoas‖ com quatro artigos regulamentando o homestead, em
decorrência da emenda ao projeto do Código Civil de 1916. A emenda foi apresentada em 01
de dezembro de 1912 pelo senador Fernando Mendes de Almeida, e publicada em 05 de
dezembro do mesmo ano. (SANTOS, 2003, p. 58).
14
Santos (2003, p. 54) menciona que o projeto recebeu o n. 249 e seu título era a ―isenção de penhora
(homestead) ao imóvel rural‖.
27
Em decorrência das críticas sobre a localização do bem de família, proferidas por
Justiniano de Serpa, a Comissão retirou da Parte Geral do Livro ―Das Pessoas‖ e transferiu
para o Livro ―Dos Bens‖. (AZEVEDO, 2006, p. 89). Para Santos (2003, p. 59), a inserção do
instituto no Livro ―Dos Bens‖, expressava a preocupação em relação à proteção do patrimônio
pelos efeitos da impenhorabilidade e inalienabilidade, em detrimento da proteção da família
em si. No Código Civil de 2002 foi inserido no Livro do ―Direito de Família‖, artigos 1.711 a
1.722, por proposta de Orlando Gomes no ano de 1965, considerado melhor técnica pelos
doutrinadores15. (AZEVEDO, 2006, p. 89). Venosa (2006, p. 407), diversamente, entende que
o instituto tem ―relação direta, mas não exclusiva com o direito de família‖, dessa forma,
poderia continuar a ser tratado na parte geral do Código Civil ou na parte dos direitos reais.
Mesmo que o Código Civil de 1916 tenha disposto sobre o bem de família, ainda havia
lacunas no que tange ao direito material, principalmente pela falta de norma regulamentadora
sobre o valor do imóvel a ser constituído como bem de família, se o privilégio alcançaria
apenas residências urbanas ou se também às residências rurais.
Com o intuito de sanar as lacunas presentes no Código Civil de 1916, sobre o instituto
do bem de família, foi editado o Decreto-Lei n. 3.200, de 19 de abril de 1941, que estendeu o
benefício à residência rural e seus acessórios. Este diploma legal estatuiu ainda, que em caso
de falecimento do instituidor, o bem não mais entraria em inventário enquanto vivesse o
cônjuge ou enquanto perdurasse a menoridade dos filhos, inclusive isentava-o da cobrança de
juro de mora sobre o imposto de transmissão até a partilha. Outra novidade foi o
estabelecimento de isenção e redução de impostos federais com recomendação para que os
Estados assim também o fizessem por ocasião da aquisição. (SANTOS, 2003, p. 63-64).
No que tange a não fixação de um valor para o bem de família pelo diploma civil de
1916, foram promulgadas várias leis esparsas 16 até que o Código Civil de 2002 limitou o valor
do bem de família a um terço do patrimônio líquido do instituidor. (FACHIN, 2006, p. 139).
A Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil atual,
15
16
Neste sentido também é a opinião de Fachin (2006, p. 133).
O Decreto-Lei n. 3.200/1941 determinou como valor máximo cem mil cruzeiros, e, em 27 de junho de 1955
foi publicada a Lei n. 2.514 que atribuiu o valor máximo de um milhão de cruzeiros. Anos mais tarde, em 27
de abril de 1971, foi publicada a Lei n. 5.653 que determinou valor máximo de quinhentas vezes o maior
salário mínimo vigente no país, ou seja, alterou o artigo 19 do Decreto Lei n. 3.200/1941 alterado pela Lei n.
2.514/1955, com o objetivo de contornar a desvalorização monetária em relação aos valores fixos. E, em 17
de dezembro de 1979, a Lei n. 6.742 alterou novamente o artigo 19 do Decreto-Lei n. 3.200/1941,
estabelecendo que não haveria limite de valor para o bem de família, se a família residisse no imóvel por mais
de dois anos. (FACHIN, 2006, p. 139).
28
regulamentou o procedimento para a instituição do bem de família pelo artigo 1.218, VI.
Posteriormente, o referido dispositivo, foi revogado pela Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de
1973 (Lei dos Registros Públicos), que regulamentou toda a matéria atinente à instituição do
bem de família nos artigos 260 a 265, mas sem alterações substanciais. (SANTOS, 2003, p.
63; 65).
Uma das novidades da Lei n. 6.015/1973 foi a previsão de publicação de edital17 antes
do registro, com o objetivo de conferir oportunidade aos credores impugnarem, visto que
anteriormente a esta Lei, não havia determinação em qual momento deveria ocorrer a
publicação. Dessa forma, se fosse publicado depois do registro frustraria a prevenção dos
credores contra eventuais prejuízos. (SANTOS, 2003, p. 66).
Em razão do formalismo, o instituto do bem de família não restou eficaz. Somente
com a edição da Lei n. 8.009, de 29 de março de 1990, o instituto foi amplamente difundido,
uma vez que prescinde da instituição do proprietário. Neste viés, Santos (2003, p. 67)
comenta que com a edição da Lei n. 8.009/1990, houve um grande avanço porque conferiu
impenhorabilidade ao imóvel que serve de residência à entidade familiar, independentemente
da vontade dos responsáveis pela família.
A moradia passou a ser alvo da tutela jurídica pelo poder público recentemente por
meio da instituição do bem de família legal no ano de 1990. Neste diapasão, apenas no ano de
2000 foi inserido no texto constitucional o direito social fundamental à moradia, enquanto que
a questão habitacional no Brasil se agravava no decorrer do tempo.
1.4.1 A questão habitacional no Brasil como fundamento à tutela do direito a moradia
A evolução legislativa do bem de família demonstra aos poucos, a preocupação com o
problema habitacional no Brasil, marcante na década de 1930 a 1960 em decorrência da
migração da população do campo para a cidade, em busca de trabalho nas indústrias
emergentes.
17
Artigo 263, Lei n. 6.015/1973. Findo o prazo do n. II do artigo anterior, sem que tenha havido reclamação, o
oficial transcreverá a escritura, integralmente, no livro n. 3 e fará a inscrição na competente matrícula,
arquivando um exemplar do jornal em que a publicação houver sido feita e restituindo o instrumento ao
apresentante, com a nota da inscrição. (Renumerado do Artigo 264, pela Lei n. 6.216, de 1975).
29
Carli (2009, p. 12-24) explica sobre o déficit habitacional18 no Brasil como sendo
resultado de diversos fatores, dentre os quais, cita a entrada de estrangeiros no país em
decorrência da Segunda Guerra Mundial, o êxodo rural, a escassez e o alto custo do material
de construção aliado a intervenção mínima do Estado neste setor.
O problema habitacional acentuou-se, conforme manifesta Carli (2009, p. 12-13), em
decorrência do fenômeno migratório da década de 1930 até 1960, aliado ao baixo incentivo e
falta de financiamento para a aquisição da casa própria, baixos salários dos trabalhadores
(observar anexo II sobre o déficit habitacional urbano por faixas de renda média mensal),
crescimento das cidades sem que houvesse investimento em infra-estrutura, e, a construção de
casas de forma precária com materiais de péssima qualidade, apenas visando o lucro por parte
dos investidores, sem se preocupar com as condições de habitabilidade.
Impulsionado pela crescente industrialização, surgiram os cortiços, loteamentos
clandestinos e favelas. E, o Governo, com receio de surtos epidêmicos, começou investir em
medidas de bem estar social, tais como rede de abastecimento de água e esgoto, inclusive
editou leis de vigilância sanitária e código de posturas. Além da preocupação com a
possibilidade de surtos epidêmicos, a questão da moradia na época da ditadura militar (19641985) possuía cunho eminentemente econômico, pois a idéia era de que o trabalhador ao ter
acesso à casa própria se sentiria motivado a trabalhar e a produzir mais.
Para incentivar a construção da casa própria, foram criados alguns institutos como o
Instituto de Aposentadoria e Pensões, que financiava casas para os seus segurados, e, a
Fundação Casa Popular, criada em 1° de maio do ano de 1946. Estima-se que essas duas
instituições foram responsáveis pelo financiamento de 143 mil casas, número este
considerado pouco expressivo. Tais institutos não foram suficientes para contornar a crise
habitacional agravada pela entrada de imigrantes estrangeiros no Brasil e pelos efeitos da
Segunda Guerra Mundial.
Além do Instituto da Aposentadoria e Pensões e da Fundação Casa Popular, foi criado
o Banco Nacional de Habitação pela Lei n. 4.380/1964, instituindo o sistema Financeiro de
18
Como déficit habitacional entende-se a noção mais imediata e intuitiva de necessidade de construção de novas
moradias para a solução de problemas sociais e específicos de habitação detectados em certo momento. Por
outro lado, o conceito de inadequação de moradias reflete problemas na qualidade de vida dos moradores: não
estão relacionados ao dimensionamento do estoque de habitações e sim a especificidades internas do mesmo.
Seu dimensionamento visa ao delineamento de políticas complementares à construção de moradias, voltadas
para a melhoria dos domicílios existentes‖. (MINSTÉRIO DAS CIDADES, 2009, p. 15).
30
Habitação o qual preconizava o incentivo ao acesso à casa própria por meio de financiamento
a juros baixos. Hodiernamente estão vigentes vários sistemas de financiamento para a
construção ou aquisição da casa própria tais como o Sistema Financeiro de Habitação, o
Sistema Imobiliário, o Sistema de Arrendamento Residencial e o Sistema Nacional de
Habitação de Interesse Social:
[...]. O Sistema Financeiro de Habitação, que passou a ser administrado pela Caixa
Econômica Federal, empresa pública federal, após a extinção do Banco Nacional de
Habitação; o Sistema Financeiro Imobiliário, criado pela Lei 9.514/97, que prevê a
alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel, podendo ser contratada por pessoa
física ou jurídica; o Sistema de Arrendamento Residencial, Lei 10.188/2001,
alterada pela Medida Provisória n° 350, de 22 de janeiro de 2007, que acrescentou
mais uma modalidade de arrendamento; e Sistema Nacional de Habitação de
Interesse Social, previsto do diploma legal 11.124/2005. [...]. (CARLI, 2009, p. 21).
Outra medida para amenizar o problema do déficit habitacional foi a edição do
Decreto-Lei n. 4.598/1942 que determinou o congelamento dos aluguéis, a vedação de
cobrança de tributos ou luvas19 e estabeleceu o crime contra a economia popular em caso de
inobservância das referidas regras.
O congelamento do aluguel provocou um efeito inverso ao pretendido, o qual foi os
despejos promovidos pelos locatários no término dos contratos de locação com o objetivo
locar o imóvel por um valor maior. Em vista disso, o Decreto-Lei n. 4.598/1942 foi alterado
por diversas vezes, até ser revogado pelo Decreto-Lei n. 9.669/1946 que dentre outras coisas,
estabeleceu a possibilidade de aumento do aluguel de 15 a 20 % e a extinção do crime contra
a economia popular no caso de violação às normas locatícias. Por sua vez, este Decreto-Lei,
também foi alterado por várias vezes até ser revogado pela Lei n. 8.245, de 18 de outubro de
1991, vigente nos dias atuais.
Apesar dos incentivos atualmente existentes, o déficit habitacional foi estimado no ano
2007 em 6,273 milhões de domicílios, dos quais 5,180 milhões, ou 82,6%, estão localizados
nas áreas urbanas, conforme o relatório sobre o déficit habitacional no Brasil, concluído pelo
Ministério das Cidades em junho do ano 2009 20. Santa Catarina possui um déficit de 145.363
domicílios (observar o Anexo I - Figura 1: Déficit habitacional total no Brasil, segundo
unidades da federação, 2007), o que representa 7,4 por cento de déficit em relação ao total de
19
20
Luvas é uma determinada soma em dinheiro paga pelo inquilino ao locador ao assinar o contrato de locação.
DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL 2007. Ministério das Cidades. Disponível em:
<http://www.cidade.gov.br/secretarias-nacionais/secretaria-de-habitacao/bibliotecapublicacoes-eartigos/ sDeficitHabitacional.zip/view>. Acesso em: 16 out. 2009.
31
domicílios (observar o Anexo I - Figura 2: Déficit habitacional total no Brasil, em relação ao
total de domicílios, segundo unidades da federação, 2007). Embora não suscite grande
preocupação se comparado a outros Estados, o índice catarinense representa a necessidade de
uma união de esforços por parte dos poderes Executivos, Legislativo e Judiciário, bem como
da sociedade civil organizada, para que se efetive o direito fundamental à moradia prescrito na
Constituição Federal por meio de políticas públicas adequadas.
Ainda, a pesquisa nacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
por amostra de domicílios (Pnad) realizada em 2007, revela que entre as unidades da
Federação, deve-se destacar os valores absolutos do déficit habitacional em São Paulo, onde
estima-se a necessidade de 1,234 milhão de novas moradias, Minas Gerais com
correspondentes 521 mil, Bahia com 511 mil, Rio de Janeiro com 479 mil e Maranhão com
461 mil (observar Anexo II - Figura 1: Déficit habitacional total no Brasil, por situação dos
domicílios, segundo regiões geográficas, 2007).
Diante disso, com a pretensão de amenizar o problema habitacional do Brasil, o
Governo continua desenvolvendo ações. O Ministério das Cidades desenvolveu um plano
nacional de habitação, denominado de ―Minha Casa, Minha Vida‖, cuja meta é proporcionar
acesso a um milhão de moradias para famílias com renda de até 10 salários mínimos mensais.
Os recursos disponíveis para a execução do plano somam 34 bilhões de reais, além de 4,5
bilhões que estão à disposição de outras linhas de financiamento para a construção da casa
própria21.
Os recursos serão distribuídos de acordo com as estimativas do déficit habitacional por
regiões, de forma estratégica como forma de regularização fundiária urbana. Nesta esteira, a
meta é reduzir 14 % do déficit habitacional no país. Interessante referir, que além do
financiamento para ao acesso à moradia pelo programa ―Minha Casa, Minha Vida‖, o
Governo pretende fomentar o setor de construção civil concedendo financiamento da cadeia
produtiva22.
Neste âmbito, como assevera Carli (2009, p.11), a importância de melhorar tais índices
está ligada a outros direitos, que não apenas o da moradia, tais como o direito à vida, à
segurança, à educação, ao trabalho, à cidadania entre outros. Registre-se que o direito à
21
22
MINHA CASA MINHA VIDA. Ministério das Cidades. Disponível em: <http://www.Cidades.gov.br
/ministério-das-cidades/arquivos-e-imagens-oculto/apresentação250309.pdf>. Acesso em: 16 out. 2009.
Vide nota n. 21.
32
moradia foi consagrado como direito fundamental na Declaração Universal dos Direitos
Humanos em 194823, entretanto, no Brasil, apenas no ano 2000, por meio de Emenda
Constitucional n. 26, o direito à moradia foi elencado como direito social de ordem
fundamental24.
A partir de então, surgiram os debates sobre a possível inconstitucionalidade do artigo
3°, inciso VII da Lei n. 8.009/199025, acrescido pelo artigo 82 da Lei n. 8.245 de 18 de
outubro de 1991, que conferiu exceção à impenhorabilidade no caso de prestação de fiança
em contrato de locação, que será objeto de estudo no terceiro capítulo.
Por fim, os esforços para criar uma legislação que contribua para a superação da crise
habitacional no país por meio da tutela da moradia, resultaram em duas possibilidades de
reconhecer o bem de família: o voluntário regulamentado no Código Civil e o bem de família
legal.
1.5 Bem de família: formas de instituição e reconhecimento
No Brasil há duas espécies de bem de família reconhecidos judicialmente: o voluntário
também chamado de instituído, porque depende da manifestação de vontade do instituidor,
atendidos os requisitos da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e o legal,
também denominado de involuntário ou obrigatório, regulado pela Lei n. 8.009, de 29 de
março de 1990. A respeito de cada um dos institutos do bem de família brasileiro, busca-se
tecer considerações a fim de conhecê-los e compreender a sua função jurídico-social na tutela
do direito à moradia.
23
Artigo XXV, 1. Toda a pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e
bem–estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os de serviços sociais
indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros
casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
24
Artigo 6°. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção á maternidade e á infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
25
Artigo 3°. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária,
trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: [...]. VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em
contrato de locação.
33
1.5.1 Bem de família voluntário
O bem de família voluntário, também denominado de facultativo ou instituído, é
regulado pelo Decreto-Lei n. 3.200, de 19 de abril de 1941 no que não contraria a lei vigente,
os artigos 1.711 a 1.722 do Código Civil.
Define-se o bem de família voluntário como o imóvel urbano ou rural destinado à
residência da família, impenhorável, salvo exceções legais, sendo também inalienável
relativamente, instituído por ato de vontade de seu instituidor solvente. Além do prédio
destinado à residência familiar, abrange valores mobiliários, os quais serão utilizados para a
conservação do imóvel ou sustento da família. (SANTOS, 2003, p. 74).
Faz-se mister referir que o bem de família não pode ultrapassar o valor de ―[...] um
terço do patrimônio líquido do instituidor existente ao tempo da instituição. [...]‖ (DIAS,
2007, p. 525, grifo do autor). A limitação de valor é um dos motivos que torna pouco
difundida esta modalidade de bem de família no país, porque somente pessoas com
patrimônio de maior expressão econômica têm possibilidade de instituí-lo.
Em relação aos legitimados para a instituição do bem de família, é direito de ambos os
cônjuges ou conviventes. Pode, ainda, ser instituído por qualquer entidade familiar 26, por
terceiro, inclusive por pessoas que vivem sós 27. Mas, o instituidor deve estar solvente no
momento da instituição, para evitar fraudes. (FACHIN 2006, p. 134; 136).
Se o bem de família for instituído por terceiro por meio de testamento ou doação, sua
eficácia depende da aceitação expressa dos cônjuges ou da entidade familiar 28 em razão de
que como o bem se destina à residência, o beneficiário deverá obviamente, residir no imóvel.
O objetivo do bem de família instituído é proteger o imóvel residencial da execução
26
27
28
Artigo 1.711, Código Civil. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou
testamento destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço
do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do
imóvel residencial estabelecida em lei especial. Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem
de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato de aceitação expressa de ambos os
cônjuges beneficiados ou da entidade familiar.
Súmula n. 364 do Superior Tribunal de Justiça. O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange
também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.
Artigo 1.711, parágrafo único, Código Civil. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por
testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados
ou da entidade familiar beneficiada.
34
por dívidas posteriores à sua instituição, exceto as dívidas tributárias e de condomínio
relativas ao prédio 29. Assim, o principal efeito da instituição é a proteção do prédio destinado
à habitação familiar de execuções por dívidas. (FACHIN, 2006, p. 136 e 138).
Salienta-se que o efeito da impenhorabilidade jamais será retroativo, a fim de coibir
fraudes. No caso de instituição por testamento, não há que se falar em fraude contra os
credores do testador, visto que os efeitos são produzidos somente após a abertura da sucessão.
Os efeitos de impenhorabilidade e inalienabilidade operam-se a partir do registro no
cartório de imóveis, visto que é deste momento em diante que será pública a indisponibilidade
do bem. Observa-se, portanto, que instituição do bem de família é formal, por intermédio de
escritura pública ou testamento, constituindo-se pelo registro30.
Antes do registro, quando o instituidor apresentar a escritura pública de instituição do
bem de família31 ao oficial, após a prenotação32, este publicará edital com prazo de 30 dias
para oportunizar aos interessados fazerem suas reclamações. Se houver, o oficial remeterá a
escritura pública ao instituidor, com a declaração de haver suspenso o registro, cancelando a
prenotação33.
Se o instituidor requerer ao juiz que ordene o registro, em caso de deferimento, o juiz
fará ressalva ao reclamante do direito de recorrer à ação competente para anular a instituição
ou de fazer execução sobre o prédio instituído 34. A decisão do juiz é irrecorrível e no caso de
deferimento, o pedido será transcrito juntamente com o instrumento. (DIAS, 2007, p. 524525).
Conforme já mencionado, o bem de família poderá abranger valores mobiliários. Tais
29
Artigo 1.715, Código Civil. O bem de família é isento de execução de dívidas posteriores à sua instituição,
salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.
30
Artigo 1.714, Código Civil. O bem de família, quer instituído pelos cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo
registro de seu título no Registro de Imóveis.
31
Artigo 261. Para a inscrição do bem de família, o instituidor apresentará ao oficial do registro a escritura
pública de instituição, para que mande publicá-la na imprensa local e, à falta, na da Capital do Estado ou do
Território.
32
Artigo 182. Todos os títulos tomarão, no Protocolo, o número de ordem que lhes competir em razão da
sequência rigorosa de sua apresentação.
33
Artigo 264. Se for apresentada reclamação, dela fornecerá o oficial, ao instituidor, cópia autêntica e lhe
restituirá a escritura, com a declaração de haver sido suspenso o registro, cancelando a prenotação.
34
Artigo 264, § 1°. O instituidor poderá requerer ao Juiz que ordene o registro, sem embargo da reclamação. § 2º
Se o Juiz determinar que proceda ao registro, ressalvará ao reclamante o direito de recorrer à ação competente
para anular a instituição ou de fazer execução sobre o prédio instituído, na hipótese de tratar-se de dívida
anterior e cuja solução se tornou inexequível em virtude do ato da instituição. § 3° O despacho do Juiz será
irrecorrível e, se deferir o pedido será transcrito integralmente, juntamente com o instrumento.
35
valores serão limitados ao valor do prédio à época de sua instituição 35 e sua renda será
aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família. Ressalta-se que os valores
mobiliários são de caráter acessório em razão de que estão vinculados ao bem. Depois de
instituído os valores mobiliários como bem de família, passam a ser impenhoráveis por
dívidas futuras, com exceção das dívidas relativas a tributos do próprio bem ou de despesas de
condomínio.
Quanto à administração do bem de família instituído, cabe a ambos os cônjuges36 ou
conviventes, e se houver divergências quanto à administração do bem, o juiz decidirá. Mas,
falecendo o casal, passará ao filho mais velho, ou se for menor caberá ao tutor37. Dias (2007,
p. 526) critica tal regra pela inconstitucionalidade do privilégio da primogenitura.
Em relação à extinção do bem de família voluntário, de acordo com o Código Civil,
poderá ocorrer pela execução por dívidas decorrentes de tributos relativos ao prédio e
despesas de condomínio; pela morte dos cônjuges e maioridade dos filhos; a pedido do
cônjuge sobrevivente; e, pela impossibilidade de prover a manutenção do bem de família 38.
A extinção do bem de família por dívidas decorrentes de crédito tributário relativo ao
bem e de despesas de condomínio, é justificável porque o proprietário do bem de família
poderia usar da prerrogativa da impenhorabilidade para fraudar o fisco, ou para se locupletar
em desfavor de outros condôminos. Caso o bem venha a ser alienado para responder a dívidas
tributárias ou relativas a taxas condominiais, o saldo remanescente permanece como bem de
família, situação em que será adquirido outro bem ou títulos da dívida pública com objetivo
de custear a manutenção da família 39. Outra medida pode ser determinada, se por motivo
relevante for justificável, o que fica a critério do poder discricionário do juiz. (DIAS, 2007, p.
526).
Também pode ocorrer a extinção do bem de família pela morte dos cônjuges e
35
Artigo 1.713, Código Civil. Os valores mobiliários, destinados aos fins previstos no artigo antecedente, não
poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição. § 1° Deverão os
valores mobiliários ser devidamente individualizados no instrumento de instituição do bem de família.
36
Artigo 1.720, Código Civil. Salvo disposição em contrário do ato de instituição, a administração do bem de
família compete a ambos os cônjuges, resolvendo o juiz em casos de divergência.
37
Artigo 1.720, parágrafo único, Código Civil. Com o falecimento de ambos os cônjuges, a administração
passará ao filho mais velho, se for maior e, do contrário, a seu tutor.
38
Interessante mencionar, que se aplicam quase todas as exceções à impenhorabilidade do bem de família legal
ao instituído por analogia, o que será abordado no segundo capítulo desta pesquisa monográfica.
39
Artigo 1.715, parágrafo único, Código Civil. No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo
existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento
familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz.
36
maioridade dos filhos, desde que não estejam sujeitos à curatela 40. Neste caso, conforme
anteriormente mencionado, Dias (2007, p. 526) ensina que, sobrevindo a morte dos cônjuges
e a maioridade dos filhos, não é a melhor medida a extinção do bem de família, pois a família
anaparental também é entidade familiar e merece de igual forma tutela à moradia.
Outra modalidade de extinção do bem de família pode ocorrer a pedido do cônjuge
sobrevivente no caso do imóvel ser o único do casal41. Sobre esta forma de extinção, salientase que não se opera de plano, faz-se necessária expressa autorização judicial, mediante
requerimento do interessado no próprio inventário 42. (SANTOS, 2003, p. 141; DIAS, 2007, p.
527).
Em regra, ―a dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família‖
43
. No
entanto, algumas situações poderiam culminar para a sua extinção. É o exemplo da separação
judicial (embora não se constitua extinção da sociedade conjugal) e do divórcio, cuja extinção
ou não do bem de família ganha importância no que tange a divisão patrimonial. (SANTOS,
2003, p. 134-136).
