REGISTRO DE EXPERIÊNCIAS PEDAGÓGICAS Laíses do Amparo Braga INTRODUÇÃO Muitas experiências pedagógicas têm sido realizadas no interior de escolas públicas, com resultados significativos e efeitos favoráveis à aprendizagem de conteúdos, habilidades de pensar, atitudes e valores, que precisam ser compartilhadas, a fim de que outras pessoas interessadas na educação tenham oportunidade de conhecê-las e possam assim contribuir, ampliando e/ou aprofundando o conhecimento. As experiências que ora relato provêm de atividades desenvolvidas no Curso de Pedagogia da Universidade do Estado do Pará, onde existem alunos que já exercem o magistério, nas séries e/ou ciclos iniciais do Ensino Fundamental. Nas aulas da disciplina “Currículos e Programas”, pratica-se a relação de assuntos conteudísticos com a praxis do cotidiano. Assim, os acadêmicos, ao falarem sobre “desenvolvimento curricular”, manifestaram suas dificuldades quanto à existência de alunos que estavam cursando a 3ª e/ou a 4ª série do Ensino Fundamental e que não sabiam ler; isto é, não compreendiam aquilo que mal liam. Averiguei a questão junto a outras professoras e obtive a confirmação do fato. Aprofundei as discussões sobre aquele problema, em busca de um modo de ajudar as professoras a resolvê-lo. Ocorreu-me então a idéia de trabalhar o aspecto da leitura dentro de um projeto que já vinha sendo desenvolvido sobre “REGISTRO DE EXPERIÊNCIAS PEDAGÓGICAS”, que consistia em verificar necessidades pedagógicas, registrá-las e proceder estudos sobre as mesmas até encontrar solução, que era trabalhada por meio de eventos programados pelas escolas, como: palestras, seminários, oficinas e mini-cursos. Todavia não é dessas experiências que vou tratar aqui, mas sim do sub-projeto denominado ÏNCENTIVO À LEITURA”, que se desenvolveu como parte daquele projeto maior. A princípio, eu desejava que aquelas crianças aprendessem a ler e que as professoras fossem auxiliadas nessa tarefa, por meio da participação dos alunos do Curso de Pedagogia, especialmente por aqueles que não tinham experiência com a escola pública. Assim, o sub-projeto era uma proposta favorável tanto aos alunos e professores das escolas envolvidas, quanto aos acadêmicos do Curso de Pedagogia, como oportunidade de vivenciar a prática pedagógica. Como foi realizada esta experiência, seus resultados e efeitos passam a ser narrados nos itens a seguir. PAISAGEM ECOLÓGICA DAS ESCOLAS Belém da chuva de todo dia; do céu chorão nas vésperas de lua cheia. Belém de janelas abertas que se embalam ao sopro da aragem nas águas barrentas da Baía do Guajará. Belém da “Belle Espoque”, de praças monumentais, Teatro da Paz, igrejas e palacetes com afrescos e vitrais. Belém de mansões e casarões, mas também de “bandolas nas baixadas”, no contraste e no confronto bem brasileiro. Nesta Belém da chuva manhosa, encontram-se as escolas que fizeram parte do “Projeto de Incentivo à Leitura. Dentre tantas que necessitavam de atendimento, foram escolhidas as seis mais carentes. Os critérios da escolha levaram em contra três aspectos: o primeiro foi com respeito ao maior número de crianças de 3ª e 4ª séries que não sabiam ler; o segundo, a carência de serviço de supervisão escolar e o terceiro, a aceitação do projeto pela direção da escola e pelos professores. O limite de seis escolas, para iniciar a experiência, foi devido a falta de recursos para pagamento de bolsistas do Curso de Pedagogia. Naquele ano, bem como nos que se seguiram, só foi possível a concessão de seis bolsas de pesquisa. Para atender a um maior número de escolas, a cada ano o projeto passava para outras seis escolas, considerando os critérios de carência. SELEÇÃO E TREINAMENTO DE BOLSISTAS A seleção dos bolsistas, realizada em dois momentos, consistiu numa prova dissertativa, cujos critérios consideravam criatividade para construção de textos e uma entrevista para averiguar a disponibilidade de tempo (10 (dez) horas semanais) para dedicação ao projeto. O passo seguinte foi o treinamento dos bolsistas. Estabeleceu-se um cronograma de trabalho semanal que incluia: uma sessão de estudos por semana, com quatro horas de duração, em que se estudava o texto e se planejava as atividades em classe e extra-classe. A partir da implementação do projeto nas escolas, os bolsistas passaram a relatar seus desempenhos indivíduais. Eram discutidas as dificuldades encontradas e planejadas as atividades da semana. Construia-se texto e confeccionavam-se recursos auxiliares às atividades de leitura. As seis