MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROJETO MPF - ARQ A atuação do arqueólogo no licenciamento ambiental – os normativos do IPHAN Esse texto pretende ofertar breve noção sobre a atuação do arqueólogo no licenciamento ambiental, trazendo resumo das etapas de tal instrumento bem como mencionando quais normativos devem ser consultados para fundamentar eventual atuação do MPF. Como sabido a Portaria do IPHAN n° 230, de 17 de dezembro de 2002, cuidava do licenciamento ambiental de empreendimentos potencialmente capazes de afetar o patrimônio arqueológico. A norma foi dividida nas três fases clássicas do licenciamento: licença prévia (na qual se diagnosticava), licença de instalação (na qual se realiza a prospecção e detalhamento do programa de resgate) e licença de operação (na qual se resgatava). A primeira fase tinha por escopo a caracterização e avaliação da situação do patrimônio arqueológico do local. Consistia na contextualização arqueológica da área por meio de levantamento de dados e arqueológico de campo: “Artº 1 - Nesta fase, dever-se-á proceder à contextualização arqueológica e etnohistórica da área de influência do empreendimento, por meio de levantamento exaustivo de dados secundários e levantamento arqueológico de campo. A partir de levantamentos, denominados “diagnósticos”, eram elaborados os programas de prospecção e de resgate compatíveis com o cronograma das obras e as fases do licenciamento (art.4°). Cumpre lembrar que em razão da necessidade de movimentação do Arqueólogo em campo, era necessária a obtenção de autorização do IPHAN. Cuidava-se o momento em que se implantava o programa de prospecção supracitado, estimando a quantidade, a extensão, a profundidade, a diversidade cultural e grau de preservação dos sítios arqueológicos na área afetada, para detalhamento do Programa de Resgate. Vejamos os ditames do art.5°, §2°: § 2º - O resultado final esperado é um Programa de Resgate Arqueológico fundamentado em critérios precisos de significância científica dos sítios arqueológicos ameaçados que justifique a seleção dos sítios a serem objeto de estudo em detalhe, em detrimento de outros, e a metodologia a ser empregada nos estudos. Então, na fase de obtenção da licença de operação, era executado o Programa de Resgate Arqueológico, conforme art.6° Parágrafos 1° e 2°: § 1º - É nesta fase que deverão ser realizados os trabalhos de salvamento arqueológico nos sítios selecionados na fase anterior, por meio de escavações exaustivas, registro detalhado de cada sítio e de seu entorno e coleta de exemplares estatisticamente significativos da cultura material contida em cada sítio arqueológico. § 2º - O resultado esperado é um relatório detalhado que especifique as atividades desenvolvidas em campo e em laboratório e apresente os resultados científicos dos esforços despendidos em termos de produção de conhecimento sobre arqueologia da área de estudo. Assim, a perda física dos sítios arqueológicos poderá ser efetivamente compensada pela incorporação dos conhecimentos produzidos à Memória Nacional. O artigo 7°, por sua vez, aduzia que os estudos arqueológicos deveriam estar previstos nos contratos entre os empreendedores e os arqueólogos responsáveis pelos estudos. Por fim, o artigo 8° tratava da destinação do material arqueológico retirado: Art. 8º - No caso da destinação da guarda do material arqueológico retirado nas áreas, regiões ou municípios onde foram realizadas pesquisas arqueológicas, a guarda destes vestígios arqueológicos deverá ser garantida pelo empreendedor, seja na modernização, na ampliação, no fortalecimento de unidades existentes, ou mesmo na construção de unidades museológicas específicas para o caso. Assim, depreende-se da Portaria n° 230/2002 é forçoso concluir que o Arqueólogo era figura fundamental em todas as fases do licenciamento. Realizando o diagnóstico, a prospecção, analisando eventual material resgatado e destinando-o à entidade que emitiu o endosso. Frise-se que o profissional resgatava os bens no licenciamento ambiental como longa manus da autarquia federal, que o autorizava a tal mister, e somente se desobrigava de sua responsabilidade na gestão dos bens com a destinação, que consistia na efetiva entrega à entidade endossatária. Em