Outro exemplo de possível extinção do bem de família pela dissolução da sociedade
conjugal é o caso de anulação do casamento, porque não havendo filhos comuns, não haveria
a princípio motivos para perdurar o benefício. Nesta situação, não parece plausível a
continuidade do benefício se não existe mais uma família, a não ser que existam filhos
menores.
É cediço que nestes casos, havendo filhos comuns, os efeitos civis do casamento os
aproveitam, sendo irrelevante se um dos cônjuges ou até mesmo se os dois agiram de má-fé
ao contrair o matrimônio 44. Dessa forma, mesmo com a anulação do casamento, o benefício
do bem de família deve perdurar em relação aos filhos menores até que cesse a incapacidade.
40
Artigo 1.722, Código Civil. Extingue-se igualmente, o bem de família com a morte de ambos os cônjuges e a
maioridade dos filhos, desde que não sujeitos à curatela.
41
Artigo 1.721, parágrafo único, Código Civil. Dissolvida a sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges,
o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se for o único bem do casal.
42
Artigo 21, Decreto 3.200/1941. A cláusula do bem de família somente será eliminada por mandado do juiz, e a
requerimento do instituidor, ou, nos casos do Artigo 20, de qualquer interessado, se o prédio deixar de ser
domicílio da família, ou por motivo relevante plenamente comprovado. [...] § 2º Eliminada a cláusula, caso se
tenha verificado uma das hipóteses do Artigo 20, entrará o prédio logo em inventário para ser partilhado. Não
se cobrará juro de mora sobre o imposto de transmissão relativamente ao período decorrido da abertura da
sucessão ao cancelamento da cláusula.
43
Artigo 1.721, caput, Código Civil.
44
Artigo 14, parágrafo único, Lei n. 6.515/77. Ainda que nenhum dos cônjuges esteja de boa-fé ao contrair o
casamento, seus efeitos civis aproveitarão aos filhos comuns.
37
Assim, anulado o casamento e inexistentes filhos comuns, desaparecem os motivos
ensejadores da permanência do instituto, de forma que a extinção da cláusula poderá ser
requerida por qualquer uma das partes 45. O mesmo raciocínio pode ser feito na extinção da
sociedade conjugal pelo divórcio, se inexiste filhos comuns. (SANTOS, 2003, p. 131-134).
Por fim, na impossibilidade de prover a manutenção do bem de família nas condições
em que foi instituído, poderá ser extinto ou sub-rogado, ouvido todos os interessados e o
representante do Ministério Público. Santos (2003, p. 141-142) explica que se trata de
hipótese aplicada à nulidade do casamento, ao divórcio ou outro motivo relevante como, por
exemplo, se os beneficiários não podem residir no imóvel por motivo de saúde ou por
exigência econômica ocasionada pela desproporção entre a suntuosidade do prédio e a
humildade dos beneficiários.
Neste contexto, os legitimados para requerer a extinção do bem de família, são os
filhos, o cônjuge ou o próprio instituidor, que por nova manifestação de vontade poderão
desconstituir o benefício, submetida à análise do magistrado, ouvido o Ministério Público e os
demais integrantes da família.
No caso de sub-rogação ocorrerá a substituição do prédio originariamente instituído
em bem de família por outro em que a família estabelecerá nova habitação. Interessante
ressaltar que o magistrado não está obrigado a determinar a sub-rogação por outro bem, mas a
medida se impõe razoável quando houver benefício à entidade familiar, notadamente aos
filhos menores. (SANTOS, 2003, p. 143).
Infere-se, que a duração do bem de família, deve-se ter em vista os beneficiários.
Neste sentido, os dispositivos legais devem ser analisados de acordo com o caso concreto,
com o objetivo de tutelar a entidade familiar e assegurar a dignidade da pessoa humana, pois
há situações, em que não se justifica a perpetuação do instituto do bem de família, sob pena
de causar prejuízos as partes interessadas em detrimento de outros direitos.
Sendo pouco eficaz o instituto do bem de família voluntário aliado a preocupação com
a questão habitacional no Brasil, o Estado por meio da Lei n. 8.009/1990, conferiu maior
proteção à entidade familiar, de forma a assegurar o mínimo necessário a uma vida com
dignidade, garantindo um lar.
45
Artigo 1719, Código Civil. Comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições
em que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação
dos bens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público.
38
1.5.2 Bem de família legal
O bem de família legal independentemente de limitação de valor e de ato constitutivo
formal, está protegido de execuções por dívidas pela Lei n. 8.009, de 29 de março de 1990 46.
O instituto tutela o imóvel urbano ou rural com suas pertenças e acessórios destinados à
residência da família, de propriedade do casal ou da entidade familiar, livrando-o da penhora
por determinação legal. (SANTOS, 2003, p. 161).
A impenhorabilidade por determinação legal se estende, além do imóvel urbano ou
rural no qual a família reside, aos móveis que guarnecem a casa, as plantações, as benfeitorias
de qualquer natureza e a todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, desde que
quitados47. (DIAS, 2007, p. 528).
Para fins de proteção, é considerada residência o ―único imóvel utilizado pelo casal ou
pela entidade familiar para moradia permanente‖ 48. Por conseguinte, caso a entidade familiar
possuir mais de uma residência, será considerado bem de família o de menor valor 49.
Segundo Dias (2007, p. 529-530), se for indivisível o imóvel em que parte é
residencial e parte é comercial, todo o bem é impenhorável. Neste mesmo sentido, o imóvel
em construção destinado à residência da família, como também o direito de usufruir e o
direito de habitação, igualmente não podem ser penhorados.
A impenhorabilidade que atinge o bem destinado à moradia pode ser oponível em
processos de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo
46
47
48
49
Essa espécie de bem de família adveio da Medida Provisória 143, de 8 de março de 1990, editada pelo
Presidente da República José Sarney, aprovada pelo Congresso Nacional e depois convertida na Lei n.
8.009/1990. Observa-se que, embora a lei seja constitucional, no plano formal há vícios por resultar de uma
medida provisória promulgada pelo Presidente do Senado Federal ao invés do Presidente da República
(FACHIN, 2006, p. 141).
Artigo1°, Lei 8.009/1990. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e
não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza,
contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas
hipóteses previstas nesta Lei. Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se
assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive
os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.
Artigo 5°, caput, Lei 8.009/1990.
Artigo 5°, parágrafo único, Lei 8.009/1990. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de
vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro
tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do artigo 70 do Código Civil.
39
exceções50, as quais serão abordadas no segundo capítulo deste estudo monográfico. Cumpre
observar que são excluídos da proteção legal os veículos de transportes, obras de arte e
adornos suntuosos, pois a princípio não há qualquer prejuízo de ordem fundamental atinente a
excussão de tais bens51.
A respeito da impenhorabilidade do imóvel rural, se restringe à sede da moradia da
família, com seus respectivos bens móveis 52. Além disso, a Constituição Federal determina
que a pequena propriedade rural, desde que trabalhada pela família, não será objeto de
penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva 53. De acordo com
Dias (2007, p. 530), esta é uma impenhorabilidade relativa porque exige três requisitos: o bem
deve ser pequena propriedade rural54, a agricultura deve ser familiar e a dívida deve ter sido
contraída em decorrência da atividade produtiva.
Outra consideração importante a mencionar, se refere ao alcance da proteção do
instituto do bem de família legal, o qual se estende para todas as entidades familiares, visto
que é preceito de ordem pública, embora regule relações privadas. (DIAS, 2007, p. 527).
Neste contexto, o fato da sociedade conjugal se dissolver, não extingue o bem de
família, porque este não beneficia somente o proprietário, mas, representa a garantia de um
abrigo à pessoa. É o caso do ex-cônjuge, do ex-companheiro e do viúvo que permanece
residindo no imóvel. Na mesma linha, é impenhorável o imóvel que serve de residência do
devedor que possui mais de um imóvel, sendo utilizado para a residência da família com a
qual mantém uniões paralelas, residindo cada família em um deles; o imóvel de entidade
familiar homoafetiva; dos cônjuges que residem em imóveis distintos ou da pessoa que mora
50
Artigo 3º, caput, Lei n. 8.009/1990. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil,
fiscal, previdenciária trabalhista ou de qualquer outra natureza, salvo se movido: [...].
51
Artigo 2°. Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transportes, obras de arte e adornos suntuosos.
52
Artigo 4°, §2° Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-à
a sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do artigo 5°, inciso XXVI, da Constituição, à
área limitada como pequena propriedade rural.
53
Artigo 5º, XXVI, Constituição Federal. A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que
trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade
produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;
54
A Lei n. 8.629/93, de forma expressa, conceitua a pequena propriedade rural, aquela entre 1 (um) e 4 (quatro)
módulos fiscais. Por sua vez, o termo "módulo fiscal", é a unidade usada para servir de base para o cálculo do
ITR. O artigo 4º do Decreto n. 84.685 de 6 de maio de 1980 determina que ―o módulo fiscal de cada
município, expresso em hectares, será fixado pelo INCRA‖. (QUEIROZ, 2000). A título de curiosidade, a
Instrução Especial/INCRA/n. 20, de 28 de maio de 1980, aprovada pela portaria/ MA 146/1980, fixou para o
Município de Chapecó o módulo fiscal em 20 ha. (INCRA, 2009).
40
sozinha55. (DIAS, 2007, p. 529).
Ressalta-se que a jurisprudência tem admitido que embora a pessoa não resida no
imóvel, se for o único de sua propriedade, não lhe é retirado a proteção legal da
impenhorabilidade, sob o fundamento de que não lhe são afastadas suas características
essenciais. Assim sendo, se o executado tiver um único imóvel e alugar a terceiro para com a
renda pagar o aluguel em outro local com a finalidade de habitação, entende a doutrina e a
jurisprudência que faz jus à impenhorabilidade. (FACHIN, 2006, p. 147).
Em relação à finalidade do instituto do bem de família, Santos (2003, p. 109) argui que
―[...] é proteger a família, mediante a salvaguarda de um teto, insuscetível de ser constritado
por dívidas [...].‖ Neste viés, Santiago (2004), afirma que em razão da sociedade sustentar o
Estado, este tem o dever de proteger a entidade familiar e, o bem de família vem contribuir
para tanto. Dessa forma, o instituto confere fundamento à própria estrutura do Estado pelo
equilíbrio da entidade familiar, pois a família como célula básica da sociedade, deve receber
proteção especial do Estado56. (AZEVEDO, 2002, p. 13; BITTAR, 2006, p. 47).
Enfim, afirma-se que o instituto do bem de família é eficaz na tutela da entidade
familiar, ao proteger a moradia dos reveses da vida negocial, embora ainda suscite discussões
no cenário jurídico nacional, a exemplo da possibilidade da penhora do bem de família do
fiador da locação.
De todo o exposto, verifica-se que o nascimento do bem de família no Brasil com o
advento do Código Civil de 1916, após diversas tentativas, sempre esteve voltado à proteção
da entidade familiar. E, hodiernamente numa visão humanizada do direito, a tutela da
55
Ementa. RESP - CIVIL - IMÓVEL - IMPENHORABILIDADE - A Lei n. 8.009/90, art. 1º precisa ser
interpretada consoante o sentido social do texto. Estabelece limitação à regra draconiana de o patrimônio do
devedor responde por suas obrigações patrimoniais. O incentivo à casa própria busca proteger as pessoas,
garantido-lhes o lugar para morar. Família, no contexto, significa instituição social de pessoas que se
agrupam, normalmente por laços de casamento, união estável, ou descendência. Não se olvidem ainda os
ascendentes. Seja o parentesco civil, ou natural. Compreende ainda a família substitutiva. Nessa linha,
conservada a teleologia da norma, o solteiro deve receber o mesmo tratamento. Também o celibatário é digno
dessa proteção. E mais. Também o viúvo, ainda que seus descendentes hajam constituído outras famílias, e
como, normalmente acontece, passam a residir em outras casas. Data venia, a Lei n. 8.009/90 não está dirigida
a número de pessoas. Ao contrário - À pessoa. Solteira, casada, viúva, desquitada, divorciada, pouco importa.
O sentido social da norma busca garantir um teto para cada pessoa. Só essa finalidade, data venia, põe sobre a
mesa a exata extensão da lei. Caso contrário, sacrificar-se-á a interpretação teleológica para prevalecer a
insuficiente interpretação literal. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n. 182223-SP.
Recorrente: Benedito Guimarães da Silva. Recorrido: Iracema Sanguin. Relator: Ministro Luiz Vicente
Cernicchiar. DJ, 10 maio 1999, REPDJ 20 ago. 1999. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/
jurisprudencia/toc.jsp>. Acesso em: 27 mar. 2010).
56
Artigo 226, caput, Constituição Federal. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
41
moradia, além de alcançar todo o tipo de entidade familiar, também alcança àquele que vive
sozinho, porque o que se visa proteger é o direito fundamental do ser humano.
Deduz-se ainda, que com a promulgação da Lei n. 8.009/1990, se constituiu um
grande avanço em matéria social, em razão de que passou a ser assegurado
independentemente da vontade do instituidor, um mínimo necessário para se garantir a
subsistência, ou seja, a proteção do lar.
Dessa forma, o estudo do primeiro capítulo introduz a discussão sobre a possível
inconstitucionalidade da penhora do bem de família do fiador da locação inserta no artigo 3°,
inciso VII da Lei n. 8.009/1990, objeto da presente pesquisa, e serve de instrumento para a
compreensão dos demais capítulos ao esclarecer as origens, as finalidades e as características
tanto do bem de família voluntário, como do legal. Neste âmbito, na sequência, o segundo
capítulo analisará a fiança como garantia de pagamento nos contratos locatícios, no qual se
abordam os aspectos gerais das garantias nos contratos de locação, o contrato de fiança e as
hipóteses em que a penhorabilidade do bem de família é possível.
CAPÍTULO II
2 EXCEÇÕES À IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA E A FIANÇA
COMO GARANTIA DE PAGAMENTO NOS CONTRATOS LOCATÍCIOS
O legislador no afã de tutelar o patrimônio familiar, instituiu o bem de família
voluntário em 1916, e, oito décadas após, na perspectiva de proteger a moradia como meio de
assegurar um patrimônio mínimo mensurado de acordo com parâmetros elementares de uma
vida digna, promulgou a Lei n. 8.009/1990. No entanto, determinadas situações implicam em
exceções à tutela do bem de família, dentre elas, a possibilidade da penhora do único bem
imóvel do fiador da locação.
A fiança como uma das modalidades de garantia dos contratos de locação, tem
suscitado controvérsias no que diz respeito à possibilidade de penhora do bem de família do
fiador da locação. Diante disso, no presente capítulo analisa-se as exceções à
impenhorabilidade do bem de família voluntário e legal, bem como sobre as garantias
aplicadas ao contrato de locação, especialmente a fiança.
2.1 A penhorabilidade restrita do bem de família
Embora o imóvel residencial da entidade familiar seja resguardado de execuções por
dívidas por determinação do próprio Estado, a fim de assegurar
à entidade
43
familiar ou mesmo à pessoa que vive só, uma moradia, e consequentemente uma existência
com dignidade, a Lei n. 8.009/1990 dispõe sobre exceções à impenhorabilidade do bem de
família legal: em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas
contribuições previdenciárias; do crédito decorrente do financiamento destinado à construção
ou à aquisição do imóvel; do crédito de pensão alimentícia; crédito de impostos, predial ou
territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel; execução de hipoteca sobre o
imóvel oferecido como garantia real; por ter sido adquirido com produto de crime ou para
execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de
bens; e, por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação 57.
No tocante ao bem de família instituído, é isento de execução por dívidas posteriores a
sua instituição, sendo que o Código Civil traz duas exceções à impenhorabilidade, quais são
as dívidas provenientes de tributos e despesas de condomínio. Por outro lado, aplica-se às
exceções do bem de família legal ao voluntário por analogia, com algumas restrições
explicitadas a seguir, sob o argumento de que, de modo geral, as exceções previstas na Lei n.
8.009/1990 possuem conotação ética.
Analisa-se posteriormente, cada uma das exceções, sendo que, para fins didáticos
adota-se a classificação das exceções à impenhorabilidade do bem de família atribuída por
Santos (2003, p. 226-237), em econômicas, penais e pessoais.
2.1.1 Exceções de ordem econômica
As exceções de ordem econômica se referem à natureza do crédito, são decorrentes de:
créditos tributários, contribuições em função do próprio imóvel, financiamento para a
construção ou aquisição do imóvel residencial e, de hipoteca convencional.
57
Artigo 3°, Lei n. 8.009/1990. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal,
previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I - em razão dos créditos de trabalhadores da
própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; II - pelo titular do crédito decorrente do
financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos
constituídos em função do respectivo contrato; III - pelo credor de pensão alimentícia; IV - para cobrança de
impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V - para
execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a
ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em
contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991).
44
Quando a exceção for decorrente de crédito tributário, se refere aos impostos sobre a
propriedade predial urbana ou sobre a propriedade territorial rural, taxas pelo serviço público
à disposição e as contribuições de melhoria decorrentes de obras públicas relativas ao próprio
imóvel. (CZAJKOWSKI, 1998, p. 169). Esta exceção cabe por expressa disposição das
respectivas leis, tanto ao bem de família instituído como ao bem de família legal58. A
possibilidade da penhora segundo a Lei n. 8.009/1990 expandiu para além dos impostos
relativos ao prédio, incluindo taxas e contribuições. (SANTOS, 2003, p. 238).
Salienta-se que a penhora do bem de família decorrente de crédito tributário, somente
é possível se for decorrente do próprio imóvel59, tal como o imposto sobre propriedade
territorial urbana, o imposto sobre propriedade territorial rural, o imposto sobre serviços de
qualquer natureza, cujo fato gerador é o faturamento da mão-de-obra empregada na
construção do imóvel, a contribuição previdenciária para o Instituto Nacional de Seguridade
Social na mesma situação anterior, a taxa de coleta de lixo, a taxa de iluminação pública, a
contribuição de melhoria e outras que porventura incidirem sobre o imóvel. (AZEVEDO,
2002, p. 189; SANTOS, 2003, p. 239).
A penhora do bem de família na hipótese em questão é justificável, porque os
interesses da coletividade devem ser preservados, senão, por má-fé os contribuintes poderiam
deixar de cumprir com as obrigações tributárias relativas ao prédio, sob o manto da
impenhorabilidade do bem de família. (SANTOS, 2003, p. 238). E, desta sorte, o Estado teria
prejudicado seu funcionamento regular, refletindo na falta de investimentos, por exemplo, na
área de saúde, segurança, educação, transporte, e talvez até mesmo em programas de
habitação.
Além da exceção à impenhorabilidade do bem de família em decorrência dos tributos,
a Lei n. 8.009/1990 traz as ―contribuições devidas em função do imóvel familiar‖, as quais,
interpretando teleologicamente, seriam as obrigações propter rem60 que são originadas pelo
próprio imóvel, como por exemplo, a construção de um muro divisório e as despesas
58
Artigo 70, Código Civil/1916. É permitido aos chefes de família destinar um prédio para domicílio desta, com
a cláusula de ficar isento de execução por dívidas, salvo as que provierem de impostos relativos ao mesmo
prédio.
59
Artigo 30, Lei n. 6.830/1980 - Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam
previstos em lei, responde pelo pagamento da Divida Ativa da Fazenda Pública a totalidade dos bens e das
rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa, inclusive os gravados
por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do
ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declara absolutamente impenhoráveis
60
A expressão significa ―por causa de uma coisa‖, por isso, está diretamente relacionada com as obrigações
reais. (JURIS WAY, 2010).
45
condominiais. (AZEVEDO, 2002, p. 189). Já o Código Civil, no tocante ao bem de família
instituído, apenas determina expressamente a exceção à impenhorabilidade no caso de débito
com despesas de condomínio.
As contribuições condominiais se destinam a manutenção e conservação do bem, de
forma que cada condômino arca com as despesas na proporção de sua quota parte
correspondente61. Desta forma, se um condômino não cumprisse sua obrigação com respaldo
na garantia de impenhorabilidade de sua cota-parte, poderia colocar em risco a manutenção do
próprio bem.
Com efeito, a finalidade da lei é proteger a família e não o devedor inadimplente que
age de má-fé e locupleta-se ao usufruir as instalações sem a devida contribuição. Portanto, a
impenhorabilidade da quota parte do condômino, acarretaria enriquecimento ilícito em
detrimento daqueles que pagam em dia. (SANTOS, 2006, p. 241-242). Além disso, se não
houvesse uma forma de reaver as contribuições condominiais, a falta de solvimento de tais
despesas acarretaria a inviabilidade do condomínio. (CZAJKOWSKI, 1998, p. 169).
Neste sentido, julgados do Superior Tribunal de Justiça entendem ser possível a
penhora do bem de família do condômino inadimplente, ainda que o imóvel esteja gravado
como bem de família62.
Convém destacar, segundo o estudo de Czajkowski (1998, p. 172-173), que se a
unidade autônoma for alugada, e no contrato de locação for avençado que o locatário se
obriga pelo pagamento das contribuições condominiais e tributos relativos ao imóvel locado,
no caso de não cumprimento da obrigação, a dívida continua sendo do locador, proprietário
61
62
Artigo 12, Lei 4.591/1964. Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos
previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio.
AÇÃO DE COBRANÇA. COTAS DE CONDOMÍNIO. LEGITIMIDADE PASSIVA. PROPRIETÁRIO DO
IMÓVEL, PROMISSÁRIO COMPRADOR OU POSSUIDOR. PECULIARIDADES DO CASO
CONCRETO. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE
SIMILITUDE FÁTICA. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. As cotas condominiais, porque decorrentes da
conservação da coisa, situam-se como obrigações propter rem, ou seja, obrigações reais, que passam a pesar
sobre quem é o titular da coisa; se o direito real que a origina é transmitido, as obrigações o seguem, de modo
que nada obsta que se volte a ação de cobrança dos encargos condominiais contra os proprietários. 2. Em
virtude das despesas condominiais incidentes sobre o imóvel, pode vir ele a ser penhorado, ainda que gravado
como bem de família. 3. O dissídio jurisprudencial não restou demonstrado, ante a ausência de similitude
fática entre os acórdãos confrontados. 4. Recurso especial não conhecido. (BRASIL. Superior Tribunal de
Justiça. Recurso especial n. 84618-SP. Recorrente: Celso Tadeu Azevedo e outro. Recorrido: Condomínio
Costa do Atlântico II. Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa. DJ, 9 abril 2007. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=%28a%E7%E3o+de+cobran%E7a%29+E+%28%
22H%C9LIO+QUAGLIA+BARBOSA%22%29.min.&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=17>. Acesso em: 23
jan. 2010).
46
do imóvel, o que não afasta a possibilidade de constrição judicial do imóvel.
O locador, por sua vez, somente em ação regresso poderá exigir o pagamento das taxas
de condomínio e impostos por parte do locatário. Mas, não poderá penhorar os móveis que
guarnecem a residência do locatário 63 ou mesmo seu único bem imóvel, se vier a adquirir,
porque não está vinculado ao débito, e, portanto, é protegido pelo benefício da
impenhorabilidade. Por outro lado, mesmo benefício não tem o fiador da locação, o que será
tratado no item sobre as exceções de ordem pessoal.
A Lei n. 8.009/1990 prevê ainda exceção à impenhorabilidade em face de crédito
decorrente do financiamento para a construção ou aquisição do imóvel, no limite dos créditos
e acréscimos previstos no contrato. (SANTOS, 2002, p. 244). Estes acréscimos se tratam dos
juros moratórios, a correção monetária, as multas contratuais, a comissão de permanência e
outros encargos estabelecidos no contrato.
O benefício da impenhorabilidade do bem de família instituído não prevalece sobre
créditos decorrentes de financiamento para a construção ou aquisição de imóvel residencial,
uma vez que somente é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição. Quanto a
esta exceção, a finalidade da lei é impedir o enriquecimento ilícito por parte daquele que toma
empréstimo para construir ou adquirir imóvel e posteriormente, venha alegar a benesse da
impenhorabilidade do bem de família para eximir-se de constrição
judicial e
consequentemente do pagamento. (SANTOS, 2002, p. 244).
Santos (2002, p. 245) considera que essa exceção também se aplica para os créditos
decorrentes da aquisição de material de construção para a reforma. Nesse mesmo norte,
Czajkowski (1998, p. 162), entende que a exceção à impenhorabilidade para pagamento de
bem adquirido ou construído compreende tanto os financiamentos decorrentes do sistema
financeiro de habitação como de particulares. No entanto, a Quarta Turma do Superior
Tribunal de Justiça no julgamento de um Agravo de Instrumento, decidiu pela
impenhorabilidade do bem de família em razão de compras de material de construção sem as
devidas formalidades do sistema financeiro de habitação. O argumento que determinou esta
decisão é de que as exceções à impenhorabilidade da Lei n. 8.009/1990 são restritivas, não
63
Artigo 2º, parágrafo único, Lei n. 8.009/1990. No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos
bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário, observado o
disposto neste artigo.
47
cabendo interpretação extensiva 64.
Ainda, Czajkowski (1998, p. 163) observa que se configurará excesso de penhora, se o
saldo remanescente for insignificante. Mas se o crédito tiver expressão econômica, o
remanescente deverá ser restituído ao devedor.
