REPORTAGEM
Os frutos de Pomar
Jaeger-LeCoultre/Escultura Portuguesa
À semelhança do que sucedeu com a série Reverso/Arte Portuguesa, Júlio Pomar foi
o artista plástico convidado para estrear o novo projecto da Jaeger-LeCoultre: esculpir
o tempo. A resposta do mestre voltou a ser brilhante: reutilizou a fábula da lebre
e da tartaruga numa peça que serve igualmente de montra para o relógio Master
Control personalizado.
S
texto Miguel Seabra > fotos Nuno Correia
e o pensador Sigismund von Radecki afirma que «os relógios de
pulso são as algemas do nosso tempo», Júlio Pomar era daqueles que
não se deixavam algemar... até se deixar seduzir
quando se tornou no primeiro artista plástico nacional a pintar o tempo no desafio lançado por
Pedro Torres, representante da Jaeger-LeCoultre
em Portugal.
Júlio Pomar não usava relógio. Agora, tem
dois exemplares superlativos da Jaeger-LeCoultre
assinados por si e que representam a sua própria
liberdade face à variabilidade do tempo, personificada pela fábula da lebre e da tartaruga. O primeiro relógio, rectangular, é uma recordação do
projecto Reverso/Arte Portuguesa – que consistia
em pintar o tempo no verso de um Reverso. O
segundo relógio, redondo, é fruto da nova associação entre a arte relojoeira e a arte portuguesa:
um conjunto composto por uma edição especial
de um modelo da linha Master Control e uma
escultura sobre a temática do tempo.
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Da parceria com a Jaeger-Lecoultre
É fundamental a cumplicidade entre
resultou uma peça de eleição com
o espírito criativo de Julio Pomar e
o cunho do mestre.
De Esopo a Cervantes
Na nova iniciativa da Jaeger-LeCoultre em Portugal, o mestre Pomar voltou a ser o primeiro
convidado; para realçar a relatividade do tempo,
recuperou a parábola da lebre e da tartaruga –
protagonistas de um conto de Esopo depois
adaptado por La Fontaine – numa escultura em
bronze que inclui ainda a referência a uma obra
intemporal da literatura: Dom Quixote de la
Mancha, de Miguel de Cervantes.
«A ideia foi fazer uma escultura combinada
com o relógio; achei-a divertida, tanto que
foi rapidamente concretizada», revela o mestre.
«A peça é uma continuação do que foi feito
aquando do Reverso: um pas de deux entre a
lebre e a tartaruga que exprime a variabilidade
do tempo». Em 2000, Pomar concebeu uma
gravura reproduzida no verso do famoso relógio
reversível da Jaeger-LeCoultre em que a lebre
surge ao lado da tartaruga. «Lembrei-me da
velha história dos dois tempos completamente
diferentes, da lenda da lebre e da tartaruga, que
nos faz recordar que cada um de nós tem um
ritmo diferente de viver o tempo. O curioso é
que, na imagem, parece que a lebre está a bater
o compasso e a tartaruga lhe pergunta porque é
que está a fazer barulho...», revelou então Pomar.
Cinco anos depois, o tema surge interpretado de modo diferente numa escultura estratifica-
quem executa as suas ideias.
da que combina elementos reais com a típica intervenção do artista. «A cabeça de lebre é uma
moldagem minha assente sobre a reprodução fiel
de uma casca de tartaruga, que por sua vez assenta sobre um livro de Cervantes muito vivido
pelo tempo e que tem na lombada a frase que
casa todo o conjunto da peça: ‘écouter le temps’;
a lebre está à escuta, ao passo que a tartaruga se
recolhe por estar à defesa e só se vê a casca»,
explica Pomar. «Há sempre uma relação entre os
objectos; enquanto a tartaruga é mais discreta, a
lebre inquieta tenta ver o que se passa».