que pese a Instrução Normativa n° 01, de 25 de março de 2015, ter revogado, em seu art.62, a Portaria mencionada, fato é que a atuação do arqueólogo no âmbito do licenciamento ambiental não foi substancialmente alterada, mas apenas pormenorizada, pois as fases de Diagnóstico, Prospecção e Resgate foram mantidas. O que a IN n°1/2015 traz de novo é a classificação dos empreendimentos em Níveis, apontando os procedimentos exigidos para cada um deles. Com exceção do Nível I, em que se exige apenas o “Termo de Compromisso do Empreendedor” (art.15), os demais impõem a atuação do Arqueólogo. Segundo o art.16 da IN, para os procedimentos classificados no Nível II será adotado o denominado “Acompanhamento Arqueológico”, que consiste na presença de arqueólogo em campo responsabilizando-se pela gestão do patrimônio arqueológico eventualmente identificado durante a execução do empreendimento. Esse nível caracteriza-se pela “baixa e média interferência sobre as condições vigentes do solo e cujas características e dimensões sejam compatíveis com a adoção de ajustes ou medidas preventivas em campo”. Os parágrafos do art.16 e o artigo 17 evidenciam a responsabilidade do arqueólogo pelo acompanhamento do empreendimento. É necessário o CNA publicar portaria no DOU autorizando o profissional a executar seu mister: “Art.16 § 2º O CNA publicará Portaria no Diário Oficial da União - DOU autorizando o Arqueólogo Coordenador a executar o Acompanhamento Arqueológico.” No Nível III inserem-se os empreendimentos de “média e alta interferência sobre as condições vigentes do solo, grandes áreas de intervenção, com limitada ou inexistente flexibilidade para alterações de localização e traçado, e exige a elaboração de Projeto de Avaliação de Impacto ao Patrimônio Arqueológico a ser previamente autorizado por Portaria do IPHAN”. Ressalte-se que o procedimento desse Projeto, exigido nos incisos do §1° do art.18 da IN n° 1 de 2015, inspira-se, claramente, na primeira e segunda fases da Portaria n°230, de 17 de dezembro de 2002 (diagnóstico e prospecção): “I - contextualização arqueológica e etno-histórica da AID do empreendimento, por meio de levantamento de dados secundários, a partir de consulta à bibliografia especializada; II - proposição de metodologia de pesquisa para caracterização arqueológica da Área Diretamente Afetada - ADA, prevendo levantamento de dados primários em campo com base em levantamento prospectivo intensivo de sub-superfície; III - proposição das atividades de análise e conservação dos bens arqueológicos visando registrar, classificar e conservar o material arqueológico oriundo da execução do Projeto; IV - indicação de Instituição de Guarda e Pesquisa para a guarda e conservação do material arqueológico; V - currículo do Arqueólogo Coordenador, do Arqueólogo Coordenador de Campo, se houver, e da equipe tecnicamente habilitada; VI - proposição de estratégias de esclarecimento e divulgação dos bens culturais acautelados das atividades a serem realizadas no local, destinadas à comunidade local e ao público envolvido; e VII - proposta preliminar das atividades relativas à produção de conhecimento, divulgação científica e extroversão.” Segundo o art.19 da IN, o IPHAN deve analisar o projeto citado e, caso seja aprovado, publicar portaria no DOU autorizando o Arqueólogo a executá-lo: § 4º No caso de aprovação do projeto, o IPHAN publicará Portaria no DOU autorizando o Arqueólogo Coordenador a executar, em campo, o Projeto de Avaliação de Impacto ao Patrimônio Arqueológico. Cumpre salientar que essa execução deverá ser descrita em Relatório de Avaliação de Impacto ao Patrimônio arqueológico, conforme o art.20 e seus incisos, novamente trazendo à tona as obrigações e responsabilidades do arqueólogo junto à autarquia. Finalmente, no Nível IV estão os empreendimentos de “De média e alta interferência sobre as condições vigentes do solo e cujo traçado e localização precisos somente serão passíveis de definição após a fase de Licença Prévia ou equivalente.”