Caso o contrato para financiamento à construção ou aquisição de imóvel possua
fiador, o bem de família deste não está sujeito à penhora, porque somente é possível pela Lei
n. 8.009/1990 se for contrato de locação. (CZAJKOWSKI, 1998, p. 164).
Por último, outra exceção de ordem econômica se trata da hipoteca convencional,
possibilitando a execução sobre o imóvel oferecido como garantia, desde que ambos os
cônjuges consintam, independentemente do regime de bens, no caso do bem de família legal
por suas características de alienabilidade e disponibilidade. (CZAJKOWSKI, 1998, p. 164).
Por outro lado, o bem de família voluntário, em decorrência de suas características de
inalienabilidade e indisponibilidade, não pode ser hipotecado. (BUSSO, 2002). Portanto, não
há o que aludir sobre a impenhorabilidade do bem de família voluntário no caso de hipoteca.
Convém advertir que em se sede de crédito decorrente de hipoteca judicial, não cabe a
penhora do bem de família. (SANTOS, 2002, p. 247).
Czajkowski (1998, p. 117-118) argumenta que se o devedor hipoteca o bem de menor
valor, não poderá alegar a impenhorabilidade sobre o de maior valor, por duas razões: a
primeira é de que outros credores poderiam ter aceitado lhe conceder crédito por motivo de
que naquele tempo tinha bens suficientes para garantir o pagamento, o outro motivo é de que
a Lei n. 8.009/1990 contém previsão expressa que para efeitos de impenhorabilidade,
considera-se o bem de menor valor, com exceção, apenas se o de maior valor tiver registrado
como bem de família, ou seja, se constituir em bem de família instituído.
Em que pese esse entendimento, reitera-se que o referido diploma legal, menciona que
para efeitos de impenhorabilidade, considera-se um único imóvel utilizado pela entidade
64
Com efeito, a insistência do agravante não merece prosperar. É que a impenhorabilidade do bem de família é
regra, somente cabendo as exceções legalmente previstas, e a do Artigo 3º, inciso II, da Lei n. 8.009/1990
deve, assim como as demais, ser interpretada à risca. Em consequência, tenho que foge ao escopo da Lei
8.009/90 a penhorabilidade de imóvel destinado à moradia da família em razão de compras de material de
construção feitas no comércio ou, ainda, em razão da aquisição de serviços sem as formalidades do sistema
financeiro de habitação. (Superior Tribunal de Justiça. Agravo regimental no agravo de instrumento n.
888.313-RS (2007/0094673-5). Agravante: José Ongaratto. Agravado: Vera Lucia Casagrande Tansini.
Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica
/ita.asp?registro=200700946735&dt_publicacao=08/09/2008>. Acesso em: 28 jan. 2010).
48
familiar ou pelo casal, para a sua moradia permanente. Mas, se constituírem habitação em
mais de um imóvel, considera-se o de menor valor65. Portanto, se a moradia permanente se
constituir no imóvel de maior valor, e a hipoteca estiver gravada sobre o de menor valor, o
bem de maior valor em que entidade familiar possui moradia, continua sendo bem de família
legal, e, consequentemente, é impenhorável.
Lembra Czajkowski (1998, p. 118), mesmo que o devedor hipoteque seu imóvel
residencial, não lhe é retirada a qualidade de bem de família, e, por conseguinte mantém sua
impenhorabilidade em relação a outros créditos.
Outro ponto a mencionar, é que a hipoteca perdura sobre o bem, em virtude do direito
de sequela66, mesmo que terceiro venha a adquirir e que este constitua seu único imóvel.
A vista de todo o exposto, dentre as exceções à impenhorabilidade, não se aplica ao
bem de família voluntário a execução dos créditos que forem garantidos por hipoteca, pela
simples razão de que o bem de família instituído não poder ser hipotecado.
2.1.2 Exceções de ordem penal
Existem duas hipóteses de penhora de bem de família legal decorrentes de execuções
de ordem penal, quais sejam: a aquisição de bem por meio direto ou indireto de utilização do
produto de crime e a ―execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização
ou perdimento de bens67.‖
A justificativa para esta exceção é de que o interesse público pela repressão dos ilícitos
65
Artigo 5º, Lei n. 8.009/1990. Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta Lei, considera-se
residência um único imóvel utilizado pela entidade familiar para a moradia permanente. Parágrafo único. Na
hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a
impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no
Registro de Imóveis e na forma do artigo 70 do Código Civil.
66
O direito de sequela é o de seguir a coisa em poder de qualquer detentor, de forma que adere à coisa. Objetiva
tornar efetiva a preferência, autorizando a perseguição da coisa (ação reipersecutória) que pode ser tomada de
quem a detenha. (NEDEL, 2003, p.8)
67
O ressarcimento tem caráter sancionatário, em face da injustiça do dano. Ao contrário, a indenização visa a
evitar um injustificado empobrecimento que alguém pode sofrer [...]. Na reparação inexiste o elemento de
equivalência em relação ao dano inferido, por isso os autores se servem deste termo para referir-se à
satisfação em dinheiro que se arbitra em favor da vítima de um dano moral. (BONVICINI, MESSINEO apud
CZAJKOWSKI, 1998, p. 184).
49
penais prevalece sobre a impenhorabilidade do bem de família, incidindo tanto sobre a
residência como sobre os móveis que a guarnecem. (SANTOS, 2003, p. 248; CZAJKOWSKI,
1998, p. 179).
Neste viés, ao bem de família instituído também é aplicado por analogia, a
possibilidade de penhora em razão de exceções de ordem penal. É inaceitável a possibilidade
da alegação de impenhorabilidade nestes casos, simplesmente por não conter previsão
expressa neste sentido. (CZAJKOWSKI, 1998, p. 181).
A aquisição por meio de produtos do crime compreende aqueles em que a vantagem se
dá diretamente com valores pecuniários, como por exemplo, o estelionato, extorsão e tráfico
de entorpecentes, como também por meios de vantagens indiretas, como na situação do furto
e roubo para posterior venda. (CZAJKOWSKI, 1998, p. 180).
A penhora do bem de família decorrente da execução de sentença penal condenatória a
ressarcimento ou indenização, se dá por força de disposição legal que determina a reparação
do dano, mesmo que seja exclusivamente moral68. A própria sentença penal condenatória
determina que seja indenizado o dano, compreendido como efeito extrapenal da sentença.
Assim, transitada em julgado a sentença penal, serve como título executivo para o juízo
cível69. (SANTOS, 2003, p. 251-252).
Observa-se que a obrigação de reparar o dano e o perdimento de bens, atinge os
sucessores até o limite do patrimônio do de cujus, visto que a pena não passará da pessoa do
condenado70. (CZAJKOWSKI, 1998, p. 183).
Neste contexto, para fins de reparação de dano, são legitimados a requerer a constrição
judicial do bem de família, a vítima devidamente qualificada nos autos, seu representante
legal ou seus herdeiros71. (SANTOS, 2003, p. 525; CZAJKOWSKI, 1998, p. 185).
68
Artigo 186, Código Civil. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Artigo 927, Código Civil.
Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
69
Artigo 91, Código Penal. São efeitos da condenação: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) I - tornar
certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime.
70
Artigo 5°, XLV, Constituição Federal. Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação
de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e
contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;
71
Artigo 63, Código de Processo Penal. Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a
execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus
herdeiros.
50
No que se refere ao perdimento de bens em favor da União, embora não se constitua
penhora, a lei busca assegurar que não prevalecerá a alegação, por analogia, de que se trata de
bem de família. Destaca-se que o perdimento do bem em favor da União, somente ocorre
depois de ressalvados os direitos da vítima ou dos terceiros de boa-fé72. (CZAJKOWSKI,
1998, p. 185-186).
Nesses casos, a constrição judicial somente poderá ocorrer após o trânsito em julgado
da sentença penal condenatória 73. (SANTOS, 2003, p. 249). Entretanto, embora não contenha
previsão expressa em lei, Czajkowski (1998, p. 183), considera ser possível a instituição de
hipoteca legal sobre os bens do acusado.
Por outro lado, se a prescrição da pretensão punitiva do Estado ocorrer antes da
sentença penal condenatória, não será possível alegar a exceção à impenhorabilidade, porque
não haverá certeza da conduta delituosa. Diversamente, se a prescrição ocorrer após a
sentença penal condenatória, ainda assim, será possível a constrição judicial, porque restou
provada a conduta criminosa. (SANTOS, 2003, p. 249-250).
Deduz-se que as exceções de ordem penal são oportunas, senão o agente ativo da
conduta criminosa poderia alegar a impenhorabilidade do bem de família e ver-se impune.
Além do mais, nestas situações, como menciona Azevedo (2002, p. 192), na realidade, o bem
não pertence aquele se denomina proprietário.
Mas, no que tange a reparação por danos decorrentes de prática de atos ilícitos,
entende-se que uma ponderação de valores deverá ser considerada, para que não configure
excesso de punição.
2.1.3 Exceções de ordem pessoal
As exceções de ordem pessoal levam em consideração os sujeitos, que por
72
Artigo 91, Código Penal. São efeitos da condenação: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984). [...]. II a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: (Redação dada pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984). [...]. b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito
auferido pelo agente com a prática do fato criminoso
73
Artigo 5°, LVII, Constituição Federal. Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da
sentença penal condenatória.
51
determinação legal, não possuem o benefício da impenhorabilidade de seu único imóvel,
sendo estes, o devedor de crédito trabalhista e respectivas contribuições previdenciárias, do
devedor de crédito alimentar e do fiador da locação.
O único bem imóvel do devedor de crédito trabalhista e contribuições previdenciárias
decorrentes de relação empregatícia doméstica não está protegido pela impenhorabilidade,
contudo, tal exceção é polêmica. A primeira controvérsia se refere à extensão da referida
exceção. Uma corrente defende que esta exceção à impenhorabilidade alcança todas as
espécies de créditos trabalhistas, sob o fundamento de que dignidade do trabalhador se
sobreponha aos interesses dos empregadores. (SANTOS, 2003, p. 227). Há, nestes casos, um
conflito entre dignidades, a dignidade do trabalhador ao requerer o pagamento pela
exploração dos serviços prestados, e, de outro lado, a do devedor ao pretender a proteção de
seu imóvel. Neste âmbito, Carvalho apud Santos (2003, p. 227) assevera que a dignidade do
trabalhador se sobrepõe, porque é a contraprestação do trabalho que ameniza a exploração
humana.
Com efeito, a Constituição Federal traz como fundamento da República, a valorização
social do trabalho, o que legitima a ilação de que a dignidade do trabalhador prefere ao direito
de moradia. (CARVALHO apud SANTOS, 2002, p. 227). Além disso, o Tribunal Superior do
Trabalho entende que não se aplica a restrição à penhora do bem de família aos créditos de
natureza trabalhistas e suas respectivas contribuições previdenciárias, por se tratar de crédito
de natureza alimentar, cujo direito à vida se sobrepõe ao direto à moradia 74.
74
[...]. Todavia, os incisos I e III do referido Artigo 3º excepcionam a regra da impenhorabilidade quando a
execução for promovida: a) em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas
contribuições previdenciárias; ou b) pelo credor de pensão alimentícia. Ora, segundo o Artigo 100, §1º-A, da
Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 30/2000: 'Os débitos de natureza
alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas
complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundados na
responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.' De tal modo, e considerando que a
norma ápice do sistema incluiu os salários no rol dos débitos de natureza alimentícia, pari passu com as
pensões, parece-nos irrecusável a conclusão de que a execução dos créditos trabalhistas está imune à regra da
impenhorabilidade prevista no Artigo 3º da Lei n. 8.009/90, por incompatibilidade com a nova redação dada
ao Artigo 100, § 1º-A, da CF. [...]. (BRASIL. Superior Tribunal do Trabalho. Agravo de Instrumento n. AIRR
- 940/2007-004-17-40. Agravante: Heloisa Helena Bessa Alves Espíndula e outro. Agravados: Sebastião
Nascimento e Centro Automotivo Casa dos Parafusos Ltda.-Me. Relator: João Batista Brito. DEJT, 23 out.
2009. Disponível em: <http://brs02.tst.jus.br/cgi-bin/nph-brs?d=ITRE&s1=dos+cr %E9ditos+de+
trabalhadores+da+pr%F3pria+resid%EAncia+e+das+respectivas+contribui%E7%F5es+previdenci%
E1rias&sect1=1&s2=&s3=&s4=&s5=&s6=&s9=&s10=&s11=&s12=&s20=&s21=&s7=&s24=&s8=
&s13=&s14=&s15=&s16=&s17=&s18=&s19=&s25=&s22=&s23=&s26=&pg1=ALL&pg2=NUMT
&pg3=ANOT&pg4=&pg5=&pg6=&pg7=&pg8=TIPT&pg9=GABT&pg10=GABT&pg11=GABT&pg
12=GABT&pg13=&pg14=VART&pg15=TRIT&pg16=SEQT&pg17=COOJ&pg18=&pg19=&pg20=
&pg21=&pg22=&pg23=&pg24=EMEN&sect2=1&u=http://www.tst.jus.br/www.tst.jus.br/jurisprude
ncia/n_brs/n_nspit/n_nspitgen_un.html&p=1&r=3&f=G&l=0>. Acesso em: 27 out. 2009, sic).
52
Para aqueles que entendem não ser aplicável a Lei n. 8.009/1990 a todos os dissídios
trabalhistas, as posições doutrinárias se dividem no que se reporta a identificação dos tipos de
trabalhadores que se refere a lei: se somente aos empregados domésticos, que prestam
serviços rotineiramente por meio de subordinação em contraprestação salarial ou se também
abrange àqueles que realizam serviços domésticos, mas de forma eventual.
Azevedo (2002, p. 187) entende que a penhora do bem de família do devedor de
crédito trabalhista e contribuições previdenciárias, compreende os empregados domésticos e
os trabalhadores eventuais da residência, como os ―pedreiros, marceneiros, eletricistas que
promovam com o seu trabalho, com ou sem fornecimento de materiais, benfeitorias no mesmo
imóvel.‖ Enquanto que, Czajkowski (1998, p. 159-161) leciona que a exceção refere-se
estritamente aos empregados domésticos como ―copeiras, cozinheiras, governantas,
jardineiros‖, enfim, aqueles que estão intimamente relacionados com a residência. Salienta
que não abrange os funcionários de condomínio, uma vez que a relação trabalhista se
estabelece entre o condomínio, não havendo vínculo com a residência.
Outra exceção de ordem pessoal se trata do devedor de crédito alimentar, cuja
controvérsia reside em torno da espécie que é excepcionado pelo referido dispositivo, se os
alimentos de origem legal ou decorrentes de indenização por ato ilícito. Na concepção de
Azevedo (2002, p. 188), somente é possível a penhora do bem de família em decorrência de
débito alimentar entre familiares, denominados por Santos (2003, p. 232), de legítimos, ou
seja, aqueles que são devidos por força da lei.
Ainda, em relação ao crédito de alimentos por obrigação legal, lembra Czajkowski
(1993, p. 167), que o meio adequado para eximir-se ou minorar a prestação alimentícia
decorrente da impossibilidade do pagamento da verba alimentar, é a ação revisional e não a
alegação de impenhorabilidade do bem de família.
De outro modo, quando se refere aos alimentos devidos em decorrência de ato ilícito,
em razão de morte do mantenedor da família ou mesmo de sequelas físicas que
impossibilitem o exercício de atividade laboral, Czajkowski (1993, p. 166) defende a
possibilidade da penhora do bem de família, em prol da subsistência do ser humano.
Neste sentido, há decisão jurisprudencial determinando a extensão da penhora do bem
de família do devedor de alimentos decorrente de ato ilícito, sob o fundamento de que a
norma legal não faz restrições a nenhuma espécie de crédito alimentar, não podendo os
53
credores de alimentos serem relegados à miséria 75.
Ao examinar um caso concreto, pode-se ir além da controvérsia sobre que tipo de
crédito alimentar seria imponível a impenhorabilidade do bem de família. Czajkowski (1998,
p. 169) e Santos (2003, p. 235) citam a alegação de impenhorabilidade da residência da nova
entidade familiar constituída pelo devedor de alimentos, em detrimento da obrigação de
alimentar filhos advindos da antiga união.
Os entendimentos divergem. Para Czajkowski (1993, p. 169) a alegação da
impenhorabilidade é válida, porque a finalidade da lei é proteger a entidade familiar, não
merecendo esta ser despojada de seu lar por obrigação exclusiva de apenas um ente familiar.
Ao contrário, Santos (2003, p. 235) apregoa que o único imóvel da nova entidade familiar é
passível de constrição judicial em decorrência do não cumprimento da obrigação alimentícia,
desde que reservada a meação da nova família do devedor de alimentos.
Mas, as divergências doutrinárias e jurisprudenciais, não se restringem apenas aos
créditos alimentares. A possibilidade da penhora do bem de família do fiador da locação é
muito criticada, objeto inclusive, do presente estudo.
Czajkowski (1998, p. 189) considera esta exceção à proteção do bem de família, a
mais inadequada, porque coloca o fiador em situação de inferioridade em relação ao
afiançado. Há uma desigualdade flagrante, uma vez que enquanto a lei garante a
impenhorabilidade dos móveis quitados que guarnecem a residência do locatário 76, ao fiador
não é conferida a proteção nem mesmo do imóvel familiar. Por outro lado, nada impede, que
o locador, renuncie a referida exceção, no entanto, raramente isso ocorre. (CZAJKOWSKI,
1998, p. 192).
75
É pertinente ressaltar que a regra estatuída no art. 3º, III, da Lei n. 8.009/90 não se restringe apenas às verbas
alimentares fixadas em decorrência de vínculo parental, pois, em que pese o princípio geral de que normas
que excepcionam direitos devem ser interpretadas restritivamente, o referido dispositivo legal deve ser
interpretado sistemática e teleologicamente, não podendo os credores de alimentos decorrentes de ato ilícito,
diferentemente daqueles oriundos de laços familiares, restarem em condições de miserabilidade em razão da
morte do parente que atuava na manutenção da família. Ainda, ao declarar penhorável o bem de família aos
credores de pensão alimentícia, a Lei n. 8.009/90 não fez qualquer distinção quanto à origem da dívida, sendo
evidente que este (crédito alimentar) é essencial a quem dele faz jus independentemente da causa da fixação.
(RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação cível n. 70030443139 - Caxias
do Sul. Apelantes: Aloisio Vargas da Costa e outros. Apelada: Marta Maria Mezzomo. Relatora:
Desembargadora
Judith
dos
Santos
Mottecy.
DJ,
28
out.
2009.
Disponível
em
<http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em 1 nov. 2009).
76
Artigo 2°, parágrafo único, Lei n. 8.009/1990. No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos
bens móveis quitados que guarnecem a residência e que sejam de propriedade do locatário, observado o
disposto neste artigo.
54
Ainda, o fiador não pode utilizar-se do direito de regresso para indicar à constrição
judicial o único bem do locatário, em razão de tal benefício ser impedido por lei, enquanto
que o seu bem de família poderá ser excutido. Dessa forma, o locatário inadimplente é
protegido excessivamente em face do fiador, que em geral, de boa-fé, presta um favor ao
locatário gratuitamente. (CZAJKOWSKI, 1998, p. 190-192).
Como alternativa para evitar a constrição do bem de família, Czajkowski (1998, p.
193) sugere a instituição do bem de família voluntário antes da inadimplência do locatário, e,
se possível antes da celebração do contrato de fiança, para não configurar má-fé.
Com efeito, parece que a fiança locatícia não é de natureza jurídica fidejussória, mas
de natureza real, porque senão, o bem de família do fiador não ficaria vinculado, incidiria a
penhora somente sobre bens disponíveis, caso existissem. (AZEVEDO, 2002, p. 199).
Enfim, infere-se que a decisão de concessão da penhora ou não do bem de família, por
circunstâncias de ordem econômica, penal ou mesmo pessoal, deve ser pautada de acordo com
as circunstâncias peculiares de cada litígio, de forma a conferir interpretação teleológica à
lei77, assegurando, assim, uma decisão justa, com vistas à preservação da dignidade da pessoa
humana.
Além da fiança como garantia do cumprimento da obrigação locatícia, cabe mencionar
que a Lei de Locações prevê outras modalidades tais como a caução, o seguro-fiança, e a
cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento78.
2.2 Garantias dos contratos locatícios
A garantia nos contratos locatícios tem por objetivo assegurar o pagamento do aluguel
ao locatário, e poderá ser real, por meio da caução de um bem móvel, imóvel ou em dinheiro,
77
78
A respeito da interpretação teleológica lançamos mão da explicação de Ferraz Junior (2003, p. 293) ao
escrever que na aplicação de qualquer espécie normativa, deverá buscar o fim a que se destina para a
―realização da sociabilidade humana.‖
Artigo 37, Lei 8.245/1991. No contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes
modalidades de garantia: I - caução; II - fiança; III - seguro de fiança locatícia. IV - cessão fiduciária de
quotas de fundo de investimento. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005). Parágrafo único. É vedada, sob pena
de nulidade, mais de uma das modalidades de garantia num mesmo contrato de locação.
55
e fidejussória, que é a garantia pessoal por meio da fiança.
Antes de analisar brevemente as modalidades de garantias, cabe salientar, que o
locador somente poderá exigir uma, sob pena de nulidade. E, no caso de não haver prestação
de nenhuma garantia, bem como na locação para temporada79, o locador poderá exigir o
adiantamento do aluguel até o sexto dia útil do mês vincendo 80. Em caso de cobrança de
aluguel antecipado fora destes casos, ou exigência de mais do que uma garantia, incorrerá em
contravenção penal, punível com prisão simples de cinco dias a seis meses, ou multa entre três
e doze meses correspondentes ao valor do último aluguel atualizado 81.
A caução é garantia de natureza real, constituindo-se em dinheiro, em bens imóveis ou
móveis. No caso da caução em dinheiro, será equivalente a três meses de aluguel, depositada
em conta poupança, enquanto que a caução em bens móveis deverá ser registrada no cartório
de registros de documentos e a de imóveis averbada na respectiva matrícula 82.
O seguro-fiança é o pagamento de um prêmio pelo locatário a uma sociedade
seguradora autorizada pela Superintendência de Seguros Privados83. Por meio do seguro de
fiança locatícia é garantido ao locador, o recebimento do valor principal acrescido da correção
monetária, multa, juros, eventuais danos e despesas judiciais 84. Neste caso, o segurado é o
locador do imóvel urbano, enquanto que o garantido é o locatário 85.
79
Artigo 42, Lei 8.245/1991. Salvo as hipóteses do art. 42 e da locação para temporada, o locador não poderá
exigir o pagamento antecipado do aluguel.
80
Artigo 42, Lei 8.245/1991. Não estando a locação garantida por qualquer das modalidades, o locador poderá
exigir do locatário o pagamento do aluguel e encargos até o sexto dia útil do mês vincendo.
81
Artigo 43, da Lei 8.245/1991. Constitui contravenção penal, punível com prisão simples de cinco dias a seis
meses ou multa de três a doze meses do valor do último aluguel atualizado, revertida em favor do locatário:
[...]. II - exigir, por motivo de locação ou sublocação, mais de uma modalidade de garantia num mesmo
contrato de locação; III - cobrar antecipadamente o aluguel, salvo a hipótese do art. 42 e da locação para
temporada.
82
Artigo 38, Lei 8.245/1991. A caução poderá ser em bens móveis ou imóveis. § 1º A caução em bens móveis
deverá ser registrada em cartório de títulos e documentos; a em bens imóveis deverá ser averbada à margem
da respectiva matrícula. § 2º A caução em dinheiro, que não poderá exceder o equivalente a três meses de
aluguel, será depositada em caderneta de poupança, autorizada, pelo Poder Público e por ele regulamentada,
revertendo em benefício do locatário todas as vantagens dela decorrentes por ocasião do levantamento da
soma respectiva.
83
Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) - autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda; é responsável
pelo controle e fiscalização do mercado de seguro, previdência privada aberta e capitalização. (BANCO
CENTRAL DO BRASIL, 2010).
84
Artigo 41, Lei 8.245/1991. O seguro de fiança locatícia abrangerá a totalidade das obrigações do locatário.
85
Artigo 5°, Circular n. 347/2007, da SUSEP. Para fins desta Circular define-se como: I - segurado: é o locador
do imóvel urbano, conforme definido no contrato de locação coberto pelo contrato de fiança locatícia; II garantido: é o locatário, conforme definido no contrato de locação coberto pelo contrato de fiança locatícia;
III - sociedade seguradora: é a sociedade devidamente autorizada pela SUSEP a operar neste ramo de seguro;
e IV - estipulante: é a pessoa física ou jurídica que contrata apólice coletiva de seguros, ficando investido dos
poderes de representação dos segurados perante a Seguradora.
56
Reitera-se, que é permitida a contratação de apenas um seguro de fiança locatícia para
o mesmo contrato de locação86, sendo o prazo de vigência, enquanto perdurar o contrato
principal87. Mas, se o contrato de locação for prorrogado por tempo indeterminado, a
continuidade da cobertura do seguro, somente ocorrerá mediante aceitação de nova proposta
por parte da sociedade seguradora. Nesta hipótese, o seguro de fiança locatícia se dará por um
termo próprio, com prazo determinado 88.
