DE RECURSOS A SERES HUMANOS
O desenvolvimento humano na empresa
Ruy de Alencar Mattos
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................ 4
CAPÍTULO I A AÇÃO HUMANA NAS ORGANIZAÇÕES..................................................................... 6
1. O SER HUMANO TRANSCENDE A ORGANIZAÇÃO........................................................................ 6
2. VARIÁVEIS DA AÇÃO HUMANA NAS ORGANIZAÇÕES ............................................................... 9
2.1 PRODUÇÃO....................................................................................................................................... 9
2.2 POLITIZAÇÃO ................................................................................................................................. 12
2.2.1 AS TRANSFORMAÇÕES DO PODER NAS ORGANIZAÇÕES .................................................... 13
2.3 SAÚDE.............................................................................................................................................. 21
2.3.1 STRESS .......................................................................................................................................... 25
2.3.2 HÁ LUZ NO FIM DO TÚNEL ....................................................................................................... 30
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................ 31
CAPÍTULO II ORGANIZAÇÃO SOCIAL E RH ..................................................................................... 34
1. A CONCEPÇÃO DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL ................................................................................. 34
2. A CONCEPÇÃO DE RECURSOS HUMANOS .................................................................................... 35
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................ 37
CAPÍTULO III TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO: O MODELO DEMOCRÁTICO ........ 39
1. INTRODUÇÃO....................................................................................................................................... 39
2. ORIENTAÇÃO DO TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO ....................................................... 40
3. A ORIENTAÇÃO DEMOCRÁTICA DO T & D ................................................................................... 43
4. TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO E SISTEMA GERENCIAL ............................................ 45
5. A ORGANIZAÇÃO COMO SISTEMA DE APREND@GEM E DESENVOLVIMENTO .................. 47
6. A CO-GESTÃO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO NAS ORGANIZAÇÕES ............................ 49
7. QUADRO COMPARATIVO DOS MODELOS DE T&D. .................................................................... 52
8. APLICAÇÕES DO MODELO DEMOCRÁTICO DE T&D .................................................................. 53
8.l A Experiência do Ministério da Justiça............................................................................................. 54
8.2 A Experiência do Ministério da Saúde.............................................................................................. 55
8.3 A Experiência do Ministério da Educação e Cultura ....................................................................... 57
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ........................................................................................................ 58
CAPÍTULO IV CAD - A COMUNIDADE DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO ............ 60
O QUE É A CAD?....................................................................................................................................... 60
O que dá origem à CAD?........................................................................................................................ 61
Metodologicamente, quais são as bases da CAD? ................................................................................. 63
Quais são as Instituições e Empresas que vêm adotando a CAD como estratégia de educação
permanente e transformação cultural?................................................................................................... 64
CAPÍTULO V CAD - A COMUNIDADE DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO.............. 67
1. USOS E ABUSOS DA EDUCAÇÃO ..................................................................................................... 67
2. DA ESCOLA PARA A EMPRESA ........................................................................................................ 68
3- A COMUNIDADE DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO................................................ 70
3.1. Qualificação..................................................................................................................................... 72
3.2. Engajamento .................................................................................................................................... 72
3.3. Organização..................................................................................................................................... 73
3.4. Articulação....................................................................................................................................... 73
4. PROCEDIMENTOS PARA A IMPLANTAÇÃO DE COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM E
DESENVOLVIMENTO.............................................................................................................................. 74
4.1. Fase 1: Sensibilização ..................................................................................................................... 75
4.2. Fase 2: Contratação social.............................................................................................................. 76
4.3. Fase 3.- Diagnóstico de necessidades ............................................................................................. 77
4.4. Fase 4: Diagnóstico de potencialidades .......................................................................................... 78
4.5. Fase 5: Planejamento das ações de aprendizagem e desenvolvimento ........................................... 78
4.6. Fase 6.- lmplementação ................................................................................................................... 78
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................ 79
CAPÍTULO VI ORGANIZAÇÕES EM MUDANÇA ................................................................................ 80
1. AS FALSAS PREMISSAS DO DESENVOLVIMENTO....................................................................... 80
2. COMPREENDENDO O FENÔMENO DA MUDANÇA ...................................................................... 85
2.1. Concepção Sócío-Psicológica.......................................................................................................... 86
2.2. Concepção Estruturalista ................................................................................................................ 87
2.3. Concepção Evolucionista................................................................................................................. 87
2.4 Concepção Teleonômíca ................................................................................................................... 89
3. UMA TENTATIVA DE INTEGRAR AS DIVERSAS CONCEPÇÕES SOBRE MUDANÇA ............ 90
4. RESISTÊNCIA ÀS MUDANÇAS NAS ORGANIZAÇÕES ................................................................. 93
4.1. O Fenômeno da Resistência às Mudanças....................................................................................... 93
4.2. Fatores Dificultadores do Desenvolvimento das Organizações Públicas Brasileiras..................... 95
4.2.1. Um Pouco de História .................................................................................................................. 95
4.2.2. Análise de Fatores Dificultadores da Mudança nas Organizações Públicas. .............................. 98
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................................... 109
INTRODUÇÃO
Quando há cerca de 2.300 anos atrás Aristóteles afirmou que precisava
ser criada uma ciência do senhor e uma ciência do escravo e que a
primeira teria como finalidade ensinar os métodos e procedimentos de
como os dirigentes, chefes, lideres, enfim os dominadores, deveriam
dirigir a força de trabalho escrava, tornando-a aplicada no desempenho
das tarefas e dóceis no seguimento das ordens, certamente não
imaginou o quão fortemente determinaria o futuro das relações de
trabalho, transformando as empresas e instituições em espaço de uso,
exploração e opressão dos seres humanos por outros seres humanos.
A pretensa diferença entre senhor e escravo, manteve os laços de
autoritarismo/submissão, antes pela força física e pela fome, agora pelo
medo (da perda do emprego) e pelas exigências metodológicas e
tecnológicas dos "modernos" procedimentos organizacionais. Quando
nas primeiras décadas desse século o engenheiro americano Taylor, em
nome da economia de custo e do aumento da produtividade,
fragmentou o trabalho em micro-operações ele, de fato, conseguiu
concretizar o sonho aristotélico, e a "ciência" do senhor foi prontamente
transformada em modelo de produção nas linhas de montagem da Ford
e de tantas outras fábricas.
Na esteira desse paradigma hediondo, o escravo da antigüidade cedeu
lugar ao homem-recurso, homem-instrumento, nas fábricas e empresas
de um modo geral.
Ainda atualmente, às vésperas do 3o milênio, seres humanos recrutados
no mercado de desempregados são compelidos a se ajustarem a regras
que subjugam a vontade, a métodos que oprimem o pensamento, a
procedimentos que amortecem a motivação e entorpecem as emoções e
as estruturas hierárquicas que aniquilam a liberdade humana.
Este é o cenário empresarial, onde o ser humano investe sua energia,
seu conhecimento e seu tempo de vida. E é nesse contexto que
precisamos encontrar novos caminhos, construir novos modelos de ação
e conceber novos paradigmas que realmente contribuam para que o
processo de Desenvolvimento Humano seja um direito do Trabalhador
(gestor e operário), coerente com a necessidade de modernização da
empresa e de melhoria da qualidade dos serviços e produtos que gera
para a sociedade. Este livro reflete um compromisso com estas
diretrizes.
O autor.
CAPÍTULO I
A AÇÃO HUMANA NAS ORGANIZAÇÕES
1. O SER HUMANO TRANSCENDE A ORGANIZAÇÃO
A história que o ser humano vem traçando, ao longo de gerações,
apresenta uma trajetória sinuosa, delineada por decisões antitéticas do
tipo:
conformar-se em coletividade ou manter a individualidade, como
forma de responder às exigências ambientais;
associar-se a grupos de interesse ou isolar-se, em ações
autogeridas, para empreender novos rumos;
submeter-se a hierarquias ou tornar-se marginal, para construir
sua identidade;
prender-se a costumes e tradições, cultuando o passado, ou
soltar-se a cada dia, preparando o futuro;
alienar-se, massificando-se em troca de segurança e conforto ou,
criticamente conscientizar-se, arriscando-se a sofrer privações,
embalado por utopias.
A própria noção de liberdade, ao ser analisada sob as perspectivas
orientais e ocidentais, apresenta-se com duas faces:
"No mundo ocidental experimentamos a liberdade como expressão
individual; no oriente, por outro lado, a liberdade é experimentada como
participação. Vive-se mais no contexto da comunidade e a liberdade de
cada um deriva da participação no grupo." (1)
Apesar das contradições e dilemas que o condicionam, o ser humano,
enquanto sujeito político, histórico e cultural, transcende o âmbito das
organizações, tornando-as partes de sua totalidade pessoal.
O homem, ao caracterizar-se como ser multidimensional, constrói-se na
relação com outros, sem perder, no entanto, sua singularidade. Dentre
as dimensões que lhe dão identidade, ressaltamos:
a física, que lhe provê forma e suporte para inserir-se no espaço;
a fisiológica, que lhe permite sintonizar-se com os fluxos e cicios
das vidas vegetal e animal;
a psíquica, que lhe dá referência e meios para sentir, compreender
e atuar em seu cenário;
a social, que lhe permite construir-se culturalmente, projetando-se
no futuro, por meio de suas obras coletivas; a econômica, que o
habilita a transformar os recursos da natureza e da sociedade em
instrumentos, bens e serviços para sua sobrevivência e seu bemestar;
a política, que lhe permite superar limitações decorrentes de sua
natureza bio-psico-social, lançando-o nos níveis simbólico e
axiológico de sua existência. Nesse sentido "o anseio supremo do
animal político é a dignidade humana, o auto-respeito /... /" (2)
a mística, que o torna transcendente e passageiro da viagem
rumo ao atemporal e aespacial, dimensão onde se fundem, em
síntese, a energia, a matéria e a informação. Este estágio faz com
que:
"Matemáticos da mais alta expressão, como Göedel, assumam uma
atitude meio mística em relação à fonte de sua percepção em
matemática. Não sabem que fonte é essa, chamam-na "misteriosa".
Assim fizeram Poincaré e Einstein".(3)
Para melhor situarmos o ser humano ante os fenômenos
organizacionais, precisamos ter sempre em mente, a origem das
organizações.
Historicamente, tanto a organização da produção coletiva (empresas)
como a organização das ações coletivas de controle social (Estado,
instituições governamentais ou não) foram criadas tendo em vista a
satisfação de necessidades, natural ou artificialmente provocadas,
emergentes no âmbito da sociedade.
As primeiras surgiram como meios agregadores de recursos financeiros
e materiais, de tempo e energia humanas, para que, uma vez
coordenadas sob certos requisitos, viabilizassem a produção de serviços
e a transformação de recursos da natureza em bens de uso e consumo,
com menor dispêndio de recursos, tempo e energia e maior retorno final
do esforço produtivo. De acordo com Karl Marx:
"A cooperação permite estender, na superfície, a esfera do trabalho;
assim, certos trabalhos reclamam-na por causa de sua própria extensão,
como a irrigação, a construção de diques, canais, rodovias, estradas de
ferro. Por outro lado, aumentando a produção, ela permite localizar o
processo de trabalho num espaço menor. Esse duplo efeito, localização
mais estreita com intensificação concomitante do trabalho, permite
suprimir uma quantidade de gastos inúteis: isso resulta da aglomeração
e da concentração dos meios de produção".(4)
As segundas (Estado e demais instituições de controle social foram
criadas no embate político-econômico-simbólico entre classes sociais e
grupos de interesse, durante a disputa pelo controle dos meios de
dominação. Nesse sentido, estas organizações reproduzem no espaço
micropolítico das relações de trabalho, as contradições que lhes deram
origem, ao invés de constituírem instrumentos neutros a serviço da
sociedade.
"Compreender o Estado como a condensação de uma relação de forças
entre classes e frações de classe tais como elas se expressam, sempre
de maneira específica, no seio do Estado, significa que o Estado é
constituído - dividido de lado a lado pelas contradições de classe".(5)
Desse modo, sob a perspectiva da realização e do desenvolvimento
humano, é crucial que percebamos as organizações como meios,
instrumentos a serviço do Homem; e não o inverso, como vem sendo
impingido ideologicamente por grupos de elite, detentores do poder
econômico, político e/ou simbólico e que precisam, para sua própria
manutenção, que os indivíduos não pertencentes a seus círculos
acreditem, ou mais, tenham como dogma de fé, que as organizações
constituem o fim último, a entidade que transforma os seres humanos
em recursos dos quais lança mão, para alcançar "seus" objetivos.
A combinação da alienação com a reificação é condição indispensável
para que essa absurda antropomorfização das organizações ocorra,
fortalecida pelo seu complementar reducionismo mecanicista que
transforma o ser humano em recurso, criando uma nova lógica,
responsável, em última instância, pelo estado de coisas que hoje
estamos vivendo.
É fato que algumas das dimensões humanas manifestam-se no
ambiente organizacional, por meio do desempenho de papéis funcionais.
A pessoa, porém, enquanto totalidade, transcende à organização ao
fazê-la instrumento de sua satisfação, de seu desenvolvimento e de sua
criatividade. Não será nesse microespaço sócio-laboral, portanto, que o
ser humano realizar-se-á, irradiando todas suas potencialidades. Iludirse com isso é tentar enfiar o todo em uma de suas partes.
Inúmeros profissionais ligados às chamadas ciências comportamentais
têm insistido na miopia de seus enfoques, tentando ingenuamente
modelar, com boas intenções, o homem organizacional - um ente ideal
surgido após a revolução industrial, identificado com os objetivos e
aculturado aos valores produtivistas dos patrões e dirigentes da
empresa - um ser miniaturizado, qual um sofisticado transistor de um
avançado sistema eletrônico, porém, manipulável, ajustável,
substituível. Em conseqüência, não é demais alertarmos para o fato de
que o estado de vida infra-humano encontrado em muitas organizações
constitui um flagrante desrespeito à dignidade humana.
É verdade que os castigos físicos foram abolidos, porém
psicotecnologias foram criadas para substituir a chibata e, a serviço do
lucro, conseguir motivar aqueles indivíduos renitentes que teimam em
não colaborar na execução de tarefas que lhes parecem desprovidas de
significado e relevância.
Como educadores, devemos assumir nossos papéis de crítico e de
agente de mudança desse status quo, mesmo que seja no âmbito
restrito de uma Unidade Administrativa, independentemente de seu
tamanho relativo.
Não nos podemos esquecer de que um processo de mudança
consistente, mesmo que concentrado num foco setorial, pode repercutir
por toda a organização, abalando as estruturas do status quo e criando
condições para sua reconstrução em bases mais adequadas ao
desenvolvimento dos seres humanos, sejam estes seus atores internos
ou seus clientes finais.
2. VARIÁVEIS DA AÇÃO HUMANA NAS ORGANIZAÇÕES
As dimensões da vida humana (física, fisiológica, psíquica, social,
econômica, política e mística), realçadas anteriormente, expressam-se
nas organizações, de um lado, por meio do desempenho de papéis e, de
outro, mediante atitudes e comportamentos assistemáticos,
fundamentados em emoções, valores, expectativas, necessidades e
características pessoais que compõem a personalidade. O desempenho
de papéis é definido, estruturalmente, pelos estatutos, regimentos,
normas, manuais e outros instrumentos jurídicos que visam a
sistematizar o comportamento do indivíduo (fatores estruturais). Por sua
vez, todo o conjunto de expressões individuais e coletivas não prescritas
e, até mesmo, reativas aos papéis, atribuições e competências, constitui
os fatores estruturais. Um terceiro grupo de fatores organizacionais
denominados por Guerreiro Ramos de "estruturantes", que constitui as
decisões, assume a função de regulador, mediador dos fatores
estruturais e estruturais ensejando o delineamento da cultura e do
padrão de desempenho de cada organização, nesse processo dialético.
Num outro nível de análise, a ação humana expressa-se nas
organizações por meio de três variáveis: produção, politização e saúde.
2.1 PRODUÇÃO
Esta variável tem-se destacado em todas as teorias administrativas,
desde a clássica, que se orientava explicitamente por pressupostos
produtivistas, passando pela chamada Escola das Relações Humanas,
que pregava, camuflando sua ideologia produtivista, a melhoria das
relações interpessoais no ambiente de trabalho, e finalmente alcançando
os enfoques contingencial, sócio-técnico e sistêmico. Ademais, a bem da
verdade, essa visão do ser humano como recurso ou fator de produção,
não é exclusiva da lógica capitalista, pois as economias estatizadas
(URSS, China, Cuba etc.) têm na produção a variável principal da
administração de suas empresas estatais. Essa ênfase na produção
normalmente respalda-se em valores estabelecidos nos primórdios da
organização coletiva do trabalho humano. Não nos esqueçamos de que,
não apenas na Grécia antiga, o trabalho produtivo era atribuído aos
escravos, ficando aos senhores o tempo livre para filosofar, deleitar-se
com os prazeres da vida, guerrear, caçar e descansar.
"Nessa época a valorização do trabalho é relativa, pois se era
importante o desenvolvimento de uma tecnologia a ser aplicada aos
assuntos práticos, a atividade em si não chega a granjear notoriedade,
preferindo os nobres, e os que possuíam posses, viver sem trabalhar. O
trabalho era valorizado na medida em que garantia a imortalidade do
sujeito, quer por meio de uma obra arquitetônica, quer por meio de um
texto poético ou literário".(6)
Em Portugal e Espanha, os mosteiros foram as primeiras organizações a
assumir o trabalho produtivo sistemático como forma de suprir as
necessidades imediatas dos seus membros e dos moradores das
cercanias, mas principalmente como forma de manifestar o voto de
pobreza, de penitenciar-se na Terra pelo pecado original e de garantir
créditos para a conquista do reino dos céus.
Gradualmente, a partir de meados do século XVI, o trabalho produtivo
foi subindo na escala de valores da sociedade, impulsionado,
principalmente, pela ética puritana. Centrando-se cada vez mais no
mercado, com a divisão dos indivíduos em produtores e consumidores,
ela foi deixando de lado valores até então prezados, tais como o lazer, a
expressão criativa, a reflexão, a interação simbólica, a participação nos
destinos da cidade, do país etc. Em lugar destes, passou a enfatizar
valores utilitaristas, invertendo a hierarquia axiológica até então aceita.
Assim, Guerreiro Ramos aborda a questão:
"Diversos estudiosos vêm examinando as condições religiosas da
ideologia inerente ao sistema de mercado, e salientam que tal ideologia
não representa a contribuição de uma única pessoa, mas resultou de
esforços confluentes de filósofos como Hobbes e Locke, de reformadores
religiosos como Lutero e Calvino, de moralistas como Bentham e outros,
que elaboraram o antecedente teórico do ethos utilitarista".(7)
Os efeitos da exacerbação da variável produção na sociedade, e a
conseqüente transformação do ser humano em recurso ou em fator
produtivo, estão aí para serem constatados. Basta abrirmos os olhos
para vermos a "Sociedade Organizacional", filha da sociedade centrada
no mercado, que nasceu em nosso século e que promete ampliar-se
daqui para diante. Nesse novo cenário, a pessoa passou a ter um valor
correspondente à importância de seu emprego ou à sua capacidade
produtiva. Os "caçadores-de-cabeça" (Headhunters) responsáveis pela
contratação de executivos e especialistas para as grandes empresas
demonstram, com muita crueza, o significado de objeto econômico que
os indivíduos "caçados" passaram a representar. A semelhança dos
índios antropófagos, os modernos caçadores-de-cabeça, disfarçados de
paletó e gravata e equipados com sofisticados computadores portáteis,
agendas eletrônicas e outras "armas" à altura da empreitada, assumem,
ritualmente, o mesmo papel de seus "colegas" aborígenes, procurando
as presas mais robustas em curriculum, os mais agressivos
empreendedores, os mais espertos, enfim, os mais "suculentos" para
serem servidos nos banquetes dos novos deuses da economia selvagem
Os super-managers, pagos a peso de ouro, e mesmo os especialistas
menos aquinhoados, terão, ao longo de alguns anos de muito trabalho
produtivo - razão exclusiva de suas vidas - suas cabeças miniaturizadas,
seus corpos mumificados. Se observarmos seus rostos com atenção,
veremos estampada uma espécie de sorriso heróico, cheio de falso
orgulho, pelos inúmeros sacrifícios pessoais que tiveram de assumir em
prol do engrandecimento das suas corporações. É quase certo também
encontrarmos em muitos destes "ex-combatentes" da produção, ao
olharmos seus peitos (antes estufados), diversas "condecorações" a que
fizeram jus: pressão arterial descompensada, dores de coluna, ponte, de
safena, úlceras, gastrites crônicas, obesidade, alcoolismo, tabagismo
etc. Será que exagerei na descrição do quadro resultante da
exacerbação de valores utilitaristas de nossa sociedade centrada no
mercado?
Pois tenho certeza de que você, leitor, conhece pelo menos meia dúzia
de pessoas que involuntária, inconsciente, ou mesmo deliberadamente,
estão se ofertando em sacrifício, quando ainda não foram sacrificadas,
ao sistema produtivista.
Podemos concluir, a partir dessa incursão crítica nas origens religiosas e
econômicas da ideologia do trabalho produtivo como valor primordial da
sociedade centrada no mercado, o quão necessário se faz a recolocação
da variável produção em seu devido lugar, isto é, como componente da
ação e da condição humana nas organizações.
Mediante o trabalho, o ser humano, ao produzir algo, produz também a
si próprio. Portanto, quando deste trabalho são retirados todos os
elementos desafiadores, criativos, prazerosos e, principalmente, a
possibilidade de o indivíduo deliberar sobre seu próprio desempenho e
de participar na definição dos objetivos de seus esforços. o que resta?
Somente o bagaço do trabalho. Toda a substância que daria sentido à
ação humana foi extraída e, nesse processo, extraiu-se também a
possibilidade de o ser humano fazer-se alguém digno, saudável, alegre,
criativo, responsável, enfim, um ser integral.
O trabalho, mantido em sua forma integral, constitui um meio de
libertação do ser humano, que, ao criar novos serviços, equipamentos,
utensílios, passa a desfrutar de recursos que a natureza mantinha
guardados. Em nossa época, de final de século e de milênio, a
"tecnologia de ponta" vem abrindo para a vida humana, horizontes
sequer imaginados há dez anos atrás. Os avanços da microeletrônica,
das telecomunicações, da teleinformática, da robótica, da química fina,
dos novos materiais, dos novos meios de transporte e da engenharia
genética, das descobertas da física quântica e da astrofísica, atestam a
grandiosidade da criação humana.
Entretanto, convivemos ao mesmo tempo com a persistência de índices
elevados de analfabetismo, precárias condições de saúde pública, fome
endêmica em inúmeros países, totalitarismo de governos que continuam
esmagando a liberdade, consumo de drogas, doenças mentais e
psicossomáticas, entre tantos outros indicadores da grande vergonha
que é a condição infra-humana ainda presente em parcela significativa
da humanidade.
Como compreender esse cenário tão contraditório e esquizofrênico?
Infelizmente, tal realidade está presente tanto no macro quanto no
microssocial, alertando-nos de que, à semelhança da fotografia
holográfica, o todo também está contido em cada uma de suas partes,
com sua qualidades mazelas.
Continuando a análise da realidade organizacional, podemos encontrar,
também neste nível, algumas respostas para o paradoxo anteriormente
citado. Nesse sentido, precisamos compreender os significado das
variáveis Politização e Saúde, que a seguir enfocaremos
2.2 POLITIZAÇÃO
A existência desta variável da ação humana nas organizações, só
recentemente vem sendo reconhecida pelos teóricos da administração e
da psicologia organizacional, apesar de o seu uso remontar ao início das
próprias organizações e, mais do que isso, de constituir um dos alicerces
para a construção e a manutenção destas. O reconhecimento de sua
importância foi a condição básica para o início de seu desvendamento,
que ainda ensaia seus primeiros passos. Para nos desincumbir dessa
tarefa, precisamos incursionar pelos campos da filosofia, da história, da
sociologia, da antropologia, da ciência política, da psicologia e da
administração, rompendo barreiras e preconceitos corporativistas. A
variável politização constitui um dos fatores de facilitação ou de
dificultação do processo de desenvolvimento humano nas organizações.
Entendemos por politização a ação de lidar com o fenômeno do poder
que, por meio de relações interpessoais diretas e/ou simbólicas, permeia
todas as relações de trabalho, desde aquelas estabelecidas com agentes
situados fora da organização (Governo, clientes, fornecedores,
concorrentes), passando pelas relações de subordinação (do presidente
ou diretor até o encarregado de setor) até incluir as relações entre
pares. Entretanto " em que pese ser o poder fenômeno essencialmente
relacionar, dependendo para sua manifestação da interação entre, pelo
menos, dois indivíduos, ele se reifica, se objetiva, nos símbolos de
status, distinguindo os indivíduos conforme o quantum de poder que
cada um detém, e, consequentemente, transformasse em algo concreto
por meio do qual seu detentor passa a usufruir de benefícios e
vantagens materiais e psicológicas".(8)
2.2.1 AS TRANSFORMAÇÕES DO PODER NAS ORGANIZAÇÕES
Primariamente, em seu estado mais rudimentar, o poder, enquanto
fenômeno inerente às relações sociais produtivas, surgiu com a
agregação de pessoas e grupos em torno de objetivos comuns, tais
como defender-se de ameaças naturais ou de outros grupos, conquistar
novos territórios de caça, recursos minerais e/ou vegetais, realizar
operações, do tipo: construção de obras públicas, pesca oceânica,
preparação de terreno para a plantação, colheita etc. As relações de
comando-subordinação são inerentes à realização dessas grandes
operações, porém restringem-se ao espaço e ao tempo de sua
execução, de modo que, ao concluir um mutirão, por exemplo, cada
participante retoma sua condição anterior, desfazendo o contrato de
subordinação, necessário à organização das ações coletivas das quais
tomou parte.
Portanto, o exercício do poder, nessas situações, é tipicamente funcional
e circunstancial, cumprindo um papel necessário ao bom desempenho
do trabalho e, consequentemente, à obtenção dos resultados almejados.
A estruturação de organizações sociais permanentes ao longo da
história, tais como os governos, as igrejas, os mosteiros, os exércitos,
os presídios, os hospitais, as academias e, mais recentemente, as
grandes corporações comerciais, foi acompanhada pela transformação
da natureza do poder, enquanto fenômeno ordenador do desempenho
de papéis em coletividade. Neste período, que se estende até o século
XVII e que poderíamos caracterizar como a segundo fase do poder, seu
uso está mais vinculado a questões como defesa ou conquista de
territórios, práticas simbólicas e de manutenção de rituais civis (cortes e
academias) e religiosas (igrejas, mosteiros) e ao controle de
contingentes humanos (presídios, hospitais).
Foi somente a partir do século XVIII que a terceira transformação do
poder, caracterizada pelo seu uso enquanto meio viabilizador da
produção coletiva, estruturou-se e passou a estruturar a própria
organização social. Essa transformação se deu pela "invenção" da
disciplina - método de controle do comportamento, do tempo e do
próprio corpo humano, enquanto instrumento de produção. Nesse
sentido, a disciplina exerce seu controle, não sobre o resultado de uma
ação, mas sobre seu desenvolvimento. No século XVII, nas oficinas de
tipo corporativo, o que se exigia do companheiro ou mestre era que
fabricasse um produto com determinadas qualidades. A maneira de
fabricá-lo dependia da transmissão de geração em geração. O controle
não atingia o próprio gesto /.../. A partir do século XVII, desenvolve-se
uma arte do corpo humano. Começa-se a observar de que maneira os
gestos são feitos, qual o mais eficaz, rápido e melhor ajustado / ...
/".(9)
Com esta tecnologia micropolítica à disposição do empresário, foi fácil
"domesticar" o trabalhador e equipará-lo aos demais recursos e
instrumentos de produção, simplificando-se os métodos, arranjos
espaciais e equipamentos, num esforço conjugado de redução de custos
e conseqüente aumento de lucratividade. Sob a aprovação dos padrões
de conduta estóicos, garantidos pela moral protestante, transformou-se
o trabalho em sagrada penitência, purificadora dos pecados e salvoconduto para o reino dos céus, reeditando-se o velho pressuposto
aristotélico de que "alguns instrumentos são inanimados, outros são
vivos (por exemplo, para o piloto o timão é um instrumento inanimado e
o marinheiro vigilante na proa das naus é um instrumento vivo, pois o
elemento auxiliar em qualquer atividade é um instrumento)".(10)
Estava preparada a ante-sala da chamada revolução industrial e, com
isso, o início da quarta transformação do fenômeno do poder nas
organizações.
Esta quarta fase, que dura até hoje, foi inaugurada por F. W. Taylor
(l856-1915), o célebre engenheiro. Caracterizou-se pela fragmentação
do trabalho em operações extremamente simples, combinada com a
individualização das tarefas, de modo a evitar, ao máximo, a
comunicação entre os trabalhadores, considerada um fator redutor de
produtividade. Entretanto, depois de fragmentar o trabalho produtivo
em seus elementos mais simples, Taylor deparou-se com uma questão
crucial: "como garantir o respeito ao modo operatório e sua execução no
tempo fixado? Em outras palavras, de que hierarquia, de que vigilância,
de que comando devia-se dotar a nova organização do trabalho? Taylor
imaginou então um meio de vigiar cada gesto, cada seqüência, cada
movimento na sua forma e no seu ritmo, dividindo o modo operatório
complexo em gestos elementares mais fáceis de controlar por unidades,
do que o processo no seu conjunto. Ele sistematizou este método e o
instituiu em princípio: vários gestos não deviam mais ser executados
por um só operário, sem que entre cada um deles se interpusesse uma
intervenção da direção'."(11)
Com o que se convencionou chamar de Organização Científica do
Trabalho, o processo de alienação do trabalhador adquire um respaldo
"científico", passando a justificar-se tecnicamente. Retira-se do
trabalhador o conhecimento da tarefa global, seus objetivos, sua
possibilidade de administrar seu próprio tempo e seus instrumentos.
Resta-lhe, tão somente o fazer, a execução acrítica e neurotizante de
fragmentos do trabalho. "A hierarquia tem a seu cargo problemas de
concepção, de decisão, de coordenação e de controle. Detém o saber e
representa a autoridade (o poder).(12)
Taylor, de fato, conseguiu criar a tão sonhada 'Ciência do Senhor" a que
se referiu Aristóteles, há 2.300 anos atrás.