. Mais uma vez o raciocínio da Portaria n° 230/2002 se repete, prevendo o Diagnóstico, a Prospecção e o Resgate, tudo a cargo do Arqueólogo, autorizado por Portaria do IPHAN e com o dever de oferecer Relatório de Avaliação de Potencial de Impacto ao Patrimônio Arqueológico: Art. 21. Para os empreendimentos classificados como Nível IV na tabela constante do Anexo I, será exigido o Projeto de Avaliação de Potencial de Impacto ao Patrimônio Arqueológico contendo: I - contextualização arqueológica e etno-histórica da AID do empreendimento, por meio de levantamento de dados secundários, a partir de consulta à bibliografia especializada; II - proposição de metodologia de pesquisa para caracterização arqueológica da Área Diretamente Afetada - ADA, prevendo vistoria em campo com caminhamento na ADA; III - mapas contendo a previsão do traçado e localização do empreendimento; e IV - currículo do Arqueólogo Coordenador, do Arqueólogo Coordenador de Campo, se houver, e da equipe tecnicamente habilitada. No que tange à responsabilidade pela conservação dos bens arqueológicos a novel legislação acabou por evidenciá-la, já que estava implícita na Portaria n° 230/2002 e pela leitura sistemática do ordenamento pátrio, criando capítulo próprio para o tema. E esclareceu ponto controvertido, referente à responsabilidade do empreendedor, in verbis: Art. 46. O empreendedor e o arqueólogo coordenador são responsáveis solidariamente pela fiel execução das atividades autorizadas pelo IPHAN. Como não poderia ser diferente, a IN esclareceu que o dever de zelo pela conservação dos bens é do Arqueólogo durante a etapa de campo e da instituição endossatária após seu recebimento. A saber: Art. 51. A responsabilidade pela conservação dos bens arqueológicos é do Arqueólogo Coordenador durante a etapa de campo e da Instituição de Guarda e Pesquisa, após seu recebimento. Parágrafo único. Caberá ao Empreendedor executar as ações relacionadas à conservação dos bens arqueológicos decorrentes do empreendimento, incluindo, quando couber, a conservação de bens arqueológicos in situ, a viabilização de espaço apropriado para guarda ou a melhoria de Instituição de Guarda e Pesquisa para bens móveis. O IPHAN complementa a previsão acima nos artigos seguintes, assegurando que a guarda definitiva deve ocorrer em instituição localizada na Unidade Federativa da pesquisa – princípio da conservação in situ - e trata das obrigações de conservação da instituição junto à autarquia, após recebimento dos bens que estavam sob a responsabilidade do Arqueólogo Coordenador: Art. 52. Os bens arqueológicos oriundos dos Projetos ou Programas previstos na presente Instrução Normativa deverão permanecer sob a guarda definitiva de Instituição de Guarda e Pesquisa localizada na unidade federativa onde a pesquisa foi realizada. § 1º Na ausência de instituição que atenda ao estabelecido no caput, caberá ao CNA, mediante requerimento, aprovar a proposta de destinação de guarda e pesquisa apresentada pelo interessado. § 2º Caberá ao CNA, mediante requerimento, aprovar a movimentação de acervos dentro do território nacional. § 3º No caso de formação de acervos museológicos locais, regionais ou nacionais, caberá ao CNA aprovar a proposta de destinação apresentada pelo responsável legal da instituição requerente. § 4º No caso da necessidade de análise dos materiais coletados durante a execução dos Projetos ou Programas fora da Instituição de Guarda e Pesquisa autorizada, caberá ao CNA aprovar a proposta do local de análise, sem prejuízo da sua destinação final. § 5º O acervo coletado durante todas as etapas da pesquisa arqueológica de um mesmo empreendimento deverá ser reunido na mesma Instituição de Guarda e Pesquisa aprovada pelo IPHAN. § 6º O acervo coletado durante todas as etapas da pesquisa arqueológica nos empreendimentos de que trata o § 1º do Art. 4º deverá ser reunido em Instituição de Guarda e Pesquisa aprovada pelo IPHAN, preferencialmente em cada estado de origem. Art. 53. A Instituição de Guarda e Pesquisa deverá apresentar ao CNA o termo de recebimento correspondente ao inventário dos bens arqueológicos apresentado pelo Arqueólogo Coordenador do Projeto ou Programa. Art. 54. A Instituição de Guarda e Pesquisa deverá apresentar ao CNA relatórios anuais sobre os bens sob sua responsabilidade. Parágrafo único. O planejamento e a execução das atividades relacionadas à conservação de bens arqueológicos deverão ser realizados por profissional ou equipe devidamente qualificada.