A caracterização do sinistro, para reembolso do locador, ocorrerá pela decretação do
despejo, pelo abandono do imóvel ou pela entrega amigável das chaves89.
A cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento consiste num título de
capitalização, ou seja, é uma aplicação financeira que se constituirá na garantia ao locador.
Assim, caso o locatário não cumprir com a obrigação, o locador tomará posse da aplicação
financeira. (MAIA NETTO, 2010).
A cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento para garantia da obrigação
locatícia será realizada mediante requerimento por escrito do cotista-cedente, no caso o
locatário, com apresentação do termo de cessão fiduciária e de uma via do contrato de
locação. Será averbada pelo administrador do fundo no registro de cotistas, se constituindo
então em propriedade resolúvel em favor do credor fiduciário, o locador. Importante
mencionar, que as quotas serão indisponíveis, inalienáveis e impenhoráveis 90.
E, por último, a fiança se trata de um contrato em que uma terceira pessoa garante
satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não cumprir 91. Assim
86
Artigo 7°, Circular n. 347/2007, da SUSEP. É vedada a contratação de mais de um seguro de fiança locatícia
cobrindo o mesmo contrato de locação.
87
O prazo de vigência do contrato de seguro de fiança locatícia é o mesmo do respectivo contrato de locação.
88
Artigo 12, Circular n. 347/2007, da SUSEP. O prazo de vigência do contrato de seguro de fiança locatícia é o
mesmo do respectivo contrato de locação. § 1º. Na hipótese de prorrogação do contrato de locação por prazo
indeterminado, ou por força de ato normativo, a cobertura do seguro somente persistirá mediante aceitação de
nova proposta por parte da sociedade seguradora. § 2º. Na situação prevista no parágrafo anterior, será
definido um termo próprio para o contrato de seguro, com possibilidade de renovações posteriores, na forma
da legislação vigente.
89
Artigo 10, Circular n. 347/2007, da SUSEP. A caracterização do sinistro, dar-se-á: I - pela decretação do
despejo; II - pelo abandono do imóvel; ou III - pela entrega amigável das chaves.
90
Artigo 5º, Instrução Comissão de Valores Mobiliários n. 432/2006. A cessão fiduciária de cotas em garantia de
locação imobiliária: I. será realizada mediante requerimento por escrito do cotista-cedente, acompanhado do
termo de cessão fiduciária e de 1 (uma) via do contrato de locação, observado o disposto nos §§ 1º, 2º e 4º do
art. 88 da Lei nº 11.196, de 2005; e II. será averbada pelo administrador do fundo no registro de cotistas a que
se refere o art. 65, inciso I, alínea "a", da Instrução CVM nº 409, de 2004. § 1º A averbação de que trata o
inciso I do caput constitui a propriedade resolúvel das cotas em favor do credor fiduciário, e as torna
indisponíveis, inalienáveis e impenhoráveis, na forma do § 3º do art. 88 da Lei nº 11.196, de 2005.
91
Artigo 818, Código Civil. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação
assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.
57
sendo, no caso de insuficiência patrimonial do devedor, o fiador completará com seu próprio
patrimônio. (DINIZ, 2007, p. 574).
Wald (2006, p. 438) define a fiança locatícia como garantia pessoal ou fidejussória
com o objetivo de conferir maior segurança ao locador no recebimento do aluguel e
eventualmente indenização pelos danos causados92. É classificada como convencional ou
contratual, em razão de que se firma espontaneamente, se constituindo em um contrato
acessório em relação ao contrato principal, no caso, o contrato de locação. (COSTA, 2006, p.
28).
Das garantias, ora mencionadas, a mais difundida, por não representar custo para o
locatário, é a fiança. Pela fiança, um terceiro, de boa-fé e geralmente a título gratuito, na
intenção de prestar um favor ao locatário, se compromete a assumir a obrigação, vinculando
seus bens, até mesmo seu bem de família, caso o locatário não cumpra com a obrigação.
Na perspectiva de melhor compreender a modalidade de garantia por fiança no
contrato de locação, a seguir tecem-se algumas considerações.
2.3 Fiança locatícia
É antiga a advertência quanto aos inconvenientes da fiança, desde a época da
antiguidade, em que a Bíblia foi escrita, conforme o livro de Provérbios 6: 1-5:
Filho meu, se ficaste por fiador do teu próximo, se te empenhaste por um estranho,
estás enredado pelos teus lábios; estás preso pelas palavras da tua boca. Faze pois
isto agora, filho meu, e livra-te, pois já caíste nas mãos do teu próximo.
No Direito Romano, a fiança era constituída na forma verbal, com fundamento na Lei
das Doze Tábuas, na Tábua VII que determinava que ―o rico será fiador do rico, para o pobre
qualquer um poderá servir de fiador.‖ (SANTOS apud CARLI, 2009, p.102; ALBERTON,
2003, p. 106).
O Imperador Justiniano legislou a respeito, determinando que os fiadores eram
92
Neste sentido, o artigo 818 do Código Civil determina: ―pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer
ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.‖
58
garantes perante os credores93. Já no Direito Germânico, o homem livre era dado como refém,
até que a obrigação fosse cumprida, senão ―perdia sua liberdade e o direito de viver ou morrer
passava ao domínio do credor.‖ (SANTOS apud CARLI, 2009, p.102; ALBERTON, 2003, p.
106).
Hodiernamente, a fiança locatícia deve ser formal, por ato escrito, sendo classificada,
do ponto de vista do objeto, na modalidade civil e quanto à sua forma em convencional ou
contratual. A fiança locatícia convencional decorre da livre manifestação de vontade do
fiador, até mesmo sem a anuência do devedor. (DINIZ, 2007, p. 580).
No contrato de fiança apenas participam dois sujeitos, a pessoa que assume a fiança,
denominado de fiador, e aquela a quem o fiador garante, chamada de afiançado. (DINIZ,
2007, p. 575). Dessa forma, o credor não figura como parte no contrato de fiança.
Assim, o fiador poderá responder caso o locatário não cumpra com a obrigação
avençada no contrato de locação, tanto pelo principal tal como o aluguel, demais taxas e
impostos, como também por despesas judiciais e prejuízos que eventualmente o locatário
ocasionar, se a fiança não for limitada a determinado valor ou data94. (DINIZ, 2007, p. 576).
A Lei de Locações, recentemente alterada pela Lei n. 12.112, de 09 de dezembro de
2009, determina que as garantias perduram até a efetiva entrega do imóvel, mesmo que seja
prorrogada por tempo indeterminado 95. Antes da referida alteração, a Lei n. 8.245/1991
mencionava que as garantias perduravam até a efetiva devolução do imóvel, mas não referia
se permanecia no caso de prorrogação do contrato. Este fato culminou na edição da Súmula n.
214 pelo Superior Tribunal de Justiça, a qual determina que ―o fiador na locação não responde
por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu.‖ No entanto, as divergências não
cessaram, e, o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento de que havendo cláusula
expressa de responsabilidade do fiador até a entrega das chaves, responderá pela prorrogação
93
Título XX, Institutas do Imperador Justiniano. O promitente encontra muitas vezes outras pessoas que se
obrigam por ele, e que têm o nome de fiadores, as quais são aceitas pelo credores para aumentar-lhes as
garantias (CRETELLA, Júnior e CRETELLA, Agnes, apud ALBERTON, 2003, p. 107).
94
Artigo 822, Código Civil. Não sendo limitada, a fiança compreenderá todos os acessórios da dívida principal,
inclusive as despesas judiciais, desde a citação do fiador.
95
Artigo 39, Lei 8.245/1991. Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se
estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força
desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009).
59
do contrato96.
Nesta seara, pairam dúvidas, a respeito da aplicação da nova disposição legal, se é
válida para os contratos existentes, ou se somente para as novas obrigações. Entende-se que
serão aplicadas as alterações da lei referente às disposições de direito material, como a
situação em tela, somente aos novos contratos e às renovações, enquanto que as normas de
direito processual são aplicadas desde logo. (NOGUEIRA, 2010, p. 47).
Ainda, a fiança, como modalidade de garantia dos contratos locatícios, possui
características que lhe são próprias e requisitos a serem atendidos como condição para a sua
validade, bem como causas específicas que determinam sua extinção. Além disso, há efeitos
decorrentes da relação entre credor e fiador e da relação entre o fiador e afiançado.
2.3.1 Características, requisitos e extinção da fiança locatícia
A fiança locatícia possui três características relevantes: a acessoriedade em relação ao
contrato principal, porque a fiança segue o destino deste; a unilateralidade, porque somente o
fiador se obriga em relação ao credor; e, a subsidiariedade, pois, somente será exigida se o
locatário não cumprir com a obrigação.
A característica de acessoriedade significa que a fiança locatícia depende de um
contrato principal para sua existência. (DINIZ, 2007, p. 575). Dessa forma, a finalidade da
fiança enquanto contrato acessório é garantir o cumprimento do contrato principal, qual seja a
locação. A garantia do cumprimento da obrigação, representa a relação entre a fiança e o
contrato de locação.
96
PROCESSUAL CIVIL E LOCAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO
REGIMENTAL. FIANÇA. PRORROGAÇÃO DO CONTRATO. CLÁUSULA QUE PREVÊ A
OBRIGAÇÃO ATÉ A ENTREGA DAS CHAVES. EXONERAÇÃO DO FIADOR. IMPOSSIBILIDADE. 1.
A Egrégia Terceira Seção desta Corte pacificou o entendimento no sentido de que, havendo, no contrato
locatício, cláusula expressa de responsabilidade do garante até a entrega das chaves, responde o fiador pela
prorrogação do contrato, a menos que tenha se exonerado na forma do Artigo 1.500 do Código Civil de 1916
ou do Artigo 835 do Código Civil vigente, a depender da época da avença. (BRASIL. Superior Tribunal de
Justiça. Embargos de declaração no agravo regimental nos embargos de declaração no agravo de instrumento
n. 968044-SC. Agravante: Sílvio Carlos Lima e outro. Agravado: Maria Cherem Espezim. Relatora: Ministra
Laurita Vaz. DJe, 28 set. 2009. Disponível em < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=
CL%C1USULA+QUE+PREV%CA+A+OBRIGA%C7%C3O+AT%C9+A+ENTREGA+DAS+CHAVES-+
EXONERA%C7%C3O+DO+FIADOR&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=3>. Acesso em 9 jan. 2009).
60
O contrato de fiança, por ser acessório, segue o destino do contrato locatício. Então, se
extinta a obrigação principal, também será extinta a obrigação acessória ou, se o contrato de
locação for nulo, nula será a fiança 97. Cumpre observar que o contrato de locação não depende
da fiança, que é contrato acessório, assim, se nula a fiança, o contrato de locação permanece
válido. (DINIZ, 2007, p. 575).
Além disso, a fiança como obrigação acessória, é limitada em relação à obrigação
principal. Se a fiança não for limitada à obrigação principal, abrangerá os acessórios como
juros, multas, os acréscimos legais, inclusive custas e honorários advocatícios desde a citação
do devedor. Se for limitada, se estenderá apenas até os limites avençados, podendo ser de
valor inferior ao da obrigação principal, mas nunca de valor superior ou mais onerosa 98. Neste
contexto, destaca-se que se a fiança for de valor superior ao contrato principal, não restará
nula, apenas será reduzida até o limite da obrigação locatícia. (DINIZ, 2007, p. 575-576).
Se a fiança não pode ser mais onerosa do que o contrato principal, em primeira
análise, não seria admissível a penhora do bem de família do fiador da locação, visto que o
bem do próprio devedor não pode ser excutido para saldar a dívida decorrente da locação.
Outra característica da fiança é a sua unilateralidade, isto quer dizer, que somente o
fiador se obriga em relação ao credor, o credor não tem nenhum compromisso com o fiador.
(DINIZ, 2007, p. 576).
Além de somente o fiador se obrigar em relação ao credor, a fiança é assinalada pela
gratuidade. Em regra, o fiador não recebe nada em troca, o que conduz a uma interpretação
restrita99. Dessa forma, por exemplo, se a fiança for para pagamento de aluguel, não servirá
para pagamento de danos ocasionados por incêndio. Por conseguinte, caso paire dúvida, a
solução deverá ser em favor do fiador. (DINIZ, 2007, p. 576).
Ainda, em decorrência da característica de subsidiariedade, o fiador somente
responderá pela obrigação se o afiançado não a cumprir, exceto se houver sido estipulada
solidariedade.
Para ser fiador, basta ter capacidade civil e adequar-se às regras estabelecidas pelo
97
Artigo 824, Código Civil. As obrigações nulas não são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade resultar
apenas de incapacidade pessoal do devedor.
98
Artigo 823, Código Civil. A fiança pode ser de valor inferior ao da obrigação principal e contraída em
condições menos onerosas, e, quando exceder o valor da dívida, ou for mais onerosa que ela, não valerá senão
até o limite da obrigação avençada.
99
Artigo 114, Código Civil. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.
61
ordenamento civil. Tais regras são requisitos necessários para que o contrato de fiança possua
validade jurídica, e são, conforme acentua Diniz (2007, p. 577-580), de ordem subjetiva,
objetiva e formal.
Quanto aos requisitos subjetivos, certas pessoas em razão do ofício, como os
tesoureiros, leiloeiros, tutores, curadores e agentes fiscais, não podem ser fiadores. Além
destes, os emancipados até completarem dezoito anos, em razão de que a emancipação só lhes
confere o direito de administrar seus próprios negócios, e as autarquias, não podem ser
fiadores. (DINIZ, 2007, p. 578). Os administradores e os mandatários somente podem ser
fiadores se tiverem poderes expressos que os autorizem. As pessoas jurídicas somente estão
autorizadas a afiançar, se seus estatutos ou regulamentos dispuserem a respeito. Outra
limitação se faz presente em relação aos analfabetos, que em regra não podem afiançar,
exceto se apresentarem procuração por instrumento público. (DINIZ, 2007, p. 578).
Para prestar fiança, a pessoa casada, deverá ter anuência do cônjuge, exceto se for
casada pelo regime de separação obrigatória de bens 100, sob pena de ineficácia total da
garantia, se alegada pelo cônjuge que não prestou a outorga101. Se o cônjuge não anuir com o
ato, será passível de anulação no prazo de 10 anos ou no prazo de até dois anos após o
término da sociedade conjugal102. O cônjuge deverá ter autorização do outro para afiançar, e
não o tendo, aquele que não deu causa a anulabilidade, poderá pleiteá-la, inclusive em sede de
ação de execução103.
100
Artigo 1647, Código Civil. Ressalvado o disposto no artigo 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem
autorização do outro, exceto no regime de separação absoluta [...]. III – prestar fiança ou aval.
101
Súmula 332 do Superior Tribunal de Justiça. A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a
ineficácia total da garantia
102
Artigo 1649, Código Civil. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (Artigo 1647),
tronará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de
terminada a sociedade conjugal.
103
DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO.
AUSÊNCIA. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA
284/STF. FIANÇA. OUTORGA UXÓRIA. AUSÊNCIA. NULIDADE. PRECEDENTES. RECURSO
ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. A teor da pacífica e numerosa jurisprudência, para a abertura
da via especial, requer-se o prequestionamento, ainda que implícito, da matéria infraconstitucional. Hipótese
em que a Turma Julgadora não emitiu nenhum juízo de valor acerca do Artigo 283 do CPC, restando ausente
seu necessário prequestionamento. Incidência das Súmulas 282/STF e 211/STJ. 2. A ausência de indicação do
dispositivo de lei federal a que a Corte de origem teria malferido ou dado interpretação divergente da firmada
por outros tribunais implica deficiência de fundamentação. Súmula 284/STF. 3. É nula a fiança prestada sem a
anuência do cônjuge do fiador. Precedentes. 4. Tendo o arresto sido invalidado em decorrência da decretação
da nulidade da fiança prestada sem a anuência do esposa do fiador, torna-se irrelevante se perquirir se houve a
comprovação de que o imóvel penhorado seria ou não bem de família. 5. Recurso especial conhecido e
improvido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 797.853 - SP (2005/0190531-9).
Recorrente: Isabel Moraes Barros Loy Dona. Recorrida: Matilde Dias. Relator: Ministro Arnaldo Esteves
Lima. DJe, 28 mar. 2008. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp
?registro=200501905319&dt_publicacao=28/04/2008>. Acesso em: 1 jan. 2010, sic).
62
O credor tem a possibilidade de recusar o fiador se não for pessoa idônea, se não for
residente no município onde tenha que prestar a fiança e se não possuir bens suficientes para
cumprir a obrigação 104. Inclusive é possível ao credor, exigir que o fiador seja substituído no
caso de se tornar insolvente ou incapaz 105. (DINIZ, 2007, p. 578).
Os requisitos de ordem objetiva se referem principalmente à exigibilidade da
obrigação. O contrato principal deverá ser válido e exigível, senão, a fiança não poderá ser
reclamada, uma vez que é obrigação acessória. Além disso, o montante garantido pela fiança
não pode ultrapassar o valor do débito principal. Embora a fiança possa assegurar obrigação
futura, somente passa a vigorar no momento em que surgir a exigibilidade da obrigação
principal106, em outras palavras, a obrigação deverá ser atual. (DINIZ, 2007, p. 578-579).
Em se tratando do requisito formal, a fiança deverá ser constituída por escrito,
separada do contrato principal ou no mesmo instrumento. Neste viés, cumpre mencionar que
no contrato de locação é muito comum que a fiança seja celebrada no mesmo instrumento 107.
(DINIZ, 2007, p. 579-580).
Por fim, há situações que desencadeiam a extinção da fiança. Normalmente extinta a
obrigação principal pelo término de sua vigência e pagamento, estará extinta a fiança, no
entanto, outras causas inerentes à própria natureza da fiança podem ocasionar sua extinção.
São motivos para a extinção da fiança, as causas terminativas comuns às obrigações
em geral, como a extinção da dívida pelo pagamento direto e indireto, pela confusão do
devedor e fiador, compensação, transação 108 e novação, conforme explica Diniz (2007, p.
586-587). A fiança também é extinta se o fiador exonerar-se da obrigação, portanto, se o
contrato for prorrogado por tempo indeterminado, o fiador poderá notificar o locador de sua
exoneração, ficando responsável ainda por 120 dias após a notificação ao locador109. No caso
104
Artigo 825, Código Civil. Quando alguém houver de oferecer fiador, o credor não pode ser obrigado a aceitálo se não for pessoa idônea, domiciliada no município onde tenha de prestar a fiança, e não possua bens
suficientes para cumprir a obrigação.
105
Artigo 826, Código Civil. Se o fiador se tornar insolvente ou incapaz, poderá o credor exigir que seja
substituído.
106
Artigo 821, Código Civil. As dívidas futuras podem ser objeto e fiança; mas o fiador, neste caso, não será
demandado senão depois que se fizer líquida a obrigação principal do devedor.
107
Artigo 819, Código Civil. A fiança dar-se-à por escrito e não admite interpretação extensiva.
108
Artigo 844, Código Civil. A transação não aproveita, nem prejudica senão aos que nela intervierem, ainda que
diga respeito a coisa indivisível. § 1°. Se for concluída entre o credor e o devedor, desobrigará o fiador.
109
Artigo 10, Lei 8.245/1991. O locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia,
nos seguintes casos: [...]. X – prorrogação da locação por prazo indeterminado uma vez notificado o locador
pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120
(cento e vinte) dias após a notificação ao locador. (Incluído pela Lei nº 12.112, de 2009).
63
de falecimento, separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução da união estável,
no prazo de 30 dias da notificação pelo sub-rogado, o fiador também poderá exonerar-se da
obrigação, ficando responsável ainda por 120 dias após a notificação ao credor110.
Além disso, exceções pessoais ou extintivas da obrigação, que excluem a
responsabilidade do fiador, como por exemplo, a novação sem o consentimento expresso do
fiador111, a compensação112, a transação, o pagamento, a prescrição e a nulidade da obrigação
principal, extinguem a fiança.
Também extinguem a fiança, a concessão de moratória ao credor sem consentimento
do fiador; se for impossível a sub-rogação nos seus direitos e preferências por fato do credor,
como por exemplo, a renúncia pelo credor de hipoteca ou penhor; se o credor aceitar como
pagamento objeto diverso do avençado 113; em razão do retardamento do credor na execução
do devedor, resultando na insolvência deste, se quando invocado o benefício de ordem pelo
fiador naquele tempo os bens indicados eram passíveis de penhora 114.
Enfim, se verifica que são vários requisitos a observar para que o contrato de fiança
seja válido, desde os inerentes a própria pessoa do fiador, a validade e exigibilidade da
obrigação principal e os atinentes a formalidade do negócio jurídico.
Quanto às causas extintivas da fiança, em resumo, são aquelas comuns à extinção das
obrigações, as exceções pessoais, como também pode ocorrer em consequência do
retardamento da execução pelo credor, quando o fiador alegar o benefício de ordem e naquele
tempo provar que havia bens suficientes para garantir a execução.
110
Artigo 12, Lei 8.245/1991. Em casos de separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução da união
estável, a locação residencial prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou companheiro que permanecer
no imóvel. (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009). § 1 o Nas hipóteses previstas neste artigo e no art. 11,
a sub-rogação será comunicada por escrito ao locador e ao fiador, se esta for a modalidade de garantia
locatícia. (Incluído pela Lei nº 12.112, de 2009). § 2o O fiador poderá exonerar-se das suas responsabilidades
no prazo de 30 (trinta) dias contado do recebimento da comunicação oferecida pelo sub-rogado, ficando
responsável pelos efeitos da fiança durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador. (Incluído
pela Lei nº 12.112, de 2009).
111
Artigo 366, Código Civil. Importa exoneração do fiador a novação feita sem seu consenso com o devedor
principal.
112
Artigo 371, Código Civil. O devedor somente pode compensar com o credor o que lhe dever; mas o fiador
pode compensar sua dívida com a de seu credor.
113
Artigo 838, Código Civil. O fiador, ainda que solidário, ficará desobrigado: I – se, sem consentimento seu, o
credor conceder moratória ao devedor; II - se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos seus
direitos e preferências; III – se o credor, em pagamento da dívida, aceitar amigavelmente do devedor objeto
diverso do que este era obrigado a lhe dar ainda que depois venha a perdê-lo por evicção.
114
Artigo 839, Código Civil. Se for invocado o benefício da excussão e o devedor, retardando-se a execução,
cair em insolvência, ficará exonerado o fiador que o invocou, se provar que os bens por ele indicados era, ao
tempo da penhora, suficientes para a solução da dívida afiançada.
64
Sobre as características do contrato de fiança, inerentes a sua própria natureza, a
acessoriedade, unilateralidade, gratuidade e subsidiariedade, irradiam efeitos jurídicos.
2.3.2 Efeitos jurídicos decorrentes da fiança
Do contrato de fiança, irradiam vários efeitos, que se operam entre o entre fiador e
credor, e também nas relações entre o fiador e o devedor afiançado, estudados com base nos
ensinamentos de Diniz (2007, p. 581-586).
Ressalta-se que em virtude da acessoriedade e gratuidade, os efeitos ―são restritos
quanto ao tempo, ao objeto e às pessoas, não podendo ir além do valor da dívida garantida,
nem lhe exceder onerosidade‖. (DINIZ, 2007, p. 581).
Quanto aos efeitos nas relações entre devedor afiançado e fiador, este poderá exigir do
devedor as perdas e danos que pagou, ou seja, o capital mais os juros e mora, conforme
estipulado no contrato de locação ou, na ausência de convenção, conforme a taxa que estiver
em vigor para a mora de pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional115, acrescido de
cláusula penal, despesas decorrentes da ação judicial e por eventuais danos 116.
Se for estipulada solidariedade entre fiadores, aquele que pagar integralmente a dívida
ficará sub-rogado nos direitos do credor, mas só poderá exigir a importância de cada um dos
outros fiadores na respectiva quota117.
Caso o fiador pagar o credor e não avisar o devedor que efetuou o pagamento e este
pagar pela segunda vez, a repetição caberá ao fiador. Mas, se o devedor não cumprir a
obrigação, e o credor sem justa causa demorar em iniciar a execução, o fiador está autorizado
a promover a ação para evitar a continuidade de sua responsabilidade advinda das
115
Artigo 833, Código Civil. O fiador tem direito aos juros do desembolso pela taxa estipulada na obrigação
principal, e, não havendo taxa convencionada, aos juros legais de mora. [...]. Artigo 406, Código Civil.
Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou forem sem taxa estipulada, ou quando provierem
de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de
impostos devidos à Fazenda Nacional.
116
Artigo 832, Código Civil. O devedor responde também perante o fiador por todas as perdas e danos que este
pagar, e pelos que sofrer em razão da fiança.
117
Artigo 831, Código Civil. O fiador que pagar integralmente a dívida fica sub-rogado nos direitos do credor;
mas só poderá demandar a cada um dos outros fiadores pela respectiva quota.
65
consequências da demora118.
Outro efeito entre o afiançado e o fiador, se reporta à interrupção da prescrição, que se
contra o devedor lança seus efeitos também ao fiador119.