Incrível a semelhança de pontos de vista entre aquele pensador grego,
preceptor de Alexandre, o Grande, e funcionário de Felipe da Macedônia,
e Taylor, esse engenheiro que, a serviço do ainda incipiente capitalismo
selvagem, sistematiza o processo de desumanização do trabalhador,
refazendo em escravo, aquele que já se havia libertado pela Revolução
Francesa.
Já ao final da década de 80, podíamos antecipar o que consideramos a
quinta transformação do fenômeno do poder nas organizações. Dessa
transformação está surgindo uma nova fase das relações e condições do
trabalho coletivo. Esse novo trabalho está sendo construído sobre um
pilar político - a libertação humana, que, num movimento de reação à
reescravização aristotélico-taylorista, lança as bases de reintegralização
do Homem enquanto ser bio-psicohistórico-político, capaz de
manifestar-se como sujeito (e não objeto) de seu processo de
desenvolvimento pessoal e coletivo.
A reintegralização do trabalho responde à necessidade humana de
politização da perso nalidade que "pode ser destacada como uma
característica de particular importância para a manutenção da
democracia /.../. O desinteresse pelas relações e práticas políticas é
uma abdicação da auto-responsabilidade".(13)
E foi exatamente essa abdicação da auto-responsabilidade, um dos
resultados mais perversos da organização mecanicista do trabalho. Em
conseqüência, surgiram a irresponsabilidade, a apatia, o desinteresse,
como componentes rotineiros do comportamento do trabalhador. Como
paliativo para essa situação, as inúmeras pesquisas, promovidas pelos
próprios empresários, apontaram como solução a adoção de políticas de
benefícios e práticas motivacionais como forma de apaziguar os mais
exaltados e despertar o entusiasmo dos mais apáticos sem, no entanto,
mudar a situação intrinsecamente desmotivadora do trabalho
desfigurado. A resposta mais comum a tais práticas manipuladoras tem
sido o cinismo, que se traduz em participação aparente, em satisfação
imediatista e em novas reivindicações por mais e mais benefícios, numa
espécie de jogo que se estabelece entre os administradores e os
trabalhadores (no serviço público, então, esse fenômeno é patente - o
estado de "greve branca permanente" demonstra o que estamos
dizendo).
O movimento de reintegralização do trabalho, por sua vez, tem atestado
que a solução da situação criada precisa passar, necessariamente, pela
discussão aberta sobre as condições e relações de trabalho e pelo
reconhecimento do trabalhador como interlocutor competente para,
junto com os empresários e administradores, construírem novas bases
para o aprimoramento do trabalho nas organizações.
Ao fazermos a análise de nossa recente história trabalhista,
constatamos essa tendência de as organizações assumirem cada vez
mais a função de palco para a administração e solução dos conflitos do
trabalho, substituindo a situação em que o governo, enquanto
representante do empresariado, ditava as regras e impedia que os
trabalhadores exercitassem seu direito de agentes políticos na busca de
soluções para as questões trabalhistas. Ainda hoje se ouve algumas a
autoridades remanescentes daquele tempo fazerem comentários de que
"esta greve é de natureza política" (portanto deverá ser declarada ilegal
pela justiça trabalhista).
Felizmente nossos magistrados evoluíram na análise de cenários
trabalhistas e já não embarcam na falácia de que a greve só pode ser
usada como instrumento de pressão quando motivada por questões
salariais. Ora, as condições físicas, psíquicas e sociais, a qualidade das
relações de trabalho e a própria condução dos destinos da organização,
não são fatores relevantes? Acontecimentos recentes atestam que o são
e o serão cada vez mais. Em 1987, os funcionários de uma empresa
estatal paralizaram suas atividades para protestar contra os desvios nos
objetivos institucionais do órgão.
Nesse sentido o acontecimento mais significativo foi a aprovação de
nossa nova Constituição, que estabelece, explicitamente:
Art. 9º. É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores
decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que
devam por meio dele defender.
Art. 10º. É assegurada a participação dos trabalhadores empregados
nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais
ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação.
Art. 11º. Nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada
a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de
promover-lhes o entendimento direto com os empregadores.
Temos, portanto, o instrumento legal para a construção dessa nova fase
do trabalho. Entretanto, o risco desses preceitos constitucionais
tornarem-se letra morta, paira sobre nossas cabeças como uma espada
de Dâmocles. O discurso "cínico" característico daqueles que mantêm as
regras do status quo e não as querem alterar, tem-se combinado com o
discurso "tísico" daqueles que, sofredores crônicos de injustiças e
indignidades, já se sentem desalentados e incapazes de mudar a
realidade que os vem consumindo gradualmente. Nessa simbiose
macabra, nossa sociedade é golpeada diuturnamente, gerando um
processo entrópico cujos resultados estão estampados nos indicadores
sociais e econômicos dessa década. Um indício de nossa patologia
cultural é a reduzida capacidade de mobilização coletiva que se expressa
na acomodação diante de situações difíceis, na espera de que algo
mágico aconteça ou de que algum "salvador" apareça para concretizar
nossas expectativas. Mas, a reação a tal patologia cultural, começa a
ocorrer. E isso passa por todos os níveis da ação humana, desde o
familiar, o escolar, o organizacional, ao societal. Ao nível societal, o
movimento das "Diretas Já" representou um exemplo marcante desse
despertar.
Em nossa análise (organizacional), a garantia dessa reconstrução passa
pelo resgate da variável política como elemento indissociável e,
portanto, legitimo do ambiente de trabalho. "A política e o poder, que
até bem pouco tempo pareciam categorias concernentes às relações
sociais macroscópicas, são hoje vistas como categorias do
comportamento administrativo. As relações entre indivíduos e entre
pequenos grupos dentro da Organização, não se passam como supunha
a teoria administrativa tradicional, isto é, como se estivessem
assepticamente limpas de políticas e de vontade de poder.
A política e o poder deixaram de ser assim manifestações clandestinas
na Organização e ganharam hoje um quadro formal na teoria
administrativa".(15)
É com base nesse axioma organizacional que precisamos compreender
como a variável politização manifesta-se nessa quinta fase do poder.
Em nossa vivência como consultor de organizações, temos observado a
valorização cada vez mais incisiva (em algumas empresas já se
transformando em bandeiras de luta) de princípios políticos, tais como:
legitimidade, engajamento, representatividade, igualitarismo,
autodeterminação, autocontrole, que há bem pouco tempo só faziam
parte de discursos político-partidários ou de teses acadêmicas.
A partir de meados da década de 80 intensificou-se a prática
democrática de legitimação do ocupante de cargo de direção em
organizações públicas e privadas. Exemplos disso, como as eleições de
diretores, de chefes de departamento e, até mesmo, de cargos
gerenciais menores, não são mais raridade nem novidade; em todas as
universidades federais, as eleições de reitor e pró-reitores já estão
consolidadas e, em algumas, também as de chefes de departamento.
Além disso, tem-se procedido às eleições de representantes de
funcionários para os Conselhos Diretores de empresas. (O Banco do
Brasil S.A., por exemplo, elegeu seu primeiro representante dos
funcionários junto ao Conselho Diretor, em 1987).
O engajamento constitui outro princípio inerente a esta fase de
politização. Nesse sentido, substitui-se gradualmente o discurso técnico
de motivação para o trabalho (leia-se para o aumento da produtividade)
pela necessidade de obter-se engajamento efetivo no processo de
desenvolvimento da empresa, enquanto entidade prestadora de serviços
e produtora de bens que realmente correspondam às necessidades da
comunidade, em qualidade, preço e valor social. O capitalismo moderno
que se vem construindo nessa fase, passa obviamente pela questão da
participação dos trabalhadores nos resultados financeiros (lucro) de seu
trabalho, tornando-os parceiros do empreendimento, em seus êxitos e
fracassos.
Ligado a isso, outro fator de politização é a representatividade,
enquanto possibilidade de participação do trabalhador no processo
decisório, de forma direta ou indireta (por meio de representantes),
desde o nível estratégico-mercadológico ao operacional. Desse modo,
obtém-se a recolagem da execução com o planejamento e o controle de
qualidade, fortalecendo-se os laços mútuos (empregador/empregado)
de responsabilidade pelos destinos da empresa. Assim, as expectativas
de igualitarismo, de autodeterminação e de controle vão sendo
concretizadas concomitantemente ao aprimoramento do processo de
trabalho. Isto confirma que: "a reivindicação difusa da autogestão, isto
é, da organização do grupo por si mesmo e da reconquista de suas
atividades, constitui a resposta à heteronomia imposta pela disciplina
burocrática".(16)
No contexto internacional, essa fase de democratização da organização
já se encontra em estágio avançado.
São exemplos eloqüentes a Noruega e a Suécia, que procederam à
transformação do trabalho em escala nacional.
Na Noruega esse processo seguiu-se à constatação ocorrida "por volta
de 1960, quando os meios industriais e sindicais noruegueses reuniramse para deplorar os desvios existentes entre a democratização social do
país e a organização hierárquica da empresa".(17) Constatação esta,
reforçada pelo fato de que "a geração jovem, cujo nível de ensino é
mais elevado, quer colher mais do que dinheiro e bens da sua vida
profissional. Aspira a fazer um trabalho que tenha um sentido no plano
pessoal e social. Deseja aprender e desenvolver-se, exercer um controle
sobre o seu próprio trabalho e sobre a sua situação na vida".(18)
As necessidades sobre as quais os projetos de transformação do
trabalho se basearam, foram, conforme Ortsman:
a de um trabalho cujo conteúdo fosse razoavelmente interessante,
em termos que não os meramente físicos, proporcionando um
mínimo de variedade;
a de conhecer a natureza do trabalho que se efetua e a forma
como ocorre:,
a de aprender no posto de trabalho; e a de poder prosseguir nessa
aprendizagem ao longo da vida profissional; a de se ter certas
margens de decisão e de iniciativa no trabalho;
a de certo apoio social e de certo reconhecimento no interior da
empresa;
a de o trabalhador situar as suas atividades em relação aos
objetivos da empresa e de poder relacioná-los com a vida na
comunidade social, em sentido mais lato;
a espera de um futuro desejável que não implica, aliás,
forçosamente, promoção hierárquica".(19)
Os resultados obtidos pelas empresas que adotaram esse esquema
foram significativos, especialmente quando comparados com os das
empresas organizadas de modo tradicional: a produtividade aumentou,
a flexibilidade operacional facilitou a adaptação dos produtos às
alterações do mercado, a rotatividade do pessoal reduziu-se ao mínimo,
"a iniciativa e a vontade de aprender desenvolveram-se".(20)
No caso sueco, a extensão do processo de democracia das empresas foi
maior e mais profundo. "Em 1975, a Suécia já apresentava-se com um
milhar de empresas em que houve experiências de reorganização do
trabalho".(21)
Um aspecto a realçar como resultado desse processo é a transformação
do papel das chefias. Oscar Ortsman enumera as novas exigências e
tendências:
" Dada a generalização dos grupos de trabalho, o contra-mestre
deixa de ter de encarregar-se dos problemas de regulação
cotidiana. Deverá aprender a permitir que os operados participem
nas decisões que os afetam; deverá ter em conta os problemas de
relações intergrupo;
as capacidades de inspirar entusiasmo, de delegar, de prever as
possibilidades potenciais das situações, formam um conjunto
novo;
os seus conhecimentos no que se refere à gestão, às
possibilidades de racionalização do trabalho, deverão aumentar; o
seu papel, longe de reduzir, está, assim, pelo contrário, em vias
de tomar uma importância nova. Está também em vias de emergir
um novo papel: o de animador do grupo/.../"(22)
Um exemplo eloqüente dessa fase de trabalho é a fábrica Kalmar, da
Volvo. Esta empresa, segundo Ortsman "é, provavelmente, o primeiro
exemplo de uma fábrica onde foi a técnica que teve de adaptar-se às
necessidades do pessoal e não o pessoal às pressões da técnica. /.../
Não se tratou, de forma alguma, de simplificar a tecnologia, mais de a
repensar inteiramente, ao serviço do Homem - que, assim, não a serve,
como se dizia, mas dela se serve, no local de trabalho".(23)
O leitor pode, diante da citação de exemplos de países tão
desenvolvidos como Noruega e Suécia, num ar de descrença, perguntar
o que isso tem a ver com a nossa realidade terceiro-mundista e latinoamericana. Eu respondo: tem muito, principalmente por que esse
processo de democratização empresarial já vem ocorrendo há mais de
30 anos naqueles países.
Será que precisamos de um fosso cultural mais profundo para tentar
nossas próprias experiências? Não, não precisamos. Uma das maiores
empresas de economia mista do mundo, e das mais tradicionais, o
Banco do Brasil S.A., já vem empreendendo desde 1987,
silenciosamente, uma verdadeira revolução administrativa, assentada
em princípios, estratégias e métodos que se compatibilizam com os
princípios da democratização empresarial. Nesse sentido, suas agências
vêm sendo reestruturadas com base em novo modelo organizacional,
cujas mudanças mais marcantes são:
flexibilização na estrutura da agência e na distribuição dos
trabalhos, associada à maior descentralização do poder decisório;
ênfase nas equipes de trabalho, com quebra da antiga rigidez
,setorial e com a velha idéia de "meu funcionário".
Consequentemente a mobilidade do pessoal entre as equipes
passou a ser uma prática gerencial do dia a dia, pautada pela
necessidade do serviço e do cliente e não mais de normativos
desatualizados; ¨
constituição do Comitê de Direção que, diariamente, avalia o
desempenho da agência e delibera sobre suas ações futuras.
Desse comitê participam, além dos gerentes geral e de áreas, os
supervisores, representando as equipes de trabalho.
Estas, entre outras mudanças gerenciais/organizacionais, já vêm
proporcionando, além de um clima de trabalho mais motivador, ''um
aumento de produtividade em torno de 30 por cento, em decorrência da
valorização que se confere ao cliente e ao funcionário".(24)
O processo de construção da democracia empresarial vem ocorrendo
também em várias empresas privadas brasileiras:
Um exemplo marcante é a Promon, empresa de projetos de alta
tecnologia, que desde 1970 é de propriedade de 1.800 dos seus
2.400 funcionários. Desde então, a direção da empresa vem sendo
eleita pelos seus funcionádos-acionistas e, no dizer de seu atual
presidente,''não existe aqui, ou existe muito pouco, aquela
mentalidade de patrão e empregado, de nós e eles, de capital e
trabalho, e esse é um dos nossos pontos fortes;''(25)
outro exemplo muito conhecido é o da Rhodia, que vem
continuamente reestruturando-se, guiada por suas duas máximas:
democratização e participação. Nesse sentido, foram criados, até
1988, 800 Grupos de Ação sobre a Performance (GAPS) e 2.000
Turmas de Ação sobre a Performance (TAPS) cura finalidade é
concretizar no dia a dia os mecanismos de participação dos
empregados no processo decisório e na melhoria da qualidade dos
serviços. O processo de democratização da Rhodia vem seguindo
os objetivos de: 'reduzir para cinco os níveis hierárquicos, da
diretoria aos operários; fazer dos chefes de seção verdadeiros
lideres de grupo, com responsabilidade pela formação dos
liderados; dar maior segurança no emprego aos funcionários, para
melhorar seu desempenho; fazer de seus funcionários também
sócios da empresa, pela venda ou distribuição de ações''.(26)
O outro caso já por demais conhecido, inclusive do grande público,
é o da Semco, transformado em best-seller por Ricardo Semler,
seu presidente.
O êxito que o modelo democrático vem produzindo na Semco é
traduzido anualmente por seus resultados operacionais, sua
conquista de novos mercados, e a ampliação de seu patrimônio;
Outro exemplo é a Cummins do Brasil, que desde 1995 vem
adotando, como filosofia e prática de trabalho, a participação ativa
de seus empregados atráves de comissões de representantes
junto à direção da empresa. .
2.3 SAÚDE
Esta variável da condição e da ação humana nas organizações constitui,
surpreendentemente, algo ainda pouco compreendido, tanto pelos
administradores, quanto pelos próprios trabalhadores. É comum
confundirem saúde com doença, quando falam dos planos de saúde
mantidos por suas organizações, revelando as somas vultosas que os
serviços médico e odontológico consomem no tratamento do pessoal. Ao
indagarmos sobre o uso dos serviços médicos, entretanto, vemos que a
maioria dos atendimentos é de natureza curativa, isto é, a ação dos
profissionais de saúde é voltada para a doença já instalada no
organismo do indivíduo e não para a preservação de sua saúde.
O trabalhador, assim transformado em paciente, transfere de seu chefe
para seu médico a mesma relação de dependência baseada na
ignorância (antes, a ignorância quanto à finalidade de seu trabalho;
agora, a ignorância quanto aos agentes patogênicos que debilitaram seu
organismo).
A dicotomia entre trabalho e organismo vem sendo mantida durante
muito tempo, criando um fosso entre, de um lado, as condições de
produção, as relações de trabalho e a própria ação produtiva, e de
outro, as condições bio-psico-sociais do trabalhador.
Até há algum tempo atrás, não se admitia que a organização do
trabalho pudesse ser um fator patogênico. Diante de alguma
enfermidade, culpava-se o indivíduo por sua fragilidade, considerada
resultante de problemas congênitos: "ele já nasceu fraco para esse tipo
de trabalho, por isso adoeceu. E com base nessa convicção, substituíam
aquele trabalhador-peça gasta por outro recrutado no mercado de mãode-obra, abundante de outros trabalhadores-peças.
Em países cujo desenvolvimento vem combinando numa só equação, as
conquistas econômicas, políticas e sociais, a questão da saúde no
ambiente de trabalho adquiriu maior relevância, tendo em vista a
melhoria da qualidade de vida no trabalho como um valor final.
Países europeus têm definido a qualidade de vida no trabalho como
prioridade de governo, dos empresários, dos sindicatos de trabalhadores
e das universidades. Tal conquista, entretanto, não se deu de maneira
fácil. Foram necessárias muitas lutas de trabalhadores e de
representantes do poder legislativo para a construção de relações e
condições de trabalho mais dignas. Podemos observar alguns aspectos
dessa luta na França, no final do século passado.
Nesse país, observa-se que:
"As lutas operárias marcarão todo o século XIX. As discussões
governamentais são intermináveis. Entre um projeto de lei e sua
votação é preciso, muitas vezes, esperar dez, vinte anos.
Treze, para o projeto de lei sobre a redução do tempo de trabalho das
mulheres e crianças (1879 a 1892);
Onze, para a lei sobre higiene e segurança (1882 a 1893);
Quinze, para lei sobre acidentes de trabalho (1883 a 1898);
Quarenta, para a jornada de 10 horas diárias (1979 a 1919);
Vinte e sete, para o direito ao repouso semanal (1894 a 1906);
Vinte e cinco, para a jornada de 8 horas (1894 a 1919).''(27)
Em nosso País, a questão da qualidade de vida no trabalho começa,
timidamente, a sair do âmbito das discussões acadêmicas, para fazer
parte das políticas administrativas de algumas empresas mais
avançadas.
O acidente de trabalho, certamente, foi o fator desencadeador dessa
preocupação, pelo impacto financeiro imediato que produz nos caixas
das empresas. De fato, muitos empresários começam a olhar com maior
seriedade as estatísticas da grande insegurança que ainda caracterizam
nosso parque industrial. Afinal, a interrupção de fluxos de produção, a
redução da força de trabalho e, até mesmo, o desgaste da imagem
pública da empresa, começam a contar no balanço anual.
Em nível macroeconômico, é uma vergonha nacional que o tão
alardeado 8ª. lugar no rankíng da economia mundial (Brasil - 8ª.
potência econômica) tenha sido conquistado ao preço de indicadores
sociais tão iníquos, tais como o baixo índice de educação e de saúde de
nossa população. A selvageria de nossos capitalistas, apoiados pela
perversidade de nossos políticos governantes, ávidos por fazerem o
"bolo crescer" a qualquer custo, colocou-nos numa posição deplorável
no contexto mundial, quanto à distribuição de renda. O índice de
injustiça social que o nosso País ostenta somente é superado pelo
Equador, de acordo com pesquisa realizada pelo Banco Mundial.
O orgulho de possuirmos uma economia equiparada aos países de
Primeiro Mundo desmorona diante da crua realidade de como essa
riqueza vem sendo acumulada: na proporção de 66,6% nas mãos de
apenas 20% dos brasileiros mais ricos, enquanto os 20% mais pobres
ficam com as migalhas de 2,0% da riqueza. Só mesmo um milagre
político sustenta tamanha injustiça.
A Tabela abaixo, produzida pelo Banco Mundial, ilustra o que estamos
dizendo.
AMÉRICA LATINA 20% MAIS POBRE
20% MAIS RICOS
Argentina
4,4
50,3
Brasil
2,0
66,6
Chile
4,5
51,3
Colômbia
2,8
59,4
Equador
1,8
72,0
México
4,2
63,2
Panamá
2,0
61,8
Peru
1,9
61,0
Trinidad Tobago
4,2
50,0
Uruguai
4,4
47,5
Venezuela
3,0
54,0
Média
3,2
57,7
LESTE DA ÁSIA
China
Hong Kong
Indonésia
Coreia
Malásia
Filipinas
Singapura
Taiwan
Tailândia
Média
20% MAIS POBRES
7,0
6,0
6,6
6,5
3,5
3,9
6,5
8,8
5,6
6,0
20% MAIS RICOS
39,0
49,0
49,4
45,2
56,0
53,0
49,2
37,2
49,8
47,5
Fonte: Folha de São Paulo de 28/01/199
Infelizmente, este quadro continua crítico no ano 2000, conforme pode
ser constatado pela última PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio, realizada pelo IBGE, em 1999, ao revelar que, em nível
nacional, 27,99% da população foi classificada como "indigente" e
50,21% enquadrou-se na situação de "pobreza". Estão, portanto fora da
situação de pobreza apenas 21,8 % de nossa população.
Para agravar nosso segundo lugar no campeonato de injustiça social
(perdemos para o Equador) no âmbito do trabalho, o Brasil era, em
1990, o campeão absoluto em doenças e em acidentes de trabalho que
resultam em mortes e invalidez.
Em 1990, uma reportagem da revista Exame revelou que:
"A cada ano cerca de l milhão de pessoas sofrem algum tipo de lesão
enquanto estão trabalhando. Só na década de 80 morreram mais de
41.000 trabalhadores nas fábricas brasileiras''. (28)
É importante realçarmos que estes são os números oficiais
(Fundacentro/Ministério do Trabalho) o que significa dizer que a
estatística real deve superá-los. Continuando, a reportagem revela o
impacto financeiro direto desses acidentes de trabalho sobre a
Previdência Social: "com seguros, indenizações e tratamentos médicos a
acidentados os gastos anuais atingem a marca de 280 milhões de
dólares". (29)
E a revista Exame prossegue:
''Os custos indiretos, como horas de trabalho perdidas, máquinas
danificadas e perda de produtividade são incalculáveis, mas, segundo
estimativas da Fundacentro, em alguns tipos de acidente o valor pode
chegar a l 00 vezes o dos custos diretos''. (30)
É realmente uma grande tragédia nacional, tanto do ponto de vista
humano, quanto do econômico.
Comparando nosso desempenho com os de outros países, a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) apresenta os seguintes dados:
''Relação entre o número de trabalhadores e cada caso de morte
provocada por acidentes de trabalho, em mil: (31)
Brasil
4,7
Espanha
1,5
Cuba
10,3
França
12,7
EUA
16,6
Suécia
26,3
Japão
50,0
Inglaterra 52,6
Podemos constatar que o trabalhador brasileiro está ameaçado de morte
em seu ambiente de trabalho numa proporção alarmante de l para
4.700 trabalhadores.
Comparado a outros países, temos a pole position de outro campeonato
vergonhoso: o brasileiro trabalha l00% mais ameaçado de morte do que
o espanhol e o cubano; 350% mais ameaçado do que o americano; e,
pasmem, l.000% mais ameaçado de morte do que o japonês e o inglês.
Parodiando a "roleta russa", nosso trabalhador enfrenta uma verdadeira
''roleta brasileira'' que, agravada pelo nosso baixíssimo nível salarial,
quando comparado com esses mesmos países, transforma nossos
trabalhadores em ases da imprudência; arriscar-se tanto para ganhar
tão pouco é algo que não se justifica, nem mesmo pela guerra da
sobrevivência. O adicional de 30% de insalubridade sobre o salário
tende a manter a acomodação do empregador e a resignação do
trabalhador, numa sórdida conivência para com a manutenção de
condições de elevado risco e de baixa higiene no trabalho.
Tal situação é reforçada pelo atraso de nossa legislação trabalhista, que
não cumpre o que determina a convenção 155 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT). A propósito:
''O direito do empregado se recusar a trabalhar em locais que oferecem
riscos à sua saúde está assegurada na França, Itália, Suécia, Canadá,
Estados Unidos e Finlândia, desde o início da década de 70''. (32)
No intuito de tirar esse atraso de 20 anos, em l 989 foi elaborada
proposta de revisão do capítulo 5 da CLT, que se refere à segurança e à
medicina do trabalho.
O documento foi redigido por 120 entidades representativas de
trabalhadores, empregadores, técnicos da área de segurança e saúde do
trabalhador, além de órgãos do setor de saúde e instituições públicas e
privadas ligadas ao assunto, em atendimento à portaria 3.223 do
Ministério do Trabalho.
Em 1995, conforme reportagem da Folha de SP de 16 de junho de 1996,
o número de acidentes no trabalho caiu, mas o número de mortos
voltou a crescer. Foram 3.967 mortes contra 3.129 em 1994, 26,78% a
mais. Não há aí nenhum falso paradoxo. É que empresas evitam
registrar acidentes porque o funcionário passa a ter direito a um ano de
estabilidade quando o período de afastamento ultrapassa 15 dias.
2.3.1 STRESS
Fizemos até aqui uma rápida incursão pelas questões referentes à
segurança do trabalho, o lado hard da saúde do trabalho, portanto mais
fácil de ser percebido e administrado.
Imaginem como estará sendo tratado o outro lado, o lado soft da saúde,
que implica, para a sua compreensão, um enfoque mais sutil da
engenharia, da medicina, da psicossociologia, da administração.
De uns tempos para cá, o termo stress vem ganhando terreno nos
meios de comunicação em forma de alerta contra os males que encerra,
ou pelo fato de já ser considerado o inimigo número um do homem
moderno.
O stress não é uma doença, como alguns possam pensar. Constitui um
sistema complexo de defesa que o organismo lança mão, enquanto
unidade bio-psico-social, para fugir ou enfrentar situações de perigo real
ou imaginário. Esse sistema de defesa assemelha-se a uma operação de
guerra, ao mobilizar todos os órgãos do corpo que, comandados pelo
sistema neuro-endócrino, prepara o indivíduo para enfrentar a ameaça:
o sangue concentra-se nos órgãos centrais, deixando a pele com um
mínimo de irrigação para evitar sangramentos excessivos em caso de
luta; as supra-renais aumentam a secreção de adrenalina que estimula
o coração, acelerando-o para distribuir maior volume de sangue à
musculatura, para o caso de ataque ou fuga; o fígado passa a trabalhar
freneticamente, convertendo gorduras armazenadas em açúcares e
garantindo, assim, energia para o corpo desempenhar sua tarefa; os
pulmões aceleram-se, garantindo maior aporte de oxigênio e livrando o
sangue de CO2, numa dinâmica que resultará em mais energia para o
organismo; o cérebro acende-se todo, tornando-se mais receptivo aos
estímulos ambientais e até mesmo despertando o chamado sextosentido; enfim, o indivíduo transforma-se num guerreiro prestes a
atacar ou a fugir, dependendo das circunstâncias e da situação-ameaça.
Todo esse maravilhoso mecanismo biológico de preservação da saúde,
construído pelos animais desde seus primórdios, vem sendo
transformado em doença pelo homem moderno.
Ao construir a cultura de exploração do indivíduo como instrumento de
trabalho, bem como a sociedade centrada no mercado, na disciplina, no
medo e na competição desenfreada, o homem instalou as bases de sua
própria destruição.
Já se denuncia, hoje em dia, em passeatas e assembléias, a destruição
da natureza; nada, porém, é dito ou feito publicamente, sobre o
processo de destruição psicossomática que, lentamente, vem adoecendo
o ser humano em coletividade e, especificamente, em organizações
sociais, em empresas.
Vejamos alguns exemplos eloqüentes desse processo de ''adoecimento''
que o ser humano vem construindo em seu ambiente de trabalho:
1. ''Todo ano a economia dos Estados Unidos sofre uma sangria da
ordem de 75 bilhões de dólares, somente na falta ao serviço de pessoas
acometidas de stress''.(33)
2.''Em abril de l987 operários metalúrgicos de São Paulo consumiram no
ambulatório médico do sindicato precisamente 8.340 comprimidos de
ansiolíticos, remédio que costuma ser receitado para o stress. Em maio
esse número foi para 15.560 e passou a 18. l 00 em junho''.(34)
3."Como uma espécie de logotipo do subgrupo a que pertence, nos picos
de stress ele enfrenta uma úlcera que o persegue há alguns anos.
Também pudera! Às 6 horas da manhã, Sr. A., vestido com criteriosa
elegância, segue para a fábrica, de onde só retoma para, geralmente
sozinho e por volta das 22h30min, fazer sua única refeição completa do
dia''.(35)
4."O operário O.A. da Conceição/.../trabalha nove horas por dia como
montador de forno, em pé o dia todo. Já teve todos os problemas
possíveis de saúde e está tomando antidistônicos para poder dormir. Diz
ele: ''não tenho condições de trabalhar, mas tenho de ir até cair. Um
descanso até que seria bom, mas sei que, se fizer isso, vou ser
mandado embora em represália''.(36)
5. "Num grande banco estatal, no decorrer de dois anos, os motivos
psiquiátricos de afastamento atingiram um nível de 14,06% de todos os
afastamentos por doenças. O diagnóstico psiquiátrico mais frequente foi
o de depressão'' .(37)
6. "Sra. P trabalha bravamente, engorda sua conta bancária com
sucessivos e polpudos honorários, mas não dá a mínima bola para as
recompensas que sua dedicação pode proporcionar-lhe. '''Acho que
trabalho tanto para não pensar na vida e ficar deprimida''.(38)
7.''Diariamente descarrego litros e litros de adrenalina, reclamava Jardel
Filho depois das extenuantes gravações de que participava. Ele teve
morte súbita, em 1983, durante as gravações da novela Sol de Verão,
da Rede Globo'' . (39)
8. "Os brasileiros consumiram 113 milhões de reais em antidepressivos
no ano de 1996".(40)
Como podemos ver, a desumanização do processo e do ambiente de
trabalho não tem escolhido vitimas; simplesmente ataca tanto
empresários quanto operários e bancários, além de artistas e políticos.
