MATÉRIA DE CAPA “MORENINHAS, NÃO! SOMOS NEGRAS” Cinco ativistas lindas, inteligentes e conhecedoras dessas e de outras qualidades que possuem criam um movimento de empoderamento da mulher negra no Estado e contam um pouco de suas histórias GUILHERME SILLVA [email protected] A atriz Taís Araújo, 37 anos, estourou como sucesso nacional em ‘Xica da Silva’, na extinta TV Manchete. Ela foi a primeira negra protagonista de uma novela. Taís também chama a atenção pela beleza. É uma estrela. Tudo isso, entretanto, não é o suficiente para acabar com o preconceito - nem no Brasil, nem no mundo. No final de outubro, uma foto de Taís no Facebook foi alvo de diversos comentários racistas. Entre os posts abusivos havia comentários como: “Já voltou da senzala?”, “Cabelo de Bombril” e “Quem postou a foto desse gorila?”. Em julho, a jornalista Maria Júlia Coutinho, a garota do tempo do JN, conhecida como Maju, também sofreu com o mesmo tipo de atitude. Em ambas as ocasiões, as hashtags #somostodotaís e #somostodosmaju se espalharam pelas redes sociais em solidariedade a ambas. O problema em relação às negras ultrapassa a questão de pele. No Brasil há o dobro de negras e pardas no serviço doméstico em comparação às mulheres brancas, de acordo com à Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE de 2013. Já a diferença no rendimento mensal das mulheres negras – que corresponde a 56% da renda das brancas–nãochegaàmetadedadoshomensbrancos, segundo o “Dossiê mulheres negras”, elaborado em 2013 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A resposta de Taís, na mesma rede social: “... Faço questão que todos sintam o mesmo que senti: a vergonha de ainda ter gente covarde e pequena nesse país, além do sentimento de pena dessa gente tão pobre de espírito. Não vou me intimidar, tampouco abaixar a cabeça. Sigo o que sei fazer de melhor: trabalhar. Se a minha imagem ou a imagem da minha família te incomoda, o problema é exclusivamente seu!” Para ajudar mulheres negras a enfrentar atitudes preconceituosas e, ao mesmo tempo, valorizar a beleza e o estilo afro é que surgiu, no Estado, o Encontro das Pretas - um evento de 14 REVISTAAG 29 DE NOVEMBRO DE 2015 empoderamento para mulheres negras e suas famílias. No próximo final de semana (5 e 6 de dezembro), elas se unem mais uma vez para realizarem a 2ª Edição do Encontro das Pretas – um evento de empoderamento para mulheres negras e suas famílias. A programação acontecerá no Clube de Pesca, em Vitória, com entrada gratuita. “É uma organização autônoma que faz ações deempoderamento,inicialmenteàmulheres negras de todas as idades, mas que acabou abrangendo e atingindo questões relacionadas ao povo negro de maneira geral, como homens e transexuais”, explica uma das integrantes, Priscila Gama. Para chamar atenção para essa situação, Priscila e mais quatro participantes do movimento Das Pretas contam um pouco da experiência de ser uma mulher negra no Brasil e de ter que enfrentar, ainda hoje, atitudes racistas. “O racismo aparece de várias formas. Tive um namorado branco e a família dele não gostava de mim, simplesmente por conta do tom da minha pele. A avó dele certa vez disse: ‘Pena que você é moreninha’”, relembra Priscila Gama. l “Meu primeiro namorado era branco, ele nunca me levava para conhecer a família. Um dia uma amiga dele disse: ‘Sua namorada é esta preta?’” JULIANA OLIVEIRA UNIVERSITÁRIA ©IZ`nWn Z`Hf`Mnô æäô IW`HfML`KáM`n Filha única de um engenheiro e de uma professora, a baiana Juliana Oliveira, de 23 anos, cresceu sabendo da importância de sua cor. De classe média, ela sempre foi uma exceção nos lugares que frequentava. E a educação em casa foi crucial para que ela soubesse quem era. Na sala de aula, quando adolescente, no curso de inglês e, agora, na turma da faculdade, sempre foi a única negra. “Quando mais nova isso me incomodava. Porém meus pais sempre deixaram claro que boa parte da população de negros não tinha as mesmas oportunidades que eu. Além disso, os livros e filmes também foram fundamentais para eu entender minha verdadeira história. Éumalutapormimepelosoutros.Fuiconstruindo a minha identidade ao longo do tempo”. Juliana, que veio para Estado cursar geologia, diz que o empoderamento como mulher – e negra – ficou ainda mais forte ao chegar por aqui. Certa vez, na inauguração de um shopping próximo a sua faculdade, ela sofreu racismo ao entrar numa loja de departamento com uma mochila. “Quando abri a bolsa para pegar a carteira, um segurança pegou no meu ombro, sendo que outras pessoas também estavam com mochilas no local. Só falei: ‘Tá achando que vou roubar uma barra de chocolate?’. Ele respondeu que eu tinha entendido errado. Como num shopping ao lado de uma faculdade não pode entrar com mochila?”, questiona. Ela conta que esse é apenas um episódio dos muitos que teve que enfrentar. A mãe é uma de suas referências. Tanto que ela nunca deixou que Juliana alisasse os cabelos. “O meu cabelo é crespo, sem química. Enquanto todas as minhas amigas alisavam os cabelos, eu fazia tranças e penteados afro. Agradeço até hoje por isso”, diz a menina que quer ter a experiência de trabalhar em Angola e também de abrir uma loja de produtos afros em Salvador, na Bahia. “Um lugar para as mulheres negras se sentirem em casa”.