Ainda, pode-se elencar como efeito entre o afiançado e o fiador, a perduração da
fiança no caso de falecimento, limitada à data de óbito e às forças da herança 120. E, conforme
o que já foi dito, em caso de falecimento do afiançado, o fiador poderá exonerar-se da fiança
após a notificação do sub-rogado ou se a obrigação for renovada por prazo indeterminado,
permanecendo 120 dias responsável após a exoneração.
Em sede de efeitos entre fiador e credor, este último não pode escolher em exigir a
obrigação do devedor ou do fiador. Primeiro deverá buscar o crédito no devedor, caso este
não possa cumprir a obrigação, poderá exigir do fiador. Além disso, o credor só poderá exigir
a fiança se a obrigação for atual.
Sendo vários os fiadores, haverá responsabilidade solidária, se não estipularem o
benefício da divisão 121. Se estipularem expressamente, cada um ficará responsável ―pro rata
pela parte que, em proporção lhe couber no pagamento.‖ (DINIZ, 2007, p. 583). Também
poderá ser fixado no contrato de fiança um limite de valor pelo qual cada fiador será
responsável122. Mas, na insolvência de um dos fiadores, a sua parte será distribuída entre os
demais 123.
O fiador poderá oferecer todas as exceções que lhe forem pessoais, como por exemplo,
a nulidade absoluta ou relativa da fiança, em decorrência da sua incapacidade ou vício de
consentimento, e exceções próprias ao devedor principal, desde que ligadas ao crédito
afiançado. Contudo, o fiador não poderá alegar exceções de suas relações com o devedor,
apenas as decorrentes da relação acessória da fiança, como o benefício de ordem. O benefício
118
Artigo 834, Código Civil. Quando o credor, sem justa causa, demorar a execução iniciada contra o devedor,
poderá o fiador promover-lhe o andamento.
119
Artigo 204, § 3° , Código Civil. A interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador.
120
Artigo 836, Código Civil. A obrigação do fiador passa aos herdeiros; mas a responsabilidade da fiança se
limita ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não pode ultrapassar as forças da herança.
121
Artigo 829, Código Civil. A fiança conjutamente prestada a um só débito por mais de uma pessoa importa o
compromisso de solidariedade entre elas, se declaradamente não se reservarem o benefício da divisão.
Parágrafo único. Estipulado este benefício, cada fiador responde unicamente pela parte que, em proporção, lhe
couber no pagamento.
122
Artigo 830, Código Civil. Cada fiador pode fixar no contrato a parte da dívida que toma sob sua
responsabilidade, caso em que não será por mais obrigado.
123
Artigo 831, parágrafo único, Código Civil. A parte do fiador insolvente distribuir-se-à pelos outros.
66
de ordem é um direito do fiador, pelo qual lhe permite exigir que primeiro seja executado
judicialmente os bens do devedor, e, somente em caso de insuficiência patrimonial deste, a
execução passará a incidir sobre os bens do fiador. Salienta-se que o fiador ao alegar o
benefício de ordem, deverá nomear bens do devedor124, passíveis de penhora.
No entanto, o benefício de ordem, poderá ser afastado se o fiador renunciou
expressamente, no caso de responsabilidade solidária, se o devedor for insolvente ou falido 125
e, ainda, de acordo com Diniz (2007, p. 583), ―se o fiador se tornou herdeiro principal do
devedor.‖
É cediço que o fiador poderá oferecer exceção à ação do credor, no entanto, não
poderá alegar o benefício de ordem para o caso de penhora de seu único bem imóvel, se o
devedor afiançado não tiver bens livres e desembargados. A respeito, Diniz (2007, p. 582)
registrou que o artigo 82 da Lei n. 8.245/1991, acrescentou o inciso VII ao artigo 3° da Lei n.
8.009/1990, determinando que o fiador da locação não poderá alegar a impenhorabilidade de
seu único imóvel destinado à moradia. Entretanto, com a Emenda Constitucional n. 26/2000,
que modificou o artigo 6° da Constituição Federal ao inserir o direito de moradia no rol dos
direitos sociais, parte da jurisprudência passou a entender inconstitucional a referida exceção.
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela possibilidade da penhora do único
imóvel residencial do fiador, para a garantia da execução de débito locatício 126.
Em consequência, sopesando que a fiança por sua natureza é um contrato acessório em
relação ao contrato de locação e, na maioria das vezes, gratuito, seus efeitos estão restritos à
forma contratada, não podendo ir além da dívida, nem lhe ser mais onerosa. Nesta ordem de
124
Artigo 827, Código Civil. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a
contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor. Parágrafo único. O fiador que alegar
o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município,
livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito.
125
Artigo 828, Código Civil. Não se aproveita o benefício de ordem ao fiador: I – se ele o renunciou
expressamente; II – se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário. III – se o devedor for
insolvente, ou falido.
126
EMENTA: FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade
solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade.
Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no Artigo 6º da CF. Constitucionalidade do Artigo3º,
inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos
vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do Artigo 3º, inc. VII,
da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não
ofende o Artigo 6º da Constituição da República. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso
Extraordinário n. 07688 - AC. Recorrente: Michel Jacques Peron. Recorrido: Antonio Pecci. Relator: Ministro
Cezar Peluso.
DJ, 6 out. 2006. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/
listarJurisprudencia.asp?s1=Responsabilidade%20solid%E1ria%20pelos%20d%E9bitos%20do%20afian%E7
ado&base=baseAcordaos>. Acesso em 10 jan. 2009).
67
idéias, se torna discutível a possibilidade da penhora do único bem imóvel do fiador da
locação. Consoante às premissas assentadas neste capítulo, se conclui que embora a penhora
do bem de família seja possível em situações expressamente determinadas em lei, cada caso
deverá ser submetido à análise consoante os princípios e garantias fundamentais,
principalmente em virtude da grande controvérsia jurisprudencial e doutrinária demonstrada,
bem como da ponderação de valores.
No tocante às garantias dos contratos locatícios, a fiança é a mais difundida no
mercado imobiliário em função da ausência de custo para o locatário. Entretanto, apresenta o
inconveniente da inoponibilidade do benefício de ordem na situação de penhora de seu único
imóvel, tornando excessivamente onerosa ao fiador em detrimento do próprio devedor. Neste
contexto, o terceiro capítulo procurará responder se a exceção à impenhorabilidade do bem de
família atende os ditames constitucionais do direito fundamental à moradia, do princípio da
dignidade da pessoa humana, do princípio da igualdade e da função social dos contratos.
CAPÍTULO III
3 A INCONSTITUCIONALIDADE DA PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA DO
FIADOR NOS CONTRATOS LOCATÍCIOS
A lei do bem de família legal pôs a salvo o imóvel residencial, bem como os móveis
que guarnecem a residência, de dívidas civil, comercial, fiscal, previdenciária ou outra
natureza127. No entanto, como visto no segundo capítulo desta pesquisa, também traz
exceções, de ordem econômica, penal e pessoal.
Logo quando foi promulgada, a lei do bem de família legal trouxe a lume um entrave
no mercado imobiliário, pela dificuldade em executar os créditos imobiliários. Diante deste
óbice, foi inserido mais uma exceção, qual seja a possibilidade de penhora do bem de família
do fiador da locação.
A partir de então, a possibilidade de penhorar o bem de família do fiador da locação
tornou-se incontestável, até que, no texto constitucional passou a constar o direito à moradia
como direito social de ordem fundamental. Com a alteração da constituição, parte da doutrina
e jurisprudência passou a entender que a constrição judicial do bem de família do fiador da
locação afronta o direito à moradia.
Neste enfoque, analisa-se a questão da inconstitucionalidade da penhora do bem de
família do fiador locatício, com fundamento no direito à moradia, da garantia de um
127
Art. 1º, Lei 8.00/1990. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não
responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída
pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses
previstas nesta Lei.
69
patrimônio mínimo, do princípio da dignidade da pessoa humana, do princípio constitucional
da isonomia e da função social dos contratos.
3.1 O direito à moradia: um direito fundamental
Todo o ser humano tem necessidade de um lugar para habitar com tranquilidade, de
um lugar de sossego e paz para o seu repouso e de seus familiares. Neste sentido, observa-se a
importância do direito à moradia, ainda mais diante da carência de muitas pessoas 128 que
vivem sob condições aviltantes, sem o mínimo de saneamento básico, instalação de água e
energia elétrica, sem segurança, em casas feitas de papelão e sucatas, construídas em lugares
impróprios à habitação humana.
No presente estudo, busca-se resgatar a previsão legislativa internacional até o advento
da Emenda Constitucional n. 26, de 14 de fevereiro do ano 2000 e analisar a relação do direito
de moradia com os direitos de personalidade, as características do direto à moradia e a
distinção do direito de habitação.
Assim, o lugar da habitação está relacionado com outros direitos, como o direito à
privacidade, ao segredo doméstico, à liberdade limitada à propriedade, à propriedade privada
(SOUZA, 2004, p. 22-23), à saúde e à dignidade da pessoa humana. Tais direitos
fundamentais receberam maior atenção com a democratização do país, intensificada a partir
da promulgação da Constituição Federal de 1988. No entanto, desde 1948, quando o Brasil
ratificou a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Declaração Americana dos
Direitos e Deveres do Homem129, já havia sido reconhecido o direito à moradia130. A
Declaração Universal dos Direitos Humanos, concebida como marco internacional da origem
da previsão do direito à moradia, o consagrou como direito internacional fundamental, ao
128
―Na concepção jurídica, pessoa é o ente físico ou mora suscetível de direitos e obrigações. Neste sentido,
pessoa é sinônimo de sujeito de direito ou sujeito de relação jurídica.‖ (BARCELLONA apud FACHIN, 2006,
p. 33).
129
Adotada pela Resolução 30, Ata Final, aprovada na IX Conferência Internacional Americana, em Bogotá, em
abril de 1948, ratificada pelo Brasil.
130
Nessa linha, interessante destacar, que para os diplomas internacionais, as expressões ―direito de residir‖ e
―habitação‖ possuem o mesmo sentido que a expressão ―direito à moradia‖. (SOUZA, 2004, p. 66).
70
estabelecer que toda a pessoa tem direito à habitação 131, inclusive à proteção do lar132.
Acresce-se que a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem preconiza que
toda a pessoa tem direito à saúde por meio de medidas sanitárias e sociais, dentre as quais, à
habitação133. (SOUZA, 2004, p.61; 66).
Ao longo dos anos, vários diplomas internacionais fizeram menção ao direito à
moradia. Destacam-se a previsão da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação Racial134, que além de garantir igualdade, também assegurou o
direito de habitação 135; a Convenção de Direitos Humanos de 1969 136 ao prever que toda a
pessoa tem ―direito de residir no Estado‖ se estiver legalmente no território 137; e, a Declaração
sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986138 ao estabelecer o direito à habitação como um
compromisso do Estado, devendo este criar mecanismos necessários a sua efetivação ―para o
desenvolvimento da pessoa humana 139‖. (SOUZA, 2004, p. 64; 65; 67).
O Pacto Internacional dos Direito Econômicos, o qual o Brasil anuiu em 24 de janeiro
de 1992, foi o diploma legal que trouxe pela primeira vez a expressão ―moradia‖, ao
determinar que todos os Estados-partes reconhecem este direito e, para assegurá-lo, possuem
o compromisso de criar medidas apropriadas, inclusive legislativas, bem como estabelecer
131
Artigo XXV, 1. Toda a pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e
bem–estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os de serviços sociais
indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros
casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
132
Artigo XII. Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua
correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra
tais interferências ou ataques.
133
Artigo 11. Toda pessoa tem direito a que sua saúde seja resguarda por medidas sanitárias e sociais relativas à
alimentação, roupas, habitação e cuidados médicos correspondentes ao nível permitido pelos recursos
públicos e os da coletividade.
134
Adotada pela Resolução n. 2.106-A (XX) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 21 de dezembro de
1965, e ratificada pelo Brasil, em 27 de março de 1968.
135
Artigo 5º. Em conformidade com as obrigações fundamentais enunciadas no artigo 2, os Estados-partes
comprometem-se a proibir e a eliminar a discriminação racial em todas as suas formas e a garantir o direito de
cada um à igualdade perante a lei, sem distinção de raça, de cor ou de origem nacional ou étnica,
principalmente no gozo dos seguintes direitos: [...]. iii) direito à habitação;
136
É conhecida como Pacto de São José da Costa Rica assinado na Conferência Especializada Interamericana
sobre Direitos Humanos, em San José da Costa Rica em 22 de novembro de 1962, ratificado pelo Brasil em
25 de setembro de 1992. (SOUZA, 2004, p. 64).
137
Artigo 22. Toda pessoa que se encontre legalmente no território de um Estado tem o direito de nele
livremente circular e de nele residir, em conformidade com as disposições legais.
138
Adotada pela Resolução 41/128, da Assembléia Geral das Nações Unidas em 4 de dezembro de 1986.
139
Artigo 8º, I. Os Estados devem tomar, em nível nacional, todas as medidas necessárias para a realização do
direito ao desenvolvimento e devem assegurar, inter alia, igualdade de oportunidades para todos, no acesso
aos recursos básicos, educação, serviços de saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição equitativa
de renda. (inter alia é expressão latina que significa entre outras coisas).
71
relações de cooperação internacional140. Nota-se que a partir da ratificação deste Pacto, o
Brasil se comprometeu diante da comunidade internacional a criar mecanismos para a tutela
efetiva da moradia. (SOUZA, 2004, p. 63).
A agenda Habitat I, da primeira Conferência das Nações Unidas sobre assentamentos
humanos, realizada em 1976, revelou uma preocupação mundial referente às políticas
públicas em prol de moradias adequadas. (INÁCIO, 2002, p. 38). No ano de 1996, em
Istambul, na segunda conferência sobre assentamentos humanos, a Agenda Habitat II,
contemplou que a habitação deve ter características adequadas, sendo ―sadia, segura,
protegida, acessível e disponível‖, de forma a incluir os serviços básicos. (SOUZA, 2004, p.
70). Nesta oportunidade, os governos reconheceram sua responsabilidade no setor
habitacional, no sentido de proporcionar moradia àqueles que ainda não a têm, ou melhorar as
condições existentes141. (INÁCIO, 2002, p. 38).
Convém citar, que a aprovação do texto da Declaração de Istambul, em 1996 não foi
tranquila, pois encontrou resistência por parte do Brasil e dos Estados Unidos, que temiam a
inclusão do direito à moradia sem ressalvas, porque poderia motivar os sem-tetos a procurar a
via judicial para requerer habitação. Essa discussão resultou na aprovação da Declaração de
Istambul com a ressalva de que ―progressivamente‖, os Estados deveriam implementar o
direito à moradia.
No Brasil, o direito à moradia foi inserido no rol dos direitos sociais 142 por meio de
Emenda Constitucional n. 26/2000143, com demora, diante do problema da questão
140
Artigo 11 - 1. Os estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida
adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim
como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medidas apropriadas para
assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação
internacional fundada no livre consentimento.
141
Artigo 13, Declaração de Istambul. Reafirmamos que somos guiados pelos objetivos e princípio da Carta das
Nações Unidas e reafirmamos nosso compromisso em assegurar a plena implementação dos direitos humanos
estabelecidos e, instrumentos internacionais, incluindo o direito à moradia como está na Declaração Universal
dos Direitos Humanos, na Convenção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, na
Convenção Internacional pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher a na
Convenção dos Direitos da Criança, levando em conta o direito à moradia adequada, na forma como está
incluído nos instrumentos internacionais mencionados acima, deve ser implementada progressivamente.
Reafirmamos que todos os direitos Humanos – civis, culturais, econômicos, políticos e sociais são universais,
indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados.
142
―Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caraterizando-se como verdadeiras liberdades
positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de
condições de vida aos hipossufucientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como
fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1°, IV, da Constituição Federal.‖ (MORAES, 2006, p. 180).
143
Artigo 6°, Constituição Federal. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição.
72
habitacional brasileira. Lenza (2009, p. 759) aduz que, embora o direito à moradia tenha sido
inserido recentemente no rol dos direitos fundamentais, a Constituição Federal já contemplava
tal direito ao prever que ―todos os entes federativos têm competência administrativa para
promover programas de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais e de
saneamento básico 144.‖ Além disso, partindo do princípio da dignidade da pessoa humana145,
do direito à intimidade, do direito à privacidade 146 e de ser a casa asilo inviolável do ser
humano147, observa-se que mesmo anteriormente à Emenda Constitucional n. 26/2000,
buscava-se tutelar o lar da pessoa. A própria Lei n. 8.009/1990, que instituiu o bem de família
legal encontra respaldo no direito constitucional da moradia.
Destaca-se que a Constituição Federal menciona o termo ―moradia‖ em três momentos
ao estabelecer que: a moradia é direito social148, está entre as necessidades vitais básicas do
trabalhador e de sua família 149, e, ao determinar que a União, os Estados e os Municípios
possuem obrigação de desenvolver políticas públicas para a construção de moradias 150.
(BRITTO, 2006, p. 90)151.
O direito social à moradia impõe ao poder público a obrigação de implementar
condutas que viabilizem de fato o acesso à moradia. Por conseguinte, diante do cenário em
que milhares de pessoas não possuem um lugar para ficar, vivendo debaixo de pontes e
sacadas de prédios, enquanto que outros, embora possuidores de uma habitação, não dispõem
de condições de saneamento básico e estrutura mínima compatível com a dignidade humana,
144
Artigo 23, Constituição Federal. É competência comum da União, dos Estados, do distrito Federal e dos
Municípios: [...]. IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições de
habitação e saneamento básico.
145
Artigo 1º, Constituição Federal. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Município e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamento: [...]. III – a dignidade da pessoa humana.
146
Artigo 5º, Constituição Federal. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à segurança, à propriedade, nos termos seguintes: [...]. X – São invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação.
147
Artigo 5º, XI, Constituição Federal. A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar
sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou,
durante o dia, por determinação judicial.
148
Artigo 6º, caput, Constituição Federal.
149
Artigo 7º, Constituição Federal. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social: [..] IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de
atender a suas necessidade vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde,
lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.
150
Artigo 23º, IX, Constituição Federal.
151
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n. 407688-SP. Recorrente: Michel Jacques
Peron. Recorrido: Antonio Pecci. Relator: Ministro Cezar Peluso. DJ, 6 out. 2006. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP =AC&docID=261768>. Acesso em: 18 abril 2010.
73
surge o direito constitucional à moradia como um direito da personalidade.
Os direitos de personalidade são aqueles inerentes à pessoa humana, responsáveis por
assegurar a sua dignidade, ―têm como objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da
pessoa‖. (PAMPLONA FILHO, 2005, p. 150). São inúmeras as classificações do direito de
personalidade adotadas pelos doutrinadores, dentre elas, Limongi França apud Souza,
classifica como:
a) direito à integridade física, compreendendo: o direito à vida e aos alimentos; o
direito sobre o próprio corpo vivo; o direito sobre o próprio corpo morto; o direito
sobre o corpo alheio e morto; b) direito à integridade intelectual, que compreende: o
direito à liberdade de pensamento; o direito pessoal de autor científico; o direito à
integridade moral com as seguintes tipificações: o direito à liberdade civil, política e
religiosa. O direito à honra; à honorificência; ao recato; ao segredo pessoal,
doméstico e profissional, direito à imagem e o direito à identidade pessoal, familiar
e social.
Dito isso, o direito à moradia se relaciona aos direitos de personalidade por ser fator de
integridade física e moral do indivíduo. Dessa forma, a integridade física é violada quando
inexiste o exercício do direito à moradia ou em razão da forma precária pela qual é exercida.
Consiste uma violação ao direito de moradia enquanto ―fator da integridade física‖ a
situação da pessoa sem teto pela omissão do Estado em construir albergues ou abrigos, bem
como as moradias sem saneamento básico, energia elétrica, sem segurança, construídas em
lugares impróprios, privadas do mínimo necessário para se ter uma vida digna. Enquanto fator
de integridade moral, o direito à moradia proporciona o exercício do direito ao segredo, à
identidade pessoal, familiar e até mesmo social em razão da relação do indivíduo com a
sociedade. (SOUZA, 2004, p. 157).
Destarte, o direito à moradia é inerente à pessoa por sua natureza, que faz jus a um
lugar para morar e construir um lar, possibilitando o exercício de outros direitos como, por
exemplo, o direito à vida, à própria liberdade, ao segredo doméstico, à saúde, à identidade
pessoal, à proteção da família, entre outros. Todos estes, são direitos absolutos, de ordem
fundamental, de forma que todos devem respeitá-lo, inclusive o Estado.
Observa-se que o direito de moradia, por sua característica de direito social de
personalidade, é subjetivo, inerente à condição do ser humano, enquanto o direito de
habitação é um direito real perfazendo uma relação entre o indivíduo e o patrimônio. Nesta
linha, o direito à moradia não é passível de alienação, ao contrário do direito de habitação que
recai diretamente sobre o objeto. (SOUZA, 2004, p. 117; 157).
74
A relação entre o direito à moradia e de habitação ocorre na medida em que aquele
incide sobre um bem material, embora não possua conotação patrimonial, por sua
característica de ―essencialidade do indivíduo.‖ Logo, a ofensa ao direito de moradia não será
reparada, mas compensada de forma que se atenuem os prejuízos sofridos.
Além da característica de essencial ao indivíduo, o direito de moradia enquanto direito
de personalidade apresenta outras características como a sua intransmissibilidade, uma vez
que o titular desse direito o exerce individualmente e sua indisponibilidade porque é inerente
ao ser humano, de forma que a sua lesão ou a privação representa uma violação.
O bem de família, por meio da impenhorabilidade da moradia e dos móveis que
guarnecem a residência, visa proteger não apenas a habitação, mas também o indivíduo ao
―tornar inviolável o exercício da moradia.‖ De fato, os direitos de personalidade são
impenhoráveis, consequentemente o direito à moradia também o é. Entretanto, é imperioso
destacar que o direito à moradia poderá sofrer os reflexos da penhorabilidade pela disposição
do bem, em virtude do direito real que sobre ele incide. Mas, tal manifestação da vontade,
somente deve prevalecer, desde que não ofenda direitos fundamentais, o que autoriza a
intervenção do Estado, se necessário. (SOUZA, 2004, p. 165-169).
A partir destas considerações, denota-se que a inclusão da moradia como direito
humano de ordem fundamental, partiu de uma mobilização da Comunidade Internacional,
delegando aos Estados signatários, a obrigação de criar instrumentos que efetivem
progressivamente o acesso à moradia com condições de habitabilidade para todas as pessoas.
Neste contexto, a preocupação quanto à efetivação do direito subjetivo ao acesso à moradia,
bem como direito à habitação adequada, faz parte da essência do ser humano e está
relacionada com um mínimo necessário para se viver com dignidade.
Neste sentido, analisa-se o dever de garantia de um patrimônio mínimo mensurado de
acordo com parâmetros elementares de uma vida digna, do qual a pessoa não pode ser
privada, mesmo em prejuízo da liberdade contratual.
75
3.1.1 A moradia como garantia de um patrimônio mínimo
A presente exposição demonstra a existência de uma garantia patrimonial mínima 152,
inerente à pessoa humana. Tal garantia é concebida como um patrimônio mínimo necessário à
vida digna, na qual a pessoa não pode ser desapossada, mesmo em detrimento dos direitos dos
credores.
Conceitua-se o princípio do mínimo existencial como um conjunto de prestações
materiais imprescindíveis para assegurar uma vida condigna, portanto saudável, identificado
como núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais, protegido até mesmo em face de
intervenções estatais. (SARLET, 2007, p. 72).
Essa garantia de um patrimônio mínimo traz à tona a eficácia dos direitos
fundamentais sociais nas relações entre particulares e uma evolução da concepção de
patrimônio de cunho meramente individualista para um patrimônio com fins coletivos.
A doutrina tradicional conceitua o patrimônio como um complexo de direitos reais e
obrigacionais de uma pessoa, correspondendo a toda uma relação de crédito e débito, desde
que possam ser valorados economicamente. Pode ser líquido ou bruto, compreendendo o
ativo153 e o passivo 154, não se descaracterizando, mesmo que os débitos forem superiores aos
créditos. (GAGILANO e PAMPLONA FILHO, 2005, p. 282). Contudo, um novo olhar sobre
os bens materiais revela um conceito diferente de patrimônio, concebido não apenas como no
sentido da realização individual, mas também dotado de um sentido social. (FACHIN, 2006,
p. 39).
Nesta esteira, o patrimônio deixou de ser tutelado em prol do individualismo, para dar
lugar à sua função social, há uma ―superação do individualismo por um solidarismo jurídico‖.
Dessa forma, o Direito privado não está voltado apenas para o individualismo, mas à pessoa
152
No debate jurídico-constitucional alemão, que em termos de direito comparado é o mais relevante, há uma
diferença do conteúdo e alcance do mínimo existencial, que é divido em mínimo fisiológico, compreendendo
as condições materiais mínimas para uma via digna, no sentido de proteção contra necessidades básicas e, o
mínimo existencial sociocultural que tem como objetivo assegurar um mínimo de inserção na vida social.