No caso dos executivos, até mesmo os momentos de lazer eles tendem
a transformar em competição. "Habituados a ambientes competitivos e
à obtenção de resultados, os executivos não resistem à tentação de
carregar esse modelo para dentro das quadras esportivas. O executivo
usa a atividade física como uma fuga para o principal fator de estresse
em sua vida: a carga excessiva de pressão, ambição e cobrança no
mundo dos negócios. Para minimizar esse problema, só há uma saída:
mudar o estilo de vida e abandonar a competição excessiva. Essa é a
grande resistência dos executivos - e a fonte de boa parte de seus
problemas. "Ninguém morre de enfarte do miocárdio, mas sim de um
estilo de vida descuidado", diz o médico De Marchi. (41)
A constatação, que já não pode ser ignorada, é de que os empresários e
os empregados não têm dado a devida relevância ao fator Saúde como
componente fundamental do processo de trabalho. Não adianta criar
CIPAS, semanas de prevenção de acidentes de trabalho e outros
paliativos isolados, se os fatores produção, politização e saúde
continuarem sendo abordados como compartimentos estanques, com o
uso de departamentos específicos para cuidar de cada um dos fatores,
exacerbando uma fragmentação que não tem trazido resultados
positivos, nem para o empregado nem para o empregador.
Tal fragmentação, sem dúvida, vem sendo mantida ao longo do tempo
por valores culturais que impregnam todas as empresas e por que não
dizer, a própria sociedade, ainda inspirada em paradigmas filosóficos
que têm forçado a dicotomia artificial de fenômenos inseparáveis tais
como: corpo e mente; superior e subalterno; planejamento e execução;
trabalho intelectual e trabalho manual; crescimento econômico e justiça
social; tudo isso entre muitas outras fragmentações da realidade que
vêm sendo mantidas desde Parmênides, Platão e Aristóteles, passando
por Tomás de Aquino, Descartes e Augusto Comte e concretizando-se na
organização e nas operações de trabalho, com Fayol e Taylor, até
chegar aos nossos dias. Realmente, Taylor levou às últimas
conseqüências as diretrizes de seu velho mestre espiritual, Aristóteles,
que há 2.300 anos já afirmava:
- ''Da mesma forma que em outras matérias, é necessário decompor o
conjunto até chegar a seus elementos mais simples''. (42)
- "Quem pode usar o seu espírito para prever é naturalmente um
comandante e naturalmente um senhor, e quem pode usar o seu corpo
para prover é comandado e naturalmente escravo''. (43)
- ''pode haver uma ciência do senhor e uma ciência do escravo/.../ a
ciência do senhor, por sua vez ensina a usar os escravos''.(44)
Impressionante como até hoje tais diretrizes ainda impregnam a
mentalidade de nossos empresários e trabalhadores, numa equação
política sustentada pela exploração e pela alienação.
A engenharia dos processos de produção já começou, há alguns anos
entre nós (e há pelo menos 4 décadas na Suécia, na Dinamarca e na
França, entre outros países europeus), a romper a camisa de força
mecanicista que Taylor, competentemente, construiu como artifício para
garantir elevados índices de produtividade. Ele não teve tempo de
assistir ao surgimento dos subprodutos de sua linha de montagem: a
queda da criatividade, do entusiasmo, da responsabilidade do
trabalhador pelo que faz, resultando em baixa qualidade dos produtos,
perda de mercado pela empresa, surgimento de níveis gerenciais
desnecessários (para controlar, vigiar e punir), aumento de despesas
com pessoal administrativo, quebra de equipamentos, elevados índices
de absenteísmo, licenças médicas, entre muitos outros efeitos.
Sobre a saúde, o impacto do taylorismo foi arrasador. Isto porque ''ao
separar, radicalmente, o trabalho intelectual do trabalho manual, o
sistema Taylor neutraliza a atividade mental dos operários. Desse modo,
não é o aparelho psíquico que aparece como primeira vítima do sistema,
mas sobretudo o corpo dócil e disciplinado, entregue, sem obstáculos, à
injunção da organização do trabalho, ao engenheiro de produção e à
direção hierarquizada do comando. Corpo sem defesa, corpo explorado,
corpo fragilizado pela privação de seu protetor natural, que é o aparelho
mental''. (45)
Como vimos em alguns exemplos, o impacto da fragmentação do
conjunto corpo/mente transformou o stress, de sistema de defesa, em
doença deste final de século. No rastro deixado por essa transformação,
vêm surgindo, a cada dia, inúmeros métodos e remédios milagrosos de
"cura" do stress. Clínicas e consultórios são criados para tratar dos
executivos stressados que, como revelava a revista ISTO É, em 1987:
''A cada semana, durante três horas, G.S., instala-se numa sala acústica
na Clínica Âmara, em São Paulo, relaxa num divã e escuta músicas
suaves acompanhadas por emanações aromáticas e um balé de luzes
coloridas - parte "de uma terapia pelo qual desembolsa alegremente
4.500 cruzados semanais - Na sala de música eu viajo muito (revela G.
S.)''(46)
Esse é o problema: ele é levado a "viajar muito", a fugir, naquele
ambiente artificial, de sua realidade massacrante e stressante.
Certamente com boas intenções, o profissional da saúde, está, sem o
perceber, contribuindo para a manutenção dos agentes stressantes que
caracterizam o sistema de produção, o ambiente, as condições e as
relações de trabalho que continuam, assim, a fazer suas vítimas, entre
empresários e trabalhadores.
Não podemos persistir ignorando a realidade que nos demonstra que ''se
a violência da organização do trabalho pode, mesmo na ausência de
nocividade dos ambientes de trabalho (por exemplo, nos empregos de
escritórios, criar doenças psicossomáticas e não apenas psíquicas, é
porque o aparelho mental não é um compartimento do organismo,
simplesmente justaposto à musculatura, aos órgãos sensoriais e às
víscera. A vida psíquica é também, um patamar de integração do
funcionamento dos diferentes órgãos. Sua desestruturação repercute
sobre a saúde física e sobre a saúde mental''. (47)
Apesar dessa constatação, grande número de pessoas, em troca de
segurança e de um salário, continua a vender seu corpo e seu tempo de
vida ao patrão que habilmente maneja, diretamente ou por meio de
especialistas, as condições, operações e relações de trabalho mantenedoras da situação que, combinadamente, apropria a energia laboral
e expropria a saúde do empregado (trabalhador ou gerente).
Diante disso, é preciso voltarmos nossos esforços para a real e urgente
necessidade de mudança de paradigmas, de valores e de práticas que
vêm transformando as organizações sociais, e especialmente as
empresas, nessas ''câmaras de tortura'' assalariadas que tanto
conhecemos.
2.3.2 HÁ LUZ NO FIM DO TÚNEL
Os sistemas de gestão e a organização do trabalho que criticamos aqui,
vêm sendo questionados em várias empresas privadas e públicas. Estas
honrosas exceções nos animam a insistir na necessidade de que as
corajosas mudanças que tais empresas empreendem se multipliquem
em nosso País, substituindo a selvageria do capitalismo que ainda
mantém raizes de nossa época colonial e escravista (afinal os
quatrocentos anos de relação de dominação deixaram muita gente
habituada) por relações de trabalho mais democráticas e humanas.
Entre as empresas privadas que modernizaram suas políticas e
procedimentos administrativos em relação à saúde (ainda com ênfase
em segurança do trabalho) vale a pena conhecer:
1.''A Caterpillar, empresa na qual todos os supervisores reúnem
diariamente seus subordinados antes do expediente e passam 5 minutos
falando de segurança, um bate-papo informal voltado exclusivamente
para esse assunto''. (48)
2.''A Vulcan, a maior transformadora de plásticos do País e subsidiária
do grupo americano Oxxy, que em outubro de 1989 completou dois
anos e meio sem registrar acidente do qual resultasse afastamento de
alguns dos seus 1.450 funcionários, graças a um programa de
segurança implantado em 1982''. (49) Para chegar a esse resultado, a
Vulcan conciliou um esquema de treinamento com investimento em
tecnologia, que em 1989 chegou a 1,2 milhão de dólares. ''O programa
da Vulcan tem como marca registrada o envolvimento dos gerentes no
assunto''. (50)
Foi incluído o item segurança no processo de avaliação de desempenho
(para algumas funções com peso de 25%) e consequentemente passou
a ser levado em conta nas promoções e nos aumentos de mérito. 3. ''A
unidade de produtos industriais da Goodyear (em São Paulo) acaba de
bater o recorde mundial de horas trabalhadas sem acidentes de trabalho
com afastamento nesse tipo de atividade. Foram mais de 2,5 milhões de
homens/horas''. (51)
4."A Esso brasileira tem uma média de 3,2 acidentes, por milhão de
milhas dirigidas, enquanto a média mundial do grupo chega a 5,9. Seu
diretor de distribuição declara que investe 3 milhões de dólares por ano
em campanhas de motivação, treinamento, divulgação e eliminação de
condições inseguras. (52)
5. ''Em dez anos de funcionamento da Acrinor (empresa petroquímica do
Pólo de Camaçari-Bahia), não se registrou ali sequer um acidente fatal,
embora ela produza duas matérias-primas letais, o ácido cianídrico e a
própria acrilonitrila. Outro feito: há 1.617 dias nenhum dos funcionários
se afastou devido a acidentes. (53)
''Para tanto, a Acrinor tem envolvido todas as pessoas (gerentes e não
gerentes) que tomam parte no processo produtivo. Desde agosto de
1989, a direção industrial da empresa vem realizando nove reuniões de
segurança por semana, envolvendo funcionários de produção e da
administração. (54)
Na área pública, destacamos dois exemplos de negociação entre
sindicatos e diretorias, no sentido de construírem condições de saúde
mais promissoras ao pleno desenvolvimento humano.
l.º) Em 13 de setembro de 1989, foram aprovados pela Diretoria do
Banco do Brasil, duas reivindicações dos empregados (Via CASSI-Caixa
de Assistência):
-'''70a O Banco aprimorará os exames, considerando sistematicamente
as condições de trabalho e suas conseqüências na saúde dos
funcionários;
- 74a O Banco prosseguirá estudos e experiências de implementação de
programa nacional de ginástica laborial compensatória destinada a
funcionários que desenvolvem atividades repetitivas''.(55)
2º.)Em 31 de janeiro de 1990, a Eletrobrás, em Acordo Coletivo de
Trabalho, aprovou a seguinte cláusula:
''Cláusula 45º - fatores psicossociais no trabalho
- A empresa concorda em desenvolver estudos relativos aos fatores
psicossociais inerentes à organização, que podem influir,
consideravelmente, no bem-estar físico e mental dos trabalhadores,
bem como manter a realização dos programas de preparação para
aposentadoria e informação sobre o stress''.(56)
- A aprovação desta cláusula nos insere entre os países mais adiantados
em matéria de prevenção da saúde no trabalho, abrindo, assim, espaço
para a gestão dos fatores psicossociais até então ignorados ou apenas
empiricamente considerados por administradores e empregados.
Podemos dizer, portanto, que há luz no fim do túnel. Um novo ambiente
de trabalho vem sendo construído paulatinamente, tirando o ser
humano da situação marginal e colocando-o no centro, quer como
agente, quer como destinatário do processo produtivo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) MAY, Rollo, Liberdade e Destino. Rio de Janeiro, Rocco, p. 103.
(2) LATEY, Maurice. Ditadura: ontem e hoje. Rio de Janeiro, Novo
Tempo, l 980. p. 300.
(3) WEBER,Renée. Diálogos com Cientistas e Sábios. São Paulo, Cultrix,
1988. p. 185.
(4) MARX, Karl. O Capital. 7. ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1982. p. 61.
(5) POULANTZAS, Nicos. O Estado, o Poder, o Socialismo. 2. ed. Rio de
Janeiro, Graal, 1985. p. 125.
(6) CARVALHO, José Maurício de. O Significado do Trabalho nas Culturas
Luso-brasileira. s.n.t. Texto não publicado.
(7) GUERREIRO RAMOS, A. A Nova Ciência das Organizações. Rio de
Janeiro, FGV, 1981. p. 133.
(8) MATTOS, Ruy de A. Gerência e Democracia nas organizações.
Brasília, Livre, 1988. p. 21.
(9) FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 2. ed. Rio de Janeiro, Graal,
1981. p. 106.
(10) ARISTÓTELES, Política. 2. ed. Brasília, UNB, 1985. cap. 1. p. 18.
(11) DEJOURS, Christophe. A Loucura do Trabalho. 2. ed. São Paulo,
Cortez, 1987. p. 38-9.
(12) ORTSMAN, Oscar. Mudar o Trabalho. - Fundação Calouste
Gulbenkian,1984.p.30.
(13) KAPLAN, A. & LASWELL, H. Poder e Sociedade. Brasília, UNB, 1982.
p.274.
(14) BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil - 1988.
Brasília, Senado Federal, 1988. Titulo II-Dos Direitos e Garantias
Fundamentais. Capítulo II - dos Direitos sociais.p.16
(15) GUERREIRO RAMOS, A.A Administração e Contexto brasileiro. 3.
ed. Rio de Janeiro FGV, 1983.P.53
(16) ANSART, Pierre. Ideologia, Conflitos e Poder. Rio de Janeiro, Zahar,
1978. p. 254.
(17) ORTSMAN, Oscar. Mudar o Trabalho. Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian, 1982. p. 174.
(18) Id., ibid., p. 175.
(19) Id., ibid., p. 186-7.
(20) Id., ibid., p. 201.
(21) Id., ibid., P. 245.
(22) Id., ibid., p. 261-2.
(23) Id., ibid., p. 264.
(24) CORREIO BRASILIENSE, 5 de janeiro de 1990. Encarte Especial.
(25) REVISTA PEQUENAS EMPRESAS GRANDES NEGÓClOS, Globo. p.
21.
(26) LEONEL, Luís. A Grande Virada de Mesa na Rhodia. Exame, São
Paulo, 20(19): 44-8, 21 jun., 1988. p. 45.
(27) DEJOURS, Christophe. op. cit., p.17.
(28) CASTANHEIRA, Joaquim. O Primeiro lugar é uma derrota. Exame,
São Paulo, 22(1 O): 74-8, l O jan., l 990. p. 74.
(29) Id., ibid., p. 74.
(30) Id., ibid., p. 74.
(31) Id., ibid., p. 77.
(32) Id., ibid., p. 75.
(33) CARVALHO, Flávio de. Estafa domada. Revista Isto É, São Paulo
(553): 46-52, 29 de jul., 1987. p. 47.
(34) Id., ibid., p. 52.
(35) LAZARETTI, Mariella. A geração workaholic. Revista Exame/VIP,
São Paulo, 4(6): 10-15 , 28 jun., 1989. p. l 1.
(36) CARVALHO, Flávio. op. cit., p. 52.
(37) BOLETIM SAÚDE, Movimento Nacional de Saúde, 1(1).
(38) LAZARETTI, Mariella. op. cit., p. 14.
(39) CARVALHO, Flávio. op. cit., p. 52.
(40) Revista EXAME, 28 de janeiro de 1997.
(41) Revista EXAME 22 de junho 1994
(42) ARISTÓTELES. op. cit., p. 13.
(43) Id., ibid., p. 14.
(44) Id., ibid., p. 21.
(45) DEJOURS, C. op. cit., p. 134.
(46) CARVALHO, Flávio de. op. cit., p. 46.
(47) DEJOURS, C. op. cit., p. 134.
(48) CASTANHEIRA, Joaquim. op. cit., p. 75.
(49) Id., ibid., p. 74.
(50) Id., ibid., p. 76.
(51) Id., ibid., p. 74.
(52) Id., ibid., p. 76.
(53) Id., ibid., p. 77-8.
(54) Id., ibid., p. 78.
(55) BOLETIM DE SAÚDE, Movimento Nacional de Saúde, 1(1).
(56) ELETROBRAS. Acordo Coletivo de Trabalho. s.n.t. 31 de janeiro de
1990.
CAPÍTULO II
ORGANIZAÇÃO SOCIAL E RH
1. A CONCEPÇÃO DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL
Declarações do tipo "há conflitos permanentes entre as necessidades
dos indivíduos e as necessidades da organização" ou "os objetivos
organizacionais são sempre contraditórios aos objetivos individuais"
denunciam uma concepção antropomórfica de Organização,
caracterizando-a como entidade física e psicológica autônoma, dotada
de necessidades, valores, comportamentos e objetivos, à semelhança
dos indivíduos.
Guerreiro Ramos aponta esta distorção conceptual quando analisa o
conceito de sanidade organizacional de Bennis: ''a sanidade
organizacional, como a conceitua Warren Bennis, é estranha ao campo
da teoria organizacional, sendo uma extrapolação mecânica e um
atributo que pode ser pertinente à vida individual, mas não à natureza
da organização formal. O conceito de sanidade organizacional de Bennis
pressupõe a existência concreta de uma mente coletiva ou
organizacional, cujas implicações organicistas dificilmente se
harmonizam com a estrutura da ciência social contemporânea''.(1)
Outro cientista social que refuta a concepção organicista e
antropomórfica das organizações é Lapassade que, ao citar Sartre,
esclarece a diferença essencial entre o indivíduo e a organização: ''o
organismo individual, que satisfaz uma necessidade mediante uma
atividade prática, sobrevive ao desaparecimento dessa atividade: ele
sobrevive como organismo, quer dizer, pela variedade unificada de suas
funções. O organismo é, ao mesmo tempo, totalização e totalidade. Ao
contrário, o grupo (a organização) só pode ser totalização em processo,
e a sua totalidade encontra-se fora dele, em seu objeto''. Mais adiante
Lapassade enfatiza: ''a unidade do grupo (ou organização) é prática,
não é ontológica''. (2)
Corroborando estes pontos de vista, podemos dizer que a organização
constitui um complexo sistema de relações de poder e de trabalho
estabelecidas entre indivíduos e grupos, com vistas no alcance de
objetivos. Estas relações manifestam-se em três dimensões: a
psicossocial, a política e a econômica, que são interligadas e
interdependentes, conforme demonstra a figura abaixo:
A estrutura de cargos e funções, assim como as normas e
procedimentos, são reflexos desta subjacente realidade tridimensional
que caracteriza a organização.
A dimensão psicossocial representa a manifestação individual e coletiva
dos comportamentos, atitudes, valores, crenças e concepções de seus
participantes. Estas variáveis influenciam profundamente o
comportamento organizacional, seja por meio do exercício formal dos
cargos e funções, seja através dos papéis desempenhados
informalmente.
A dimensão política refere-se ao uso e conquista do poder por seus
participantes. Esta dimensão vem sendo pouco enfocada pela teoria
organizacional, apesar do fato de que ''a estrutura de poder de uma
empresa define a própria empresa. Os objetivos que a empresa
persegue e a estrutura que ostenta são uma extensão dos objetivos e
necessidades dos grupos e indivíduos dominantes que constituem a sua
estrutura de poder''.(3) Assim, a natureza das relações de poder exerce
um efeito crucial sobre o desempenho da organização e,
especificamente, de cada um de seus participantes. A dimensão
econômica constitui o conjunto de recursos (financeiros, energéticos,
materiais, naturais), os equipamentos e a tecnologia de produção
empregada na organização.
O profissional de T&D, assim como qualquer outro que lide no contexto
organizacional, precisa lançar mão de estratégias que levem em conta
cada uma dessas três dimensões, pois do contrário estará fragilizando
sua abordagem da realidade e comprometendo a eficácia e efetividade
de sua atuação.
2. A CONCEPÇÃO DE RECURSOS HUMANOS
Fala-se muito em Recursos Humanos sem, no entanto, compreender-se
o real significado que o conceito encerra e suas repercussões sobre a
própria atividade do desenvolvimento do Homem e das organizações
sociais.
Sabemos que o conceito fundamentou-se em princípios e práticas da
chamada Administração Científica, que veio a dar suporte ao esforço de
racionalização de operações e procedimentos com vista no aumento da
produtividade e redução de custos empresariais, objetivos sofregamente
perseguidos no meio industrial.
Entretanto, suas raízes são mais antigas e profundas, transcendendo a
conotação eminentemente técnica que vem sendo dada por inúmeros
estudiosos da administração, desde Max Weber, passando por Taylor e
Fayol até nossos dias.
A concepção do ser humano como recurso e sua utilização como
instrumento de trabalho têm origem em motivações não somente
econômicas, mas fundamentalmente políticas, sendo, assim, produto
das relações de poder estabelecidas entre os indivíduos e as classes
sociais. Não seria possível o conceito de homem-recurso sem a
instituição do controle do corpo e das ações do indivíduo - isto é, da
disciplina. Estudos desenvolvidos por Michel Foucault ilustram com
muita clareza o que queremos dizer. Transcrevemos, a seguir, algumas
de suas conclusões a respeito desse fenômeno:
- ''A disciplina é uma técnica de exercício do poder que foi, não
inteiramente inventada, mas elaborada em seus princípios fundamentais
durante o século XVII. Historicamente, as disciplinas existiam há muito
tempo na Idade Média e mesmo na Antiguidade.''(4) (Os mosteiros e as
grandes empresas escravagistas são exemplos muito conhecidos de
sistemas disciplinares.)
- ''Fala-se, freqüentemente, das invenções técnicas do século XVII - as
tecnologias químicas, metalúrgicas etc. mas, erroneamente, nada se diz
da invenção técnica dessa nova maneira de gerir os homens, controlar
suas multiplicidades, utilizá-las ao máximo e majorar o efeito útil de seu
trabalho e sua atividade, graças a um sistema de poder suscetível de
controlá-las.''(5)
E continua Foucault:
''A disciplina exerce seu controle, não sobre o resultado de uma ação,
mas sobre seu desenvolvimento. No século XVII, nas oficinas de tipo
corporativo, o que se exigia do companheiro ou do mestre era que
fabricasse um produto com determinadas qualidades. A maneira de
fabricá-lo dependia da transmissão de geração em geração. O controle
não atingia o próprio gesto. (...) A partir do século XVIII, se desenvolve
uma arte do corpo humano. Começa-se a observar de que maneira os
gestos são feitos, qual o mais eficaz, rápido e melhor ajustado. É assim
que nas oficinas aparece o famoso e sinistro personagem do
contramestre, destinado não só a observar se o trabalho foi feito, mas
como é feito, como pode ser feito mais rapidamente e com gestos
melhor adaptados.''(6)
A chamada revolução industrial não teria condições de acontecer sem a
instituição do hetero-controle do comportamento humano, da disciplina
como técnica de gestão dos homens e da categoria humana surgida com
essa prática, a do homem-recurso, homem-instrumento, homemferramenta de trabalho de outros homens, sejam estes detentores do
poder econômico ou do poder burocrático.
A atividade de Treinamento e Desenvolvimento de Recursos Humanos
foi concebida a partir de valores, premissas e necessidades .oriundas da
Revolução Industrial guardando, portanto, identidade de propósito com
ela. Desse modo, por sua origem e pelo modo como vem sendo
conduzida tradicionalmente, tem constituído mais um instrumento de
consolidação da ideologia e prática de utilização do homem como
instrumento, ao invés de um meio que contribua para o seu
desenvolvimento como profissional e como pessoa.
É natural, portanto, que ao conceber-se a organização como sistema de
relações de trabalho, torne-se contraditório o próprio conceito de
''recursos humanos''. Recursos de quem, administrados por quem? pela
organização? e quem será a organização? será tão-somente a alta
administração, a cúpula? e quem serão os recursos humanos? os
outros? a alta gerência estará acima dos recursos humanos? por isso
não precisa ser treinada ou desenvolvida?
Tais indagações, aparentemente óbvias, vêm sendo evitadas por
inúmeros administradores e teóricos organizacionais, especialmente os
defensores da concepção antropomórfica das organizações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) Guerreiro Ramos, A. - A Nova Ciência das Organizações. Editora da
FGV, Rio de Janeiro, 1981.p.76.
(2) Lapassade, G. - Grupos, Organizações e Instituições. Editora
Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1977.p.233.
(3) Bethlem, Agrícola.-apresentado por Sérgio Joaquim Corrêa. O
Exercício do Poder na Administração. Documentário, Rio de Janeiro,
1977.p..91. (4) Foucault, M.- Microfísica do Poder, Editora Graal, Rio de
Janeiro, 1981.p.105-106
(5) Idem
(6) Idem Idem .
CAPÍTULO III
TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO:
O MODELO DEMOCRÁTICO
1. INTRODUÇÃO
Historicamente, podemos dividir o treinamento em três fases. A primeira
iniciou-se com a administração científica e representou a fase do
adestramento de pessoas, cujo objetivo expresso era a preparação do
indivíduo para alcançar o maior nível de produtividade possível. O
homem era considerado um equipamento sofisticado que trabalhava
essencialmente em função de recompensa salarial. O indivíduo era
percebido como intrinsecamente não-identificado com a organização.
Um mal necessário, na ausência de outro equipamento tão sofisticado
quanto ele. O protótipo de trabalhador era aquela pessoa disciplinada e
resistente à fadiga e à monotonia do trabalho.
A segunda fase, que podemos denominar de Desenvolvimento de
Recursos Humanos, iniciou-se com o chamado Movimento de Relações
Humanas. A preocupação com o aprimoramento de habilidades foi
mitigada pela busca da satisfação das necessidades e aspirações do
indivíduo, visando integrá-lo à organização. Procurava-se assim obter,
maior identificação e envolvimento emocional para com ela - e aumento
da produtividade, conseqüentemente.
O Homem Organizacional, aquele que se sacrifica pela organização,
passou a ser considerado um modelo de boa adaptação, ótica ainda hoje
predominante. O indivíduo, apesar de considerado um ser complexo,
continua sendo visto, essencialmente, como um instrumento, um
recurso a ser consumido no processo produtivo e no desenvolvimento
econômico da organização e da sociedade. O ''homem organizacional'',
modelo desta fase, representa o símbolo da hipertrofia de uma área do
desempenho humano - o trabalho - em detrimento de outras, tais como
a política, a social, a familiar e a pessoal.
A nosso ver, estamos hoje no limiar de uma nova fase, que podemos
denominar de Desenvolvimento Humano. Respalda-se na visão do
Homem como sujeito do desenvolvimento político, econômico e social,
dotado de um potencial a ser desenvolvido nas diversas dimensões do
comportamento humano. Nesta nova fase, o lazer e o tempo livre sairão
da marginalidade para conquistar uma posição de relevância junto ao
trabalho. A anterior ênfase na memorização será substituída pela ênfase
na criatividade; a dependência do indivíduo em relação à organização
dará lugar à autonomia profissional e à interdependência; o
comportamento estereotipado cederá lugar à ação reflexiva e crítica; o
consenso será conjugado com o dissenso, transformando o acordo e o
conflito em expressões naturais da convivência; a austeridade e o
formalismo burocrático darão lugar à espontaneidade e à flexibilidade
funcionais. O homem-objeto da primeira fase e o homem-recurso da
segunda, cederão lugar ao homem-pessoa nesta nova fase do
desenvolvimento humano
É sobre esta aparente utopia que dissertaremos, trazendo nossa
contribuição em forma de questionamentos e de descobertas feitas a
partir de nossa experiência pessoal. Sabemos, de antemão, que apenas
arranhamos as parede que separam o adestramento e a manipulação do
verdadeiro desenvolvimento humano.
2. ORIENTAÇÃO DO TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO
Tradicionalmente, a orientação do T&D o tem caracterizado como
atividade suplementar da administração de pessoal ou gestão de RH,
desde a criação das primeiras seções e serviços de treinamento. Isto
reduziu a idéia de desenvolvimento a treinamento, criando problemas
que ainda hoje os profissionais da área enfrentam na execução de seu
trabalho. Para a solução dessa disfunção não advogamos a simples
transferência do T&D da área de administração de pessoal, o que
constituiria uma questão de forma ou simples rearrumação de
organograma. Propomos uma mudança radical nos pressupostos que
sustentam o exercício da atividade, desde o seu planejamento até a sua
execução e avaliação.
O T&D deve constituir um suporte para o planejamento estratégico da
Organização e para sua contínua modernização institucional. Para isto,
de nada adiantará promover-se mudanças ao nível do sistema de
referência pré-existente - isto seria apenas realocar velhas concepções
administrativas em novas formas. Precisamos de uma critica profunda,
ao nível das bases filosóficas e demais premissas que sustentam a
prática do Planejamento, da Modernização e do T&D. Esta tríade precisa
não de uma nova roupagem, mas de uma nova concepção que reflita os
anseios de participação e de democratização das relações de trabalho. A
já velha orientação tecnocrática precisa de urgente aposentadoria, sob o
risco de tomar-se anacrônica. Neste sentido precisamos repensar nossa
atividade ao nível do paradigma que a sustenta.
O T&D vem sendo executado, tradicionalmente, segundo premissas
tipicamente aristotélico-positivistas, cujas repercussões mais relevantes
são:
a) a transformação do T&D numa atividade racional-objetiva
especializada de um centro do qual emanam programas e projetos a
serem executados por unidades organizacionais periféricas;
b) a crença na mensuração quantitativa de resultados dos programas de
T&D;
c) a busca de uniformidade no desempenho humano na organização,
sem levar em conta as peculiaridades setoriais e individuais;
d) a centralização do diagnóstico, planejamento e avaliação de T&D;
e) a ênfase na eficiência das ações desenvolvidas e não na efetividade
(repercussões sobre a clientela).
Enfim, o T&D orientado por aquele paradigma visa, em suas ações, à
obtenção da máxima quantificação, ''como reflexo da busca de
generalização, de unidade e de conformidade'' (1)na organização.
O planejamento e a condução da atividade de T&D caracteriza-se, desse
modo, por sua orientação tecnocrática e elitista, subtraindo da efetiva
participação, os legítimos responsáveis pelo processo de
desenvolvimento - os próprios trabalhadores. Nesse sentido, a crença na
superioridade do conhecimento racional-formal do especialista sobre a
experiência e o conhecimento existencial do trabalhador, tem sido um
fator dificultador da eficácia dos programas de T&D. Enquanto o
primeiro enfoque preocupa-se com o princípio da validade científica e da
exatidão metodológica, o segundo (enfoque existencial-fenomenológico)
anseia, antes de tudo, pela utilidade, adequabilidade e exequibilidade.
