NO MARULHAR COMPULSIVO das cidades subterrâneas… … os seres humanos atribuem “mistérios” aos alcances que desconhecem inventam “segredos” nas montagens que idealizam exaltam “revelações” nos círculos onde se movem disputam “sepulcros” no magma que os derrota: nunca considerando a “misteriosidade” originária que nisso os compromete. ... Todos os seres humanos nisso se comprometem. Misteriosidade será o sentimento matricial que nesse sentido os dinamiza, num movimento que representa o antagonismo positivo do medo do desconhecido e que se torna absolutamente caracterizador da sua condição de existir. Sendo, provavelmente, a maior benfeitoria que a evolução lhes concedeu, sem essa misteriosidade ainda permaneceriam na savana, apenas preocupados com as garras da próxima refeição e com o sexo do próximo cio. Inevitavelmente projectado para o exterior (o mistério das coisas) e para o interior (o mistério da existência) tal sentimento purifica-se na curiosidade e nas proposições de investigacionalidade, criatividade, cientificidade, religiosidade e capacidade de simbolização. Sem ele nunca existiriam magias nem religiões. ... Nascidos prematuros, por completo dependentes de quem os agasalhe, os seres humanos facilmente integram as suas ansiedades nessa misteriosidade inicial. Proporcionando grandiosos volumes e transcendentes tergiversações a essa complexa miscigenação, dela fizeram pesquisa, afirmação, cultura e maravilha, sobretudo depois de lhe haverem acrescentado o jogo das escondidas que nas cavernas exercitavam. Atribuíram-lhe a chave dos seus íntimos subterrâneos, esquecidos de que estavam a auto-encenar causas e consequências. No marulhar dos círculos concêntricos em que a partir daí passaram a rodar, à maneira da pedra que tomba no rio e recuar já nem pode, em protagonismos celestiais cuidaram de consumir-se e em guerras santíssimas trataram de matarse, a si mesmos e aos outros. Terá valido a pena? Chamando virtude a tais cometimentos, em nome de verdades imaginárias e de narcisismos de bairro, até hoje nada confirmaram do que “já sabiam”. ... A cultura dos sentimentos de mistério constitui a mais antiga crónica dos seres humanos. Constitui também uma das mais compulsivas e mortíferas práticas da cidadela onde moram. Será inteligente prosseguir? Olhando a História, talvez possamos concluir que eles ainda não encontraram as chaves do mistério das coisas, nem as chaves do mistério da existência, porque não há chave nenhuma nem mistério nenhum. Haverá apenas uma misteriosidade originária: … em roupagens nem sempre muito recomendáveis. … em seres “eternamente” atormentados pelas ansiedades que cultivam. Porto, Março de 2014 Jaime Milheiro