Entretanto, o conteúdo essencial do mínimo existencial tem como base o direito à vida e a dignidade da
pessoa humana, no que se refere ao acesso à alimentação, vestimenta, abrigo, saúde e outros meios
indispensáveis. (SARLET, 2007, p. 68).
153
Significa conjunto de direitos. (GAGILANO e PAMPLONA FILHO, 2005, p. 282).
154
Significa conjunto de obrigações. (GAGILANO e PAMPLONA FILHO, 2005, p. 282).
76
inserida no contexto social, em outras palavras, a propriedade deve atender a sua função
social e garantir o desenvolvimento dos demais integrantes da comunidade. (FACHIN apud
SESSAREGO, 2006, p. 46-47).
Salienta-se que a garantia de um patrimônio mínimo, como ocorre no bem de família,
não afeta diretamente o direito de crédito propriamente dito, apenas resguarda determinados
bens155 da constrição judicial. Isto quer dizer que o direito de crédito prossegue sobre os bens
disponíveis do devedor. (FACHIN, 2006, p. 68).
Observa-se que nas relações entre particulares, há um quadro migratório da relação
jurídica centralizada na garantia creditícia para dar lugar à proteção da pessoa, de forma que a
defesa de um patrimônio mínimo representa um meio de garantir tutela à pessoa, perdendo-se
a concepção de patrimônio enquanto bem primordialmente tutelado. (FACHIN, 2006, p. 165).
Neste ponto, atualmente, reside o desafio de proteger de forma eficaz a pessoa diante da
complexidade das relações sociais no âmbito do capitalismo e do consumismo.
O direito privado está marcado pelo constitucionalismo e pela eficácia dos direitos
fundamentais sociais, de maneira que as relações privadas devem se concretizar a partir dos
valores, princípios e regras constitucionais. O mínimo existencial, embora não previsto
expressamente na ordem constitucional, é compreendido como direito fundamental, e, sua
vinculação com os direitos sociais é nítida, uma vez que os direitos fundamentais em geral e
os direitos sociais, possuem como núcleo essencial a garantia do mínimo existencial.
Os direitos sociais fundamentais abrangem os direitos positivos 156 e os negativos. Os
direitos negativos ou defensivos são os direitos à não-intervenção na liberdade pessoal e nos
bens fundamentais protegidos pela Constituição, apresentam uma dimensão positiva porque
sua efetivação requer uma atuação positiva da sociedade e do Estado. Assim, conforme o caso
concreto, o direito à moradia pode figurar como direito negativo ao impedir ações contrárias,
por exemplo, na proibição da penhora, como também pode figurar como direito positivo no
sentido de que o Estado deve assegurar mediante prestações jurídicas ou materiais o acesso à
moradia.
155
No caso do Brasil, se trata dos bens arrolados nos artigos 649 e 650 do Código de Processo Civil, no artigo
5°, XXVI da Constituição Federal e na Lei n. 8.009/1990. (FACHIN, 2006, p. 69).
156
Cumpre ressaltar que os direitos fundamentais sociais não se reduzem à dimensão prestacional, nem se
limitam ao mínimo existencial. Outra constatação é da impossibilidade de se estabelecer de modo taxativo um
rol dos elementos nucleares do mínimo existencial. Por conseguinte, o que compõe o mínimo existencial
requer uma análise de cada pessoa e de seu núcleo familiar. (SARLET, 2000, p. 72-73).
77
No âmbito do sistema constitucional positivo brasileiro, todos os direitos sociais são
fundamentais, devendo-lhes outorgar a máxima eficácia e efetividade possível frente ao caso
concreto, ou seja, são de aplicabilidade direta. Logo, o acesso à habitação traduz um mínimo
necessário para se viver com dignidade, sendo plenamente possível ao Estado intervir nas
relações entre particulares a fim de assegurar um patrimônio mínimo mensurado de acordo
com parâmetros elementares de uma vida digna, do qual a pessoa não pode ser desapossada
ou expropriada mesmo em detrimento da liberdade contratual.
É consentâneo que a garantia do mínimo existencial não depende de expressa previsão
constitucional para ser implementado, porque é decorrente da proteção à vida e à dignidade da
pessoa humana. É o caso do Brasil, que embora não tenha previsto expressamente o direito ao
mínimo existencial, está representado, por exemplo, pelos direitos sociais como a assistência
social, a saúde, a moradia, a previdência social, e o salário mínimo. Mas, adverte-se que a
previsão dos direitos sociais não retira do mínimo existencial sua condição de direito
fundamental autônomo, nem afasta a necessidade de interpretar os demais direitos sociais à
luz do mínimo existencial.
O mínimo existencial constitui-se critério material para a aplicação dos direitos
fundamentais sociais no direito privado e, de modo especial, no âmbito das relações
particulares, conferindo eficácia aos direitos sociais, notadamente ao direito de moradia.
As normas de direitos fundamentais, em geral vinculam e geram eficácia direta, ou
seja, são aplicáveis nas relações entre agentes privados. É no campo da eficácia direta nas
relações entre particulares que o mínimo existencial possui operatividade. Neste sentido, o
direito social à moradia com fundamento no mínimo necessário para se ter uma vida
condigna, deverá ser analisado nas relações entre particulares, especialmente no caso do
fiador da locação.
O princípio da dignidade da pessoa humana vincula tanto o Estado, quanto os
particulares. As prestações a respeito da satisfação do mínimo existencial geram efeitos
subjetivos definitivos, vinculantes e exigíveis em juízo. Para a doutrina majoritária, a
dignidade humana é conteúdo indispensável dos direitos fundamentais, gerando inclusive um
dever estatal de proteção à pessoa contra si mesma, especialmente no campo de bens. Dessa
forma, o mínimo existencial como garantia da satisfação das necessidades básicas para uma
vida com dignidade, é irrenunciável, vinculando o próprio particular. (SARLET, 2007, p. 53-
78
93).
Das premissas apresentadas, pode-se concluir que o direito à moradia do fiador da
locação, com alicerce no mínimo necessário para viver bem, prevalece em detrimento do
direito do credor. Além disso, a garantia ao patrimônio mínimo apóia o princípio da dignidade
da pessoa humana, visto que não é possível viver com dignidade sem um mínimo de recursos
materiais para a concretização do exercício dos direitos fundamentais.
3.2 Tutela da dignidade da pessoa humana: diretriz principiológica na efetivação do
direito à moradia
Aponta-se em linhas gerais, o conceito de dignidade da pessoa humana numa
perspectiva jurídico-constitucional, e, ressalva-se que definir o princípio de tal magnitude é
tarefa difícil de ser obtida, decorrente de sua própria qualidade como inerente a todo o ser
humano. Além disso, pela vital importância deste princípio, no decorrer da história, o
conceito de dignidade vem sofrendo um contínuo processo de transformação. Por outro lado,
demonstra-se com facilidade o seu conteúdo ao estabelecer a relação com os direitos
fundamentais, especialmente com o direito à moradia.
Dignidade é um conceito que foi criado no decorrer da história como respostas às
atrocidades cometidas contra a humanidade. Suas raízes estão no pensamento clássico e no
cristianismo. A religião cristã ao pregar que o homem foi criado à imagem e semelhança de
Deus, transmitiu a idéia de que a dignidade é intrínseca ao ser humano, ou seja, ―a dignidade
já nasce com o ser humano‖. (NUNES, 2002, p. 49; SARLET, 2009, p. 32). Mas, tal premissa
foi negada por muito tempo pelo próprio cristianismo em virtude das crueldades praticadas
pela ―Santa Inquisição 157‖. Hodiernamente, os valores são outros, o ser humano é digno por
157
O termo Inquisição refere-se a várias instituições dedicadas à supressão da heresia no seio da Igreja Católica.
A Inquisição foi criada inicialmente para combater o sincretismo entre alguns grupos religiosos, que
praticavam a adoração de plantas e animais. A Inquisição medieval, da qual derivam todas as demais, foi
fundada em 1184 no Languedoc (sul da França) para combater a heresia dos cátaros ou albigenses. Em 1249,
implantou-se também no reino de Aragão, como a primeira Inquisição estatal) e, já na Idade Moderna, com a
união de Aragão e Castela, transformou-se na Inquisição espanhola (1478 - 1821), sob controle direto da
monarquia hispânica, estendendo posteriormente sua atuação à América. A Inquisição portuguesa foi criada
em 1536 e existiu até 1821). A Inquisição romana ou "Congregação da Sacra, Romana e Universal Inquisição
do Santo Ofício" existiu entre 1542 e 1965. (WIKIPÉDIA, 2010).
79
sua essência, e não apenas porque são cristãos. Na antiguidade clássica 158, a dignidade da
pessoa estava vinculada à posição social do indivíduo, representada por meio grau de
reconhecimento da sociedade. Foi a partir dos escritos de Cícero 159 que surgiu a idéia de
dignidade desvinculada da posição social. (SARLET, 2009, p. 32-33).
Nos séculos XVII e XVIII, época do jusnaturalismo racionalista 160, a concepção de
dignidade da pessoa humana se desvinculou da religião para dar lugar à noção de igualdade
em dignidade e liberdade a todos. Neste período de laicização, a dignidade passou a ser
concebida a partir da natureza racional do ser humano. Com base na premissa de que a pessoa
existe como um fim em si mesma, a concepção jusnaturalista consagrou a idéia de que a
dignidade parte tão somente da condição humana de ―titular de direitos que devem ser
reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado‖. (SARLET, 2009, p. 35; 43).
Neste viés, o princípio da dignidade da pessoa humana, como um dos fundamentos do
Estado Democrático de Direito, além de representar a valorização do homem, também serve
de alicerce para a construção do próprio Estado. (INÁCIO, 2002, p. 38). Ademais, ao
assegurar o mínimo de direitos necessários para preservar a dignidade da pessoa, o Estado não
está apenas assegurando um mínimo existencial, mas também independência e segurança.
(SUSTEIN apud SARLET, 2009, p. 102).
Na tentativa de compreender a dignidade, apresenta-se o conceito de Sarlet (2009, p.
45; 67), que a anuncia como qualidade intrínseca do ser humano, concebida como
irrenunciável e inalienável. De fato, a dignidade compreendida como qualidade inerente e
irrenunciável do ser humano, deve ser respeitada e promovida, mas nunca poderá ser criada,
concedida ou retirada, embora possa ser violada. Assim, a dignidade existe antes mesmo de
sua previsão no mundo jurídico, servindo, neste sentido, a ciência jurídica como meio para a
―sua proteção e promoção‖. Assim, a dignidade como princípio norteador do Estado
Democrático de Direito, é a qualidade inerente do ser humano, reconhecida por parte da
158
O termo Antiguidade Clássica refere-se a um longo período da História da Europa que se estende
aproximadamente do século VIII a.C., com o surgimento da poesia grega de Homero, à queda do Império
romano do ocidente no século V d.C., mais precisamente no ano 476. (WIKIPÉDIA, 2010, sic).
159
Marco Túlio Cícero, em latim Marcus Tullius Cicero (Arpino, 3 de Janeiro de 106 a.C. — Formia, 7 de
Dezembro de 43 a.C.), foi um filósofo, orador, escritor, advogado e político romano. (WIKIPÉDIA, 2010,
sic).
160
O movimento jusnaturalista clássico consolidou-se pela concepção do homem como razão em si mesmo, e
não mais a partir de Deus. ―Os iluministas acreditavam, assim, que a racionalidade humana, diferentemente da
providência divina, poderia ordenar a natureza e vida social. Este movimento jusnaturalista, de base
antropocêntrica, utilizou a idéia de uma razão humana universal para afirmar direitos naturais ou inatos,
titularizados por todo e qualquer indivíduo, cuja observância obrigatória poderia ser imposta até mesmo ao
Estado, sob pena do direito positivo corporificar a injustiça.‖ (SOARES, 2007, p. 8).
80
sociedade e do Estado, de que lhe são assegurados direitos e deveres fundamentais contra
qualquer ato desumano ou degradante, bem como um mínimo necessário para viver, além de
propiciar a participação ativa e co-responsável nos destinos de sua própria existência e de sua
comunidade, mediante o respeito aos demais.
Ressalta-se, ainda, que o conceito de dignidade não se trata apenas de ―um conjunto de
prestações suficientes apenas para assegurar a existência‖, ou seja, para assegurar a vida por
meio do acesso ao mínimo vital, mas se constitui de um mínimo necessário para se ter uma
vida saudável, prazerosa. (SARLET, 2009, p. 102). Em vista disto, a supressão do direito à
moradia enquanto direito subjetivo intrínseco à personalidade do ser humano, bem como o
direito de habitação adequada, fere a dignidade da pessoa, privando-a do mínimo necessário
para viver bem.
Para garantir o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, antes de tudo,
deverá ser assegurado os direitos sociais previstos na Constituição Federal, tais como a
―educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados e ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado 161.‖ (NUNES, 2002, p. 50). Neste sentido, o princípio da
dignidade da pessoa humana se exterioriza por meio do acesso aos direitos fundamentais, de
tal forma, que é inseparável a relação entre eles. Isto se justifica porque a concretização da
dignidade por si só, atrai os direitos fundamentais de todas as dimensões162. Dessa forma, se
não reconhecer a pessoa determinado direito fundamental, o princípio da dignidade restará
violado. (SARLET, 2009, p. 93).
O princípio da dignidade da pessoa humana também possui desdobramentos ao
reconhecer os direitos de personalidade a todo o ser humano, ―concretizando-se no respeito
pela privacidade, intimidade, honra, imagem, assim como o direito ao nome.‖ Inclusive, está
diretamente relacionada com o direito à vida pelo motivo de que funcionam como ponto
inicial para os demais direitos. (SARLET, 2009, p. 95; 98). Neste rol, o direito à moradia,
161
Artigo 225, Constituição Federal. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
162
A doutrina apresenta a classificação dos direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira dimensões,
conforme a ordem cronológica em que foram reconhecidos constitucionalmente. Assim, os direitos
fundamentais de primeira dimensão são os direitos e garantias individuais e políticos clássicos, denominadas
de liberdades públicas. Os direitos fundamentais de segunda dimensão são os direitos sociais, econômicos e
culturais e, por fim, os direitos de terceira dimensão são os direitos de solidariedade ou fraternidade,
constituem-se no direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, à
paz, à autodeterminação dos povos e demais direitos difusos. (MORAES, 2006, p.26).
81
como visto anteriormente, por ser inerente ao ser humano, é direito de personalidade, ao
proporcionar um ambiente favorável ao exercício de outros direitos. Dessa forma, negar o
direito de moradia a alguém é o mesmo que ignorar a dignidade desta e o mínimo necessário
para se viver bem.
Neste contexto, o direito de propriedade em sua finalidade constitucional, também
possui reflexos no princípio da dignidade da pessoa, uma vez que a ausência de uma moradia
compromete ―os pressupostos básicos para uma vida com dignidade.‖ (SARLET, 2009, p. 9899).
É necessária, finalmente uma advertência, deve-se aplicar o Direito respeitando os
princípios constitucionais pautados na valorização da dignidade da pessoa humana, acima do
patrimônio e do sistema capitalista. Além disso, ao Estado cabe proteger os direitos
fundamentais, inclusive os direitos sociais, criando ―condições favoráveis ao respeito à pessoa
por parte de todos que dependem de sua soberania‖. (PERELMAN apud NUNES, 2002, p.
53).
Frente aos subsídios de convicção coligidos, infere-se que negar o direito de moradia,
significa negar a própria dignidade, em outras palavras, violar o direito à moradia do fiador da
locação pela constrição judicial de seu único imóvel para garantir dívida de terceiro, ofende o
princípio da dignidade da pessoa humana por sua relação estreita com o direito à moradia,
quanto direito inerente à própria condição humana.
O princípio da dignidade da pessoa humana também encontra subsídios no respeito à
igualdade, porque este, ao proporcionar equilíbrio concretiza a dignidade. Neste contexto,
aborda-se a seguir, o princípio da isonomia frente à possibilidade de penhora do bem de
família do fiador da locação em contraste com a garantia de impenhorabilidade dos móveis
que guarnecem a residência do afiançado, bem como de seu bem de família.
3.3 A violação do princípio da isonomia na penhora do bem de família do fiador da
locação
Por diversas vezes, surge questionamentos sobre a observância do princípio da
82
igualdade na relação entre devedor, credor e fiador da locação em razão da exceção à
impenhorabilidade do bem de família do fiador. Enquanto que os bens do devedor são
tutelados por determinação legal, o bem de família do fiador serve de garantia para o
adimplemento de obrigação locatícia de terceiro. Neste particular, e, considerando que a
Constituição Federal determina que todos são iguais, sem distinções de qualquer natureza163,
objetiva-se analisar se a possibilidade da penhora do bem de família do fiador da locação
ofende o princípio da isonomia, uma vez que ao devedor afiançado é garantida a
impenhorabilidade dos bens móveis que guarnecem a residência, bem como de seu bem de
família, impossibilitando o exercício de direito de regresso.
Dentre os direitos e garantias individuais 164, o princípio da igualdade prevê que todos
os cidadãos terão o tratamento idêntico perante a lei, salvo algumas liberdades. Estas
liberdades se tratam de tratamentos desiguais com o fim de alcançar a igualdade, protege-se
desta forma certas finalidades, como por exemplo, a prerrogativa do foro em favor da mulher
na ação de separação judicial e divórcio direto pela sua condição de hipossuficiência. Desta
forma, tratamentos normativos diferenciados são possíveis para atender uma finalidade
proporcional ao fim visado, garantindo igualdade material.
O princípio da isonomia opera em dois planos, ou seja, frente ao legislador, que no ato
de elaboração das leis deve observar a igualdade, evitando criar desequilíbrios para situações
iguais, e em outro plano, basicamente dirige-se às autoridades públicas e operadores do
direito. Os operadores do direito devem interpretar as leis preservando o equilíbrio entre as
partes, inclusive a jurisprudência dos Tribunais deverá estabelecer mecanismos de
uniformização em respeito ao princípio da isonomia. Quanto à autoridade pública, deve
aplicar a lei de maneira igualitária, afastando tratamentos diferenciados ―em razão de sexo,
religião, convicções filosóficas ou políticas, raça e classe social.‖ (MORAES, 2006, p. 32).
A igualdade pode ser compreendida sobre dois pontos de vistas, o da igualdade formal
e o da igualdade material. Em relação à igualdade formal, está presente desde antes de Cristo,
163
Artigo 5º, Constituição Federal. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à segurança, à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações, nos termos desta constituição.
164
Moraes apud Miranda (2006, p. 29) atribui que ―[...] os direitos representam só por si certos bens, as garantias
destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são principais, as garantias acessórias e, muitas
delas, adjectivas (ainda que possa ser objecto de um regime constitucional substantivo); os direitos permitem
a realização das pessoas e inserem-se directa e imediatamente, por isso, as respectivas esferas jurídicas, as
garantias só nelas se projectam pelo nexo que possuem com os direitos: na acepção jusracionalista inicial, os
direitos declaram-se, e as garantias estabelecem-se.‖
83
na concepção de igualdade desenvolvida por Aristóteles, que a relacionou com a justiça.
Naquela época, Aristóteles tratou a igualdade de justiça como dar a cada um o que é seu,
tratando os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual. Esta concepção trata-se de
uma justiça formal, que por sua vez identifica-se com a igualdade formal, em que o
tratamento se perfectibiliza de acordo com o lugar que determinada classe ocupa na
sociedade. (NICOMAQUE; PERELMAN apud SILVA, 1999, p. 216).
Ainda sobre a perspectiva da igualdade formal, embora a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, preconizou que todos os homens são iguais em direito 165, refletiu o
princípio da isonomia perante a lei, em outras palavras, a concepção de igualdade formal
estabelecida pelos revolucionários burgueses de 1798 como reações às desigualdades
promovidas pelo feudalismo, não impediram que desigualdades de fato surgissem entre os
cidadãos. Por sua vez, a justiça material busca proporcionar a cada um segundo as suas
necessidades, os seus méritos ou, a cada um a mesma coisa. Porém, leis gerais, abstratas e
impessoais geram desigualdades e, por conseguinte, injustiças. Então, em resposta a esta
problemática são promulgadas leis específicas direcionadas às necessidades e fragilidades de
determinados grupos, com o fim precípuo de diminuir as desigualdades entre as pessoas.
(PERELMAN apud SILVA, 1999, p. 216-217).
A igualdade material significa que todos os seres humanos devem ser tratados de
forma equânime, bem como todos devem ter as mesmas oportunidades. (SILVA, 2003). Neste
sentido, a Constituição Federal de 1988 possibilitou uma passagem da igualdade formal
perante a lei para uma igualdade material consubstanciada nos direitos sociais. Estes reforçam
a idéia de igualdade por meio do acesso à educação, saúde, trabalho, lazer, segurança,
previdência social, proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados e à
moradia. Inclusive, um dos objetivos e fundamentos da República Federativa do Brasil é
reduzir as desigualdades sociais e regionais e proporcionar o desenvolvimento de todos, sem
preconceitos de qualquer natureza166. (SILVA, 1999, p. 215-216).
A interpretação da Constituição não deve ater-se somente à mera isonomia formal,
mas conforme as exigências da justiça social. O legislador deve criar leis atento às
165
Artigo 1º, Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Os homens nascem e são livres e iguais em
direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.
166
Artigo 3°, Constituição Federal. Constituem-se objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I –
construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
84
diversidades existentes, de forma a conferir o acesso dos direitos fundamentais. O princípio
da isonomia leva em conta as diferenças de determinados grupos, por vezes sendo necessário
conferir tratamento diferente com a finalidade de alcançar a igualdade material.
Especificamente em relação ao credor, ao devedor e ao fiador, embora se encontrem
em posições diversas, deveriam estar em condições de igualdade jurídica formal e material.
Neste sentido, se constitui um contra-senso submeter à constrição judicial os bens do fiador,
notadamente de seu único imóvel residencial, de forma mais gravosa que o devedor principal,
tanto pela alusão ao princípio da igualdade, como em razão da interpretação restritiva que é
conferida aos contratos benéficos. (FORNACIARI JÚNIOR, 2003, p. 102-103).
Partindo da afirmação de que a obrigação do locatário e do fiador possuem a ―mesma
base jurídica‖, qual seja o contrato de locação, o fato do fiador responder com o seu único
bem de família, enquanto que ao locatário não é exigido, representa injustiça. Deste modo, à
luz do Direito Civil constitucionalizado, a exceção à impenhorabilidade conferida ao bem de
família do fiador da locação viola o princípio constitucional da isonomia, uma vez que trata
fiador e locatário de forma desigual167. (GAGLIANO, PAMPOLHA FILHO, 2005, p. 310).
Em decorrência da característica da acessoriedade do contrato de fiança, mencionada
no segundo capítulo desta pesquisa, não é módico que o único bem de terceiro seja obrigado
pela dívida se o bem do devedor principal não se sujeita. Portanto, diante da proteção legal
conferida ao devedor, que impede o fiador de promover ação regressiva, constitui-se
expressão de igualdade a evocação do direito subjetivo deste, para exigir a tutela legal da
impenhorabilidade de seu único imóvel, assim como é assegurado ao devedor.
Com isso, é imperioso suscitar que a busca da isonomia nas relações entre os
particulares contribuiu para uma mudança nas estruturas do sistema clássico privado, em que
167
[...]. O bem de família, a moradia do homem e sua família justificam a existência de sua impenhorabilidade:
Lei 8.009/90, art. 1°. Essa impenhorabilidade decorre de constituir a moradia um direito fundamental. Posto
isso, veja a contradição: a Lei 8.245, de 1991, excepcionando o bem de família do fiador, sujeitou o seu
imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, à penhora. Não há dúvida de que ressalva
trazida pela Lei 8.245, de 1991, inciso VII do art. 3°, feriu de morte o princípio isonômico, tratando
desigualmente situações iguais. (...). Isto quer dizer que, tendo em vista o princípio isonômico, o citado
dispositivo, inciso VII do art. 3°, acrescentando pela Lei 8.245/1991, não foi recebido pela EC 26, de
2000. Essa não recepção mais se acentua diante do fato de a EC 26, de 2000, ter estampado, expressamente,
no art. 6° C.F., o direito à moradia como direito fundamental de 2ª geração, direito social. [...]. (BRASIL.
Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 449657 - SP. Recorrente: Michel Jacques Peron.
Recorrido: Antonio Pecci. Relator: Ministro Carlos Velloso. Julgado em 27 maio 2005 apud CARLI, 2009,
p. 156, sic).
85
a liberdade de contratar e o princípio do pacta sunt servanda168 passaram a ser exercidos em
observância à função social do contrato.
3.4 A função social dos contratos na perspectiva da penhora do bem de família do fiador
da locação
A concepção de igualdade material nas relações entre particulares e o
desenvolvimento humano trouxeram uma transformação no âmbito do Direito Contratual, no
qual a liberdade de contratar passou a ser norteada pela função social do contrato, nos termos
do Código Civil169. Neste cenário, analisa-se a função social dos contratos na perspectiva da
penhora do bem de família do fiador do ajuste locatício, como garantia do crédito do locador.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e com o enaltecimento da
dignidade da pessoa humana como um dos pilares da República Federativa do Brasil, o
Direito Civil foi submetido a um processo de constitucionalização, fenômeno denominado por
Fachin (2006, p. 92) de ―repersonalização‖. Neste particular, temas como a função social do
contrato e da propriedade privada ganharam vida nos negócios entre particulares, com
respaldo na ordem pública, permitindo ao Estado intervir para assegurar os fins sociais.