Orienta-se no sentido da satisfação das reais necessidades e
possibilidades e não da conformidade com modelos teóricos; o
compromisso é antes com o que precisa ser feito, do que com o que
deve ser feito.
Nos moldes da orientação tradicional, a programação anual de eventos
(geralmente cursos) transformou-se mais numa exibição estética do
profissional de T&D aos seus superiores, do que numa proposta de
atividades em resposta às reais demandas dos diversos níveis e
segmentos da organização. A compulsão de mostrar serviços suplantou
a necessidade de realizações necessárias e relevantes para a clientela
do T&D. Com isso, a organização vem perdendo em qualidade de
desempenho humano, os trabalhadores em possibilidade de
desenvolverem suas reais potencialidades e o profissional de T&D vem
sendo esvaziado em seu poder de influência na organização.
Em lugar desse modelo, tipicamente elitista, é necessário que o
profissional de T&D adote uma relação de trabalho que respeite e
incentive a diversidade das unidades organizacionais. Desse modo
deverá descentralizar o poder de decisão para que os próprios
trabalhadores (gestores ou não) em suas respectivas Unidades,
identifiquem suas necessidades e sugiram suas alternativas de solução
para seus problemas. Vale, a esta altura, apoiar-me em Cartwrigth
quando diz que ''problema não são coisas objetivas inerentes ao
chamado mundo real, mas imagens deste mundo definidas pelas
pessoas numa variedade de maneiras mais ou menos precisas. E isto é
principalmente válido, se considerarmos que o planejamento, como
qualquer outra atividade humana, é baseado nas percepções individuais
do mundo em que vivemos''. (2)
É, portanto, no conhecimento existencial-fenomenológico que o T&D
deverá buscar o substrato de sua ação. Esse conhecimento está
disponível em sua própria clientela, Desse modo, por que não
descentralizar a atividade de T&D, preparando as unidades
organizacionais para melhor utilizarem seus próprios recursos no
atendimento às suas necessidades? Assim, além da redução da margem
de erro dos projetos, estimula-se a postura de co-responsabilidade dos
gestores e técnicos em seu processo de desenvolvimento profissional.
A aprendizagem, decorrente da participação do indivíduo em seu
processo de desenvolvimento profissional, constitui, por si só, um
resultado a ser perseguido pela unidade de T&D, enquanto promotora
do desenvolvimento humano na organização.
O T&D vem sendo tradicionalmente orientado por premissas
desenvolvimento econômico, refletindo, desse modo, a visão do Homem
como mero recurso a ser utilizado pela organização, que o explora e o
ajusta ao processo produtivo, a despeito das potencialidades, tendências
e aspirações individuais. Até quando o Homem continuará a ser
encarado como instrumento ou recurso de uma organização para o
alcance dos objetivos de seus dirigentes?
A organização é, ao lado de seu caráter produtivo, um recurso sócioprofissional criado pelo Homem para desenvolver-se no decorrer de sua
vida social.
Por sua vez, a concepção de Homem, como ser econômico, não passa
de uma caricatura e já não se adequa às aspirações culturais e políticas
de nossa sociedade. Nesse sentido, a busca do desenvolvimento
humano integral é uma atividade legítima a ser empreendida no seio
das organizações, e como tal deve ser estimulada a cada momento;
representa a constatação da falência da orientação meramente
econômica e a percepção de novas premissas políticas e sociais que as
organizações precisam levar em conta.
3. A ORIENTAÇÃO DEMOCRÁTICA DO T & D
O T&D, orientado segundo pressupostos democráticos, implica na crença
de que os próprios indivíduos e grupos detêm informações e
experiências que possibilitam seu desenvolvimento, cabendo ao setor de
T&D a função de assessorá-los em métodos que facilitem o processo de
aprendizagem.
Segundo este enfoque, os programas de ensino, por natureza exógenos,
devem ser complementadas por programas de aprendizagem,
caracteristicamente endógenos. Em outras palavras, o T&D,
desenvolvido principalmente através de atividades de ensino, deve dar
lugar a uma orientação mais andragógica, com ênfase nos recursos
disponíveis no próprio treinando e em seu grupo de trabalho. Nessa
relação, o instrutor desempenhará o papel de orientador ou facilitador
do processo de aprendizagem, enfatizando o resgate do potencial do
indivíduo e dos grupos através do incentivo à autocrítica e à descoberta
de novas maneiras de enfocar as questões e solucionar os problemas.
'' T&D, ao ser encarado como um processo permanente de
aprimoramento dos indivíduos e grupos de trabalho, não pode
circunscrever-se a atividades formais em salas de aula. Além dessas,
deve-se dar ênfase ao treinamento em serviço, um modo muito mais
razoável de se transferir conhecimentos e habilidades no ambiente de
trabalho.''(3)
Para que o processo de aprendizagem - e, em decorrência, o
desenvolvimento humano - ocorra no ambiente organizacional, faz-se
necessária a descentralização das atividades de diagnóstico,
planejamento, execução e avaliação dos programas de T&D para os
níveis organizacionais onde serão de fato processadas. Desse modo
estará sendo criado o suporte necessário para a verdadeira co-gestão do
processo de desenvolvimento. Nada mais natural, uma vez que
aprendizagem e desenvolvimento são fenômenos tipicamente autoinduzidos. Lembro-me da parábola do viajante que, preocupado com a
longa jornada que teria pela frente, quis obrigar seu cavalo a beber
bastante água antes de partir e constatou, aborrecido, que o máximo
que poderia fazer era conduzir o animal até o riacho, mas nunca obrigálo a beber água quando não o desejasse. Do mesmo modo, ninguém,
por melhor especialista e mais bem-intencionado que seja, desenvolve
alguém. No máximo, cria ou mantém as condições ambientais
favoráveis para que o processo ocorra.
Sabemos, entretanto, da dificuldade de tornar o T&D, assim como
outras atividades semelhantes, mais participativo e auto-induzido.
Nosso passado remoto de colônia dependente de uma matriz de alémmar e nosso presente, marcado pela dependência tecnológica e
econômica, além das relações autoritárias e paternalistas mantidas
entre o estado e a sociedade ao longo de nossa história, transformaram
essa orientação democrática num sonho quase quixotesco. Como
salientam Grabow e Heski ''para que o maior número possível de
pessoas participe das decisões que lhes dizem respeito, é necessário
que se busque também a estruturação da sociedade descentralizada. O
futuro evolucionário dos seres humanos é limitado pela habilidade de
suas organizações sociais de lidarem com um ambiente em mutações.
As civilizações sobrevivem ou perecem em função desta habilidade. A
inovação e a experimentação nas organizações sociais são, portanto,
necessárias ao desenvolvimento humano''.(4)
A adoção de uma orientação democrática para o T&D não representa, ao
contrário do que parece, uma quimera ou utopia humanística, mas
significa uma necessidade de aumento de eficácia e uma busca de
legitimidade para as ações de T&D. Sabemos que qualquer
sistemacliente dispõe de focos de poder que, quando ignorados,
manifestam-se extremamente reativos, quer seja com apatia, quer seja
com violência. Entretanto, não basta identificar estes focos, nem
tampouco envolvê-los no processo como forma de vencer resistências. É
preciso devolver aos indivíduos e grupos situados nos diversos níveis da
organização, a responsabilidade pela co-gestão do processo de
aprendizagem e desenvolvimento.
Há, na condução do T&D, três atitudes possíveis:
a) ignorar as pessoas enquanto fonte de decisões relevantes e
confiáveis;
b) envolver as pessoas para reduzir sua resistência às mudanças;
c) descentralizar para os próprios trabalhadores e gestores as atividades
de T&D, como forma de responsabílízá-los pela condução de seu
processo de desenvolvimento.
Como ressalta Anna Campos, '' o objetivo de levar as pessoas a
participar deixa de ser meramente o de vencer suas resistências, mas
ampliar as perspectivas de análise de uma dada situação e aumentar a
probabilidade de descobrir alternativas de ação mais acertadas''. (5)
4. TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO E SISTEMA GERENCIAL
Adotar uma orientação democrática para T&D significa acreditar que
esta atividade seja fundamentalmente uma responsabilidade dos
gestores e trabalhadores, exercida nos diversos níveis da organização,
cabendo ao Centro de Formação e Desenvolvimento assessorá-los
tecnicamente. Esta concepção traz, em si, uma série de repercussões
sobre as diversas atividades do T&D.
O diagnóstico transforma-se numa atividade contínua e descentralizada,
isto é, passa a ser executada nas diversas unidades organizacionais,
através de seus respectivos dirigentes, em conjunto com seus
trabalhadores. Estes são incentivados a explicitarem suas necessidades
materiais, organizacionais, psicossociais e cognitivas, indispensáveis ao
seu desempenho e ao pleno desenvolvimento de suas possibilidades de
crescimento e realização, como profissionais e como pessoas. Além
disso, a determinação das necessidades de desenvolvimento deve
respaldar-se no próprio nível de desempenho da unidade organizacional
considerada. Assim, se a qualidade e presteza das decisões e os
resultados obtidos por uma determinada Unidade têm estado aquém das
expectativas ou das metas estabelecidas, o diagnóstico deve considerar,
também, as condições estruturais e funcionais da referida Unidade e da
própria Organização.
O esforço do T&D abrangerá, desse modo, o pr6prio desempenho
organizacional, quer seja através de ações educacionais, quer de
procedimentos administrativos do tipo reformista ou modernizador.
Em nossa opinião, desenvolver o Homem na Organização não constitui
atividade limitada tão-somente ao nível do desempenho do indivíduo na
função, mas abrange outras expressões da performance humana, que
se manifestam nos níveis interfuncional, grupal (setorial, intergrupal e
organizacional. Do mesmo modo, ''os efeitos de um programa de T&D
devem ser avaliados conforme o nível de desempenho que se pretende
atingir''.(6)
Assim, a avaliação de eficácia deve fornecer informações que traduzam
mudanças objetivas produzidas nos procedimentos de trabalho no nível
de desempenho almejado pelo programa. ''E, em cada um destes níveis,
encontramos um gerente potencialmente apto a descrever as mudanças
observadas após uma ação de T&D. Só precisamos dotá-lo dos métodos
e instrumentos de análise de resultados, para obtermos uma avaliação
de eficácia fidedigna. Sem o envolvimento dos gerentes será impossível
sabermos se os programas estão ou não alcançando os objetivos
propostos. Neste ponto, fica nítida a função de feedback que o sistema
gerencial desempenha em relação à atividade de T&D. Enquanto este
mecanismo não for estabelecido e fortalecido, o T&D continuará cego e
sob suspeitas quanto à sua real eficácia''.(7)
Assim como o diagnóstico e a avaliação de eficácia são atividades que
devem ser desmitificadas e descentralizadas para aqueles que de fato
possuem as informações, deve ocorrer o mesmo com o planejamento e
a definição de prioridades dos programas e projetos a serem
desenvolvidos. Caberá à unidade de T&D a função de assessoramento
ao sistema gerencial na transferência de métodos e enfoques que
venham a contribuir para o melhor desempenho da atividade. O receio
de que ocorra um desvirtuamento da programação é muito comum e
reflete a preocupação centralizadora e elitista do técnico de T&D, cioso
de sua especialização profissional. Segundo essa preocupação,
tipicamente tecnocrática, o cliente não pode e não deve desempenhar
outro papel que não seja o de paciente da ação de T&D. Do contrário,
estará ocorrendo uma invasão de áreas, (inconcebível dentro da
diferenciação que deve ser mantida pela própria classificação de cargos
e funções). Ora, esta atitude reflete, no fundo, mais um temor de
perder terreno e de sentir-se supérfluo na organização, do que uma
preocupação de cunho científico. Mas, por paradoxal que pareça, quanto
mais alguém defende seu território, mais aguça a cobiça alheia. A
questão não é porém, de loteamento de competência ou atribuições. O
T&D é, em essência, uma atividade cuja responsabilidade pela execução
permeia todos os cargos e funções, com ênfase sobre a função
gerencial.
A unidade de T&D deve assumir o papel de indutora e facilitadora do
processo de desenvolvimento humano na organização, descentralizando
suas atividades de forma a tornar sua ação mais abrangente e fidedigna
às demandas de seus clientes. Para tanto, a U nidade de T&D deve
disponibilizar seus recursos, tais como os meios audiovisuais, suas
instalações físicas e seus conhecimentos especializados sobre os
processos de ensino-aprendizagem. Seu papel, ao invés de escola de
cursinhos para adubos, deve ser o de estimular, em todos os níveis e
áreas onde haja um homem trabalhando, a atitude de aprendizagem e
de desenvolvimento contínuos. Cursos, quando necessários para
atualizar ou acrescentar conhecimentos, poderão ser melhor executados
por instituições especializadas nesse mister, como as faculdades,
institutos, colégios, escolas técnicas, fundações e empresas de
educação.
5. A ORGANIZAÇÃO COMO SISTEMA DE APREND@GEM E
DESENVOLVIMENTO
Repetindo o já lugar-comum do propalado ritmo acelerado de mudanças
das condições ambientais, cujos reflexos atingem diretamente a
organização, é um truísmo falar da necessidade desta adaptar-se
continuamente e acompanhar as mudanças externas, ou mesmo
antecipar-se a elas. De fato, a época de descontinuidade econômica,
social e política em que vivemos, exige das organizações muita
flexibilidade; caso contrário, correrão o risco de se verem desatualizadas
ou mesmo inviabilizadas.
Para adaptar-se às contingências externas ou antecipar-se a elas, a
organização deverá criar permanentemente, alternativas de ação de
maior ganho possível e, para tanto, precisará monitorar-se
continuamente, em seus processos e resultados. Caso contrário perderá
a noção de seu rumo e de suas possibilidades. Em outras palavras, se a
organização não se transformar numa comunidade de aprendizagem,
seu desenvolvimento estará ameaçado. É necessário aprender
continuamente, já que respostas dadas a problemas passados tornamse inadequadas às novas situações emergentes. A desejada flexibilidade
organizacional, que pressupõe um amplo repertório de enfoques e de
decisões, somente poderá ser alcançada com um esforço participativo,
contínuo e global de desenvolvimento de seus recursos gerenciais,
técnicos e administrativos.
Desenvolver o fator humano não significa, portanto, uma ação periódica
de aprimorar o desempenho no exercício de certa função, mas um
processo individual e coletivo (grupal e organizacional) permanente de
autocrítica, descoberta e atualização do potencial de criação e realização
humana, em seus diversos níveis de manifestação.
Adotar um processo de Desenvolvimento Humano nas Organizações de
cunho democrático significa:
1. desenvolver o potencial humano disponível na organização,, em suas
mais variadas formas,,
2. estabelecer relações de trabalho facilitadoras do desenvolvimento
humano individual e organizacional,
3. aumentar a eficiência do comportamento organizacional em cada um
dos seus níveis de ocorrência;
4. criar condições para a implantação de atitude de autocrítica na
organização, de modo que a aprendizagem de novas formas de
procedimentos e relações de trabalho seja uma constante.
O Desenvolvimento Humano nas Organizações é um processo que visa,
além da transmissão, a criação de conhecimentos, atitudes e
comportamentos orientados para a aprendizagem permanente.
Transfere-se, desse modo, a iniciativa pelo desenvolvimento aos
próprios gestores e trabalhadores.
O T&D deve deixar de ser um meio através do qual se transmitem
''idéias inertes, quer dizer, idéias que a mente se limita a receber sem
que as utilize, verifique ou as transforme em novas combinações''.(8)
Precisamos substituir o modelo tecnocrático do T&D, cujas premissas
ainda remontam ao sistema educacional, através do qual, segundo
Paulo Freire, ''ditamos idéias. Não trocamos idéias. Discursamos aulas,
não debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando.
Não trabalhamos com ele. Impomos-lhe uma ordem a que ele não
adere, mas se acomoda. Não lhe propiciamos meios para o pensar
autêntico, porque recebendo as fórmulas que lhe damos, simplesmente
as guarda. Não as incorpora porque a incorporação é o resultado da
busca de algo que exige, de quem o tenta, o esforço de recriação e de
procura. Exige reinvenção''.(9)
Sem dúvida, nós, profissionais de T&D, temos repetido em nossos
programas a orientação pedagógica tradicional, sem levarmos em
consideração que a clientela formada por adultos, no desempenho de
suas funções profissionais, difere muito da criança e do adolescente,
para os quais foram estruturados os princípios, regras e métodos da
educação formal. 'Os treinandos não podem ser encarados como seres
passivos, que são convocados para o treinamento, devendo permanecer
sentados numa sala de aula a fim de receberem conhecimentos.
Infelizmente, a utilização do modelo educacional formal no ambiente de
trabalho mantém esta situação, onde a tendência de usar-se regras e
sanções disciplinares para obrigar o funcionário (ou trabalhador) a
freqüentar o treinamento é um exemplo típico do esquema escolar.''(10)
''É imperativo que revisemos nossas orientações pedagógicas e
adaptemo-las à realidade do ambiente de trabalho e à relação com
pessoas adultas.''(11) Nesse sentido, o T&D é a própria andragogia, a
ciência da educação dos adultos, segundo Pierre Furter. A este respeito,
Knowles, um renomado especialista na matéria, esclarece: ''As
características básicas dos aprendizes adultos e que os distinguem
fundamentalmente dos aprendizes crianças são as seguintes:
1. à medida que se desenvolve a maturidade do indivíduo, seu autoconceito vai-se modificando, de modo a apresentar-se progressivamente
como um ser humano que se auto-dirige;
2. o indivíduo vai acumulando uma experiência cada vez maior, que se
constitui num recurso crescentemente importante para o
desenvolvimento da aprendizagem auto-dirigida;
3. sua capacidade de aprender vai-se tomando progressivamente
orientada para tarefas de desenvolvimento dos seus papéis sociais,
4. "Sua perspectiva quanto ao momento da aplicação do conhecimento
adquirido modifica-se, passando de uma preocupação com a utilização
posterior desse conhecimento, para um interesse a respeito da sua
aplicabilidade imediata; da mesma forma, deixa de ver a aprendizagem
como algo centrado em matérias, disciplinas, para passar a vê-la com
alguma coisa ligada a problemas a serem solucionados.''(12)
Diante desses esclarecimentos seria inadmissível mantermos, em sã
consciência, a relação de dependência que carateriza a administração
dos programas de T&D sob a orientação tecnocrática. Mas, mesmo
sabendo das limitações desse modelo e acreditando na relação
democrática como a mais adequada para a própria eficácia do esforço
de ensino-aprendizagem, uma vez que '' conhecimento técnico é uma
das bases do poder, a aceitação das limitações desse conhecimento
implica alterações na parcela de poder dos tecnocratas. Podemos
esperar, portanto, que eles resistam.''(13)
6. A CO-GESTÃO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO NAS
ORGANIZAÇÕES
A palavra co-gestão ainda não foi bem digerida no meio empresarial
apesar de estar sendo considerada e mesmo aplicada em algumas
empresas brasileiras. Devido a características técnicas de certas
especializações, tem ocorrido maior equalizações as relações de poder
entre gerentes e técnicos em certas áreas do trabalho especializados.
No que diz respeito a uma atividade eminentemente auto-induzida como
a aprendizagem humana, seria de se esperar que a co-gestão e mesmo
a autogestão - constituísse uma realidade aceita e estimulada nas
organizações, que seriam suas maiores beneficiadas. Mas não é o que
ocorre.
Sabemos da influência que a visão aristotélico-positivista tem exercido
nas ciências sociais e humanas, a despeito da diversidade observada
entre estas e as ciências naturais, onde aquele paradigma se aplica
muito bem. Uma das premissas positivistas é a necessidade do controle
e do conformismo às leis universais. Sua visão de Homem é a de um
animal-engrenagem, parte de um sistema social que o delimita e lhe dá
segurança. A sistematização, a quantificação e a previsibilidade são os
princípios essenciais desse modelo de pensamento. Em vista disso, é
muito difícil para um positivista lidar com as realidades diferenciadas de
sua clientela. Como compensação ele institucionaliza comportamentos,
generaliza percepções de uma realidade particular para outras não
conhecidas e isola-se cada vez mais em sua torre de marfim da
especialização.
Bonfield relaciona três razões do planejamento centralizador e global, de
orientação tipicamente aristotélica e positivista:
a) sua falta de condições de descobrir os reais objetivos e metas da
clientela:
b) sua impropriedade para lidar com sistemas políticos descentralizados,
ou seja, de trabalhar com reduzida parcela de poder em relação à
periferia;
c) dificuldades para prover conhecimentos que levem à criação de meios
efetivos para se atingir seus fins (devido ao distanciamento da
clientela).(14)
Estas mesmas dificuldades são facilmente encontradas na atividade de
T&D, uma vez que o paradigma que a sustenta é o mesmo. Como já
dissemos anteriormente, é um paradoxo que o profissional de T&D se
encastele, em sua tecnologia educacional e em sua especialização
conceitual, como forma de conquistar poder, criando uma barreira ao
seu próprio acesso à clientela com a qual deveria trabalhar
solidariamente. A gestão do processo de T&D não pode continuar
enfeixada nas mãos desses técnicos, ou entre as paredes dos centros de
treinamento. Ao invés disso, deve espraiar-se por toda a organização,
preferencialmente através de seu sistema gerencial. Isto implica,
ideologicamente, numa democratização do T&D; operacionalmente, a
gestão compartilhada do diagnóstico, planejamento, execução e
avaliação dos programas e, filosoficamente, a adoção do paradigma
existencial-fenomenológico, como suporte dessa nova abordagem do
T&D.
A este respeito Cornélio adverte, com muita propriedade, que a adoção
do paradigma existencial-fenomenológico implica nos seguintes
aspectos:
a) '.. democracia - o que iria levar à maior participação;
b) descentralização - o que iria levar à fixação de novos limites de
competência;
c) delimitação de unidades contextuais - o que iria exigir a fixação de
limites para as generalizações."(15)
A adequação do paradigma existencial-fenomenológico às ciências
sociais é perfeita, devido às peculiaridades do contexto e à natureza dos
fenômenos sociais ou humanos - objeto de análise desse campo do
conhecimento. Sinteticamente, podemos dizer que esta visão da
realidade recoloca, em seu devido lugar, o racionalismo e a
objetividade, reconhecendo a importância da heurística e da
subjetividade, enquanto formas legítimas de conhecimento da realidade.
A mente humana não é a tábua rasa de Locke; o mundo social não é tão
previsível e causal quando desejava Descartes; a realidade não é tão
sistematizada e organizada como pretendia Comte.
Como afirma Bunge, ''o domínio do determinismo causal continuará
reduzindo-se até que nada reste dele: demostrar-se-á que todas as leis
da natureza e da sociedade são estatísticas e se comprovará que o
conceito da causalidade é um mito, um resíduo do estágio prépositivista da humanidade''.(16)
A realidade de um sistema social é percebida por seus membros,
através da vivência e do contato direto, por meio do qual influenciam e
são influenciados pelo contexto. Portanto, nada mais óbvio do que
estimular esses participantes a assumirem a relevância de seu
conhecimento existencial e, com base nele, planejarem as intervenções
compatíveis com suas necessidades e aspirações. Caberá ao profissional
ou unidade de T&D as funções de:
a) estimular a atitude dos trabalhadores, enquanto agentes
organizacionais, de assumirem a responsabilidade pelo seu próprio
desenvolvimento;
b) assessorar os agentes organizacionais na sistematização desses
esforços de participação, até que se estabilizem como procedimentos
rotineiros;
c) criar condições que facilitem o intercâmbio de experiências entre as
unidades organizacionais e entre os trabalhadores e gestores, com
vistas ao incremento da aprendizagem em rede;
d) pesquisas e definir métodos e instrumentos de diagnóstico,
planejamento, execução e avaliação dos programas de T&D que sejam
adequados aos contextos onde serão utilizados.
O processo de T&D administrado compartilhadamente pelo técnico e
cliente, tem a vantagem de compensar as lacunas e disfunções deixadas
pela ótica objetiva do técnico com a percepção dos elementos do próprio
sistema-cliente. O T&D assume, desse modo , as características de uma
ação processada endogenamente, e não exogenamente. Dessa maneira
terá condições de ser legitimado pela organização, aumentando assim o
grau de efetividade de suas ações.
7. QUADRO COMPARATIVO DOS MODELOS DE T&D.
MODELO TECNOCRÁTICO
- planejamento como
atividade baseada no
conhecimento racionalformal;
- princípio da validade
científica;
- centralização do
diagnóstico, planejamento e
avaliação e descentralização
da execução;
- ênfase no hetero-controle
do desempenho;
- Homem como recurso
econômicos (objeto do
desenvolvimento
econômico);
- desenvolvimento
econômico como matriz do
T&D;
- diagnóstico de
necessidades como projeto
de pesquisa;
MODELO DEMOCRÁTICO
planejamento como atividade
baseada no conhecimerto
existencial fenomenológico;
- princípio da utilidade e
exeqüidade;
- descentralização do
diagnóstico, planejamento,
avaliação e execução;
-combinação do hetero com o
auto-controle de resultados;
- homem como pessoa em
crescimento (sujeito do
desenvolvimento econômico);
- desenvolvimento político,
social e econômico como
matriz
- diagnóstico de necessidades
como processo de
aprendizagem e
desenvolvimento humano;
- avaliação como
- avaliação como feedback do
instrumento objetivo de
processo de aprendizado e
desenvolvimento humano;
- orientação pedagógica do - orientação andragógica do
T&D;
T&D;
- T&D através de atividades - T&D através de atividades
formais (cursos e e
formais e informais
seminários);
sistematizadas ( estágios,
reuniões, grupos de trabalho,
atividades de auto-desenvolvimento);
- indivíduo na função como - subsistemas organizacionais
objetos do T&D;
e indivíduos como objeto do
T&D;
- sala de aula como
- local de trabalho como
ambiente principal de
ambiente pricipal de
ensino;
aprendizagem e redes
- de aprendizagem;
- instrutor como agente e
- facilitador, monitor,
aluno como paciente dos
treinandos como participantes
programas;
dos programas;
- ênfase na aquisição de
- ênfase no resgate do
conhecimentos;
potencial de criatividade e
realização dos trei nandos;
- T&D como ativi dade
- T&D como atividade
especializada de um Centro complementar ao exercício da
de treinamentos.
função.
8. APLICAÇÕES DO MODELO DEMOCRÁTICO DE T&D
A concepção deste modelo de T&D não se deu no campo da abstração
ou da adaptação da prática a uma ideologia previamente imaginada. Foi
o resultado de um processo de aprendizagem que se desenvolveu junto
a diversas organizações e que continua se aprimorando. Representa
uma construção coletiva, na qual eu me percebo como mero facilitador.
Em diversos trabalhos realizados, verifiquei que, por mais que
aperfeiçoasse instrumentos de diagnóstico, não poderia obter, através
deles, a riqueza e a complexidade da realidade que pretendia conhecer.
A tecnologia instrumental, para mim, significava um meio de
conhecimento da realidade, apesar das idiossincrasias humanas que
porventura viesse a encontrar. Na pesquisa de dados, o que importava
era o instrumento de coleta e o treinamento do pesquisador.
Nada mais distante da realidade, apesar da sinceridade e honestidade
de propósitos que me guiavam. E esta inadequação do método utilizado
não poderia ser resolvida ao nível da metodologia eu pressentia que a
mudança precisaria ocorrer num contexto muito mais profundo - ao
nível de enfoque do mundo, da vida, do trabalho, do Homem e de suas
relações. Nesse processo de ebulição mental vi-me, inicialmente,
inseguro em relação à propriedade de um novo enfoque, à validade de
seus resultados, à competência e seriedade da clientela em lidar com
''essa coisa tão especializada e difícil'', e às dificuldades de controlar a
situação. Porém, o próprio exercício da participação foi ensinando-me
que estas questões eram falsas, nesse novo paradigma.
Representavam, tão somente, a necessidade de sentir-me dono e
capataz do processo de ensino-aprendizagem. E cada nova experiência
foi demonstrando que a aprendizagem e o desenvolvimento humano são
responsabilidades da própria pessoa, e não de um especialista ou
dirigente da área de T&D. E que a chave do êxito de um programa é o
nível de envolvimento direto do cliente em todo o processo de T&D, e
não a qualidade tecnológica e instrumental, da atividade. Desse modo,
elaborar o diagnóstico e executar o planejamento e a avaliação de T&D
participativamente, foram as respostas que encontrei para o problema
da fidedignidade e relevância de suas ações.
8.l A Experiência do Ministério da Justiça
A primeira experiência de diagnóstico, planejamento, execução e
avaliação do T&D, conforme o paradigma existencial-fenomenológico e
com base na participação efetiva, deu-se no Ministério da Justiça, nos
anos de 1977 a 1978. A primeira parte deste trabalho consistiu em
discutir com a equipe do Centro de Treinamento os prós e contra dessa
abordagem e treiná-los em técnicas de entrevista individual e grupal e
na facilitação de grupos de trabalho. O diagnóstico de necessidades foi
realizado através de entrevistas individuais, junto aos dirigentes de
primeiro e segundo escalões, e de trabalhos de grupo com
representantes dos diversos setores e categorias funcionais do
ministério. Todas as categorias funcionais foram envolvidas no processo
por amostragem de, no mínimo, 30% de cada universo particular. Numa
primeira fase, foram levantadas as necessidades de melhoria de
desempenho e de condições de trabalho, por meio de um formulário
aberto. Os dados desse formulário foram consolidados em grupos de 20
e 30 participantes. Posteriormente foram eleitas para cada grupo,
pequenas comissões de dois a quatro membros, que passaram a
representar seus respectivos grupos nas fases posteriores do trabalho.
Estas comissões analisaram e consolidaram os dados, sugerindo
medidas corretivas e preventivas pertinentes às diversas necessidades.
Nessa fase foi eleito um representante para cada comissão que, de
posse de seu relatório de diagnóstico e prescrições, passou a constituir,
juntamente com os demais participantes e os técnicos de T&D, uma
equipe de programação. A programação anual e os projetos de
treinamento, além de outras medidas de natureza administrativa, foram
definidos por esta equipe de programação. Além disso, ela assumiu o
papel de acompanhar e avaliar a execução e os resultados das ações de
T&D desenvolvidas no ministério.
Este papel de acompanhamento e avaliação foi fundamental, vez que
dele saíram as informações para programas futuros, sem a necessidade
de se realizar um novo diagnóstico global de necessidades. Esse sistema
de trabalho foi mantido por mais um ano, tendo sido interrompido com a
mudança de administração do Centro de Treinamento. Entretanto,
permaneceram as bases da experiência que permitiram sua retomada,
no decorrer de 1981, numa reedição revisada e ampliada.