horas restantes eram utilizadas no desempenho do projeto nas escolas. ASPECTOS METODOLÓGICOS Os bolsistas aprenderam a trabalhar textos nos seguintes aspectos: a) apresentação do texto sobre assunto da cultura paraense; estes eram digitados e acompanhados de uma folha de atividades. b) Leitura silenciosa, destacando as palavras desconhecidas, as quais eram colocadas no quadro de escrever com seus respectivos significados. c) Leitura oral, em grupos menores, enfatizando a pontuação e a entonação da voz. d) Apresentação da folha de atividades, que consistia na interpretação do texto. e) Correção feita no quadro de escrever, com a orientação de passar um traço na resposta errada e escrever acima dela a correta. f) Extrapolação, na qual os alunos participavam da reconstrução de um novo texto sobre o mesmo assunto do texto lido. A orientação foi a seguinte: os alunos, a princípio, contribuíam com palavras, cuja organização em frases ia sendo construída com a ajuda dos bolsistas. O passo seguinte era a participação dos alunos com frases, as quais iam sendo organizadas com o auxílio dos bolsistas, formando novo texto. O terceiro passo compreendia a construção individual de textos, de acordo com o potencial de cada aluno. Nesse momento, intensificavam-se o encorajamento e o incentivo, por meio da valorização do esforço pessoal de cada aluno. A dramatização foi indicada e utilizada como recurso, para despertar interesse pela forma de expressão cênica, a partir do texto escrito. Outro momento da extrapolação era escrever versos livres. As tarefas de casa consistiam em pesquisas em jornais e/ou revistas determinados assuntos, destacá-los e levá-los para a classe, onde eram lidos, comentados, interpretados e discutidos. FORMAS DE OPERACIONALIZAÇÃO Em cada escola, envolvida no Projeto “Registro de Experiências Pedagógicas – subprojeto Incentivo à leitura, foram estabelecidas “uma classe de controle” e uma “classe experimental”. Ambas formadas por crianças com características mais ou menos semelhantes como: a mesma faixa etária, igual condição sócio-econômico-cultural, mesmo turno de funcionamento e as mesmas dificuldades de leitura. Somente a classe experimental recebia 06 (seis) horas semanais de atividade de leitura e o material didático necessário. A classe de controle continuava seu ritmo normal de trabalho sem assistência do sub-projeto. As professoras das duas classes foram cientificadas de que, ao final de cada bimestre letivo, seria feita a comparação dos resultados de aprendizagem dos alunos, com a finalidade de avaliar o sub-projeto, quanto aos efeitos que ele teria proporcionado à aprendizagem das crianças da classe experimental, em todas as disciplinas e/ou atividades. AVALIAÇÃO DO SUB-PROJETO Os resultados deste sub-projeto de Incentivo à leitura foram sendo verificados, desde o início da implantação do mesmo nas escolas, através do acompanhamento realizado em 04 (quatro) horas semanais de reunião do grupo da pesquisa. Naquele momento, os bolsistas relatavam o registro de suas atividades, expunham suas dificuldades, planejavam e replanejavam os assuntos. Contudo, o sub-projeto possuía objetivos para serem alcançados. Portanto, a avaliação consistia na verificação do alcance dos objetivos propostos. As atividades de leitura não eram avaliadas em si mesmas, mas sim nos efeitos que elas causavam na aprendizagem das disciplinas. As crianças estavam aprendendo a ler, isto é, a comrpeender o significado daquilo que liam, visando a compreensão do conhecimento e a aprendizagem referentes às habilidades de pensar, às atitudes e aos valores relacionados à Língua Portuguesa, à Matemática, ao Ensino da História e da Geografia e às Ciências. Era portanto necessário incentivar as crianças para que elas encontrassem motivo para gostar de ler, a fim de desenvolverem a habilidade e adquirirem o hábito da leitura. O meio mais adequado era tornar a leitura uma prática agradável, atraente, interessante, criando expectativas de começo, meio e fim de histórias, enfim, despertando o interesse pela leitura, como meio facilitador da aprendizagem. Então, como se realizou a avaliação do sub-projeto? A avaliação foi feita por meio da comparação do desempenho, primeiramente individual dos alunos da classe experimental. Cada aluno possuía uma ficha individual de acompanhamento de suas atividades, onde foi relatado o resultado do seu desempenho bimestral. Essas fichas foram examinadas pelos bolsistas, que construiram um mapa indicando o progresso de cada