A expressão ―função social‖ significa, em poucas palavras, a prevalência do interesse
público sobre o privado. Este fenômeno envolve todo o ordenamento jurídico, e tem como
fruto o rompimento da idéia de justiça retributiva que busca ―dar a cada um o que é seu‖ para
dar espaço a uma justiça mais distributiva, visando promover a inclusão social e cumprir com
os objetivos da República Federativa do Brasil de ―erradicar a pobreza e reduzir as
desigualdades sociais e regionais.‖ Ainda, representa a harmonização dos interesses privados
dos contratantes com os interesses da sociedade. (TALAVERA, 2002, p. 94).
168
169
Significa que o pactuado deve ser cumprido.
Artigo 421, Código Civil. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do
contrato.
86
Os direitos de terceira dimensão170, cujas características são a fraternidade e a
solidariedade, inspiraram a concepção da função social, irradiando seus efeitos sobre a
propriedade e sobre as relações contratuais. (TALAVERA, 2002, p. 95). Neste contexto, o
Direito Civil como conjunto de normas privadas destinadas a regular as relações entre
particulares está passando por uma transformação pautada na interpretação à luz da
Constituição Federal, o que contribuiu para afastar a dicotomia existente entre direito público
e direito privado 171. (CARLI, 2009, p. 97).
Os contratos devem estar norteados pelos direitos humanos fundamentais, com vistas
ao ser humano com carências e necessidades específicas, ao invés do homem em sua
existência abstrata. (CARLI, 2009, p. 99). Com efeito, atualmente as relações contratuais
devem estar fundamentadas no sentido de proteger o hipossuficiente na relação jurídica, como
garantia de equilíbrio contratual. Percebe-se, então, que no exercício da autonomia da vontade
privada não é suficiente a licitude do ato, mas o equilíbrio entre as partes e a harmonização
com interesses da coletividade devem ser preservados. (GOGLIANO, 2005, p.15;
TALAVERA, 2002, p. 96).
Em sede de direitos patrimoniais, o Código Civil considera a função social como
finalidade de contratar, imposta por exigências de segurança, justiça na contratação e proteção
da família. (GOGLIANO, 2005, p.15). Logo, a liberdade de contratar está limitada pela
ordem pública e pelos interesses coletivos que estão acima dos meramente individuais 172.
170
A constitucionalização dos direitos fundamentais é classificada em três dimensões a medida que foram
reconhecidos e aperfeiçoados. Cada dimensão representa os ideais da Revolução Francesa: liberdade,
igualdade e fraternidade. Em síntese, a primeira dimensão traduz a expressão da liberdade, que versa sobre os
direitos políticos e civis de todo o cidadão com o objetivo de limitar a ação do Estado interventor perante o
indivíduo. Dentro desta dimensão destacam-se como principais direitos: a vida, a liberdade, a propriedade, a
igualdade perante a lei, a igualdade no que tange às garantias processuais e a participação política. A segunda
dimensão reflete a igualdade, está ligada na participação direta do Estado na ascensão social do cidadão.
Nasceu com a Constituição mexicana de 1917 e em especial a da República de Weimar, na Alemanha em
1919, que incorporaram como fundamentais os direitos sociais, trabalhistas, culturais e econômicos, visando
conferir uma vida digna por meio do reconhecimento de direitos específicos dos hipossufucientes. Os direitos
de terceira dimensão fundamentam-se na fraternidade e solidariedade social. São os direitos metaindividuais,
que transcendem o indivíduo, denominados de coletivos e difusos. Elencam-se os direitos: ao meio ambiente
sadio, do consumidor, ao desenvolvimento econômico sustentável, ao patrimônio comum da humanidade e o
direito a paz. (PRADO, 2008).
171
―Tradicionalmente, o direito objetivo positivado subdivide-se em direito público e privado. Tal distinção, em
verdade, não tem, na prática jurídica, a relevância que muitos doutrinadores lhe emprestam, uma vez que o
direito deve ser encarado em sua generalidade, sendo qualquer divisão compartimentalizada apenas em visão
útil para efeitos didáticos [...]. Aliás, o fato de pertencer ao ramo do direito privado não quer dizer que as
normas componentes do sistema sejam todas de cunho individual.‖ (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO,
2005, p. 32).
172
Observa-se a diferença existente a liberdade de contratual e a liberdade de contratar. A primeira equivale à
função social do contrato, enquanto que a segunda ―é a prerrogativa subjetiva que cada contratante possui, de
arbitrar sobre a viabilidade ou não de formalizar determinada contratação. (TALAVERA, 2002, p. 96).
87
(TALAVERA, 2002, p. 96; TARTUCE, 2005). O próprio Código Civil estabelece que
nenhuma convenção prevalecerá se contrariar os preceitos de ordem pública que visam
assegurar a função social dos contratos e da propriedade 173.
Isso tudo, não quer dizer que foi afastada a autonomia contratual, pelo contrário,
significa que diante da liberdade contratual os negócios jurídicos devem ser firmados de
acordo com o meio social, de forma que não ocasione ―onerosidade excessiva, desproporções
e injustiça social174.‖ E, quanto às consequências entre as partes, os contratos não podem
violar interesses individuais relacionados com a dignidade humana. (TARTUCE, 2005).
Destaca-se outros elementos que reforçam a concepção da função social dos contratos,
notadamente os princípios da probidade 175 e da boa-fé176, que devem estar presentes desde as
tratativas até a garantia e assistência após a execução do contrato 177. (TALAVERA, 2002, p.
96). Assim, tendo o Código Civil consagrado o princípio da boa-fé objetiva nas relações
contratuais, espera-se que os contratos sejam celebrados em clima de segurança jurídica, em
equilíbrio, de forma que nenhuma cláusula represente onerosidade excessiva para uma das
partes. (D’ARCE, MADRID, 2006, p. 12). Ainda, havendo dúvida sobre a relação jurídica
decorrente do negócio jurídico, a lei determina que seja interpretado conforme a boa-fé178.
Inclusive, a quebra da boa-fé e mesmo do fim social do ato caracteriza abuso de direito179.
(TARTUCE, 2005).
No que tange ao fiador do ajuste locatício, as regras contratuais que disciplinam a
relação entre o fiador e o credor devem ser harmonizadas para afastar a prevalência do direito
de crédito do credor em face do direito de moradia do fiador. Diante disso, entre o direito
173
Artigo 2.035, caput, Código Civil. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública,
tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.
174
Enunciado n. 23, I Jornada de Direito Civil. Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421 do
novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse
princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa
humana.
175
O princípio da probidade refere-se à honestidade no procedimento ou à maneira criteriosa de cumprir os
deveres contratuais. (NETO AMARAL, 2010).
176
―[...] a boa-fé objetiva engloba os deveres de lealdade, cooperação, de informação e segurança entre as partes.‖
(SIMÃO apud D’ARCE, MADRID, 2006, p. 12). Enquanto que a boa-fé subjetiva se reporta à intenção das
partes. Desta forma, ―considerando a boa-fé subjetiva, é preciso analisar se a própria pessoa acredita que agiu
com boa-fé, isto é, de acordo com sua intenção. Já a boa-fé objetiva é uma análise social, de acordo com o
comportamento esperado pela sociedade.‖ (D’ARCE, MADRID, 2006, p. 12).
177
Artigo 422, Código Civil. Os contrantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em
sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
178
Artigo 113, Código Civil. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar
de sua celebração.
179
Artigo 187, Código Civil. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
88
humano fundamental da moradia do fiador, bem como de sua família e o direito de crédito do
credor, prevalece o primeiro porque tem como valor preservar a dignidade da pessoa humana.
(CARLI, 2009, p. 98; 99; 101).
O processo de mudança do Direito Civil estritamente privado e individualista ainda
não estagnou. Esta nova interpretação das relações privadas requer um esforço por parte dos
aplicadores do Direito para assegurar dignidade e colocar a pessoa no centro da relação
contratual, assegurando um mínimo necessário para o exercício dos direitos fundamentais, a
exemplo do direito à moradia. Assim, insere-se a discussão a respeito da constitucionalidade
da penhora do bem de família do fiador da locação, que ao ferir o princípio isonômico,
tratando situações iguais de forma desigual, não teria sido recepcionada pelo artigo 6° da
Constituição Federal, acentuadamente no que tange ao direito de moradia como sendo direito
social fundamental de segunda dimensão.
3.5 A inconstitucionalidade do inciso VII, do artigo 3º, da Lei n. 8.009/1990
A Lei n. 8.009/1990 em seu artigo 1° estabelece que o imóvel residencial do casal ou
da entidade familiar é impenhorável e não responde por qualquer tipo de dívida, salvo
exceções previstas no artigo 3º, inciso I a VII, analisadas no segundo capítulo desta pesquisa.
O inciso VII, acrescido pela Lei n. 8.245/1991, trata da possibilidade de penhora do bem de
família do fiador do ajuste locatício como garantia do cumprimento da avença. A Emenda
Constitucional n. 26/2000 acrescentou no rol dos direitos fundamentais sociais o direito à
moradia, o que tornou controversa a possibilidade de penhora do bem de família do fiador da
locação. Sobre este prisma, analisa-se a inconstitucionalidade da exceção à impenhorabilidade
do bem de família do fiador da locação, considerando o controle de constitucionalidade, a
eficácia dos direitos fundamentais e a admissibilidade do Estado intervir nas relações entre
particulares para assegurar o direito à moradia.
À vista do caminho percorrido até agora, o Direito deve ser interpretado em
consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da isonomia,
do mínimo existencial e do direito à moradia. Desta forma, para preservar as normas
constitucionais de possíveis violações e, em consequência, assegurar o exercício dos direitos
89
fundamentais, o poder judiciário realiza o controle repressivo de constitucionalidade.
No Brasil, o controle de constitucionalidade repressivo realizado pelo judiciário é
misto, exercido tanto na forma concentrada180 como na difusa181. A forma concentrada ou
direta de controle de constitucionalidade é de competência do Supremo Tribunal Federal, ao
qual cabe a guarda da Constituição. Ocorre por meio da ação direta de inconstitucionalidade
em que se processa e julga originariamente lei ou ato normativo federal ou estadual, e também
pela ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal. A forma difusa
de controle de constitucionalidade é a realizada por todos os Tribunais que, por meio do voto
da maioria absoluta de seus membros podem declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do Poder Público. (MORAES, 2006, p. 666-667).
Neste contexto, com o advento da entrada em vigor da Emenda Constitucional n.
26/2000, que instituiu entre os direitos sociais o direito à moradia, os Tribunais,
especialmente
o
Supremo
Tribunal
Federal,
por
meio
do
controle
difuso
de
constitucionalidade, passaram a decidir pela não-recepção da previsão legislativa que permite
a penhora do bem de família do fiador locatício 182. Acontece que o Supremo Tribunal Federal,
em sessão plenária, por 7 votos a favor da penhora contra 3 votos, voltou atrás em sua decisão
em 08 de fevereiro do ano 2006, julgando ser constitucional o referido dispositivo 183.
180
Artigo 102, Constituição Federal. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da
Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: a) a ação direita de inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato
normativo federal.
181
Artigo 97, Constituição Federal. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do
respectivo órgão especial poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do
Poder Público.
182
EMENTA: CONSTITUCIONAL. CIVIL. FIADOR: BEM DE FAMÍLIA: IMÓVEL RESIDENCIAL DO
CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR: IMPENHORABILIDADE. Lei n° 8.009/90, arts. 1° e 3°. Lei
8.245, de 1991, que acrescentou o inciso VII ao artigo 3°, ressalvando a penhora ―por obrigação decorrente de
fiança concedida em contrato de locação‖: sua não-recepção pelo art. 6°, C.F., com a redação da EC
26/2000. Aplicabilidade do princípio isonômico e do princípio de hermenêutica: ubi eadem rati, ii eadem
legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. [...].
(BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 449657 - SP. Recorrente: Michel Jacques
Peron. Recorrido: Antonio Pecci. Relator: Ministro Carlos Velloso. Julgado em 27 maio 2005 apud CARLI,
2009, p. 156, sic).
183
EMENTA: FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade
solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade.
Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII,
da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A
penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº
8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º
da Constituição da República. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n. 407688-SP.
Recorrente: Michel Jacques Peron. Recorrido: Antonio Pecci. Relator: Ministro Cezar Peluso. DJ, 6 out.
2006. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=261768>. Acesso
em: 18 abril 2010).
90
Esta mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal consistiu, para a maioria
dos ministros, em argumentos fundados principalmente em elementos econômicos, (CARLI,
2009, p. 157), ao reputar que o direito à moradia não se exerce apenas em imóvel próprio,
mas também sobre imóvel alugado, cujo mercado de locações teria suas garantias
prejudicadas caso prevalecesse a tese contrária 184. Além disso, amparou-se tal entendimento
no direito à livre contratação, em razão da liberdade que a pessoa usufrui para decidir se deve
ou não afiançar um contrato locatício 185.
Da mesma maneira, Souza (2004, p. 272-274) em discurso econômico, postula que a
exceção à impenhorabilidade do bem de família do fiador da locação tem como objetivo
―estimular o mercado imobiliário e facilitar a realização dos contratos locatícios.‖ Menciona
ainda que com a referida norma, facilita-se o direito à moradia da coletividade por meio do
aumento de oferta de imóveis. Mas, ressalva que a exceção se aplica somente para fins de
locação residencial.
Entretanto, é duvidosa a alegação da jurisprudência e da doutrina fundada em
elementos econômicos, que admitem a penhora do bem de família do fiador da locação como
forma de incentivar o acesso à habitação, pelo motivo de que se está assegurando o direito de
crédito do credor em detrimento da dignidade da pessoa humana ―que não se modifica em
184
Do voto do Ministro Cesar Peluso, no julgamento do Recurso extraordinário n. 407688-SP extrai-se: ―Nem
parece, por fim, curial invoca-se de ofício o princípio isonômico, assim porque se patenteia diversidade de
situações factuais e de vocações normativas – a expropriabilidade do bem do fiador tende, posto que porvia
oblíqua, também a proteger o direito social de moradia, protegendo direito inerente à condição de locador, não
um qualquer direito de crédito [...]. Não admira, portanto, que no registro e na modelação concreta do mesmo
direito social, se preordene a norma subalterna a tutelar, mediante estímulo do acesso à habitação arrendada
– para usar os termos da Constituição lusitana-, o direito de moradia de uma classe ampla de pessoas
(interessadas na locação), em dano de outra de menor espectro ( a dos fiadores proprietários de um só imóvel,
enquanto bem de família, os quais não são obrigados a prestar fiança). Castrar essa técnica legislativa, que não
pré-exclui ações estatais concorrentes doutra ordem, romperia equilíbrio do mercado, despertando exigência
sistemática de garantia mais custosas para locações residenciais, com consequente desfalque do campo de
abrangência do próprio direito constitucional à moradia.‖ (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso
extraordinário n. 407688-SP. Recorrente: Michel Jacques Peron. Recorrido: Antonio Pecci. Relator: Ministro
Cezar Peluso. DJ, 6 out. 2006. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP
=AC&docID=261768>. Acesso em: 18 abril 2010).
185
O Ministro Joaquim Barbosa no julgamento do Recurso extraordinário n. 407688-SP proferiu: ―Mas a
singularidade do presente caso reside no fato de que a suposta violação de um direito fundamental não se dá
no bojo de uma típica relação jurídica que se estabelece entre o titular do direito e um órgão estatal, mas, sim,
numa relação entre particulares, tipicamente de direito privado. [...]. É precisamente o que está em jogo no
presente caso. A decisão de prestar fiança, como já disse, é expressão da liberdade, do direito à livre
contratação. Ao fazer uso dessa franquia constitucional, o cidadão, por livre e espontânea vontade, põe em
risco a incolumidade de um direito fundamental social que lhe é assegurado na Constituição. E o faz, repito,
por vontade própria (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n. 407688-SP. Recorrente:
Michel Jacques Peron. Recorrido: Antonio Pecci. Relator: Ministro Cezar Peluso. DJ, 6 out. 2006.
Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP =AC&docID=261768>. Acesso em:
18 abril 2010).
91
razão da natureza jurídica de um contrato‖. Neste sentido, interessante transcrever a afirmação
de Carli (2009, p. 126):
De fato, a defesa da fiança como forma de facilitar a locação e, por conseguinte, o
acesso à habitação, não pode prejudicar diretamente aquele que já conseguiu
alcançar o sonho da casa própria e que, da noite para o dia, se vê desalojado, porque
o legislador decidiu fazer política habitacional questionável utilizando como
instrumento seu ato de liberalidade; [...].
Contudo, mesmo depois do Supremo Tribunal Federal firmar entendimento, embora
não majoritário, de que a possibilidade de penhora do bem de família do fiador da locação é
compatível com a Constituição Federal, há decisões jurisprudenciais que insistem na tese
contrária, com fundamento no direito à moradia enquanto direito fundamental, no princípio da
dignidade humana e em respeito ao princípio da isonomia 186.
Sobre o enfoque da eficácia do direito constitucional à moradia, autores como TUCCI
(2003, p. 17-19) abordam que por se tratar de norma de eficácia limitada ou reduzida, o
direito fundamental à moradia necessita de uma regulamentação própria e específica para que
possa produzir efeitos.
Em contraposição, o argumento pelo qual o direito de moradia não pode ser invocado
de plano por ser norma programática encontra divergência. A exemplo de Sarlet (2009, p.
102), ao lecionar que os direitos fundamentais por resguardar a igualdade, subsistem para
tutelar as pessoas das necessidades materiais e garantir a dignidade, fundamentam, inclusive o
direito ao mínimo existencial, te tal forma que as normas sociais de direitos fundamentais,
possuem eficácia direta nas relações entre particulares.
Não há como aceitar uma diferença absoluta entre a eficácia direta e a eficácia
186
AGRAVO DE INSTRUMENTO - EMBARGOS À EXECUÇÃO JULGADOS IMPROCEDENTES APELAÇÃO - EFEITO SUSPENSIVO - PENHORA - IMÓVEL DO FIADOR - BEM DE FAMÍLIA DIREITO À MORADIA - VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE HUMANA E IGUALDADE IRRENUNCIABILIDADE. A partir da Emenda Constitucional nº. 26/2000, a moradia foi elevada à condição
de direito fundamental, razão pela qual a regra da impenhorabilidade do bem de família foi estendida ao
imóvel do fiador, caso este seja destinado à sua moradia e à de sua família. No processo de execução, o
princípio da dignidade humana deve ser considerado, razão pela qual o devedor, principalmente o subsidiário,
não pode ser levado à condição de penúria e desabrigo para que o crédito seja satisfeito. Em respeito ao
princípio da igualdade, deve ser assegurado tanto ao devedor fiador quanto ao devedor principal do contrato
de locação o direito à impenhorabilidade do bem de família. Por tratar-se de norma de ordem pública, com
status de direito social, a impenhorabilidade não poderá ser afastada por renúncia do devedor, em detrimento
da família. V.V. (BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Agravo de Instrumento n. 076516728.2005.8.13.0480 (1.0480.05.076516-7/002(1), da Vara de Execuções da Comarca de Patos de Minas.
Agravante: Marcos Gomes de Deus e Outra. Agravados: Nicéia Rodrigues Cordeiro e Outros. Relator:
Desembargador Fabio Maia Viani. DJ, 13 mar. 2008. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/
inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=480&ano=5&txt_processo=76516&complemento=2&sequenci
al=0&palavrasConsulta=&todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical=>. Acesso em: 18 abril 2010).
92
indireta em termos de aplicação das normas de direitos fundamentais. Em algumas hipóteses,
a exemplo do direito à moradia, a própria lei viola direitos fundamentais ou princípios
constitucionais, cabendo aos órgãos jurisdicionais fazer valer o seu poder-dever de controle de
constitucionalidade. É o exemplo do direito de moradia, quando o judiciário deixa de aplicar a
legislação que prevê expressamente a possibilidade de penhora do bem imóvel de fiador de
uma relação locatícia. Assim, a legislação que impediu a penhora nas demais situações
também passa a se aplicar nas hipóteses excepcionadas. (SARLET, 2007, p. 78-79).
As normas constitucionais de direitos fundamentais sociais possuem eficácia desde o
momento que entram em vigor, de forma a afastar legislações que as venha contrapor. Além
disso, norma válida é aquela que, sendo vigente, não afronta normas hierarquicamente
superiores ou princípios constitucionais. (FORNACIARI JÚNIOR, 2003, p. 122)187.
Tratando do assunto, Sarlet (2009, p. 103) comenta que é justa a defesa em Juízo dos
direitos sociais e da possibilidade de exigir do Estado a satisfação dos direitos fundamentais
relacionados ao mínimo existencial, como o objetivo de assegurar uma vida com dignidade.
Assim, de acordo com análise realizada na presente pesquisa, a exceção à impenhorabilidade
do bem de família do fiador da locação, ao violar princípios constitucionais expressos como a
dignidade da pessoa humana e o princípio da igualdade, bem como os princípios
constitucionais implícitos como o mínimo existencial, além do direito à moradia, se mostra
inválida, e, portanto, não deve ser aplicada.
Convém destacar também, que o princípio da proibição do retrocesso impede que uma
garantia anteriormente concedida, seja violada por lei posterior contrária aos direitos humanos
fundamentais e demais normas constitucionais. Neste particular, o princípio da proibição do
retrocesso pode ser invocado para afastar a constrição judicial do bem de família do fiador da
locação. (CARLI, 2009, p. 129).
Outro argumento, que reforça a importância da tutela do bem de família do fiador da
locação, se justiça pela sua finalidade. Conforme se depreende no primeiro capítulo desta
187
Neste mesmo sentido o Ministro Eros Grau proferiu no julgamento do recurso extraordinário n. 407.688-SP:
―[...] diria que o argumento centrado na afirmação do caráter programático do artigo 6° da CB não pode
prosperar. Pois é certo que o legislador está vinculado pelos seus preceitos. Ou seja, os textos da Constituição
são dotados de eficácia normativa vinculante. E mais, já é mesmo tempo de abandonarmos o uso da expressão
―normas programáticas‖ [...]. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n. 407688-SP.
Recorrente: Michel Jacques Peron. Recorrido: Antonio Pecci. Relator: Ministro Cezar Peluso. DJ, 6 out.
2006. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=261768>. Acesso
em: 18 abril 2010).
93
pesquisa, o instituto do bem de família objetiva conferir proteção ampla ao devedor e sua
família dos reveses do mundo negocial por meio da garantia de moradia. Neste sentido
escreve Azevedo (2001, p. 207-209):
O homem, em vivência social, depende, em primeiro lugar, da célula familiar, em
que ele forma seu espírito com preceitos morais e religiosos, como se, desde criação,
como argila informe, fosse recebendo a moldagem psíquica pelos cuidados de seus
pais. [...]. É preciso que a Ciência do Direito, que regulamenta esse viver humano,
fortaleça cada vez mais a cidade da família, impedindo que os reveses havidos fora
do lar venham, com sua poeira asfixiar o que há de mais sagrado na vivência: a
tranqüilidade com esperanças de felicidade.
É na família que se geram, se formam e se educam pessoas para a perpetuação da
espécie e, mediante a introdução na sociedade de pessoas aptas a responder por sua missão, se
contribui para a manutenção e o desenvolvimento do Estado, daí a importância da
impenhorabilidade da residência familiar.
Em razão da importância social que a família representa, o Estado deve editar
legislações protetivas, criar órgãos e entidades de assistência e proteção, como instrumentos
de preservação da família. Dessa forma, a nação seria fortalecida por meio da garantia ao
nascimento, à saúde, à defesa da integridade física, à educação, à habitação, enfim, garantia
de que os direitos fundamentais sejam implementados. (BITTAR, 2006, p. 48).
Considerando que reduzir alguém ou uma família à miserabilidade, tanto por meio
extrajudicial ou judicial, fere o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à vida, a
arguição de impenhorabilidade e até mesmo a nulidade absoluta do processo podem ser
suscitadas em qualquer fase processual. Inclusive, a alegação de impenhorabilidade do bem
de família não está sujeita à preclusão188, nem à coisa julgada material por ser norma de
ordem pública, possibilitando a determinação de ofício pelo juiz da causa. (FACHIN, 2006,
p.149).
Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a impenhorabilidade do bem
188
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PENHORA DE
IMÓVEL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE ABSOLUTA. ALEGAÇÃO A QUALQUER
TEMPO. PRECEDENTES DA CORTE. I - A impenhorabilidade do bem de família pode ser alegada a
qualquer tempo, até mesmo por petição nos autos da execução. Recurso Especial provido. (BRASIL.Superior
Tribunal de Justiça. Recurso extraordinário n. 1.114.719-SP. Recorrente: José Antônio Pereira e outro.