O processo de T&D que se implantou nesta segunda fase, representou
um salto de qualidade em relação à primeira experiência. Cabe realçar
algumas das conquistas alcançadas nesse novo empreendimento:
a) o processo de T&D passou a ser conduzido por uma comissão
permanente, constituída por representantes da maioria dos
departamentos;
b) instalou-se um processo de trabalho conjugado entre o Centro de
Treinamento e a Secretaria de Planejamento do Ministério;
c) surgiram iniciativas no sentido de envolver-se a Associação dos
Servidores do ministério no processo de treinamento e
desenvolvimento.
Este último tópico é, a meu ver, um marco para o T&D, uma vez que
resgata o potencial de aglutinação e motivação que a Associação (ou
sindicato) dos servidores possui no âmbito da organização. Com isso ela
transpõe os limites do mero assistencialismo e das atividades
recreativas e sociais, para desempenhar também o seu papel de
legitima representante dos funcionários, em suas necessidades e
aspirações de desenvolvimento humano. Neste ponto, cabe lembrar que
o T&D é feito também através de treinamentos, mas é, antes de tudo, a
conquista de condições materiais, funcionais, organizacionais,
psicossociais e políticas, que favoreçam o resgate dos talentos
individuais e grupais e nessa área a Associação de servidores poderá
contribuir muito. O processo de democratização, característico desse
sistema de trabalho, não é alcançado espontaneamente, mas através da
adoção, por um lado, de novas posturas gerenciais pelos dirigentes e,
por outro, pela expressão de novas atitudes e comportamentos técnicos,
políticos e administrativos pelos subordinados.
8.2 A Experiência do Ministério da Saúde
Os trabalhos realizados no Ministério da Saúde abrangeram duas de
suas Secretarias-fim. Nossa intervenção limitou-se às atividades de
diagnóstico de necessidades e programação de ações de T&D, devido à
interrupção dos mandatos do Ministro da Saúde e de seus Secretários. A
sistemática de trabalho utilizada diferiu da empregada no Ministério da
Justiça.
O diagnóstico e a programação de T&D foram realizados em cada
Secretaria, considerando-as como organizações distintas. Entretanto, o
modelo de trabalho foi essencialmente o mesmo nos dois casos.
O diagnóstico foi realizado por uma equipe-núcleo formada pelo
Secretário e seus Assessores e por todos os Diretores de divisão, seus
Assistentes e Chefes de Seção. Além desses, participaram em diversas
oportunidades, técnicos e pessoal de funções administrativas e
operacionais da Secretaria. Durante o decorrer das reuniões de trabalho,
toda a Secretaria era informada, através de reuniões setoriais e de um
boletim de divulgação, criado pela própria equipe-núcleo de T&D, sobre
o andamento dos trabalhos. Nessas oportunidades, todos os níveis
funcionais da organização eram estimulados a participar, não de modo
compulsório, uma vez que se buscava a participação como direito, e não
como dever.
Meu contato, como consultor, limitou-se à equipe-núcleo de T&D,
cabendo a esta o papel de colher informações junto aos demais
funcionários. Desse modo transferia, de fato, a responsabilidade do
diagnóstico-programação para o sistema gerencial da própria
organização.
A primeira fase deste trabalho foi dedicada a uma série de explanações
e debates sobre o processo de T&D e à sistemática de diagnósticoprogramação que seria adotada.
A segunda fase constituiu o próprio levantamento e análise de
problemas de desempenho nos níveis funcional, interfuncional, setorial,
intersetorial, organizacional e interorganizacional.
A terceira fase tratou da definição de linhas de ação a serem adotadas
para a solução da problemática identificada.
A quarta fase foi realizada através de entrevistas individuais junto a
cada diretor de divisão, no sentido de especificar mais detalhadamente
os problemas e as propostas de soluções pertinentes. Após todo este
esforço organizacional, o trabalho foi interrompido sem terem sido
efetivadas as propostas de ações prescritas pela equipe-núcleo de T&D.
A esta altura parece claro o quanto é ainda frágil qualquer espécie de
atividade realizada ao nível do segundo escalão das organizações
públicas e até mesmo ao nível do primeiro escalão. A descontinuidade
administrativa frustra continuamente os planos, projetos e atividades
inovadoras.A esperança no efeito somativo dessas iniciativas é que
alimenta a busca de condições administrativas e humanas mais justas e
eficazes para nossas possibilidades e desejos de desenvolvimento. Ter
forças para combater esta entropia burocrática é o mínimo que se pode
esperar daqueles que lidam com a atividade de T&D na administração
pública.
8.3 A Experiência do Ministério da Educação e Cultura
O trabalho que desenvolvemos junto ao MEC abrangeu o subsistema de
pessoal, constituído pelo Departamento de Pessoal do MEC e
Departamento de Pessoal das Universidades Federais e das Escolas
Técnicas Federais. Não se limitou à definição de programas de T&D .
Envolveu, além disso, a programação de medidas de desenvolvimento
institucional, tais como: reorganização das unidades administrativas,
redefinição de funções, competências e atribuições e
redimensionamento dos Departamentos de Pessoal. Este trabalho foi um
exemplo típico da aplicação da orientação democrática ao processo de
T&D, enfocado em seu sentido mais extenso, inclusive o de
Desenvolvimento Organizacional.
A intervenção iniciou-se através de dois encontros regionais de
dirigentes de treinamento das Instituições de Ensino Superior (IES) e de
um encontro de dirigentes de treinamento das Escolas Técnicas Federais
(ETF), com a finalidade de proceder-se a um diagnóstico global da
situação do T&D no sistema MEC. Como proposta prioritária dos próprios
encontros, foi definida a necessidade de promover-se a integração dos
dirigentes de T&D com os dirigentes de Departamento de Pessoal, o que
resultou num encontro voltado para ambas as funções que, em
conjunto, analisaram a situação e buscaram medidas corretivas com
vistas no fortalecimento do subsistema de Recursos Humanos do MEC.
Objetivando a implementação e administração do programa, foi eleita
pelos participantes desse encontro, uma comissão formada por oito
membros, representativa das diversas regiões do País e constituída por
dirigentes de pessoal e de treinamento. Sua missão era planejar,
estimular a adoção de medidas, adaptar soluções à realidade das IES e
ETF e acompanhar e avaliar a execução do programa em todas as
organizações que compõem o subsistema de Recursos Humanos do MEC
(30 IES e 20 ETF).
Nosso trabalho de consultoria técnica foi prestado junto ao subsistema,
através dessa comissão e sob a supervisão do Centro de Treinamento do
DP-MEC (CETREMEC). Os membros da comissão desempenharam, além
de suas funções de dirigentes de pessoal e de treinamento, o papel de
consultores internos do programa, de modo que as medidas deflagradas
eram sempre adaptadas às peculiaridades das organizações envolvidas.
Este programa criou e mantém, em caráter permanente, uma Rede de
Aprendizagem e Desenvolvimento formada inicialmente pelos
Departamentos de Pessoal, e que, progressivamente, abrangeu outras
unidades das IES e ETF Através desse sistema processou-se um
intercâmbio permanente de experiências entre as instituições
envolvidas. Além disso, esta Rede representou para o MEC um suporte e
um fator facilitador do processo de descentralização da administração
dos Recursos Humanos, obtendo-se maior adequação às realidades
regionais e locais do País.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
(1) Cornélio, A. Fernando. Repensando o Planejamento Brasileiro: um
posicionamento de cunho filosófico; In: Modernização administrativa Brasília, Ipea/Semor, 1980p.353 (coletânea de monografias, v. 2)
(2) Cartwright, James L. Apud Comélio, Antonio Femando. op. Cit. p.
368.
(3) Matos, Ruy A. Desenvolvimento de Recursos Humanos da
Administração Pública. Tipogresso, 1980 p. 30-1.
(4) Grabow, Stephem & Heski, Allan, Foundations for a Radical Concept
of Planning, Joumal of the American Institute of Planners, 39(2): 10614, mar. 1973
(5) Campos, Anna Maria. Um novo modelo de planejamento para uma
nova estratégia de desenvolvimento - Revista de Administração Pública,
FGV, 14(3): jul/set. 1980.
(6) Matos, Ruy A op. cit. p. 23
(7) Id. ibid.
(8) Whitehead, A. N. The aims of education and other essais, New York,
Macmilian, 1967. p. 2.
(9) Freire, Paulo. Educação como prática da liberdade. Paz e Terra,
1980, p.96-7.
(10) Matos, Ruy A. op. cit. p. 27.
(11) Id. ibid.
(12) Knowles, Malcon. ln: Brown, Gemld & Wedel, Kenneth R. Assessing
Training Needs. Washignton National Training, 1974, p. 14 (Extraído de
Treinamento de Executivos - um abordagem andragógica. UFBa/ISP,
1977)
(13) Campos, Anna Maria. op. cit. p. 31.
(14) Bonfield, Edward C. The unheavenly City. Boston, Littlie Brown, p.
18.
(15) Cornélio, Antonio F. op. cit. p. 368-9.
(16) Bungue, Mario. Causalidad - el principio de causalidad en la ciência
moderna. Ed. Universitária de Buenos Ayres, 1972, p. 359
CAPÍTULO IV
CAD - A COMUNIDADE DE APRENDIZAGEM E
DESENVOLVIMENTO
Fundamentação
O QUE É A CAD?
A CAD - Comunidade de Aprendizagem e Desenvolvimento é uma
estratégia de desenvolvimento empresarial em serviço que resgata os
talentos individuais e amplia a sinergia das equipes de trabalho. É
centrada em grupos naturais. Desse modo, todos os componentes de
um determinado setor ou unidade organizacional participam do esforço
de recuperação da unicidade do trabalho humano, enquanto processo
que conjuga produção, criação e aprendizagem permanente.A CAD
sistematiza e torna consciente o processo de endoculturação, isto é, de
transformação da cultura empresarial através da aprendizagem coletiva
e da vivência grupal.
Quando um setor, célula de produção ou unidade de negócio
transforma-se em CAD, ocorre, naturalmente, uma mudança cultural no
grupo. Há o incremento da cooperação, da consciência crítica e do
engajamento de seus membros na obra coletiva de produzir e prestar
serviços com qualidade e produtividade e, ao mesmo tempo, criar um
ambiente democrático e com qualidade de vida para as pessoas.
A CAD propicia a integração dos cinco fatores da competência e do
desenvolvimento humano: o SABER, o PODER, o FAZER, o PRAZER e o
SER, ao mobilizar, através da ação coletiva, a atitude de aprendiz e o
comportamento de parceiro. O saber deixa de ser alheio ao trabalho e
restrito às salas de aula; o poder desce dos estratos superiores da
pirâmide burocrática para vincular-se ao nível onde as oportunidades e
problemas ocorrem e precisam de solução; o fazer deixa de ser
mecânico e acrítico, recuperando seu significado e complexidade; o
prazer reintegra-se ao ato de trabalhar, deixando de ser um escape de
fim-de-semana e o ser deixa de parecer quimera, e passa a constituir
um direito que cada pessoa tem de alcançar sua realização, enquanto
profissional, em harmonia com as demais dimensões de sua plenitude
pessoal.
O que dá origem à CAD?
Em sua essência, Comunidades de Aprendizagem constituem o berço da
cultura, da inteligência e da própria existência humana. Existem desde
os primórdios da humanidade e foi a invenção sócio-política que
distinguiu o homo-sapiens das demais espécies primatas e de outros
animais.
Enquanto o leão tem a força, a seu favor; a gazela, a velocidade; o
jabuti, a carapaça e a águia, a visão de longo alcance; o colibri, tem a
agilidade; o cão, o faro aguçado; o elefante, a força física, o que tem o
ser humano? Como indivíduo, tem a fragilidade física, a lentidão, a pele
nua, a visão curta (ou míope), os sentidos de baixa eficiência. Mas,
enquanto ser coletivo, tem a inteligência, a consciência, a criatividade, o
sentimento, a intuição e a parceria, que se conjugam, resultando no
trabalho, que por sua vez, constrói a cultura que o perpetua através da
comunicação (falada, escrita), dos utensílios e equipamentos sociais e
das comunidades (famílias, núcleos, vilarejos, cidades, municípios,
estados, nações; ocupações, corporações, empresas, organizações,
instituições etc.)
O ser humano só é humano porque trabalha e aprende, ao mesmo
tempo, isto é, produz e produz-se em cada ato. Em cada objeto que
cria, recria-se; em cada relação que estabelece, reconhece-se.
Nossa mente foi condicionada, por gerações e gerações, a não perceber
a realidade holística do trabalho e das organizações.
Desde Parmênides, que espetou o Ser na parede, retirando-lhe o fluir
permanente, passando por Platão, que rompeu a unicidade fisicoespiritual, deixando o corpo sem alma, além de Aristótoles, Tomás de
Aquino, Descartes e Newton, vem sendo concebido, e fortalecido, o
paradigma classificador e hierarquizador, que fragmenta e dicotomiza
nossa visão da realidade, com suas conhecidas repercussões sobre a
pessoa, a sociedade e a natureza.
O paradigma classificador distorce a concepção e a percepção da
realidade, com seu princípio científico da causalidade linear que o
método cartesiano nos legou. Sob esta influência, tentou-se simplificar a
análise do comportamento humano pela ótica dos experimentos com
ratinhos e pombos de laboratório, do mesmo modo que tentou-se
reduzir o trabalho humano ao funcionamento de máquinas, com a
engenharia dos tempos e movimentos e a supersimplificação de tarefas.
Atualmente, assiste-se, maravilhado, à tentativa de reduzir a
criatividade humana a exercícios e técnicas estruturadas, dissociadas do
contexto micro-político das organizações. Como, também vem fazendo
sucesso a esperta tentativa de compreender e alterar o comportamento
através de auto-sugestão, ou auto-programação, fundamentando-se na
redução do nosso ser a um cérebro cibernético, logicamente
estruturado.
Todas essas tentativas de transformar o ser humano em máquina, em
dinheiro, em número, retirando-lhe o sentido de ser coletivo, resultou
na expropriação de seus sentimentos, de sua inteligência e de sua
vontade, dando origem à caricata concepção economicista de mão-deobra ou, pior ainda, de recurso humano.
Felizmente, a essência holística da natureza, que já era conhecida pelas
tradições do oriente, foi reconhecida pela ciência ocidental. Einstein, ao
postular a teoria da relatividade, superou os limites do universo
newtoniano e abriu o caminho para a concepção da Teoria do Campo
Unificado, da Física Quântica, da Astrofísica e da Teoria do Caos, com
seus fenômenos desconcertantes, aos olhos cartesianos.
Também no mundo do trabalho, o velho paradigma classificador e
hierarquizador, vem sendo substituído pelos paradigmas holístico e
relacional, reconstruindo o ser humano enquanto pessoa integral,
integrada e interativa, que se renova permanentemente, através de
suas relações produtivas e simbólicas, no sentido de sua realização e
plenitude.
Como resultante deste esforço, as Comunidades de Aprendizagem e
Desenvolvimento brotam, espontaneamente, no ambiente de trabalho,
como impulso para a superação dos bloqueios à manifestação dos
talentos, que as estruturas hierárquicas e as relações estereotipadas,
mantêm.
Este processo de aprendizagem coletiva é ainda percebido com
estranheza por muitos especialistas e dirigentes de órgãos de
treinamento e desenvolvimento. Eu tive a oportunidade de testemunhar
a adoção de medidas administrativas para desestimular e, até mesmo,
impedir o funcionamento de CAD que haviam sido estruturadas,
empiricamente, por gerentes e funcionários de determinados setores ou
divisões. Entre os motivos alegados, estavam o de que: "aquelas ações
de treinamento em serviço não haviam sido previstas", "essas reuniões
freqüentes vão atrapalhar o trabalho"; ou mais ainda "como é possível
esse negócio dos funcionários aprenderem uns com os outros, sem
nenhum instrutor?" Mas, o que mais incomoda, a alguns empresários e
dirigentes de visão curta, é o medo de que as CAD subvertam o status
quo e denunciem o pacto de mediocridade que se mantém pela
dominação combinada com a ignorância e a subserviência.
Metodologicamente, quais são as bases da CAD?
A base fundamental é a própria natureza humana, que nos impulsiona a
aprender, permanentemente, com as outras pessoas. Aprender novas
idéias, novas habilidades, novos valores, constitui um prazer em si
mesmo.
A curiosidade é a essência da ciência e da tecnologia. O oráculo de
Delfos, há milênios, nos alerta: "conhece-te a ti mesmo". Portanto, a
CAD nasce da tentativa de superação do estado de ignorância com e
através dos outros. Nesse sentido, a Maiêutica Socrática, que busca
extrair do estado de aparente ignorância, o conhecimento, é uma das
ferramentas da CAD.
O Método Andragógico, (andros significa adulto em grego), desenvolvido
por Malcolm Knowles, é outro suporte utilizado na CAD. Este método,
em contraposição ao Pedagógico - que foi estruturado para ensinar
crianças, promove a produção de conhecimentos e sua aplicação prática,
a partir da experimentação, da reflexão e da crítica constante de seus
resultados. Estas são as expectativas de aprendizes adultos, que
trabalham e são responsáveis por famílias, grupos, empresas etc. Ao
sair da sala de aula para o próprio local de trabalho, a CAD enfatiza a
aprendizagem ao invés do ensino acadêmico, geralmente dissociado do
tempo presente e do espaço relevante de produção.
O Método Paulo Freire constitui outro esteio da CAD. Nesse sentido, os
grupos são estimulados a se questionarem, a extraírem, através da
autocrítica e da práxis transformadora de sua própria realidade, o novo
conhecimento que se irá generalizar em novos conceitos, concepções,
valores e práticas. Ao maximizar o uso de seus próprios talentos, o
grupo transformado em Comunidade, fortalece-se sinergicamente,
resgatando a consciência crítica e a autoria de seu próprio destino e
condição, enquanto processo político-econômico e psicossocial de
produção e de realização humana.
A Teoria da Dinâmica de Grupo, desenvolvida inicialmente por Kurt
Lewin e aperfeiçoada por inúmeros psicólogos e sociólogos
organizacionais, é outra base metodológica da CAD. Nesse sentido, as
fases de formação dos grupos, os fatores aglutinadores e dispersores
dos processos grupais, os conceitos e técnicas de comunicação e
feedback, o repertório de análise do comportamento da Análise
Transacional, entre outros, são referenciais importantes que o consultor
interno utilizará, conforme as necessidades dos grupos.
Uma nova abordagem metodológica vem surgindo nesses últimos anos.
Trata-se do Diálogo, uma contribuição que nos foi legada pelo grande
físico quântico David Bohm, em sua última fase de vida. No Congresso
da American Society of Training and Development - ASTD, realizado em
junho de 1995, em Dallas-Texas, tivemos a oportunidade de conhecer,
em maior profundidade, esta proposta de aprendizagem coletiva que,
através da sistematização do diálogo, busca o desenvolvimento humano
nas organizações. Segundo Glenna Gerard (1995) "no diálogo estamos
interessados em criar um quadro mais completo da realidade, ao invés
de quebrá-lo em fragmentos ou partes, como ocorre na discussão. No
Diálogo, nós não tentamos convencer os outros de nossos pontos de
vista. David Bohn determina as raízes da palavra Diálogo a partir do
grego dia e logos, que significa através do significado. Poder-se-ía
imaginar o Diálogo como uma corrente de significado fluindo entre e
através de um grupo de pessoas, do qual pode emergir alguma nova
compreensão, algo criativo."
Estas são, a meu ver, as principais bases metodológicas da Comunidade
de Aprendizagem, entre outras que cada CAD, em particular, lançará
mão como meios facilitadores do processo de aprender coletivamente.
Este é um campo vasto e profundo que se confunde com o próprio ser
humano.
Quais são as Instituições e Empresas que vêm adotando a CAD como
estratégia de educação permanente e transformação cultural?
Em minha prática de consultaria tive oportunidade de levar esta idéia,
método e estratégia de implantação de CAD, como ação complementar
aos projetos de treinamento e desenvolvimento, como intervenção
endógena na cultura empresarial ou como suplemento aos programas
de Gestão pela Qualidade Total, a diversas organizações.
A primeira aplicação ocorreu nos idos de 1980 no Sistema Nacional de
Educação, envolvendo os segmentos de Administração de Pessoal e de
Treinamento de todas as Universidades Federais e Escolas Técnicas
Federais. Naquela época foi criada uma rede de aprendizagem e
desenvolvimento - uma RAD, que articulando e promovendo o
intercâmbio de experiências entre as várias universidades, criou um
suporte técnico e político ao desenvolvimento de conhecimentos,
métodos e estratégias de trabalho, concretizada pela Comissão Nacional
de Administração de Pessoal. Esta é uma comissão diferente de tantas
outras, por ser voluntária e constituída através de eleições anuais. Vem
atuando como fórum de legitimação de propostas do Sistema de Pessoal
das Universidades e Escolas Técnicas e, também, como órgão de
assessoramento informal às diversas reformas administrativas que o
Governo Federal fez ou tentou fazer, até hoje. Em várias universidades,
foi utilizada a CAD como meio de promoção da aprendizagem em
serviço. Dentre essas, destacamos as Universidades Federais do Ceará,
de Goiás, de Juiz de Fora, Fluminense e de Minas Gerais.
O CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico - também na década de 80, utilizou a CAD em seus
programas de T&D, assim como o Banco Central e o Banco do Brasil.
Nesses dois bancos, a CAD foi implementada durante Programas de
Desenvolvimento de Sistemas Gerenciais. No Banco do Brasil, várias
agências e CESEC (Centros de Processamento e Serviços) organizaram
CAD que funcionaram durante alguns anos. Com as várias mudanças de
direção e reformas organizacionais, estes trabalhos foram
interrompidos.
Desde 1993, o SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas - vem adotando a CAD em diversas unidades
estaduais, como estratégia de fortalecimento de sua cultura participativa
e de aprendizagem coletiva. As CAD foram implantadas e vêm sendo
acompanhadas por Consultores Internos, após terem sido capacitados,
pela EMCO - Empresa de Consultoria Organizacional. Como resultado
desse trabalho, consultores do SEBRAE vêm multiplicando a CAD em
várias empresas de pequeno porte, como estratégia de desenvolvimento
empresarial.
Em 1995, iniciamos um programa de capacitação de consultores
internos para a implantação de CAD, no BRB - Banco de Brasília,
visando ao seu desenvolvimento empresarial. A proposta é estimular a
criação de Comunidades de Aprendizagem nas diversas agências e
órgãos da direção geral do Banco, em sinergia com o seu Planejamento
Estratégico.
Durante o ano de 1996, participamos do esforço do SEBRAE-GO de
remodelagem de sua estrutura organizacional, no sentido de
transformar seus setores em Células de Trabalho e Aprendizagem
Coletiva, o que resultou em uma estrutura mais flexível, capaz de
aumentar sua competência e agilidade operacional no atendimento aos
seus clientes.
OBANESTES (Banco do Estado do Espirito Santo), promoveu, durante o
ano de 1997, a capacitação de 15 profissionais para a implantação de
CAD em suas Agências e demais Unidades Organizacionais.
O TRT- Tribunal Regional do Trabalho da 10a Região (DF e Tocantins)
vem, desde o ano de 1999, implementando o método da CAD em sua
Diretoria de Desenvolvimento de Recursos Humanos.
CAPÍTULO V
CAD - A COMUNIDADE DE APRENDIZAGEM E
DESENVOLVIMENTO
Uma Estratégia de Desenvolvimento Empresarial em Serviço
1. USOS E ABUSOS DA EDUCAÇÃO
A educação, ao longo do tempo, tem desempenhado o papel de
instrumento de modelagem do ser humano em seu processo de
socialização, como um longo rito de passagem. Ter educação é ter
passaporte para os diversos círculos do convívio social e os diversos
segmentos do mercado de trabalho. Nesse sentido, a educação tem sido
usada pelo aparelho estatal, como instrumento político para anestesiar
consciências e amortecer impulsos criadores, desestabilizadores do
status quo; tem servido a grupos de elite da sociedade como
instrumento de manutenção de mitos, símbolos e tradições; tem sido
usada pelas diversas religiões que, através das organizações
educacionais, massificam suas crenças e tabus engrossando suas fileiras
de adeptos.
Diante desses usos e abusos da educação institucionalizada, usada como
instrumento de passagem para o reino dos céus, para o convívio societal
ou para o conformismo político, era de se esperar que, também na
construção da revolução industrial, a educação fosse convocada a dar
sua parcela de contribuição. Do contrário, como manter a disciplina do
comportamento humano numa linha de montagem? Como garantir o
manuseio dos caros equipamentos com segurança e destreza? E,
principalmente, como transformar o ser humano num instrumento ou
recurso físico-fisiológico do sistema de produção de bens e serviços a
um custo cada vez mais reduzido? Todas estas exigências de
conformismo para a produtividade teriam de ser satisfeitas, caso
contrário inviabilizaria de um lado, a economia capitalista centrada no
mercado, e, de outro, a economia socialista centrada na burocracia
estatal. Num ou noutro caso, o trabalhador teria que sofrer o expurgo
de todas as suas características pessoais que ameaçassem pôr em risco
a lógica do sistema produtivo - ele teria que ser sacrificado em sua
identidade e, em decorrência, seus valores, emoções, sentimentos e
desejos postos a serviço da Economia. E é isto o que vem sendo
perpetrado cotidianamente, seja nas empresas privadas, seja nas
organizações públicas. Como afirma Guerreiro Ramos: ''uma sociedade
de mercado, o empregado eficiente deve ser um ator despersonalizado.
Espera-se dele que acate as determinações impostas, de cima para
baixo, e que definem o papel que desempenhar. Um traço de sua
patologia normal é aquilo que Dewey chamou de ''psicose ocupacional'',
resultante de uma aceitação acrítica das determinações referentes ao
seu papel profissional''.(1)
Zumbificado pelo sistema político-econômico da organização em que
trabalha, resta tão somente ao indivíduo a força, a destreza e a
resistência física, combinadas com a resignação de que não é possível
''lutar contra a corrente''. E mesmo nessa situação ainda lhe exigem que
dê o melhor de si em prol da instituição. Ele passa a considerar-se a
''apenas como um instrumento, não fazendo julgamento de valor sobre
suas ações. O que o preocupa, é se mostrar digno do que a autoridade
espera dele. As conseqüências de seus atos são decodificadas à luz dos
critérios apresentados pela organização (... )''. E mais do que isso, ''ele
se acha incapaz de agir sem diretivas vindo da autoridade superior.
Conforma-se à vontade desta autoridade, mas por isso mesmo se
desobriga de compromisso com as suas próprias ações''.(2)
Como parte desse cenário político-econômico-psicossocial, que constitui
a organização, estruturou-se a educação para o trabalho, visando ao
adestramento operacional, ao aperfeiçoamento de conhecimentos,
atitudes e habilidades e ao desenvolvimento de potencialidades
individuais requeridas pelo sistema produtivo. Não é de se estranhar
que o berço e o ambiente mais nutritivo do Treinamento e
Desenvolvimento de Recursos Humanos tenha sido e continue sendo os
Estados Unidos da América do Norte, santuário da Deusa Economia.
2. DA ESCOLA PARA A EMPRESA
A educação para o trabalho consolidou-se e proliferou-se por meio de
Divisões, Centros e Institutos de Treinamento e Desenvolvimento de
Recursos Humanos nas empresas privadas e nos organismos
governamentais. E esta transferência do processo educacional da escola
para a empresa se fez, na maioria dos casos, de modo acrítico,
importando princípios e valores consolidados na relação de dependência
professor-aluno, gerando uma série de equívocos e contradições, tais
como: ''a ênfase na transmissão em lugar de na produção de
conhecimentos; a organização de grupos de treinandos apartados de
suas respectivas situações e relações de trabalho; a separação de
treinandos por níveis hierárquicos, categorias funcionais, necessidades
pessoais de aperfeiçoamento, como se o trabalho constituísse algo
fragmentado e parcelado; entre outros equívocos.''(3)
Apesar da mudança de contexto, os mitos que parasitam as relações de
ensino-aprendizagem continuaram e, em alguns casos foram
fortalecidos. Por exemplo, a produção de conhecimentos continua sendo
vista como algo hermético, privilégio de iniciados, cabendo ao instrutor
sua mera transmissão e ao treinando, o esforço de assimilação. Estes,
''de tanto ouvirem de si mesmos que são incapazes, que não sabem
nada, que não podem saber (...) terminam por se convencerem de sua
''incapacidade''. Falam de si como os que não sabem e do ''doutor''
como o que sabe e a quem devem escutar. Os critérios de saber que lhe
são impostos são os convencionais. Não se percebem, quase sempre,
conhecendo, nas relações que estabelecem com o mundo e com os
outros homens.''(4)
Os esforços despendidos pelos Setores, Divisões e Centros de
Treinamento restringem-se à busca de métodos e técnicas que tornem a
transmissão de pacotes de conhecimentos, mais eficiente. Nesse
sentido, o arsenal de instrumentos e equipamentos sofisticou-se com o
uso, hoje corriqueiro, do video-tape, gravador, projetor de slides,
retroprojetor, entre outros equipamentos, e de técnicas de ensino como
textos-ativo, leitura dirigida, instrução-programada via computador etc.
Nessa busca de inovação tecnológica do ensino, pouco ou quase nada
tem sido feito para a compreensão e a ruptura do mito do saber
elitizado, segundo o qual sua produção somente deve dar-se através de
elites intelectuais, geralmente encasteladas em suas Universidades e
Institutos de Pesquisa. As Organizações de Trabalho, reforçando o mito,
restringem-se ao FAZER. É verdade que ultimamente vem sendo
conquistada, por grandes empresas, certa franquia para a produção de
SABER. Referimo-nos aos Setores e Departamentos de Pesquisa e
Desenvolvimento que, infelizmente, importando preceitos e critérios
oriundos do modelo acadêmico, estruturam-se em nichos de
competência, onde os eleitos pesquisadores exercitam sua criatividade
''à salvo'' do burburinho das operações de produção. O Saber e o Fazer
continuam apartados entre si e submetidos ao Poder, numa bizarra
segmentação do trabalho humano associado, geradora da alienação dos
níveis subalternos frente ao processo de análise e resolução de
problemas enfrentados pela Organização.