aluno. Constatou-se que a totalidade dos alunos obteve > (maior do que), num crescente a partir do 2º bimestre. Outro aspecto avaliativo foi a comparação entre os relatórios de avaliação da classe de controle e da classe experimental, onde, o melhor desempenho, na totalidade das disciplinas, foi realizado pela classe experimental. EFEITOS DO SUB-PROJETO O sub-projeto foi desenvolvido durante 04 (quatro) anos, cujos relatórios foram encaminhados à PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO DA UEPA, nos anos de 1997, 1998, 1999 e 2000. Em cada um desses períodos, foi solicitada renovação da experiência, nos mesmos moldes, para outras 06 (seis) escolas diferentes. Assim, foram beneficiadas 24 (vinte e quatro) escolas, 840 (oitocentos e quarenta) alunos e 21 (vinte e um) bolsistas. Por que foram mudadas as escolas em cada ano? Quando o sub-projeto estava sediado na escola, ela recebia certa assistência pedagógica da Universidade, por meio de visitas da Coordenação do Projeto, da doação de livros, textos digitados para as atividades dos alunos e sobretudo a dedicação dos bolsistas às classes experimentais. Com isso, as escolas foram beneficiadas, por meio da participação da Semana Acadêmica do Centro de Ciências Sociais e Educação e um certo convívio era efetivado. Estabelecido esse elo, o projeto era deslocado no ano seguinte para outras escolas, visando abranger outros contexto escolares, pois de alguma forma, o trabalho dos bolsistas influenciou nas práticas docentes, que passaram a valorizar a leitura, como base, na qual se constrói, com maior facilidade, qualquer tipo de aprendizagem. Entretanto, o maior efeito, sem dúvida, foi quanto à aprendizagem dos alunos, que se constitui o marco representativo do alcance do objetivo proposto. Os relatórios dos bolsistas, que acompanharam os mapas demonstrativos do progresso dos alunos nas disciplinas, revelam passagens muito significativas, representadas pelas atitudes das crianças ao final do ano letivo. Um desses episódios foi numa escola periférica, onde participei da festa de despedida da bolsista. As crianças contaram com entusiasmo e pediram: “- volte para o ano”! Outro efeito compensador constou do auxílio pedagógico que os bolsistas deram às professoras das classes experimentais. As atividades de leitura desembaraçaram a compreensão e facilitaram o desempenho das crianças. Além disso, os recursos metodológicos deram liberdade aos alunos para expressarem seus modos de pensar e de sentir e, em conseqüência, construirem suas próprias formas de agir. Quanto aos efeitos produzidos nos bolsistas, na qualidade de alunos do Curso de Pedagogia, todos consideraram muito importante sua participação no projeto de pesquisa e sobretudo por terem tido a oportunidade de vivenciar a prática pedagógica ainda como acadêmicos. Daí a razão pela qual se procedia seleção e treinamento metodológico a cada ano, para dar condições de participação a um maior número de acadêmicos. CONCLUSÃO O Projeto Registro de Experiências Pedagógicas - sub-projeto Incentivo à leituraconstituiu-se uma alternativa pedagógica, que compreendeu o registro dos desempenhos dos bolsistas interagindo com os alunos. Esse registro era semanalmente trazido à discussão no grupo, onde cada bolsista expunha seus episódios com a classe experimental e juntos buscávamos solução no replanejamento das atividades de leitura. Houve momento em que foi necessário colocar duas bolsistas na mesma classe, para facilitar o manejo. Situações inoportunas, como dias facultados sem previsão que interferiram no desenvolvimento do projeto. Por vezes, a falta de um funcionário responsável pela quarda dos textos ou de outros recursos materiais dificultaram o trabalho em sala de aula. Estas e outras dificuldades foram refletidas e tornaram-se significativas para a formação dos acadêmicos de Pedagogia,. Além disso, o exercício da pesquisa ampliou-lhes as expectativas do trabalho educativo. BIBLIOGRAFIA ANDRÉ, Marli Eliza D. A. Etnografia da Prática Escolar. Campinas: Papirus, 1995. COULON, Alain. Etnometodologia e Educação. R. J. Vozes, 1995. FERREIRA, Adir L. O cotidiano escolar e as práticas docentes (organização). 1 ed. Natal: EDUFRN, 2000. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. GAUTHIER, Clermont. Por uma teoria da Pedagogia. Coleção Fronteiras da Educação. Ijuí, 1998. GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais, Rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem . 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