Recorrido: Alexandre Gregori e outros. Relator: Ministro Sidnei Beneti. DJe, 29 jun. 2009. Disponível em: <
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=bem+de+fam%EDlia&&b=ACOR&p=true&t=&l=
10&i=72>. Acesso em: 3 maio 2010).
94
de família pode ser alegada a qualquer tempo, desde que antes da arrematação 189. Porém,
entende que esta matéria também está sujeita à preclusão consumativa, com fundamento em
que a possibilidade de arguição à impenhorabilidade a qualquer tempo, não pode propiciar a
perpetuação da discussão em face do oferecimento de pedidos sucessivos de mesmo
conteúdo. Dessa forma, é reconhecida a preclusão se o executado já tiver rejeitada a arguição
de impenhorabilidade de maneira irrecorrível190.
A Lei n. 8.009/1990 é de ordem pública, possui fundamentos sociológicos e morais,
cujo objetivo principal é proteger a família do desabrigo e garantir uma existência digna 191.
Nesta toada, com o objetivo de garantir um patrimônio mínimo, mensurado de acordo com
189
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARA
SUBIDA DE RECURSO ESPECIAL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ARREMATAÇÃO
CONCLUÍDA. IMPOSSÍVEL A INVOCAÇÃO DO BENEFÍCIO. PRECLUSÃO. LEI 8.009/1990.
AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I - É assente neste Superior Tribunal o entendimento segundo o
qual arrematado o bem penhorado, se torna impossível a invocação do benefício contido na Lei 8.009/1990. II
- Os agravantes não apresentaram argumentos suficientes para a alteração da decisão recorrida, pelo que
entende-se que ela deve ser mantida, na íntegra. III - Agravo regimental improvido. (BRASIL.Superior
Tribunal de Justiça. Agravo regimental no agravo de instrumento n. 458869 – RJ (2002/0072606-9).
Agravante: Roberto Costa Pereira dos Santos e cônjuge. Agravado: Banco do Brasil S/A. Relator: Ministro
Paulo Furtado. DJe, 29 out. 2009. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?
registro=200200726069&dt_publicacao=29/10/2009>. Acesso em: 3 maio 2010).
190
Ementa: Processo civil. Recurso especial. Execução iniciada em 1.987. Posterior edição da Lei nº 8.009/90.
Alegação, no curso da execução e após a penhora, de impenhorabilidade do bem de família. Rejeição.
Reiteração do pedido, quatro anos depois, em face da adjudicação do imóvel pelo credor. Propositura de ação
rescisória para desconstituir a segunda decisão interlocutória que reiterou a inaplicabilidade da Lei nº
8.009/90. Procedência. Possibilidade de rescisão de decisões interlocutórias que possuam carga meritória. [...].
Na presente hipótese, contudo, o juízo da execução foi provocado por duas vezes a respeito da
impenhorabilidade do bem de família, tendo indeferido ambos os pedidos. A ação rescisória é dirigida à
segunda decisão, desprezando totalmente os efeitos da preclusão decorrentes da falta de impugnação quanto à
primeira decisão. - Não tem aplicação, assim, a jurisprudência que permite a arguição, a qualquer tempo, da
impenhorabilidade do bem de família, pois tal possibilidade não pode dar margem a eventual tentativa de
perpetuar a discussão, em face do oferecimento de sucessivos pedidos com o mesmo teor. Recurso especial
conhecido e provido. (BRASIL.Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n. 628464-GO (2003/02314104). Recorrente: BANCO SAFRA S/A. Recorrido: Francisco Antônio de Almeida e Moura Pacheco e outros.
Relatora: Ministra Nancy Andrighi. DJe, 5 out. 2006. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/
pesquisar.jsp>. Acesso em: 3 maio 2010).
191
[...]. A matéria contida na Lei 8.009/90 é de ordem pública fundando-se em razões de ordem sociológica e
moral. Embora regule, essencialmente, relações e interesses privados, evidencia-se a preocupação normativa
com as estruturas sociais e a limitação ao exercício dos direitos entre particulares. Possui o objeto primordial
de preservar a entidade familiar, concedendo-lhe condições de sobrevivência digna impedindo, assim, que o
exequente, no afã de satisfazer seu crédito, condene o devedor com sua família ao desabrigo e ao descaso.
Não caracteriza renúncia à proteção legal o ato do devedor que oferece à constrição, bem impenhorável pois
trata-se de questão de ordem pública, na qual o interesse familiar deve sempre se sobrepor ao interesse
privado; a impossibilidade desta indicação implicaria no cerceamento do direito de defesa do devedor; e
poderia o devedor estar incorrendo em litigância de má-fé se, ainda que possuísse bem a ser penhorado, não o
fizesse ao argumento de que esta protegido pela Lei. (SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa
Catarina. Apelação cível n. 2005.000950-8, da segunda vara cível de Curitibanos. Apelante: Banco Itaú S/A.
Apelada: Maria Bernadete Waltrick Goetten. Relatora: Desembargadora Salete Silva Sommariva. DJ, 17 mar.
2005. Disponível em: <http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acnaintegra!html.action?qTodas=&qFrase=
&qUma=&qNao=&qDataIni=&qDataFim=&qProcesso=2005. 000950-8&qEmenta=&qClasse
=&qRelator=&qForo=&qOrgaoJulgador=&qCor=FF0000&qTipoOrdem=relevancia&pageCount=10
&qID=AAAGxaAALAAAf93AAD>. Acesso em: 18 abril 2010).
95
parâmetros elementares de uma vida digna, do qual a pessoa não pode ser desapossada ou
expropriada mesmo em detrimento da liberdade contratual, também considerando a
dificuldade do acesso à moradia, diante da problemática da questão habitacional no Brasil, é
admissível ao Estado intervir nas relações entre particulares a fim de resguardar o bem de
família daqueles que já o conquistaram. Ainda, no que diz respeito ao direito de moradia
como ―uma necessidade essencial, vital básica‖, se revela indisponível, não pode, desta forma,
decair mediante um contrato de fiança. (BRITTO, 2006, p. 901)192.
Portanto, a penhora do bem família somente pode ocorrer nas situações em que o
direito em questão se sobreleva ao da moradia. Nesta linha, a excussão do bem de família para
garantir o cumprimento de obrigação de terceiro, embora decorrente de dívida de locação, não
está acima do direito à habitação do fiador e de sua família, o que autoriza o Estado a intervir
nas relações entre particulares para resguardar o direito de moradia, que, enquanto direito da
personalidade, é inerente à pessoa humana.
Por força da análise sobre a função social do contrato, a possibilidade da penhora do
bem de família do fiador da locação não atende ao interesse social porque onera
excessivamente o fiador e também, ao privar-lhe de seu único imóvel que serve de abrigo
próprio e de sua família acaba por ferir a dignidade humana. Por este ângulo, a exceção à
impenhorabilidade do bem de família do fiador se mostra inconstitucional, uma vez que
ignorar a função social dos contratos propicia o aumento de desigualdades em
descumprimento a um dos objetivos da República Federativa do Brasil, qual seja erradicar a
pobreza e diminuir as desigualdades sociais e regionais.
Por fim, de todo o exposto, deduz-se que a norma permissiva da constrição judicial do
bem de família do fiador da locação ao violar o direito social à moradia, uma das
exteriorizações do princípio de proteção da dignidade da pessoa humana, bem como o
princípio constitucional da isonomia ao tratar situações iguais desigualmente de forma não
razoável, se revela contrária aos preceitos fundamentais assegurados pela Constituição
Federal, sendo, portanto, inconstitucional.
192
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n. 407688-SP. Recorrente: Michel Jacques
Peron. Recorrido: Antonio Pecci. Relator: Ministro Cezar Peluso. DJ, 6 out. 2006. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=261768>. Acesso em: 18 abril 2010.
CONCLUSÃO
O bem de família é o imóvel urbano ou rural, destinado à residência familiar, ou,
valores mobiliários a serem aplicados na conservação do imóvel residencial e no sustento da
família, os quais são impenhoráveis, salvo as exceções legais, e inalienáveis relativamente no
caso do bem de família voluntário. A finalidade do instituto é conferir proteção ampla e
profícua ao ser humano por meio da garantia de moradia, contribuindo desta forma, para a
concretização do fundamento do próprio Estado Democrático de Direito pelo respeito à
dignidade da pessoa humana.
No seio familiar a personalidade humana se desenvolve, as pessoas encontram abrigo,
descanso, paz e amor. Em razão da importância que a família representa para a sociedade, é
necessário protegê-la dos reveses das relações jurídicas patrimoniais. Uma forma de conferir
esta tutela é por meio da impenhorabilidade da moradia. Mas, esta tutela possui exceções,
entre elas, a penhora do bem de família do fiador do contrato locatício, para garantir a
obrigação de terceiro. Deste modo, a relevância jurídica do tema justifica-se porque o fiador
do ajuste locatício está sujeito a perder seu único imóvel, confrontando os fundamentos do
bem de família. De outro modo, constata-se a relevância social do tema pelo motivo de que a
excussão da residência reflete no agravamento da crise habitacional, ao tirar a habitação
daqueles que a conquistaram.
Delimitar concepções sobre família e seus bens para a configuração da incidência da
tutela do bem de família, não se constitui tarefa simples, pois devem ser considerados a partir
da evolução social. No contexto atual, ambos devem ser compreendidos de forma
humanizada, afastando o patrimônio do centro da tutela, da antiga concepção positivista que
centralizava como fundamento único das relações negociais, os bens. Atualmente o direito
oferece espaço à pessoa, com valor em si mesma, dotada de dignidade.
97
Neste cenário, em sede de lides processuais, por vezes, questiona-se sobre a
caracterização da família para os fins de enunciar a incidência da proteção legal ao imóvel
residencial. Então, depara-se com outra dificuldade, a definição de família. Como resultado de
mudanças de paradigmas, principalmente após o advento da promulgação da Constituição
Federal de 1988, o reconhecimento da entidade familiar evoluiu para uma concepção
pluralista. Desta forma, considerando que a família não é apenas um conjunto de pessoas
ligadas por laços consaguíneos ou civis, mas seres humanos unidos por laços afetivos, de
forma plural, onde todos os integrantes buscam o desenvolvimento de cada um, conclui-se
que para fins de requerer o benefício do bem de família, não é o modelo de entidade familiar
que definirá a incidência da tutela, mas, a proteção pelo simples fato de assegurar a moradia e
em, consequência, a própria dignidade. Portanto, além da entidade familiar em sua acepção
genérica, tem direito a proteção conferida pelo bem de família, a pessoa solteira, viúva,
separada, enfim, aquela que vive só.
Nesta perspectiva, constata-se que a proteção do lar mediante normatização reporta-se
desde o Direito Romano, cujo objetivo era proteger o patrimônio familiar pelo caráter sagrado
do culto aos antepassados. Foi nos Estados Unidos, em 26 de janeiro de 1839, que o bem de
família, em sentido técnico conforme concepção atual, foi criado para promover o
desenvolvimento econômico e social. Naquela época, a preocupação era proteger a pequena
propriedade, com o intuito de atrair colonizadores para a região do Texas pela garantia de que
a família não ficaria desabrigada.
O bem de família brasileiro, embora se desenvolveu nos moldes do homestead
americano, surgiu pela necessidade de conferir proteção a entidade familiar em decorrência da
crise habitacional vivenciada principalmente entre o final do século XIX e início do século
XX que assolou o país, e, ainda representa uma preocupação diante da conjuntura atual.
No Brasil, os esforços para criar uma legislação que contribuísse para a diminuição da
crise habitacional no país, resultaram em duas possibilidades de reconhecer o bem de família:
o voluntário regulamentado no Código Civil, cuja instituição é formal dependente de
manifestação das partes, e, o bem de família legal previsto na Lei n. 8.009/1990, como
preceito de ordem pública, em que a tutela da moradia é conferida pelo Estado,
independentemente de formalidades.
Contudo, a proteção do imóvel residencial, conferida tanto pelo bem de família
98
voluntário ou legal, não é absoluta, há exceções. Constata-se que as exceções à
impenhorabilidade são: de ordem econômica que dizem respeito à natureza do crédito,
referem-se aos créditos tributários, contribuições em função do próprio imóvel e decorrente de
financiamento para a construção ou aquisição do imóvel residencial; as exceções de ordem
penal no caso da aquisição de bem por meio direto ou indireto de utilização do produto de
crime e a execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou
perdimento de bens; e, por fim, as exceções de ordem pessoal que se tratam do devedor de
crédito trabalhista e respectivas contribuições previdenciárias, do devedor de crédito alimentar
e do fiador da locação.
Neste ponto, dentre as garantias da obrigação locatícia, sem dúvida, a fiança é a mais
usual por não representar custos para locador, nem para o locatário, em geral, porém, pode
colocar em risco o direito de moradia do fiador e da sua família. Neste viés, destaca-se três
características relevantes da fiança: a acessoriedade em relação ao contrato principal, porque a
fiança segue o destino do contrato de locação; unilateralidade, porque somente o fiador se
obriga em relação ao credor; e, subsidiariedade, pois, somente será exigida se o locatário não
cumprir com a obrigação.
Pela característica da acessoriedade o contrato de locação é o principal e a fiança é o
acessório/dependente, seguindo o destino do principal, como regra geral. Isso refere, em
última análise que a fiança relaciona-se com o contrato de locação como garantia do
cumprimento da obrigação do afiançado/locatário. Ocorre que, ao garantir a obrigação do
locatário, o fiador compromete seu bem de família, descaracterizando, neste ponto, a garantia
pessoal, de forma a confundi-la com garantia real. Caso o bem de família do fiador locatício
sofra constrição judicial, o direito de regresso ficará inviabilizado se o locatário não tiver bens
disponíveis porque a Lei n. 8.009/1990 o põe a salvo de qualquer execução, tornando a fiança
locatícia excessivamente onerosa ao fiador.
Neste aspecto, a relevância da discussão recebe ênfase, pois se questiona a
constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador da locação com fundamento no
direito à moradia, na garantia de um patrimônio mínimo, nos princípios da dignidade da
pessoa humana, da isonomia e na função social dos contratos.
A habitação do ser humano proporciona a concretização de outros direitos como o
direito à privacidade, ao segredo doméstico, à propriedade, à saúde e à dignidade. Além disso,
99
o direito à moradia é compreendido como direito da personalidade por ser inerente a pessoa
humana como fator de integridade física e moral. A integridade física é violada quando
inexiste o acesso ou pela precariedade da habitação, enquanto que a integridade moral é
abalada em razão da inviabialidade do exercício de direitos concretizados pelo acesso à
moradia como o segredo doméstico e a identidade familiar e pessoal. Assim, como os direitos
de personalidade são impenhoráveis, o direito a moradia também o é por sua qualidade de
direito inerente à condição do ser humano, salvo disposição do bem em virtude do direito real
que sobre ele incide, desde que não prejudique os direitos fundamentais.
O direito à moradia está relacionado com a garantia de um patrimônio mínimo
necessário para viver com dignidade, do qual a pessoa não pode ser desapossada, mesmo em
contraste com a liberdade contratual e o direito dos credores. O princípio da garantia de um
patrimônio mínimo existencial garante a proteção de um núcleo basilar de bens necessários
para assegurar uma vida saudável, de ações de terceiros credores e de intervenções estatais.
Desta forma, o patrimônio não representa apenas um complexo de direitos reais e
obrigacionais com valor econômico, mas também um conjunto de bens suficientes para o
acesso a direitos como à alimentação, à saúde, à educação, ao lazer, à moradia, enfim, capazes
de assegurar uma vida com dignidade.
A dignidade é uma qualidade inerente ao ser humano, inalienável e irrenunciável, por
isso deve ser respeitada pela sociedade e pelo Estado, preservando a vida e o valor da pessoa
em detrimento de interesses patrimoniais meramente individualistas. Para garantir
eficazmente a dignidade, enquanto princípio norteador do Estado Democrático de Direito, os
direitos sociais fundamentais assegurados constitucionalmente, notadamente o direito à
moradia, precisam sair do plano programático para a aplicabilidade às necessidades dos
indivíduos.
O princípio da dignidade humana encontra fundamentos na isonomia, uma vez que ao
equilibrar as relações jurídicas concretiza-se a dignidade. A exceção à impenhorabilidade do
bem de família do fiador da locação contraria o princípio da isonomia ao conferir tratamento
diferente para situações iguais, observando que as obrigações do locatário e locador possuem
os mesmos fundamentos jurídicos. Logo, não é justificável a penhora do bem de família do
fiador da locação para garantir o cumprimento da obrigação de terceiro, se ao próprio devedor
é assegurado a impenhorabilidade dos móveis que guarnecem a residência ou de seu bem de
família, inviabilizando qualquer pretensão do fiador à ação regressiva.
100
O empenho em tratar situações jurídicas entre particulares isonomicamente coopera
com a mudança da estrutura do Direito Civil essencialmente privado para um direito
contratual com fundamentos na função social dos contratos. Atender a função social significa
dar prevalência ao interesse público sobre o privado, por intermédio da preservação da
igualdade das partes contratantes, da garantia da dignidade, de maneira que os efeitos do
negócio jurídico projetem-se positivamente na sociedade para a contribuição do
desenvolvimento. Assim, verifica-se que a penhora do bem de família do fiador da locação
contraria o princípio da função social do contrato, por conceder maior relevância do direito de
crédito do locador em prejuízo do direito de moradia do fiador. A privação da moradia produz
reflexos negativos na sociedade por meio do aumento da miséria e privação de condições
dignas de vida, perfectibilizadas com o exercício do direito de habitação.
Considerando que a proteção da moradia é preceito de ordem pública, conclui-se que é
admissível ao Estado intervir nas relações entre particulares a fim de assegurar um patrimônio
mínimo mensurado de acordo com parâmetros elementares de uma vida digna, do qual a
pessoa não pode ser desapossada ou expropriada mesmo em detrimento da liberdade
contratual.
Portanto, a reposta ao problema não poderia ser diversa: em que pese contrariar o
entendimento do Supremo Tribunal Federal, é inconstitucional a previsão inserta no artigo 3°,
VII da Lei n. 8.009/1990 que excepciona a impenhorabilidade do bem de família do fiador da
locação porque viola: o direito à moradia; a garantia de um patrimônio mínimo necessário
para se viver com dignidade; o princípio da dignidade da pessoa humana; o princípio da
isonomia ao tratar situações iguais de forma desigual; e, a função social do contrato, em razão
do prevalecimento do direito de crédito do locador em detrimento do direito fundamental de
moradia do fiador, concebido como interesse social.
101
REFERÊNCIAS
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______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo regimental no agravo de instrumento n.
888.313-RS (2007/0094673-5). Agravante: José Ongaratto. Agravado: Vera Lucia
Casagrande Tansini. Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior. Disponível em:
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embargos de declaração no agravo de instrumento n. 968044-SC. Agravante: Sílvio Carlos
Lima e outro. Agravado: Maria Cherem Espezim. Relatora: Ministra Laurita Vaz. DJe, 28
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103
______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n. 797.853-SP (2005/0190531-9).
Recorrente: Isabel Moraes Barros Loy Dona. Recorrida: Matilde Dias. Relator: Ministro
Arnaldo Esteves Lima. DJe, 28 mar. 2008. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/
revistaeletronica/ita.asp?registro=200501905319&dt_publicacao=28/04/2008 >. Acesso
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______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso extraordinário n. 1.114.719-SP. Recorrente:
José Antônio Pereira e outro. Recorrido: Alexandre Gregori e outros. Relator: Ministro Sidnei
Beneti. DJe, 29 jun. 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/
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______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo regimental no agravo de instrumento n.
458869-RJ (2002/0072606-9). Agravante: Roberto Costa Pereira dos Santos e cônjuge.
Agravado: Banco do Brasil S/A. Relator: Ministro Paulo Furtado. DJe, 29 out. 2009.
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______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n. 628464-GO (2003/0231410-4).
Recorrente: BANCO SAFRA S/A. Recorrido: Francisco Antônio de Almeida e Moura
Pacheco e outros. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. DJe, 05 out. 2006. Disponível em: <
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______. Superior Tribunal do Trabalho. Agravo de instrumento n. AIRR - 940/2007-004-1740. Agravante: Heloisa Helena Bessa Alves Espíndula e outro. Agravados: Sebastião
Nascimento e Centro Automotivo Casa dos Parafusos Ltda. - Me. Relator: João Batista Brito.
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s5=&s6=&s9=&s10=&s11=&s12=&s20=&s21=&s7=&s24=&s8=&s13=&s14=&s15=
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BT&pg12=GABT&pg13=&pg14=VART&pg15=TRIT&pg16=SEQT&pg17=COOJ&p
g18=&pg19=&pg20=&pg21=&pg22=&pg23=&pg24=EMEN&sect2=1&u=http://www.
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WALD, Arnold. Curso de direito civil brasileiro: obrigações e contratos. 17. ed. rev., ampl.
e atual. de acordo com o Código Civil de 2002 com a colaboração do Desembargador e
Professor Semy Glanz. São Paulo: Saraiva, 2006.
109
APÊNDICES
110
APÊNDICE A
Atestado de Autenticidade da Monografia
111
UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ - UNOCHAPECÓ
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS
CURSO DE DIREITO
ATESTADO DE AUTENTICIDADE DA MONOGRAFIA
Eu, EVLIS JULIÊ ORTMEIER, estudante do Curso de Direito, código de matricula n.
125, declaro ter pleno conhecimento do Regulamento da Monografia, bem como das regras
referentes ao seu desenvolvimento.
Atesto que a presente Monografia é de minha autoria, ciente de que poderei sofrer
sanções nas esferas administrativa, civil e penal, caso seja comprovado cópia e/ou aquisição
de trabalhos de terceiros, além do prejuízo de medidas de caráter educacional, como a
reprovação no componente curricular Monografia II, o que impedirá a obtenção do Diploma
de Conclusão do Curso de Graduação.
Chapecó (SC), 17 de maio de 2010.
_________________________________________
Evlis Juliê Ortmeier
112
APÊNDICE B
Termo de Solicitação de Banca
113
UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ - UNOCHAPECÓ
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS
CURSO DE DIREITO
TERMO DE SOLICITAÇÃO DE BANCA
Encaminho a Coordenação do Núcleo de Monografia o trabalho monográfico de
conclusão de curso da estudante EVLIS JULIÊ ORTMEIER, cujo título é ―A
INCONSTITUCIONALIDADE DA PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR NOS
CONTRATOS LOCATÍCIOS‖, realizado sob minha orientação.
Em relação ao trabalho, considero-o apto a ser submetido à Banca Examinadora, vez
que preenche os requisitos metodológicos e científicos exigidos em trabalhos da espécie. Para
tanto, solicito as providências cabíveis para a realização da defesa regulamentar.
Indica-se como membro convidado da banca examinadora: Profª. Me. Kassiana Ventura
Oliveira.
Chapecó (SC), 17 de maio de 2010.
________________________________
Profª. Me. Cláudia Cinara Locateli
114
ANEXOS
115
ANEXO I
Déficit habitacional no Brasil
116
Figura 1: Déficit habitacional total no Brasil, segundo unidades da federação, 2007.
Fonte: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pesquisa nacional por amostra de
domicílios (Pnad), 2007 apud Ministério das Cidades, 2009, p. 26.
117
Figura 2: Déficit habitacional total no Brasil, em relação ao total de domicílios, segundo unidades da
federação, 2007.
Fonte: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pesquisa nacional por
amostra de domicílios (Pnad), 2007 apud Ministério das Cidades, 2009, p. 26.
A pesquisa nacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por
amostra de domicílios (Pnad) realizada em 2007 revela que entre as unidades da Federação,
deve-se destacar os valores absolutos do déficit habitacional em São Paulo: estima-se a
necessidade de 1,234 milhão de novas moradias, 9,6% dos domicílios, das quais 629 mil em
sua região metropolitana (RM). Devem ser também mencionados Minas Gerais, com
correspondentes 521 mil ou 8,8%, das quais 129 mil na região metropolitana de Belo
Horizonte; Bahia, com 511 mil ou 12,9%, sendo 141 mil na região metropolitana de Salvador;
Rio de Janeiro, com 479 mil ou 9,1%, sendo 379 mil na sua região metropolitana; e
Maranhão, com 461 mil ou 29,5%. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009, p. 27).
118
Figura 3: Déficit habitacional total no Brasil, por situação dos domicílios, segundo regiões geográficas,
2007.
Fonte: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pesquisa nacional por
amostra de domicílios (Pnad), 2007 apud Ministério das Cidades, 2009, p. 26.
Observa que na região Sudeste encontra-se grande número das carências, 2,335
milhões, 37,2% do total, seguida de perto pela Nordeste, com 2,144 milhões, 34,2% .
(MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009, p. 24).
ANEXO II
Gráfico sobre o déficit habitacional urbano por faixas de renda média mensal
120
Figura 1: Déficit habitacional urbano no Brasil, por faixas de renda média mensal, 2007.
Fonte: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pesquisa nacional por amostra de
domicílios (Pnad), 2007 apud Ministério das Cidades, 2009, p. 30.
O gráfico demonstra a concentração do déficit na faixa até três salários mínimos:
89,4%. Ao se considerar a faixa de renda imediatamente superior são mais 6,5% das famílias,
totalizando 95,9% das carências urbanas. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009, p. 28).
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