A massa de operários e funcionários procura esmerar-se no FAZER cada
vez mais e melhor, sem saber o porquê nem o para quê do que faz,
guiada por normas e padrões estabelecidos pelo estrato superior da
Organização, que detém o PODER de mandar fazer. De fato, ''a lógica da
moderna Organização burocrática empresarial implica em concentração
de saber na administração e em concentração de ignorância na
produção."(5)
É natural que, com essa política de segmentação do trabalho, o Fazer
adquira, cada vez mais, as características de ação motora acrítica,
repetitiva e alienadora. É de se esperar, também, que a mão-de-obra, o
cérebro-de-comando e o cérebro-do-saber, estabeleçam entre si
fronteiras intransponíveis, criando-se assim categorias mutuamente
exclusivas.
Temos como resultado dessa exagerada especialização, a
esquizofrenização das operações e relações de trabalho, ''e no contexto
de tais circunstâncias, e para chegar à consecução dos resultados finais
previstos, as habilidades pessoais passam a ser subsidiárias de objetivos
mecânicos. Em outras palavras, em tais circunstâncias espera-se do
homem não que se ocupe adequadamente, nem se exprima livremente,
em relação à tarefa que lhe foi designada; espera-se dele que trabalhe.
O homem é, portanto, essencialmente considerado apenas como um
componente de uma força de trabalho."(6) Um simples recurso, que,
ingenuamente, buscamos lapidar para ser consumido pelo sistema de
produção.
Cabe-nos, como profissionais comprometidos com a educação no
contexto organizacional, buscarmos, incessantemente, caminhos para a
superação da situação desumanizadora que atualmente caracteriza a
realidade organizacional. A estratégia de instalação de Comunidades de
Aprendizagem e Desenvolvimento Humano nos diversos setores e
segmentos da Organização, é um desses caminhos alternativos, tanto
no sentido da valorização do ser humano empregado, quanto com vistas
ao melhor desenvolvimento das organizações, enquanto instrumentos
de produção de bens e serviços em prol da sociedade e da natureza.
3- A COMUNIDADE DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO
A implantação da educação nas organizações por meio de Comunidades
de Aprendizagem e Desenvolvimento constitui uma ruptura do
tradicional método de transferência de conhecimentos, modelagem de
atitudes e adestramento de habilidades, corriqueiramente efetuados
com os conhecidos pacotes de Treinamento e Desenvolvimento
centrados no indivíduo. Ao enfatizar a equipe natural de trabalho (Setor,
Divisão, Departamento) o método da CAD leva em conta os
pressupostos de que:
1. "a Organização não é a soma de indivíduos, mas a manifestação das
relações sócio-culturais, políticas e econômicas que eles estabelecem
entre si;''
2. "o trabalho não é o resultado do esforço isolado de um indivíduo mas
a resultante das inúmeras relações estabelecidas entre indivíduos no
desempenho de funções complementares e entre os diversos grupos
organizacionais(...);''
3. "a necessidade de aprimoramento e desenvolvimento não deve ser
buscada, tão-somente, na pesquisa de atitudes e comportamentos
individuais, mas principalmente, na análise da natureza dos sistemas
interacionais estabelecidos a nível das unidades organizacionais;''
4. "a qualidade do desempenho guarda íntima vinculação com a
natureza das relações mantidas entre o gerente e sua equipe e entre os
componentes desta;"
5. "cada grupo organizacional (departamento, divisão etc) constitui
naturalmente uma Comunidade de Aprendizagem e Desenvolvimento,
detendo potencialmente a maioria das soluções para os problemas com
os quais se defronta."(7)
Ao trabalhar-se no sentido de transformar cada Unidade Organizacional
em Comunidade que, a partir dos seus próprios recursos, comprometese com a aprendizagem para a resolução de seus problemas e com o
desenvolvimento de novas atitudes, conhecimentos e habilidades de
seus participantes, resgata-se o potencial criador e a capacidade de
produção do SABER, contida no nível do que normalmente tem sido
apenas o FAZER mecânico. Com isso, cria-se o necessário suporte para
que o grupo de trabalho recupere sua parcela de PODER, alienada no
processo de burocratização e concentrada nos escalões superiores.
Assim, a recolagem do trabalho (FAZER) com a educação, (SABER)
constitui um exercício de competência político-social (PODER). Sem a
combinação desses três componentes, questões tais como: eficácia,
efetividade, motivação, comprometimento e criatividade, continuarão
sujeitas a malabarismos teóricos e a manipulações. ''A produção...''.
assinala Guerreiro Ramos, ''... não é apenas uma atividade
mecanomórfica. É também um resultado da criativa satisfação que os
homens encontram em si mesmos. Num sentido, os homens produzem
a si mesmos, enquanto produzem coisas."(8)
Ao implantarmos a Comunidade de Aprendizagem e Desenvolvimento
realçamos os seguintes fatores do desempenho humano no contexto
organizacional:
Condições
Condições
Condições
para
para
Qualificação
para
Eficácia do
Eficiência
Engajamento
{ Desempenho { Efetividade
{ do
Organização
Desenpenho Compromisso do
Articulação
Desempenho
com os
Visão de
Clientes
Objetivos
3.1. Qualificação
A qualificação expressa a correta aplicação de conhecimentos, atitudes e
habilidades no exercício de determinada função ou papel organizacional.
Não basta, entretanto, treinarmos o indivíduo (técnico, operário,
gerente) para o desempenho de sua função específica, se não
contarmos com as condições favoráveis à real aplicação do que está
sendo aprendido. Nesse sentido é importante realçarmos que a simples
participação do indivíduo em cursos ou programas de treinamento não
garante a sua qualificação. Pode significar tão somente absorção de
conhecimentos sem a correspondente transformação de atitudes e
habilidades. Será no exercício da função, portanto, em serviço, que os
efeitos do processo de ensino-aprendizagem serão validados - e é aí que
poderemos constatar, ou não, o aumento da qualificação do egresso do
curso ou treinamento.
3.2. Engajamento
Há quem prefira trabalhar com uma pessoa de baixa qualificação, porém
engajada com o que faz, do que com alguém altamente qualificado e
desengajado com seu trabalho. Enquanto com o primeiro podem ser
obtidos resultados progressivamente melhores, com o segundo será
maior a probabilidade de que os resultados sejam cada vez piores. Isso
atesta a importância de abordarmos o desempenho humano como um
complexo sistema de fatores sinérgicos. Não basta qualificar o indivíduo
em sua função. É preciso criar condições psicossociais, econômicas e
políticas necessárias à implementação de seu desempenho. O
engajamento pressupõe a motivação, mas ao incluir os componentes
político e axiológico, transcende-a, caracterizando a ação humana como
uma ação politizada, seja a nível micro (societal) ou a nível micro
(organizacional). O engajamento do indivíduo com sua coletividade,
acrescenta ao seu desempenho o sentido de missão, um valor resultante
de seu processo de conscientização e conseqüente resgate de seu poder
enquanto co-autor do trabalho coletivo.
3.3. Organização
O trabalho humano manifesta-se numa dimensão espácio-temporal
específica e, nesse sentido, é relevante que seus agentes sejam
orientados com vistas à melhor organização de seu desempenho. O
desempenho precisa ser organizado espacialmente de modo que o
ambiente seja racionalmente planejado para a espécie de trabalho a ser
executado, visando ao melhor uso dos equipamentos, móveis,
utensílios, material de expediente etc, além de permitir a melhor
circulação de pessoas e material, agilizar o fluxo de informações e de
documentos.
Os estudos de O&M com vistas na racionalização de procedimentos,
simplificação de métodos e rotinas, adequação do layout etc,
apresentam contribuições inestimáveis ao aprimoramento desse fator do
desempenho humano, o que reforça a concepção de que a integração de
estratégias e métodos de T&D e de O&M deve ser cada vez mais
exercitada.
3.4. Articulação
A articulação do desempenho humano no trabalho deve ser aprimorada
em nível das relações interfuncionais, intersetoriais e
interorganizacionais. No primeiro caso, pretende-se agilizar e dar maior
eficácia às relações estabelecidas por indivíduos no desempenho de suas
funções, no sentido vertical (superior-subordinado e subordinadosuperior) e no sentido horizontal (relação entre funções administrativas
e técnicas de nível equivalente). No segundo caso, almeja-se quebrar ou
reduzir as segmentações organizacionais tão ciosamente mantidas por
dirigentes, mais preocupados em assegurar seus territórios de poder do
que de participar na construção e condução dos destinos da organização
como um todo. A articulação interorganizacional refere-se à
administração das transações que a organização estabelece com outras
organizações (fornecedores, clientes).
Ao trabalhar-se com o fator articulação pretende-se enfatizar a
importância que as transações de informações, bens e serviços
representam enquanto componentes do desempenho humano, uma vez
que ''o trabalho não é o resultado do esforço isolado de um indivíduo,
mas a resultante de inúmeras relações estabelecidas entre indivíduos no
desempenho de funções complementares e entre os diversos grupos
organizacionais (Departamentos, Divisões, Serviços, Seções etc)."(9)
Os quatro fatores anteriormente citados (qualificação, engajamento,
organização e articulação) são indispensáveis ao alcance de um
desempenho eficiente, caracterizado pela adequada utilização de
recursos na implementação dos serviços. Porém deve-se evitar que a
busca da eficiência transforme-se num fim em si mesmo, perdendo-se
com isso, a necessária visão dos objetivos do trabalho desempenhado.
Nesse sentido, o conhecimento dos objetivos do próprio trabalho
constitui fator de grande relevância, não apenas para a motivação do
indivíduo, como também para a obtenção da eficácia almejada na
prestação de serviços e na produção de bens. Além da boa qualidade do
produto em si, é necessário avaliar-se o seu índice de absorção pelo
ambiente ou clientela especifica, do contrário pode-se comprometer a
efetividade do empreendimento. O que nos leva a acrescentar mais um
fator indispensável ao êxito do desempenho humano no contexto
organizacional: o compromisso para com a clientela.
Os seis fatores do desempenho citados constituem o elenco básico para
a implementação da Comunidade de Aprendizagem e Desenvolvimento
como estratégia de desenvolvimento humano nas Organizações Sociais.
4. PROCEDIMENTOS PARA A IMPLANTAÇÃO DE COMUNIDADES
DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO
Apresentamos a seguir alguns balizamentos para a implantação da CAD.
Por ser uma estratégia, ao invés de uma técnica, deve-se ter sempre
em vista a necessidade de sua adequação a cada contexto
organizacional, principalmente se levarmos em conta sua natureza
político-educacional.
Esquematicamente podemos visualizar a implantação de CAD em seis
grandes fases, conforme apresentamos a seguir:
Como pode ser observado, a partir da terceira fase inicia-se um
processo permanente de aprendizagem e desenvolvimento gerido pelo
próprio setor de trabalho, resgatando-se com isso, a natural vinculação
entre trabalho e educação.
4.1. Fase 1: Sensibilização
Esta fase, orientada pelo especialista em T&D ou DO, geralmente
externo ao grupo natural (Divisão, Setor, Departamento etc), visa
despertar os participantes para as experiências e conhecimentos
acumulados por eles e subutilizados no dia-a-dia do trabalho, devido a
tabus e mitos que mantêm sobre suas capacidades de gerarem
conhecimento relevante em serviço. É comum ''importarem''
especialistas de outras instituições ou até mesmo de outros países para
solucionarem seus problemas, uma vez que ''santo de casa não faz
milagres''. Não é incomum, mais tarde, eles perceberem que o
conhecimento trazido ''empacotado'' pelo instrutor externo não é
utilizável ou é irrelevante, por não se adequar ao contexto
organizacional. Esta atitude de dependência, longe de exceção, constitui
um certo cacoete brasileiro, espécie de sentimento de inferioridade já
automatizado entre nós. Com isso desvalorizamos nosso próprio
pensamento enquanto gerador de conhecimentos relevantes e passamos
a importar soluções de outras realidades. ''Aguardamos uma solução
estrangeira sem nos darmos conta de que, sendo estrangeira, será
precisamente isto: estranha. E o pensamento, antes da pretensão de ser
atemporal, deve ter a pretensão primária de não ser jamais estranho, o
saber de um outro."(10)
Felizmente temos encontrado em várias Organizações o surgimento de
experiências do tipo CAD, em que o próprio gerente, ou um dos
membros do grupo natural, toma a iniciativa de mobilizar seu setor para
a ação de ensino-aprendizagem em serviço a partir de seus próprios
recursos. Nesse caso eles já queimaram a fase de sensibilização,
facilitando, e muito, o processo de resgate do saber existencial contido
no grupo. Caberá ao profissional de T&D assessorá-los em
procedimentos de resolução de problemas, de geração e implementação
de idéias, de administração de conflitos, organização e racionalização de
espaço e tempo etc.
4.2. Fase 2: Contratação social
Com o grupo sensibilizado para a utilização de seus próprios recursos é
necessário que seus membros (com o gerente incluído, óbvio) assumam
um contrato de ajuda mútua, estabelecendo os critérios de participação
e de uso do tempo coletivo, visando aumentar a sinergia do grupo no
processo de trabalho-educação que construirão juntos. Este contrato de
constituição da CAD representará a ruptura de redes interacionais
simbolicamente sedimentadas ao longo do tempo e a denúncia de seus
correspondentes ''beneficios''psicológicos, advindos da concentração do
saber fora do grupo e de sua alienação do processo decisório.
A dimensão política da CAD dificulta sua implantação, uma vez que os
jogos de poder mantidos tanto pelo dominante quanto pelo dominado,
enraízam-se simbolicamente, transformando certas atitudes e
comportamentos em tabus inquestionáveis para ambos os ''parceiros''do
jogo. A superestrutura simbólica que permeia toda a Organização Social
é pouco compreendida, devido, talvez, a um mecanismo inconsciente
criado por seus próprios atores. Em conseqüência, não constitui um
problema à primeira vista. É imprescindível que, enquanto educadores,
rompamos essa cortina de fumaça, que oculta a irracionalidade dos
processos e relações sociais, mantidas no ambiente de trabalho.
A este respeito a antropologia social, ao tratar da função objetivadora e
reificadora que os símbolos desempenham quanto às relações entre
indivíduos e grupos, é muito ilustrativa. Segundo Abner Cohen ''nós
podemos observar os indivíduos na realidade concreta, mas as relações
entre eles são abstrações que só podem ser observadas através dos
símbolos, pois as relações sociais se desenvolvem e são mantidas
através deles. Nós ''vemos'' os grupos através de seus símbolos..." e
continua mais adiante... "os símbolos também objetivam papéis sociais,
dando a eles uma realidade que difere da personalidade individual dos
que deles se incumbem. Os homens são treinados para representar
papéis específicos, depois passam a representá-los e são ajudados na
representação de seus deveres por uma série de atividades simbólicas
estilizadas."(11) A partir dessas considerações podemos pressupor que,
ao tornar-se consciente da função que a dimensão simbólica
desempenha na manutenção das relações de poder (dimensão política),
os membros do grupo podem desestruturá-las e juntos constituírem,
agora deliberadamente - através de um contrato social - as novas bases
de sua convivência e de seu esforço coletivo de produção. Esse é um
processo de legitimação sem o qual o setor de trabalho jamais chegará
a constituir-se em verdadeira Comunidade de Aprendizagem e
Desenvolvimento, reintegrando, em uma só realidade oFAZER, o SABER
e o PODER.
4.3. Fase 3.- Diagnóstico de necessidades
O diagnóstico de necessidades de aprendizagem e desenvolvimento da
Comunidade, é realizado:
quanto ao nível de ocorrência, em quatro categorias:
- funcional
- interfuncional
- setorial
- intersetorial
quanto ao fator de desempenho em seis categorias:
- qualificação
- engajamento
- organização
- articulação
- visão de objetivos
- compromisso com a clientela
As necessidades de qualificação, engajamento, organização, visão de
objetivo e compromisso com a clientela, quando detectadas ao nível
funcional, dizem respeito ao desempenho dos indivíduos em seus
cargos, funções e papéis, seja de natureza gerencial, técnica,
operacional ou administrativa. No nível interfuncional é diagnosticado o
estado das ''relações interfuncionais , ocupantes da maior parcela dos
procedimentos organizacionais, constituindo fluxos de informações e
produtos entre funcionários."(12) Analisa-se, neste nível, as dificuldades
oriundas da reduzida clareza dos papéis desempenhados por diferentes
funcionários. É comum encontrar-se conflitos de atribuições neste nível
que, explícita ou sorrateiramente, minam os recursos e desviam as
atenções do setor de trabalho de seus objetivos. ''O diagnóstico de
necessidades setoriais objetiva levantar as dificuldades de desempenho
de cada unidade administrativa considerada isoladamente. São aspectos
relevantes a serem levados em consideração nesse processo, as
condições legais, estruturais, gerenciais, técnicas, operacionais e sociais,
determinantes dos parâmetros de desempenho global do setor."(13)
No nível intersetorial são detectadas as necessidades de aprimoramento
das interfaces entre cada setor da organização. Seus resultados têm um
impacto imediato sobre a dinâmica organizacional e os procedimentos
gerenciais. Um dos efeitos que se faz sentir a partir desse nível de
diagnóstico é a condução mais precisa de ações articuladoras,
reduzindo-se, com isso, a segmentação organizacional, tão prejudicial à
eficácia e efetividade da organização.
4.4. Fase 4: Diagnóstico de potencialidades
Esta fase da estratégia visa elencar as experiências, conhecimentos e
habilidades de cada participante da CAD, de modo a estabelecer os laços
mútuos de intercâmbio necessários à mobilização dos recursos
disponíveis.
4.5. Fase 5: Planejamento das ações de aprendizagem e
desenvolvimento
Com base no conhecimento das necessidades e potencialidades da CAD,
seus participantes procedem ao delineamento das ações de
aprendizagem, com o estabelecimento do cronograma, recursos
necessários, temas, métodos, resultados esperados, procedimentos de
avaliação etc.
Num primeiro estágio as ações de ensino-aprendizagem da CAD visam
equalizar habilidades e conhecimentos entre os participantes para, em
estágios posteriores, possibilitar a resolução de problemas e o
aproveitamento de oportunidades com as quais o setor de trabalho se
defronta.
4.6. Fase 6.- lmplementação
A fase de implementação das ações de ensino-aprendizagem deve estar
embasada numa sistemática de acompanhamento que permita a
correção tempestiva de desvios que porventura venham a ocorrer em
relação ao plano de ação delineado.
Como já assinalamos, a implementação da CAD é um processo
permanente de trabalho-educação autogerido, isto é, os participantes de
cada setor de trabalho assumem a responsabilidade pela qualificação,
engajamento, organização e articulação de seus desempenhos
individuais (funcionais), grupais e intergrupais.
Excepcionalmente, quando diante de problemas ou oportunidades a
respeito dos quais não possuem competência e após esgotarem seus
esforços e recursos de aprendizagem comunitária, poderão lançar mão
de especialistas externos ao setor ou à própria Organização sem,
contudo, perderem de vista o treinamento e desenvolvimento em
serviço como principal método de aprendizagem no contexto
organizacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) Ramos, A. Guerreiro. A Nova Ciência das Organizações. Editora da
Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, l98l p. 98
(2) Pagés, Max. Análise do Poder e Prática de Mudança nas
Organizações. Material apostilado pelo NAI/PE p. l 09-110
(3) Mattos, Ruy de A. Desenvolvimento de Recursos Humanos e
Mudança Organizacional. Editora LTC, Rio de Janeiro, 1985 p.10
(4) Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Editora Paz e Terra, 8a
Edição, Rio de Janeiro p. 54
(5) Motta, Fernando Prestes. Burocracia e Autogestão. Editora
Brasiliense, São Paulo.p.l6
(6) Ramos, A. Guerreiro. In op. cit.p. l 33
(7) Mattos, Ruy de A. In op. cit.p. 26
(8) Ramos, A. Guerreiro. In op. cit. p. l 99
(9) Mattos, Ruy de A. In op. cit. p.26
(10) Gomes, Roberto. Crítica da Razão Tupiniquim. Cortez Editora, São
Paulo p. 24
(11) Cohen, Abner. O Homem Bidimensional. Zahar Editores. Rio de
Janeiro p.46
(12) Mattos, Ruy de A. In op. cit. p. 39
(13) Mattos, Ruy de A. In op. cit. p. 41
CAPÍTULO VI
ORGANIZAÇÕES EM MUDANÇA
1. AS FALSAS PREMISSAS DO DESENVOLVIMENTO
Os teóricos e, principalmente, os tecnólogos da mudança organizacional
planejada, têm defendido, em suas abordagens, a mudança como
determinante do progresso, como sinônimo do desenvolvimento. Para
eles mudar significa crescer, inovar, e isto é bom; ao passo que manter
o status quo, a permanência das coisas, é mau.
Apoiar-se em sofismas maniqueístas, como este, não contribui em nada
para o entendimento dos sistemas sociais e das organizações. Ao
contrário, cria distorções perceptivas e conceituais da realidade
dificultando, sobremaneira, sua abordagem e compreensão.
A realidade, por sua complexidade e dinamismo, vem frustrando
inúmeros teóricos, cientistas e tecnólogos, que, equipados de suas
fórmulas simplistas e concepções dicotômicas, vêm tentando,
infrutiferamente, moldá-la e aprisioná-la em espaços e posições
arbitrárias. O mesmo vem acontecendo com os teóricos da mudança.
É necessário, portanto, analisarmos as falsas premissas que baseiam a
idéia da mudança e sobre as quais são construídos sofismas que se
infiltram em nossas concepções acerca das organizações, distorcendo-as
e dificultando nossa compreensão da realidade organizacional.
Há três falsas premissas que vêm sendo aceitas, acriticamente, pelos
teóricos e tecnólogos da mudança como verdades:
1) A primeira falsa premissa é a de que tudo à nossa volta está
mudando num ritmo cada vez mais acelerado e que os indivíduos e as
organizações precisam acompanhar esse surto de mudanças sob o risco
de sucumbirem ao "choque do futuro''. As organizações seriam como
frágeis embarcações, num mar revolto e imprevisível, a ponto de irem a
pique.
Ao que parece, essa visão de ambiente transiente, na concepção de
Alvim Tofler, pode, de fato, refletir uma realidade bem particular dos
países mais desenvolvidos, em contraste com uma certa calmaria
observada em nações menos desenvolvidas. Ou, por outro lado, pode
expressar o ritmo de progresso de certas áreas do conhecimento, como,
a grosso modo, as tecnologias oriundas das ciências físicas e químicas.
Não podemos dizer a mesma coisa a respeito do desenvolvimento de
uma tecnologia social, psicológica e cultural. Como ressalta Barrington
Moore: ''A experiência dos últimos cinquenta anos foi, sem dúvida,
muito dura para as teorias do progresso. Duas guerras mundiais, o
recuo da democracia parlamentar, a ascensão de governos totalitários,
os campos de concentração e a perfeição dos meios de destruição em
massa são fatos que dificilmente se enquadram em qualquer teoria do
progresso".(1)
A história da humanidade testemunha, muito claramente, o quão pouco
temos mudado em nossas idiossincrasias tipicamente humanas, como os
valores, as emoções e as indagações fundamentais sobre a vida e a
morte, a verdade, a paz, a realização pessoal, a felicidade e a saúde. As
dúvidas, perplexidades e os mistérios de Sócrates e demais filósofos
gregos são ainda tão atuais quanto há 2.400 anos atrás. A busca do
Nirvana, a libertação do Samsara - o ciclo de vida e morte budista - ,
assim como a procura do Tao - o caminho perfeito do homem, segundo
a concepção taoísta - permanecem tão presentes quanto o eram a mais
de três milênios.
Em síntese, os problemas humanos - em seus níveis individual e social e
em suas expressões cultural, política e econômica - persistem até hoje,
essencialmente os mesmos. Tem ocorrido muita mudança de rótulos
para coisas velhas, como se isso, magicamente, nos transformasse. Não
é preciso nos estender na tese de que, de fato, não têm ocorrido
mudanças substantivas na esfera subjetiva e social de nossas vidas.
Basta lançarmos os olhos nos jornais e revistas que as manchetes nos
fulminam com acontecimentos tão corriqueiros hoje quanto a 30 ou 50
séculos atrás: a guerra, a dominação, a corrupção, a violência, a fome,
a ignorância, a inveja, o ressentimento, as tramas políticas, as mentiras
econômicas, as ilusões religiosas, enfim, a pletora de fenômenos tão
antigos quanto o ser humano.
A sensação de impotência diante do ritmo acelerado de mudanças
ambientais, por muitos considerado inerente à nossa época atual, já
estava presente no final do século XIV e início do XV, como podemos
observar no trecho de O Príncipe, de Machiavel: ''Será melhor deixar
que o acaso decida. Essa opinião é muito aceita em nossos dias, devido
às grandes transformações ocorridas, e que ocorrem diariamente, as
quais escapam à conjectura humana. Quando reflito sobre ela, às vezes
eu próprio me inclino a aceitá-la em parte."(2)
Esta declaração poderia caber muito bem na obra de Alvim Tofler, que
nos apresenta, magistralmente, o que, para ele, representa o fenômeno
do século XX: o processo de mudança acelerado. O que mudou então?
Ocorreram progressos de natureza tecnológica (restritos a certas áreas
geo-econômicas), porém a essência da problemática humana continua
inalterada. ''Realmente, só o mais incurável otimista poderia afirmar que
o homem, com o avanço da civilização, tornou-se progressivamente
mais capaz de solucionar racionalmente os seus problemas e, dessa
maneira, banir os demônios criados por ele mesmo."(3)
Como o ambiente, no qual estão inseridas as organizações sociais, é um
conjunto formado por fatores culturais, políticos, sociais, econômicos e
tecnológicos, entre outros, não é licito declarar que sua característica
atual seja a transiência. Quando muito, podemos dizer que a tecnologia,
um dos seus componentes, é altamente transiente. Em outras palavras,
esta parte possui um ritmo acelerado de mudanças que pode repercutir
no todo. Mas não podemos, em sã consciência, tomar o todo pela parte,
numa generalização apressada. Além disso, se evocarmos a teoria de
sistemas, podemos lembrar que uma das propriedades do sistema
(nesse caso o ambiente) é a manutenção do seu ''estado firme'', ou
seja, inerente à sua dinâmica, há uma resistência natural à mudança de
suas condições, quando iniciada por um de seus componentes. Nesse
caso, a mudança tecnológica poderá não exercer efeito relevante sobre
a natureza do ambiente. Pelo contrário, ao invés de mudá-lo, poderá
ocorrer o inverso, com os outros fatores reduzindo a possibilidade de
manifestação do progresso tecnológico e de absorção de seus
resultados.
Concluindo, podemos dizer que a primeira premissa, segundo a qual as
organizações encontram-se imersas num ambiente instável,
caracterizado por mudanças cada vez mais aceleradas, é uma falácia.
2) A segunda falsa premissa é a de que mudar é progredir, e como
progredir é bom, então é necessário mudar para que a organização se
desenvolva. Constrói-se, assim, mais um sofisma que tenderá a ser
aceito sem objeção.
Dita desse modo tão enfático, a assertiva soa muito clara e óbvia.
Porém, ao analisarmos a essência da declaração, deparamo-nos com a
possibilidade da mudança para pior ou da mudança que não muda nada,
apenas reorganiza, em novo arranjo, o estado de coisas objeto da
intervenção. À esta altura nos cabe introduzir, de passagem, os
conceitos de mudança de primeira ordem e mudança de segunda
ordem. A primeira refere-se a uma alteração interna operada no sistema
sem a ruptura de seus limites e natureza. Mantem seu status quo,
ratificando o ditado francês: ''Plus ça change, plus c'est la même chose''.
Por outro lado, a mudança de segunda ordem corresponde à alteração
substantiva das características do sistema. É um salto qualitativo de um
estado mais simples para outro mais complexo, transcendendo os
limites do sistema. Neste caso, ocorre, de fato, mudança, enquanto no
primeiro há somente a rearrumação de componentes do sistema, sem
repercussões em sua substância.
'' Mudar'', portanto, pode ser também um modo de manter as coisas
como estão, dando-se a impressão de que ocorreu algo diferente.
Há muitos agentes de mudanças fictícias, ou, em outras palavras,
agentes da permanência travestidos em agentes de mudanças. A
finalidade de sua ação é acalmar os ânimos dos reivindicadores ou
defensores da mudança, sem criar descontentamento entre os baluartes
do status quo. Assim, fica-se bem com gregos e troianos.
Antes de se defender a idéia de que mudar é progredir, é indispensável
que se analise a natureza da mudança, considerando-a em sua
relatividade e evitando-se de tomá-la como valor absoluto e dogmático.
Os defensores do progresso tecnológico como a mais elevada aspiração
humana, deveriam refletir sobre as palavras de Norbert Wiener: "somos
escravos de nosso aperfeiçoamento técnico. Modificamos tão
radicalmente nosso meio ambiente que devemos agora modificar-nos a
nós mesmos para poder viver nesse novo meio ambiente(...). O
progresso não só impõe novas possibilidades para o futuro como
também novas restrições."(4)
3) A terceira falsa premissa estabelece que a permanência é sinônimo
de estagnação e, portanto, negativa, devendo ser combatida a todo
custo. Por extensão, aqueles que a defendem são tidos como
reacionários e inimigos do progresso e do desenvolvimento. Mais uma
simplificação da realidade.
Há casos em que a mudança transforma-se num problema,
desestabilizando um estado de permanência conquistado às custas de
muito tempo, recursos e esforços adaptativos. É como mudar uma
árvore do lugar onde nasceu, para embelezar um canteiro planejado por
algum paisagista, transgredindo certas leis da própria natureza em
beneficio de uma idéia, muitas vezes, afoita. O resultado poderá ser a
atrofia ou mesmo a morte daquele ser vivo, devido à quebra da sua
permanência adaptativa.
Há, é claro, estados de permanência decorrentes da inércia, do medo de
conquistar novas posições, da atrofia de possibilidades em troca da
segurança presente. Em lugar de adaptação (função ativa), temos a
acomodação (resposta passiva) e, como resultantes, a inércia e a morte.