Intemporalidade Quixotesca
Por baixo, um livro. “Achei magnífica a associação entre o livro e o tema – foi uma coin-
cidência no tempo”, confessa. “Não há uma interacção simbólica com a lebre e a tartaruga; foi
uma adaptação, um fruto do acaso e eu não
menosprezo o acaso – ele oferece-se às pessoas e
só pouquíssimos o aproveitam”.
A opção por Cervantes torna-se compreensível atendendo ao ambiente actual do atelier do
mestre em Paris – localizado no 8.º Bairro, perto
do Conservatório das Artes e Oficios e onde vive
desde 1963, muito antes de o Marais se tornar
na zona de artistas que é hoje. Num cenário surpreendentemente ordenado, vêem-se diversas
telas alusivas à saga de Dom Quixote, cortadas
com um inesperado retrato de Frida Kahlo.
«O livro das obras completas de Cervantes
era o que estava mais à mão, já que estou a fazer
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Julio
Pomar
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...
Lembrei-me da velha história dos dois tempos
completamente diferentes, da lenda da lebre e
da tartaruga, que nos faz recordar que cada um
...
de nós tem um ritmo diferente de viver o tempo.
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Julio
Pomar
Um relógio especial
Tal como a peça de Júlio Pomar foi especialmente concebida para o projecto
da Jaeger-LeCoultre que celebra a escultura portuguesa, também o correspondente relógio é único – e não se
trata de uma mera personalização através da assinatura do mestre ou da numeração: o modelo simplesmente não
existe na colecção da secular manufactura de Le Sentier, embora se baseie
no novo Master Control da linha Master Control 1000 Horas que simboliza a
suprema elegância da simplicidade.
Declinado numa caixa em ouro de 18
quilates com de 40 milímetros de diâmetro e fundo transparente em vidro
de safira, está limitado a 30 exemplares numerados e assinados. É alimentado pelo calibre de manufactura JLC
899, um movimento mecânico de
corda automática dotado de um rotor
com segmento em ouro de 22 quilates
assente sobre rolamentos de esferas
cerâmicas que dispensam manutenção
ou lubrificação; o balanço, de inércia
variável, bate a 28.800 alternâncias/
/hora para uma reserva de corda de 45
horas. Como todos os exemplares
Master Control, o relógio atravessou
uma intensa bateria de testes efectuada durante 1.000 horas como certificado suplementar de qualidade.
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imagens do Dom Quixote para o Expresso. Para
a escultura, fez-se uma reprodução fidedigna desse livro – um livro usado, com cerca de 40 anos
e vivido pelo tempo. A minha relação com Cervantes é natural; em todo o meu trabalho sempre
fui influenciado por Goya, Velázquez, Llorca e o
encanto com Cervantes foi quase inevitável –
começou nos anos 60 quando me foi proposto
ilustrar a versão portuguesa do Aquilino. Dom
Quixote é um personagem intemporal, não vive
sem o seu complemento Sancho Pança e os dois
são indissociáveis. O Homem é um misto dos
dois: Dom Quixote e Sancho Pança!».
À escuta do Tempo
Outro pormenor importante na escultura é a
saliência existente numa das orelhas da lebre –
concebida precisamente para aí ser pendurado o
relógio. E quando o relógio é colocado, passa a
haver uma clara interactividade: a lebre, atenta,
escuta. “Com a sua cabeça inclinada para o relógio, parece estar a ouvir o tempo passar”, diz o
autor.
A escultura, em três tons diferentes e com
cerca de dois palmos de altura, é reproduzida
no atelier parisiense de Daniel Pinoy – onde geralmente são materializadas as ideias de Júlio
Pomar. O relógio, em ouro rosa, foi concebido
nos ateliers da Jaeger-LeCoultre, na Vallée de
Joux suíça. Tanto a escultura em bronze como o
relógio em ouro têm a assinatura do mestre e
estão disponíveis em 30 preciosos conjuntos que
apresentam um valor artístico muito superior ao
do seu valor nominal: 19.750 euros.
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