Cabe-nos refletir sobre a realidade que se nos apresenta, em cada
momento, considerando-a sempre em sua relatividade, propriedade
inerente aos sistemas vivos, principalmente os sócio-culturais. Por
exemplo, não podemos, em sã consciência, rotular uma cultura indígena
como atrofiada e reacionária ao progresso, baseados na constatação de
que seus meios de comunicação, produção e defesa (sua tecnologia)
permanecem, até hoje, no mesmo estágio encontrado pelos portugueses
em 1500. É bem possível que eles estejam tão bem ou melhor
adaptados, mais felizes, mais livres e até mais produtivos do que nós,
representantes de uma civilização letrada. Aliás, a respeito da tão
cantada liberdade,'' é perfeitamente legítimo negar que o avanço
tecnológico, com todas as suas conseqüências, subentende um
movimento para a liberdade. É duvidoso que se tenha registrado
qualquer tendência a uma liberdade maior no curso da história
humana."(5)
Por outro lado, as culturas indígenas nos dão aula de equilíbrio homemnatureza e, como resultante, de conquistas psicossociais e políticas que,
para nós, são sonhos. A este respeito, veja o que Pierre Clastres narra
em suas pesquisas sobre as nações indígenas sul-americanas:
''De fato, considerando-as de acordo com a sua organização política, é
essencialmente pelo sentido da democracia e pelo gosto da igualdade
que se distingue a maioria das sociedades indígenas da América. Os
primeiros viajantes do Brasil e os etnógrafos que os seguiram, muitas
vezes sublinharam: a propriedade mais notável do chefe indígena
consiste na ausência quase completa de autoridade; nessas populações
a função política parece ser muito fracamente diferenciada."(6) Mais
adiante, Clastres acrescenta que ,o poder normal, civil, fundado sobre o
consensus onnium e não sobre a pressão, é assim de natureza
profundamente pacífica; a sua função é igualmente pacificante: o chefe
tem a tarefa de manutenção da paz e da harmonia no grupo. Ele deve
também apaziguar as disputas, regular as divergências, não usando de
uma força que ele não possui e que não seria reconhecida, mas se
fiando apenas nas virtudes de seu prestígio, de sua eqüidade e de sua
palavra."(7)
Quanto nós, considerados civilizados, não daríamos para sermos
dirigidos por líderes políticos como estes encontrados nas comunidades
indígenas, não é?
Portanto, o diagnóstico de um determinado sistema sócio-econômicopolítico, como a Organização, por exemplo, é algo muito sutil, que exige
do cientista ou tecnólogo uma postura isenta de falsas premissas e uma
estratégia que considere a relatividade da situação analisada, em seus
paradoxos e aparentes mistérios, inerentes aos sistemas complexos.
Desse modo, permanência não é sinônimo de estagnação, ao contrário,
pode ser a expressão de um elevado estado de adaptação à realidade.
2. COMPREENDENDO O FENÔMENO DA MUDANÇA
Por que ocorrem mudanças na ordem estabelecida ?
Por que há ruptura do equilíbrio conquistado pelos sistemas sóciopolítico-econômico?
A origem desse intrigante fenômeno é intrínseca ao próprio sistema ou
advém de fontes externas a ele?
É um fenômeno assentado no conflito ou decorre da combinação de
forças complementares?
É coisa boa, aliada do progresso, ou coisa má, companheira da
entropia?
E, afinal, a mudança é mesmo um fenômeno real, um fato, ou não
passa de ilusão produzida pela impropriedade de nossas expectativas,
necessidades e sentidos?
A busca de uma resposta convincente a estas indagações tem ocupado o
homem desde a época imemorial dos primeiros filósofos gregos. Foi
Heráclito o primeiro pensador a dedicar-se, a fundo, sobre a questão da
mudança, dando-lhe foro de objeto filosófico, à altura de questões
fundamentais como o Ser e o Existir. Com Heráclito aprendemos a ver
além da aparente imanência da realidade, alcançando-lhe o âmago
turbulento, o constante fluir. Seu aforismo ''Não se banha no mesmo rio
por duas vezes'' traduz essa visão da realidade. Para Heráclito ''o existir
é um perpétuo mudar, um estar constantemente sendo e não-sendo,
um devir perfeito, um constante fluir."(8) Ele pode ser considerado, de
fato, o filósofo da mudança.
Entretanto, as verdades filosóficas de Heráclito não tiveram
longevidade. Foram soterradas por Parmênides, que construiu sobre
elas as bases de uma visão da realidade antípoda à de Heráclito. Para
Parmênides, a mudança constitui uma ilusão de nossos sentidos. O Ser
é infinito, imóvel e eterno e a realidade é essencialmente estática.
Surgia, assim, com Parmênides, o fundamento de nossa concepção do
Ser e da realidade como algo imutável, que seria aperfeiçoada por
Platão e persistiria, através da Filosofia e da Religião, transformando-se
em sabedoria popular, até os nossos dias. Como assinala Garcia
Morente: "Parmênides tomou o Ser, espetou-o na cartolina há vinte e
cinco séculos e lá continua ainda, preso na cartolina, e agora os filósofos
atuais não vêem o modo de tirar-lhe o alfinete e deixá-lo voar
livremente. Este vôo, este movimento, esta funcionalidade, esta
concepção da vida como circunstância, como chance, como resistência
que nos revele a existência de algo anterior à posse do Ser, algo do qual
Parmênides não podia ter idéia, é isto que o homem tem que
conquistar."(9)
Parece-nos que a recente contribuição de Einstein, a teoria da
relatividade, abriu mais uma porta para a compreensão dos fenômenos
naturais e humanos, retirando-nos da armadilha das concepções
dicotômicas que aprisionaram nosso pensamento e libertando-nos para
a percepção mais adequada da realidade.
A busca desta síntese para a compreensão do fenômeno da mudança
vem sendo perseguida por inúmeros teóricos, que produziram quatro
concepções acerca das causas da mudança que se opera nos sistemas
econômico-sócio-político: a concepção sócio-psicológica, a
estruturalista, a evolucionista e a teleonômica.
2.1. Concepção Sócío-Psicológica
Esta concepção tem em James C. Davies e Ted Guff seus maiores
expoentes. Segundo tal concepção, o descontentamento dos indivíduos
e grupos é a raiz da mudança, que tende a ser explosiva, revolucionária.
Este descontentamento decorre da contínua e crescente frustração dos
indivíduos em satisfazerem suas necessidades mais primárias, além de
suas expectativas e valores mais elevados. As pessoas podem suportar
um índice de frustração elevado até certo ponto, a partir do qual iniciase um verdadeiro processo de efervescência social, que desemboca na
ruptura das condições julgadas insatisfatórias. Poderíamos dizer que a
política do ''pão e circo'' corrobora esta hipótese, vez que, satisfazendose o povo com alimento e diversão, obtém-se uma redução da tensão
social. A questão é saber até quanto tempo essa política surte efeito.
Podemos classificar a concepção de Max Weber nesta categoria.
Segundo este teórico o fator indutor da mudança é a influência mágica e
arrebatadora que o líder carismático produz sobre a massa. Entretanto,
constitui fato histórico que o surgimento do líder carismático é
fenômeno inerente ao clima psicossocial de insatisfação, frustração e
agressão latente. O papel do líder é dar sentido a toda essa energia
contida na massa. Um grupo ou um povo insatisfeito é o terreno fértil
para o carisma florescer. Por outro lado, será impossível seu surgimento
em um grupo satisfeito ou inconsciente de seu estado de insatisfação.
2.2. Concepção Estruturalista
A concepção estruturalista, por possuir diversos mentores, originou uma
série hipóteses convergentes em certos aspectos e bastante divergentes
em outros. Porém, têm em comum a visão de que as mudanças só
ocorrem, de fato, quando há alteração das bases estruturais do sistema.
Dentre estes teóricos os mais conhecidos são: Karl Marx, Raff
Dahrendorf, Johann Galtung.
a) Karl Marx propõe que a mudança essencialmente revolucionária,
ocorre a partir da desagregação da estrutura vertical da sociedade,
especialmente através da exacerbação dos conflitos de interesses entre
dominadores e dominados, com a posterior destruição da estrutura de
classes.
b) Ralf Dahrendorf propõe que as mudanças decorrem de uma síndrome
nas estruturas que seguram os indivíduos em seus elos sociais nos quais
eles mesmos se desenvolveram e que já não os permite realizar e
participar. A pressão decorrente dessa falta de realização e participação
é a mola-mestra que impulsiona a mudança.
c) Johann Galtung admite que as mudanças originam-se nas alterações
do equilíbrio das estruturas de prioridades do sistema. ''Estas poderão
ser prioridades de valor, de cultura, econômicas ou tecnológicas.(11)
Desse modo, segundo Galtung, a aquisição de um computador por uma
organização irá desestruturar a ordem social, em decorrência do choque
provocado pela inovação da estrutura tecnológica sobre as demais
prioridades estruturais.
2.3. Concepção Evolucionista
Os defensores desta corrente propõem que as mudanças fazem parte do
processo natural de desenvolvimento dos seres vivos e, por extensão,
dos sistemas sociais. Esta evolução poderá dar-se de modo mais ou
menos suave, com mais ou menos conflito entre os participantes do
sistema. Há diversos teóricos defensores dessa concepção, destacandose: Darwin, Herbert Spencer, Augusto Comte, Pitirim Sorokim, Philip
Selznick.
a) Darwin pode ser considerado o mentor número um do
evolucionismo.. Por meio de pesquisas com diversas espécies animais,
Darwin demonstrou que as mudanças são produzidas como respostas às
exigências das condições ambientais, vencendo, neste jogo da
adaptação, os mais fortes e os mais hábeis. A mudança é a própria
expressão da vida contra as ameaças do ambiente.
b) Herbert Spencer concebe a mudança tomando de empréstimo as
hipóteses darwinianas e transplantando-as para os sistemas humanos.
Para ele, os sistemas possuem tendências que lhes são inerentes,
fazendo-os mudar: (a) de níveis mais simples para mais complexos; (b)
de estruturas homogêneas para estruturas heterogêneas; e (c) de
formas mais desorganizadas para mais organizadas. Segundo Gentil
Martins Dias, "o fundamental da visão evolucionista, sobretudo na visão
de Spencer, é a idéia do permanente progresso onde os que comandam
lhes justificam a supremacia pela sua suposta superioridade. Dai por
que nos círculos mais intelectualizados das elites nacionais tal teoria
cumpriu uma função eminentemente racionalizadora dos papeis sociais
do establishment."(12)
c) Augusto Comte pode ser classificado como evolucionista, na medida
em que concebe o desenvolvimento do sistema através da condução
racional e científica da mudança, tendo por base o consenso entre as
partes, de modo a não abalar as estruturas do sistema durante a
mudança. Para Comte, a sociedade deve progredir como um todo
homogêneo e ordenado.
É patente a influência que Spencer e Comte exerceram e ainda exercem
no pensamento brasileiro, fundamentando ideologicamente inúmeros
políticos e dirigentes. Veja-se, por exemplo, o lema nacional ''ORDEM E
PROGRESSO''. Segundo Gentil Martins, ''através de uma atuação que
em muito excedia a simples interpretação e a análise acadêmica da
sociedade brasileira, positivistas desempenharam papel da maior
importância na vida política da nação. A convicção de que o progresso
social deveria ser conduzido por uma plêiade de apóstolos da razão e da
ciência, animava a não poucos intelectuais."(13) Eu diria que ainda
anima, pois, do contrário, não seria possível compreender declarações
públicas, e outras ditas a meia-voz, de que hoje padecemos da falta de
homens capazes de conduzir nossas políticas econômica e social, à
exceção de uma reduzida elite de tecno-burocratas que se vêm
mantendo ao redor do círculo do poder já há dezenas de anos.
d) Pitirim Sorokim pode ser considerado evolucionista na medida em
que propõe a tendência inerente aos sistemas sociais de amadurecerem
continuamente no sentido da conquista de maior autoconsciência. Para
Sorokim, a educação e a produção de idéias ocupam o lugar de
destaque, como fatores responsáveis pelo processo de desenvolvimento.
e) Philip Selznick introduz, na concepção de desenvolvimento, a idéia de
ciclo vital ou etapas de crescimento do sistema. Nesse sentido, há que
se considerar a história particular de cada sistema e identificar seu nível
de desenvolvimento para compreender-se e produzir-se mudanças
eficazes. Segundo ele, "a lição nos diz que, em organizações avaliadas,
não podemos tirar conclusões a respeito das práticas administrativas, a
menos que possamos colocar aquelas práticas num contexto de
desenvolvimento. Na medida em que aprendemos mais sobre as
condições sociais que caracterizam várias etapas de crescimento,
devemos ser capazes de formular princípios que possam reger a
aplicação de preceitos para situações específicas."(14)
2.4 Concepção Teleonômíca
A concepção teleonômica da mudança constitui uma expressão da
abordagem sistêmica. O termo teleonomia corresponde à ''alocação e
disposição de objetivos (como análogo à agronomia é a alocação e
disposição de terras)."(15) Segundo Ingo Ploger, tal modelo foi
desenvolvido recentemente, na década de 70, para satisfazer a
necessidade da Comunidade Econômica Européia de uma abordagem de
planejamento voltada para o futuro. Com base nesta concepção, a
mudança deve ser conduzida, voluntariamente, a partir da antevisão das
possibilidades do futuro, por meio da confrontação das opções de
objetivos com a disponibilidade de meios e instrumentos. Nas palavras
de Ploger, "a concepção teleonômica visualiza, em função do tempo
futuro, a possibilidade de formular e estabelecer objetivos visando ao
mesmo tempo a possibilidade de escolha de opções, tendo em vista os
meios disponíveis."(16)
Os modelos desenvolvidos por cientistas do comportamento humano nos
Estados Unidos a partir da década de 60, e conhecido grosso modo
como ''D.O.''(Desenvolvimento Organizacional), podem ser classificados
como teleonômicos, no sentido em que há sempre o compromisso com a
mudança planejada, com base em objetivos previamente acordados
entre consultor e organização-cliente. Atualmente, na década de 90, as
diversas estratégias para a obtenção da qualidade total, (TQC, Gestão
de Qualidade e outras) também podem ser classificadas nesta categoria
de enfoque teleonômico da mudança.
3. UMA TENTATIVA DE INTEGRAR AS DIVERSAS CONCEPÇÕES
SOBRE MUDANÇA
Atualmente, pelo fato de termos o privilégio de visualizar todo um
espectro de concepções sobre o desenvolvimento humano produzido
nestes 25 séculos passados, é natural a tendência de síntese e
integração de posições aparentemente antagônicas e excludentes. Este
antagonismo adquire conotação de complementaridade quando
ampliamos nossa análise através das lentes da teoria da relatividade
aplicada às ciências sociais, fazendo emergir de sonhadas verdades
absolutas, pelas quais muitos se têm digladiado, à relatividade dos
elementos que as compõem.
Sinteticamente, podemos dizer que as diversas concepções sobre
mudança dividem-se em duas grandes categorias: de um lado, as que
propõem o conflito como motor da mudança e, de outro, as que
advogam o consenso. No primeiro grupo temos os defensores da
hipótese revolucionária e no segundo aqueles comprometidos com a
hipótese evolucionária. Estas concepções, tomadas isoladamente, pecam
por refletirem uma visão estática da questão, deixando de lado o
dinamismo inerente aos sistemas sócio-políticos. Uma solução de
conflito pode dar certo hoje e ser completamente ineficaz amanhã,
assim como o consenso pode ser adequado em certa situação e não em
outra.
A recente teoria do ciclo vital das organizações e demais sistemas
sociais (grupo, nação), que introduz a idéia de índice de maturidade do
sistema, traz à baila uma questão que precisa ser considerada.
Daniel Katz, já em 1951, levantava a questão de que ''necessitamos
dirigir a atenção para tais aspectos elementares das organizações como
padrões de desenvolvimento."(17) Em outras palavras, ele afirmava que
não podemos abordar ou compreender uma organização sem antes
visualizarmos seu estágio de desenvolvimento, vez que a estratégia de
mudança será mais ou menos eficaz conforme o índice de
desenvolvimento organizacional.
Selznick aprofunda esta análise quando realça que ''acontecimentos ou
práticas aparentemente semelhantes não poderiam ser diretamente
comparadas, mas somente quando o estágio de desenvolvimento da
organização for determinado. (...) Ao fazer isto, devemos distinguir
problemas colocados pela tarefa presente que não exigem
transformações organizacionais, dos problemas que são estabelecidos
por uma organização segundo o estágio de desenvolvimento no qual ela
se acha."(18)
Outro cientista defensor da necessidade de levar-se em conta o ciclo
vital dos sistemas organizacionais é Ichak Adizes, professor da
Universidade da Califórnia, EUA. Ele declara que "as organizações
evidenciam padrões de comportamento característicos, diferentes nos
diversos estágios de suas vidas."(19)
A manifestação de fases do desenvolvimento dos sistemas sociais pode
ser claramente percebida através da análise da história de diversas
nações. O ciclo de nascimento, crescimento, esplendor e morte pode ser
observado nos tempos remotos, tendo como exemplos o Egito, a Assíria,
a Pérsia, a Macedônia, Roma, os gauleses, os vikings e, mais
recentemente, a França e Inglaterra. Atualmente, podemos inferir a
gradual queda do esplendor dos Estados Unidos, que desde a Segunda
Grande Guerra Mundial vêm dominando, tecnológica e culturalmente,
todo o Ocidente.
A fase de desenvolvimento do sistema social atua como um dos fatores
determinantes da natureza do processo de mudança.
Este aspecto é realçado por Gentil Martins Dias quando declara que, ''na
realidade, diferentes explicações e preferências sobre explicações
resultam não apenas dos interesse objetivos dos grupos sociais
envolvidos (aspectos ideológicos), como reclamam os marxistas, mas
também, e sobretudo, essas diferenças resultam de situações concretas
que derivam do estágio de desenvolvimento da sociedade
analisada."(20)
A este respeito Martins Dias cita Alvim Gouldner, que em seu livro The
Coming Crisis of Western Sociology ''chama atenção para a crescente
influência do funcionalismo no mundo intelectual do bloco socialista."
Segundo Martins ''na medida em que os problemas fundamentais de
desenvolvimento industrial foram vencidos na Europa Oriental, as metas
sociais e políticas passaram a se concentrar cada vez mais nos aspectos
voltados ao estabelecimento de sistemas de autocontrole, de
estabilização e de mudança rotinizada."(21) A revolução, como forma de
desenvolvimento, foi substituída pela evolução positivista, ocorrência à
primeira vista paradoxal, principalmente para os analistas cujo
pensamento se processa apenas em duas pistas: estruturalismo x
funcionalismo.
Ainda é Martins Dias quem elucida a natureza dessa transição de
concepção sobre desenvolvimento, quando declara que ''enquanto
modelos explicativos da mudança, que se baseiam no conflito social, se
prestam de modo altamente eficaz ao processo de mobilização das
tensões e dos grupos sociais, forçando assim transformações imediatas,
os modelos que se assentam no equilíbrio social revelam um maior e
mais eficaz desempenho quando as metas fundamentais da sociedade
se concentram na estabilização e no evento sob controle. Na realidade,
há de se reconhecer que tais modelos de mudança social, antes de
determinar diferentes tipos de sociedade, são na realidade produtos do
nível de desenvolvimento e de avanço social da sociedade."(22)
A natureza do desenvolvimento de determinado sistema depende do
nível de abertura e flexibilidade já conquistado. Se o conceito de
desenvolvimento pressupõe maior flexibilidade, abertura a novas idéias,
agilidade e precisão do sistema em adaptar-se às constantes demandas
externas, podemos referir-nos a um índice de desenvolvimento dos
sistemas, a partir do qual será mais fácil compreender e administrar o
processo de mudança. Este índice de desenvolvimento deverá ser
inferido através da análise da relação entre o ritmo de mudança do
sistema e o ritmo de mudanças ambientais.
Neste aspecto, um sistema mais fechado e rígido, do ponto de vista
econômico-social-político, ensejaria mudanças mais abruptas, portanto
revolucionárias, e ao nível de suas estruturas. Entretanto, a necessidade
dessas mudanças s6 poderia ser percebida confrontando-se o estado do
sistema com o estado do ambiente no qual se insere. Se há equilíbrio
entre os dois: (necessidades do sistema e condições do super-sistema
de satisfazer estas necessidades) não ocorrerão mudanças no status
quo. Exemplos dessa situação são as sociedades indígenas, cujo
equilíbrio com a natureza (seu meio relevante) estabilizou seu nível de
desenvolvimento num estágio em que se encontram á milênios. Não há,
portanto, sentido em qualificar a sociedade indígena como imatura ou
não-desenvolvida.
Somente a partir do momento em que o ambiente deixa de satisfazer as
necessidades e expectativas do sistema, ocorrerão impulsos para sua
mudança, visando conquistar o equilíbrio perdido.
Um sistema mais dinâmico e aberto às demandas ambientais,
caracterizar-se-á como intrinsecamente guiado por forças internas
desenvolvimentistas ou, em outras palavras, pelo exercício de sua
função adaptativa.
Ao nosso ver, está muito clara a importância do fator índice de
desenvolvimento como elemento a ser considerado na análise e
condução de mudanças em sistemas sócio-político-econômicos. Deixar
de considerá-lo poderá resultar na própria ineficácia do processo de
mudança.
4. RESISTÊNCIA ÀS MUDANÇAS NAS ORGANIZAÇÕES
4.1. O Fenômeno da Resistência às Mudanças
É patente o reconhecimento do fenômeno da resistência às mudanças,
como a expressão de defesa que o ser humano emite quando diante da
iminência de alterações de sua situação presente, especialmente quando
não possui informações seguras e confiáveis sobre a futura condição e
mais ainda, quando não participou na concepção da mudança pretendida
ou nem ao menos foi consultado a respeito. A lei da Física, segundo a
qual, à toda ação iniciada há uma correspondente reação em sentido
contrário e de intensidade equivalente, aplica-se muito bem nos
sistemas sociais e políticos. E, na verdade pode ser até mesmo
exacerbada, vez que as reações às mudanças podem ser mais intensas
do que as ações iniciais, dependendo da repercussão política e social
que elas ensejem.
Diz-se, comumente, que a resistência às mudanças decorre da própria
insegurança do indivíduo ou grupo, quando diante de situações
ambíguas, incertas e potencialmente ameaçadoras à sua integridade ou
tranqüilidade. Para outros, trata-se de um sintoma da incompetência do
homem para administrar, com desenvoltura, o seu futuro. Outros dizem
que representa o comportamento típico de personalidades imaturas ou
rígidas, incapazes de tratar racionalmente questões que envolvam
interesses e necessidades pessoais. E mais ainda, há quem conceba a
resistência às mudanças como fenômeno natural, um mecanismo de
adaptação, que se expressa através da lei da inércia.
Independente da explicação que se dê, a resistência às mudanças
constitui um fenômeno no mínimo curioso, por manifestar-se de forma
bifacial: para a fonte emanadora da intenção de mudança (A), a
resistência à mudança representa um empecilho incompreensível, um
obstáculo a ser destruído ou contornado a qualquer custo; para o
receptor da mudança (B), a resistência à mudança constitui um escudo
sagrado de defesa contra as ameaças ao seu bem-estar.
Instala-se, assim, um conflito de objetivos cuja resolução poderá seguir
um dos seguintes cursos:
a) desistência de A em suas intenções de efetuar mudanças em B. (A
reação de B foi seguramente um fator convincente da impropriedade da
mudança, demonstrando, desse modo, maior poder do que A);
b) desistência de B de reagir às mudanças pretendidas ou iniciadas por
A. Nesse caso, B foi convencido de que os benefícios advindos da
mudança são maiores do que os decorrentes da permanência ou, por
outro lado, sucumbiu às pressões do poder de A em decorrência da
ausência de alternativas de fuga da situação de dependência;
c) confrontação de forças entre A e B resultando em possíveis desgastes
para um dos contendores e para a Organização. Vencerá aquele que
contar com maior poder no sistema, combinado com a habilidade de
usá-lo em benefício de sua posição;
d) negociação entre A e B, de modo a obterem, ambos, a satisfação
parcial de seus objetivos.
O reconhecimento da característica bi-facial da resistência à mudança é
muito importante; seu desconhecimento é responsável por muitos
fracassos de comandantes e de comandados. A dificuldade de
transcender o próprio ponto de vista, trazendo à luz a posição
antagônica, constitui fato amplamente reconhecido. Podemos dizer que
reside nessa incompetência a origem de parte dos problemas humanos.
E quanto menos habilidade para a empatia, mais frequente torna-se o
bloqueio do fluxo de comunicação, e em decorrência, maior fechamento
do sistema; com isso mais autoritarismo se insere na relação entre A e
B. O inverso também é verdadeiro, ou seja, quanto mais empatia
houver, mais haverá abertura, mais comunicação, portanto mais
democracia.
É importante realçar a interpenetração dos conceitos de comunicação,
inovação e participação (democracia). Um sistema "fechado" tende a ser
mais tradicionalista, aristocrático, voltado para o passado e pouco
inovador. Isto deve-se em parte, ao fato da comunicação ser,
caracteristicamente, descendente e de "mão-única", impossibilitando a
circulação, ao longo do sistema, da critica e das idéias novas,
verdadeiras revitalizadoras do sistema social, à semelhança do oxigênio
para o organismo vivo. Por outro lado, em um sistema democrático, os
fluxos de comunicação são construídos em todos os sentidos e direções,
satisfazendo cada parte do ''corpo social'' em suas necessidades de
participar e pertencer. O resultado dessa rede complexa de interação é a
efervescência das idéias novas, da criatividade e da inovação
permanente. Sem dúvida, "a comunicação como sistema portador de
informações tem um papel catalítico dentro do processo de
transformação: altera a velocidade de transformação, podendo acelerála ou retardá-la."(23)
A questão, portanto, não é a de como eliminar a resistência às
mudanças, mas reconhecê-la como membro complementar da intenção
de mudança. Assim, enquanto as forças pró-mudança indicam uma
direção, as forças antimudança indicam outra, num embate permanente
entre mudança e permanência.
Na medida em que os sistemas sociais se desenvolvem e adquirem
maior flexibilidade, aumenta a aceitação do dissenso, como uma das
forças inerentes ao processo de desenvolvimento, ao lado do consenso.
Tanto o medo do conflito como elemento desagregador, quanto a
repugnância pelo consenso como fator de acomodação, cedem lugar à
aceitação e administração dessas duas maneiras de trabalhar, de
resolver problemas e de viver em comunidade.
4.2. Fatores Dificultadores do Desenvolvimento das Organizações
Públicas Brasileiras.
4.2.1. Um Pouco de História
Por que é tão complicado desburocratizar uma organização pública? Por
que é tão difícil despertá-la da sonolência em que se encontra? Por que
é julgado impossível acabar com a proverbial indolência e má vontade
que caracterizam grande parte dos funcionários?
São questões muito difíceis de serem respondidas, e muito já se tem
feito nesse sentido. Porém, "no Brasil, os esforços de modernização e de
adaptação do Governo em relação às demandas ambientais se
caracterizam, até bem pouco, por sua inoperância."(24)
Podemos adotar como marco da história da modernização administrativa
a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público - DASP,
em 1938, ''como órgão de assessoramento, execução e controle da
racionalização administrativa da nova realidade política, institucional e
organizacional lançada pelo Estado Novo, implantada com a revolução
de novembro de 1930."(25)
A segunda tentativa (frustrada) de mudança da administração pública
deu-se em 1953, através de projeto do Executivo apresentado ao
Congresso, cuja essência era a proposta de institucionalização do
planejamento e coordenação e o estabelecimento de processos
funcionais mais racionais."(26)
Em 1956, o presidente Kubitscheck criou a Comissão de Estudos e
Projetos Administrativos - CEPA, cuja finalidade era atuar a nível macroorganizacional, propondo mudanças de estruturas (criação, fusão e
extinção de órgãos) e de funções gerais (planejamento, orçamento).
Paralela à CEPA, Kubitscheck ''criou, junto ao DASP, a Comissão de
Simplificação Burocrática-COSB, que deveria atuar a nível mais microorganizacional, efetuando estudos sobre rotinas nos ministérios (...) O
seu sucesso aparentemente foi pouco expressivo."(27)
A quinta iniciativa de modernização da administração pública ocorreu no
Governo Goulart, com a criação do cargo de Ministro Extraordinário para
a Reforma Administrativa, dando origem à Comissão Amaral Peixoto, em
1963. Os estudos dessa Comissão trouxeram contribuições relevantes,
como a introdução do conceito de sistemas e sua orientação teleológica.
Seus resultados, entretanto, foram inexpressivos, vez que os quatro
projetos produzidos não foram transformados em leis (anteprojeto de
Lei Orgânica do Sistema Administrativo Federal, projeto de Pessoal,
projeto de Material e projeto de Organização do Distrito Federal).
Em 1964, tivemos um novo marco da modernização administrativa, com
a gestão do Ministro do Planejamento, Helio Beltrão. Ele veio mudar a
orientação até então seguida pelos reformuladores que se caracterizava
pelo cunho legalista, processualista e instrumental, sem penetrar a
fundo na questão da mudança administrativa.
''Em novembro de 1964 foi instalada a Comissão Especial de Estudos da
Reforma Administrativa - Comestra, que se encarregaria de por em
prática os princípios que culminariam com a expedição do Decreto-lei
número 20/67."(28)
Os estudos da Comestra revitalizaram princípios da Comissão Amaral
Peixoto, consolidando-os em cinco: Planejamento, Descentralização,
Coordenação, Controle e Simplificação.
Apesar de brilhante, o Decreto-Lei número 200 continua até certo ponto
como intenção ou esperança. O princípio da descentralização tem sido
aplicado apenas para a fase de execução, quando muito, deixando ainda
nas mãos do Governo Federal as decisões que, política, social e
economicamente, deveriam estar sendo tomadas em nível estadual e
municipal. Mas, vale realçar que os Ministérios da Educação e da Saúde,
vêm inaugurando, desde 1998, uma nova fase de real descentralização
da gestão dos recursos, que agora são gerenciados pelos Municípios.
Infelizmente a aplicação do princípio da simplificação dos procedimentos
administrativos tem deixado muito a desejar até hoje.
Em 1981 e 1982, foi retomada a questão da modernização, ensaiando
uma nova fase. A abordagem técnico-legalista foi complementada com o
enfoque político do tema. Desse modo, a criação do cargo de Ministro
Extraordinário para a Desburocratização, assumiu um sentido de
implementação da intenção de redemocratização das relações entre o
Estado e a Sociedade em nível administrativo. Seu instrumento,
entretanto, continuou sendo o decreto, numa demonstração patente do
vício histórico da modernização pela lei e pelo centro. A periferia
(comunidade, estados e municípios) assume ainda um papel passivo,
complementando o paternalismo do Poder Executivo Federal. O discurso
democrático não combina com a prática. Mas, pelo menos, essa
dissonância já é sintoma de uma nova ordem de coisas.
A criação no Governo Sarney, da Comissão lnterministerial, incumbida
de efetuar estudos e apresentar propostas de reforma do Sistema
Tributário Nacional, representou iniciativa concreta de operacionalização
do princípio da descentralização. Não se pode fazer descentralização
política e administrativa sem o suporte da descentralização econômica.
O tabu da redistribuição da receita começou a ser quebrado. Mas, até o
ano 2000, continuamos aguardando a tão esperada reforma tributária e
fiscal, tão importantes para o desenvolvimento do nosso país.
A variável política, tanto em seu nível partidário como ideológico, ensaia
seu papel nas discussões e nas decisões de modernização.
Entretanto, há ainda muito terreno a percorrer nesse esforço de
desenvolvimento das organizações publicas e, nesse itinerário,
enfrentaremos inúmeros obstáculos.
Contudo, antes de mais nada, ''vale dizer que não há nada mais difícil
de executar e perigoso de manejar (e de êxito mais duvidoso) do que a
instituição de uma nova ordem de coisas. Quem toma tal iniciativa
adquire a inimizade de todos os que são beneficiados pela ordem antiga,
e é defendido sem muito calor por todos os que seriam beneficiados
pela nova ordem - falta de calor que se explica em parte pelo medo dos
adversários, que têm as leis do seu lado, e em parte pela incredulidade
dos homens."(29)
A percepção dessa verdade que Maquiavel genialmente intuiu, talvez
seja a responsável pela escassez de inovadores na administração
pública. Ora, os riscos são tantos e os benefícios imediatos tão poucos
que ''é mais prudente deixar as coisas como estão e ver no que vai dar'',
ou ''dar tempo ao tempo'' - justificativas muito ouvidas nos corredores
das organizações públicas.
Outrossim, a efetivação de mudanças na administração pública implica a
ruptura de um equilíbrio de forças, mantido historicamente pela
sociedade brasileira. Fatores culturais, econômicos, políticos e
ideológicos restringem a liberdade de ação do dirigente, limitando a
possibilidade de conquista de maior êxito pelas organizações públicas.
O dirigente se encontra preso a compromissos que provavelmente não
assumiu e nem rejeitou explicitamente, dos quais não consegue
abstrair-se. Assim, ''na medida em que se desenvolvem estes
compromissos, a organização perde sua pureza como entidade,
considerada de modo abstrato ou ideal; assume um papel definitivo em
uma comunidade vivente; institucionaliza-se."(30)
O receio da perda de base de sustentação e da própria identidade fazem
com que o dirigente conforme-se às regras do jogo, do contrário terá
que enfrentar os ônus de sua indisciplina ao pacto-tabu.
4.2.2. Análise de Fatores Dificultadores da Mudança nas Organizações
Públicas.
Passemos agora a analisar os fatores dificultadores do esforço de
desenvolvimento das organizações. Realçamos, neste sentido, onze
fatores:
1. Falta de base social definida
2. Falta de comprometimento para com a missão organizacional
3. Centralização e concentração do poder
4. Descontinuidade administrativa
5. Busca da eficiência ao invés da eficácia
6. Conformismo
7. Pressões de grupos de interesse
8. Estratificação organizacional
9. Falta de auto-crítica
10. Insatisfação básica dos funcionários
11. Despreparo gerencial
1. Falta de base social definida
Um dos fatores mais relevantes, a nosso ver, é a falta do que Selznick
chama de base social definida. Muitas organizações públicas não têm
claramente definida a extensão e a natureza de sua clientela, e com isso
improvisam programas de ação com base no conhecido ''achismo''; ''Eu
acho que neste ano devemos nos dedicar a isso'', ''enfatizar aquilo'',
''suspender aquilo outro''. Nesse jogo de ''boas intenções", esvai-se o
dinheiro público através de projetos gerados em gabinetes. Com o
desconhecimento das necessidades reais do cliente, o que resulta é a
flutuação da organização nas águas da improvisação e do casuísmo.
Falta-lhe base de sustenção na realidade, responsável pela consistência
do desempenho respaldado em objetivos gerados pela clientela.
2. Falta de comprometimento para com a missão organizacional
Decorrente, em parte, do fator anterior, muitas organizações padecem
da ausência de comprometimento de seus dirigentes e demais
trabalhadores para com a missão organizacional e, por extensão, com
seus objetivos e metas. O compromisso que se observa comumente é
de promoção pessoal do dirigente. Ele faz de tudo para deixar sua
própria marca na organização (às vezes a ferro e fogo). Outro tipo de
compromisso é com grupos externos, econômicos ou políticos,
perdendo-se com isso, a visão global da realidade brasileira e o senso
de prioridade com as necessidades da comunidade. Desse fato decorre o
favorecimento de certas regiões e grupos de interesse específicos, em
detrimento do desenvolvimento integrado da Nação. Os desníveis
econômicos e sociais entre as regiões brasileiras atestam este fato,
desde os idos do Império até a época atual. Parece constituir um vício
de nossa cultura, refletido pelos políticos por meio da administração
pública.
3. Centralização e concentração de poder
Um fator estrutural extremamente relevante, é a centralização das
decisões e a concentração de poder e de recursos na área federal. Se,
por um lado, pode ser pré-requisito para a melhor distribuição da
riqueza e do progresso conforme as prioridades nacionais, por outro,
constitui um obstáculo fundamental à concretização desse intento, vez
que a centralização cria, artificialmente, um elevado poder discricionário
no centro, esvaziando a voz da periferia e, portanto, a expressão de sua
realidade. Mudar as condições de um sistema de poder altamente
concentrado é tarefa titânica. Nesse sentido deve-se realçar o esforço do
governo em 1985, ao criar o Ministério da Desburocratização, a
Comissão de alto nível para estudos sobre a reforma tributária e,
principalmente, ao garantir a eleição direta para governadores,
recuperando, estes, democraticamente, o poder de negociação perdido
pelos governadores-delegados.
4. Descontinuidade Administrativa
A célebre descontinuidade administrativa de que padece a administração
pública brasileira, constitui outro fator anti-desenvolvimento muito
relevante. Alguns de seus efeitos mais conhecidos: o proverbial
repertório de obras inacabadas, a síndrome de demolição de obras de
governos passados, a pressa combinada com a superficialidade e a
imperfeição dos programas obras públicas.
Em Brasília há anedotas muito conhecidas sobre a descontinuidade
administrativa: ''No último ano de um governo, ninguém trabalha'', a
metade dos funcionários investe suas energias na conquista de
padrinhos que os mantenham ou melhorem sua situação no próximo
governo; a outra metade cruza os braços, fala da vida alheia,
transforma-se em técnico de futebol (os homens) ou passam o dia
fazendo crochê (as mulheres)''.
A sabedoria popular também descobriu que o primeiro ano do novo
governo é dedicado a formar sua equipe, o segundo ano para conhecer
"a máquina", o terceiro para planejar o que será feito no quarto e o
quinto para avaliar por que motivo os projetos não foram
implementados. O último será dedicado a descobrir ''para onde vamos
na próxima rodada''.
Em decorrência da descontinuidade, a administração padece a falta de
um corpo de servidores integrados entre si, conhecedores da realidade e
comprometidos com os resultados das organizações públicas. Falta ao
Brasil, o que a França, a Inglaterra e a Alemanha já alcançaram, que é a
efetiva profissionalização do servidor público.
O sistema gerencial das organizações públicas está pouco comprometido
com o processo de modernização institucional, que em última instância
significa aumentar sua produtividade e melhorar a qualidade do
atendimento ao cidadão, usuário dos serviços públicos.
Na administração indireta a preocupação é ''tocar o barco'' sem perda
de tempo, trabalhar a todo vapor (mesmo que a custos econômicos e
sociais muito elevados e com riscos de ''fundir'' a mal lubrificada
máquina organizacional). Na administração direta o negócio é ''não
levantar a poeira'', pois ''pode ficar pior do que está e não vai dar tempo
para consertar''.
5. A busca da eficiência ao invés da eficácia
As organizações públicas orientam seu desempenho essencialmente pelo
principio da eficiência, preocupando-se com a observância das normas
de redução de despesas e contenção de investimentos, em vez de
pautar-se pela eficácia, com vistas na obtenção dos resultados
almejados, e menos ainda pela efetividade, que se manifestaria pela
preocupação com a satisfação das expectativas e necessidades da
clientela dos serviços. A ênfase na eficiência tem sido um dos fatores
limitadores das organizações públicas, desviando seus esforços para
dentro de si mesmas, numa virtual orientação de autoreferência,
perdendo, com isso, o senso de realidade. Psicologizando a questão,
poderíamos pensar num processo de autismo organizacional em curso.
Aliás, o fenômeno da papelocracia representa claramente um dos
sintomas dessa patologia.
Outro sintoma da ênfase na eficiência em detrimento da eficácia é a
exagerada manualização de procedimentos. Para isso, muito
concorreram e concorrem os trabalhos de modernização administrativa,
quando limita-se à Organização e Métodos (O&M) cuja finalidade é
deixar as coisas organizadas e claras. Para um ''agente de
modernização'' não constitui questão de relevo indagar se é disso que a
organização precisa e se é realmente necessária a racionalidade dos
procedimentos, layout e a redenominação de funções, (quando o
necessário poderia ser extinguir a seção ou divisão, já desprovida de
objetivos). O desempenho desse ''especialista'' em O&M está
programado para mudar sem mudar, ou seja, apenas alterar a ordem
das coisas, redistribui-las, rotulá-las, porém nunca questionar sua
essência. Seu trabalho limita-se às fronteiras da organização, quando
muito, pois geralmente fica restrito às seções, divisões e
departamentos, tomados como partes isoladas do todo. Nessa direção,
as organizações públicas tendem a ficar mais ''autistas'', mais
''esquizofrênicas'', passando a constituir sujeito e objeto de si mesmas.
É o modo de transformar os meios em fins.
Outra tecnologia que vem sendo usada de modo inadequado nas
organizações, advém da psicologia. Numa falta de percepção da
realidade organizacional, muitos psicólogos têm orientado suas técnicas
para a análise de personalidade e a melhoria das relações inter-pessoais
como fins em si mesmas. Subjaz a esta prática a intenção ou esperança
de fazer surgir no horizonte um ambiente de paz a harmonia, baseado
no estabelecimento de relações pessoais íntimas e sinceras - a meta é a
"amorização" organizacional. Nessa linha de procedimentos, busca-se a
eficiência através da dimensão psicossocial do trabalho de modo
inadequado, por ignorar as demais dimensões organizacionais.
Tanto a orientação ''modernizadora'' de O&M, voltada tão somente para
a racionalidade da tarefa, como a abordagem psicologizante,
enfatizando o relacionamento interpessoal como fim em si mesmo,
encontram-se hipnotizadas pela magia da busca da eficiência, e
constituem, ambas, meios de alienar os participantes da organização
das questões mais relevantes, situadas além dos limites organizacionais.
Há ainda outro agente da eficiência: trata-se do treinamento, do modo
como vem sendo realizado:
- treina-se por treinar, como justificativa de aplicação de verbas do
magro orçamento de treinamento; do contrário, no próximo ano, ele
virá mais escasso ainda;
- treina-se para cumprir Instruções Normativas com vistas na ascensão
funcional, mesmo que contrarie as reais necessidades de treinamento
nesse sentido;
- treina-se para transmitir conhecimentos que nunca serão aplicados,
por falta de respaldo institucional;
- treina-se, fora do expediente, para punir alguém.
Em suma, o treinamento tem constituído mais uma tecnologia a serviço
da eficiência, perdendo com isso o potencial de que dispõe para
contribuir no desenvolvimento do fator humano e da própria
organização. Seus programas têm refletido de modo míope a realidade e
as necessidade das organizações.
6. Conformismo
Outra peculiaridade das organizações públicas é o conformismo
exacerbado de seus funcionários para com as determinações formais,
escritas ou não. A disciplina constitui um valor inquestionável,
chegando-se ao absurdo de declarações do tipo: ''manter a disciplina, a
ordem, é mais importante do que alcançar resultados'', ''tenho que
cumprir o que determina a lei (decreto, portaria, ordem de serviço,
instrução normativa etc), pois se está errado não é problema meu'',
''tenho que registrar, se não for útil depois, não me diz respeito''; ''já
fechamos, não há ninguém mais aqui''.
Ocorre-me, a respeito desse fenômeno do conformismo burocrático,
uma hipótese, no mínimo, curiosa: partindo da premissa de que a
disciplina exacerbada fere a própria racionalidade humana, insistir nela
só pode ser resultado de algum motivo muito sério, como:
a) o funcionário deixou de pensar, transformando-se numa espécie de
zumbi organizacional. Perdeu seu amor-próprio durante o horário de
expediente. Ele fica como que em vida suspensa para suportar as
tarefas ou as condições de trabalho oligofrenizantes que precisa
enfrentar todos os dias para conseguir seu sustento;
b) o funcionário entra em ''greve psicológica'' consciente ou
inconscientemente, através do mecanismo de superadaptação às
normas. Lembram-se da operação-padrão dos aviadores comerciais
grevistas? Seria algo semelhante a isso.
A propósito, esta reação de defesa (ou de ataque) foi muito utilizada
pelos negros escravos, segundo Roderick Martin, como ''forma de fugir
às restrições impostas pela dependência completa."(31) É ainda Martin
quem cita Philips, segundo o qual ''os escravos tinham uma aceitação
cortês da subordinação, uma necessidade de serem elogiados, uma
facilidade de serem fiéis ao estilo feudal, e uma sábia repugnância
humana ao excesso de trabalho."(32) Continuando, acrescenta Martin
que este comportamento do escravo consistia "numa forma de
resistência passiva, de infantilismo, redução da responsabilidade e
estupidez legitimada e freqüentemente destrutiva."(33) Nas
organizações, o poder coercitivo do regime escravocrata foi substituído
pelo poder baseado na autoridade racional-legal, e a relação de posse o
foi pela relação empregatícia. Porém, o autoritarismo dos dirigentes,
combinado com as restrições inerentes à burocracia, mantiveram a
essência da relação assimétrica superior-subordinado. Adicione-se isto o
fato de os funcionários públicos não possuírem o direito de greve (até
1989) e o quadro está formado. Nada mais compreensível do que o
estado permanente de greve psicológica em que passaram a viver
muitos funcionários públicos.
7. Pressões de grupos de interesses Outro fator de resistência às
mudanças é a ocorrência de pressões oriundas de grupos internos, cujos
interesses estão sendo contrariados pela mudança pretendida. Esses
focos de resistência são responsáveis pela ''contaminação'' da cultura
organizacional, instalando prevenções e temores generalizados através
de boatos, fofocas e intrigas. É vital que se descubram os líderes desses
grupos para a adequada administração dos prováveis conflitos que
tenderão a exacerbar-se se deixados de lado ou se adotadas medidas de
força. Os condutores da mudança precisam cooptar estas lideranças,
geralmente informais, para participarem no esforço de mudança. Para
tanto, será necessário utilizar o diálogo, a barganha ou a pressão,
dependendo da natureza da resistência e de suas bases de poder. Não é
incomum encontrarmos em organizações verdadeiros ''feudos'' e
''baronatos'' com suas regras de conduta, sinais de identificação, rituais
de iniciação, sistemas de defesa, demarcações territoriais e outros
mecanismos de autopreservação. Constituem miniorganizações dentro
da organização, dando origem a controle paralelos e execução de
programas redundantes. E comum que estes enclaves organizacionais
passem a definir metas à revelia das diretrizes gerais. Se por um lado
apresentam o aspecto positivo de constituírem uma base para a
descentralização decisória e, conseqüentemente, agilidade e precisão
administrativa, por outro, representam obstáculo à integração e sintonia
das ações organizacionais frente às oportunidades e problemas
ambientais, subtraindo, assim, parcelas da força do conjunto
organizacional.
A solução dessa situação não será a eliminação pura e simples dos
feudos, através da dispersão de seu pessoal, ou mesmo da demissão de
seus líderes. A questão é como utilizar-se do potencial de realização
contido nesses grupos em favor da missão e diretrizes organizacionais,
comprometendo-os com o todo, sem a perda de suas identidades.
8. Estratificação organizacional
A estratificação organizacional constitui outro fator a ser considerado
como restritivo às inovações nas organizações públicas. OS princípios da
divisão de responsabilidades e da especialização funcional têm sido
aplicados rigidamente, privilegiando-se o fator de diferenciação em
detrimento do fator de integração.
A divisão do trabalho por níveis de complexidade é claramente
desvirtuada pela estratificação política, administrativa e social dos
participantes organizacionais, criando-se, ao invés da necessária
complementaridade, a desintegração entre ocupantes de níveis, classes
e categorias funcionais distintas. É necessário que os dirigentes atentem
para as implicações desse fator, não somente sobre o processo de
mudanças, mas também no fluxo de comunicação administrativa e no
andamento das decisões de um modo geral. Caso contrário, sua
administração poderá correr o risco de ser feita sem o necessário apoio
de um número relevante de funcionários e, conseqüentemente, ver-se
isolada do contexto organizacional, enfrentando resistência incômodas
aos seus objetivos.
9. Falta de Autocrítica
A reduzida presença de atitudes ou mecanismos institucionais de
autocrítica constitui fator extremamente restritivo ao desenvolvimento
das organizações públicas. É característica a incredulidade dos
funcionários públicos sobre a possibilidade de que venham a ocorrer
mudanças reais nas condições atuais, por isso, ''para que preocupar-se
em saber como estão as coisas ?''A critica da situação resume-se
usualmente em duas questões: para a grande maioria dos funcionários,
o problema é o baixo nível salarial, enquanto que para a maioria dos
chefes a culpa da ineficiência é a carência crônica de pessoal - para eles
há sempre muito a fazer e poucos funcionários.
Estas duas posições criam bodes-expiatórios suficientes para qualquer
diagnóstico que venha a ser feito, tornando irrelevantes as tentativas de
uma análise mais acurada da situação e deixando impermeáveis à
critica, funcionários e chefes - ''afinal, o que se pode esperar de alguém
que trabalha tanto e ganha tão pouco, ou de alguém com tamanha
responsabilidade de chefiar um setor da administração sem o pessoal
necessário?'' (é o que dizem comumente).
Além disso, há o desvirtuamento do sentido e significado da critica,
como meio de correção de rumos e de desenvolvimento. Muitos a têm
interpretado como sinônimo de calúnia, fofoca, "deduragem", e, nesse
contexto, negam-se a participar ou, quando questionados, declaram que
"está tudo bem, não há o que corrigir."
Faz parte de nossa cultura a repugnância pelo alcaguete ou ''dedo
duro'', valor muito respeitado e defendido. Portanto, ao instalar-se a
confusão entre análise crítica da realidade e "deduragem", cria-se um
problema de complexa solução. É difícil obter-se objetividade e abertura
por parte de alguém que, por princípio, encontra-se prevenido, além de
receoso de possíveis repercussões de declarações suas e, mais ainda,
descrente de que esse gesto irá valer a pena realmente. Há, com isso,
um patente não comprometimento de grande parte dos funcionários
para com a melhoria de sua organização.
A ausência de auto-crítica institucional faz com que as atividades sejam
realizadas ritualisticamente, pautadas, tão-somente, pela letra da lei e
pelos limites da disciplina, O legalismo, associado ao autoritarismo,
resulta numa combinação castradora da reflexão, da crítica e da
criatividade, tornando impossível a análise objetiva da situação por seus
participantes diante da inércia burocrática. Desenvolve-se neles um
sentimento de impotência e menos-valia, manifestado por reações de
passividade ou por agressão à organização. Dificultar, sabotar ou
impedir que ocorram mudanças substantivas no status quo
organizacional, constituem reações muito comuns e até mesmo
compreensíveis dentro do contexto em que se inserem. Cabe aos
administradores atentar para a gravidade desse fato, dando-lhe a
importância que merece no conjunto de suas responsabilidades como
dirigentes públicos. É um truísmo declarar que, afinal, os mais
prejudicados serão os clientes do serviço público.
10. Insatisfação básica dos funcionários
É notório o fato de que grande percentagem dos funcionários públicos
sente-se insatisfeita em suas necessidades básicas, decorrente, por um
lado, do baixo nível de remuneração e, por outro, da ausência de
políticas de benefícios.
Esta situação é específica da administração pública direta, vez que
inúmeras autarquias e praticamente todas as fundações e empresas
públicas já corrigiram essa falha administrativa.
Diversas pesquisas sobre a motivação humana no trabalho têm
demonstrado que o indivíduo insatisfeito em suas necessidades básicas
tende a concentrar sua atenção na busca de condições que solucionem
seu estado de carência. Suas energias, ações e pensamentos são
desviados das metas organizacionais para as metas pessoais. Falar em
mudanças que precisam ser feitas na organização não tem significado, a
não ser que venham melhorar sua situação pessoal. Sua análise
restringe-se, desse modo, a questões de natureza muito concreta e de
curto prazo, perdendo de vista a noção de missão, metas, políticas,
clientela e responsabilidade social. Para eles, estes conceitos
representam, no máximo, invenções de dirigentes que não têm nada a
perder, e de teóricos que não têm o que fazer.
A ausência de uma política de recursos humanos que satisfaça às
necessidades básicas dos funcionários públicos produz dois efeitos
altamente negativos: (a) atrofia o indivíduo em suas possibilidades de
crescer como pessoa, e (b) sub-utiliza o potencial humanos que a
organização dispõe, desviando suas energias para metas conflitantes
com as necessidades do trabalho. Estes dois efeitos da miopia
administrativa, resultam em prejuízo para a nação, um de natureza
social, outro de ordem econômica.
Um quadro de pessoal insatisfeito em seus direitos mais básicos
constitui, sem dúvida, forte muralha contra tentativas de modernização
organizacional.
11. Despreparo Gerencial
O despreparo de dirigentes para o exercício de funções gerenciais
constitui, evidentemente, um fator altamente restritivo a qualquer
organização. Na administração pública é notória a ausência de
programas especificamente formulados para o preparo de gestores. As
premissas de que qualquer um sabe chefiar, e de que dirigir é uma arte
que se aprende com prática e malícia, encontram-se embutidas no
esquema de valores e concepções do administrador público. É comum
ouvirem-se declarações de funcionários de que os ocupantes de funções
de DAS (Direção e Assessoramento Superior) não entram em sala de
aula, e que participar de treinamento significa, para eles, um
desprestígio funcional. Criou-se uma espécie de aura em torno do DAS,
como se ao ocupar este nível ele alcançasse um patamar que o tornasse
onisciente e onipotente.
Esta falta de eventos educacionais sistemáticos, voltados para a análise
crítica da realidade ambiental, organizacional e funcional contribui para
o reduzido emprego da reflexão e da auto-crítica em torno das práticas
gerenciais. O trabalho transforma-se, desse modo, numa rotina
alienante, desprovida de mecanismos de correção de rumo e de
desenvolvimento de seu ocupante.
Quando falamos em despreparo dos dirigentes, estamos nos referindo a
quatro dimensões do desempenho gerencial: técnica, administrativa,
psicossocial e política.
A dimensão técnica compreende o conhecimento das tecnologias
empregadas na organização durante o desenvolvimento de suas
atividades.
A dimensão administrativa refere-se ao desempenho das conhecidas
funções gerências, tais como direção, coordenação, planejamento,
organização e controle. Constitui o conjunto de procedimentos que
diferencia a função gerencial de funções eminentemente técnicas.
A dimensão psicossocial constitui um dos suportes mais importantes do
desempenho gerencial, vez que a gerência não existe de per si, como
atributo individual, mas enquanto relação entre pessoas e grupos no
exercício de papéis organizacionais específicos.
Finalmente, a dimensão política representa outro aspecto fundamental
da prática gerencial, já que o sistema de relações estabelecido entre
gestores e subordinados, funcionários e comunidade-cliente,
concorrentes e autoridades externas, encontra-se estruturado sobre
relações de poder.
Podemos encontrar um dirigente extremamente competente do ponto
de vista técnico e administrativo e incompetente nas demais dimensões.
Ele possui o conhecimento de causa e a metodologia necessária para
planejar e coordenar programas de grande envergadura, elaborando-os
com o requinte de um verdadeiro conhecedor das atividades-fim da
organização. Porém, encontra dificuldades para implementar esses
planos devido à falta de habilidades de administrar as interferências de
ordem interpessoal em sua relação com superiores e/ou com
subordinados. Devido a esta incompetência, suas decisões são tomadas
com elevado custo psicológico e social para si e para a organização, com
frequentes reclamações ou atitudes de descaso e passividade dos
insatisfeitos.
O andamento de seus programas pode também sofrer sérios reveses de
ordem política, em decorrência de má administração das relações de
poder intra e interorganizacional. Sua reduzida sensibilidade para as
necessidades, exigências e variações de humor dos grupos de pressão
externos e internos à organização, pode inclusive inviabilizar programas
irrepreensíveis do ponto de vista técnico.
A nosso ver, a relevância da dimensão política não vem sendo percebida
pela maioria dos teóricos e tecnólogos que se dedicam ao estudo das
organizações. Eles têm privilegiado, de um lado, os aspectos
comportamentais e, de outro, os aspectos técnicos e estrutural,
deixando de fora a análise do poder organizacional. Cada vez mais
deparamo-nos com a estreita relação (talvez até correlação) entre
mudança e poder. Em outras palavras, só ocorrem mudanças, quando
impulsionadas ou respaldadas por alguma fonte de poder interna ou
externa à organização.
Há dirigentes que, por experiência própria e/ou tendências inatas,
possuem elevada competência política. É pena que, muitas vezes, não a
possua associada à competência técnica, administrativa e psicossocial.
Sua saída, a curto prazo, será assessorar-se de especialistas nas áreas
técnica e administrativa e desenvolver-se na dimensão psicossocial
através de programas do treinamento ou mesmo psicoterapia.
Existem também aqueles dirigentes muito hábeis nas relações
interpessoais, cujo contato humano possui certa magia e encanto.
Porém, não dispõem em seu repertório, de conhecimentos e habilidades
nas demais dimensões. Sua fragilidade como gerentes torna-se clara
quando enfrentam a necessidade de tomar decisões rápidas e seguras,
ou, por outro lado, quando precisam negociar perdas e ganhos com
grupos de interesses conflitantes.
Esta rápida e superficial sucessão de exemplos pretende tão-somente
deixar clara a necessidade de programas de treinamento que respondam
adequadamente à complexidade da função gerencial.
A falta ou reduzida competência gerencial em qualquer das quatro
dimensões (técnica, administrativa, psicossocial e política) irá
fatalmente comprometer a eficácia das ações levadas a efeito no sentido
do desenvolvimento das organizações. É do conhecimento geral o nível
de improvisação de nossos dirigentes públicos, numa flagrante falta de
profissionalismo requerido ao desempenho de funções de tamanha
relevância sócio-econômico-política. Exceção honrosa deverá ser feita às
organizações militares e ao Itamaraty, cujos quadros gerenciais são
formados e continuamente qualificados através de cursos de formação,
especialização, estágios, entre outros eventos.
O despreparo gerencial a que nos referimos, de início, constitui fonte de
resistência às mudanças e à inovação, que o dirigente manifesta,
através da insegurança diante da sentida "ameaça" de ampliação dos
limites de competência e do nível de responsabilidades, aos quais já se
habituou.
Desenvolver implica inovar, que pressupõe correr riscos, que significa
possuir flexibilidade para adaptar-se às novas situações. E, para
adaptar-se, necessitasse de competência para gerenciar a situação
presente e preparar as condições futuras. As oportunidades e
possibilidades de mudanças substantivas nas organizações públicas, no
sentido de seu contínuo desenvolvimento, dependerá em grande parte,
da correta administração, pelo menos, desses 11 fatores dificultadores
aqui apresentados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) Moore Jr. Barrington. Poder político e teoria social. Editora Cultrix,
São Paulo, 1972, pg. 164-5
(2) Machiavelli, Nicolo, O Príncipe. Brasilia, Editora Universidade de
Brasília, Brasília, 1979, Pág. 55
(3) Moore Jr., Barrington. In op. cit p. 40
(4) Wiener, Norbert, Cibernética e Sociedade - O uso humano dos seres
humanos. Editora Cultrix, São Paulo, 1978, pág. 46
(5) Moore Jr., Barrington. In op. cit p. 166
(6) Clastres, Pierre - A Sociedade Contra o Estado - Editora Francisco
Alves, Rio de Janeiro, 3a edição - 1986 - p. 22
(7) Clastres, Pierre - In op.cit. p. 23
(8) Morente, Manuel Garcia. Fundamentos de Filosofia - Editora Mestre
Jou, São Paulo, 1964, p. 69
(9) Morente, Manuel Garcia - In op. cit. p. 76-7
(10) Ploger, Ingo - Mudança Política. Editora Universidade de Brasília,
Brasília, 1980, p. 18
(11) Ploger, Ingo - In op. cit p. 18
(12) Martins Dias, Gentil - Mudança Social. Editora Universidade de
Brasília, Brasília, 1980, p. 25
(13) Martins Dias, Gentil - In op. cit. p. 27
(14) Selznick, Philip - A Liderança na Administração. Editora da FGV, Rio
de Janeiro, 1972, p. 101
(15) Ploger, lngo - In op. cit p. 19
(16) Ploger, Ingo - In op. cit p. 20
(17) Selznick, Philip - In op. cit p. 87
(18) Selznick, Philip - In op. cit. p. 88
(19) Adizes, Ichak - Passagens Organizacionais - Editora Incisa, Rio de
Janeiro, 1980 p. l 0
(20) Martins Dias, Gentil - In op. cit. p. 40
(21) Martins Dias, Gentil - In op. cit. p. 40
(22) Martins Dias, Gentil - In op. cit. p. 401
(23) Ploger, Ingo - In op. cit. p. 10
(24) Aragon Fernandes, Aguinaldo - Modernização Administrativa. Ed.
lPEA-SEMOR, Brasília, 1978 p.60
(25) Santos Pequeno, Iglê - Modernização Administrativa. Ed. IPEASEMOR, Brasília, 1978, p. 210
(26) Santos Pequeno, Iglê - In op. cit. p. 212
(27) Santos Pequeno, Iglê - In op. cit. p. 213
(28) Aragon Femandes, Aguinaldo - In op. cit p. 61
(29) Machiavelli, Nicolo - In op. cit. 55
(30) Selznick,Philip - In op. cit. p. 89
(31) Martins, Roderick - Sociologia do Poder, Editora Zahar, Rio de
Janeiro, 1978, P. 96
(32) Martins, Roderick - In op cit., p. 97
(33) Martins, Roderick - In op cit., p. 97
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