OS ENFERMEIROS E A HUMANIZAÇÃO NOS SERVIÇOS DE SAÚDE DE UM MUNICÍPIO Carmen Lúcia Colomé Beck1 Rosa Ladi Lisbôa2 Kellen Cervo Zamberlan3 Rosângela da Silva Marion4 Juliana Petri Tavares5 O modelo biomédico na saúde tem contribuído para a manutenção da visão reducionista e fragmentada do ser humano e do processo saúde-doença, reforçado pelo modelo taylorista que se caracteriza, dentre outros aspectos, pela separação do trabalho em manual e intelectual. Esse modelo favorece a dicotomização do ser humano e do cuidado apontando assim, para uma prática distanciada do individuo, ou seja, um atendimento desumanizado. Essas linhas de pensamento influenciam as práticas dos trabalhadores da saúde acrescentando-se a essa realidade, o avanço da ciência e o conseqüente desenvolvimento tecnológico, o que tem intensificado a falta de humanização no atendimento. Neste sentido, a Política Nacional de Humanização (PNH) foi instituída como uma política pública com o propósito de promover a integralidade das ações de saúde no âmbito da atenção e gestão de forma indissociável, favorecendo universalidade do atendimento e o aumento da eqüidade por meio da utilização de novas tecnologias e especializações de saberes sem desvalorizar os processos já instituídos. Dessa forma, a PNH foi pensada como uma política transversal às demais políticas e ações de saúde e tem procurado vincular-se a todos os processos em curso bem como a elaboração de políticas de saúde por meio dos princípios orientadores da 1 Coordenadora do Projeto de Pesquisa. Professora Adjunto do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria/ UFSM. Dra em Filosofia da Enfermagem/ UFSC. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Trabalho, Saúde, Educação e Enfermagem/UFSM. 2 Aluna do Curso de Enfermagem da UFSM. Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho, Saúde, Educação e Enfermagem/UFSM. Bolsista PIBIC/CNPq-2006/2007- 2007/2008 deste projeto. 3 Relatora. Aluna do Curso de Enfermagem da UFSM. Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho, Saúde, Educação e Enfermagem/UFSM. Rua Venâncio Aires, 1831, ap57, Centro. Santa Maria/RS. E-mail: [email protected] 4 Enfermeira assistencial do Hospital Universitário de Santa Maria- HUSM. Mestranda em Enfermagem pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem da UFSM. Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho, Saúde, Educação e Enfermagem/UFSM. humanização (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004). Nesse contexto, com vistas a permitir ao acadêmico uma compreensão do papel do enfermeiro que atua no nível de atenção básica, o Curso de Enfermagem da UFSM/RS realiza suas aulas práticas em Unidades Básicas de Saúde da rede municipal de saúde do município e em Unidades de Estratégia de Saúde da Família. A existência desta iniciativa representa um esforço de articulação entre a academia e os serviços de saúde, necessitando que os envolvidos neste processo compreendam que as instituições formadoras de trabalhadores de saúde, e os serviços devem integrar-se, com vistas a trazer benefícios imediatos aos cidadãos usuários do sistema de saúde, bem como contribuir para uma adequada formação dos trabalhadores de acordo com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, surgiu a proposta de realizar uma pesquisa, tendo como objetivo identificar a percepção dos enfermeiros da Rede Básica de Saúde de Santa Maria/RS quanto à humanização da assistência de saúde, conhecendo as potencialidades e as deficiências da rede, relativas à humanização do atendimento e às relações de trabalho. O presente estudo se caracterizou como uma pesquisa da área humano-social, do tipo exploratóriodescritiva, com trajetória metodológica de pesquisa qualitativa. Como instrumento de coleta de dados, foi elaborado um questionário respondido pelos enfermeiros que dos serviços de saúde do município, incluindo questões abertas e fechadas A população de enfermeiros que integram os serviços de saúde do município de Santa Maria é de 72 sujeitos, sendo que os questionários foram entregues pelos pesquisadores a todos estes, retornando 37 questionários, os quais compõem o material analisados. Para a organização dos dados foram feitas as etapas operacionais da pré-analise, exploração do material e interpretação dos resultados. Ressalta-se que o presente estudo apresentará dados parciais referentes às questões abertas. Realizou-se o procedimento de categorização das respostas, que foram analisadas e agrupadas de acordo com a semelhança das informações obtidas pelos enfermeiros que compuseram este estudo. Nas falas que ilustram estas questões, utilizou-se a letra “E” para os enfermeiros, seguido do número da 5 Aluna do Curso de Enfermagem da UFSM. Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho, Saúde, ordem em que foram analisados. O referido estudo atendeu às determinações do Conselho Nacional de Saúde, a Resolução 196/96 integralmente, assegurando sigilo e anonimato dos sujeitos participantes do mesmo. Quando perguntado aos enfermeiros se tinham dificuldade para prestar um cuidado humanizado, 37,8% responderam que não e 62,2% sim. A primeira categoria das justificativas dos enfermeiros que sentem dificuldade consiste “falta de tempo para melhor atender o usuário”. As falas que expressam esta realidade são: [...] muitas vezes devido ao grande número de atendimento não é possível dar atenção a um único paciente (E 3). [...] falta de tempo para com cada um deles, de poder conversar, o trabalho burocrático nos impede muitas vezes de sermos mais humanos (E 16).[...] pelo fato de não termos pessoal suficiente às vezes fazemos o atendimento corrido para que todos sejam atendidos (E 36). Nas falas dos enfermeiros E 3, E 16 e E 36 pode-se constatar fatores importantes que justificam a falta de tempo dedicado ao usuário, como o alto número de atendimentos, o trabalho burocrático realizado pelo enfermeiro e o número reduzido de profissionais na equipe de enfermagem. Mezomo (2003) diz que o pequeno número de profissionais na equipe de enfermagem é um problema crônico e que, caso não sanado devidamente pelas instituições públicas e privadas de saúde, tenderá a minar qualquer projeto de humanização já na base Ressalta-se ainda que, em muitas situações, o enfermeiro tem dificuldade de colocar em prática os conhecimentos obtidos na graduação, voltando-se prioritariamente para atividades de cunho burocrático. Desta forma, pode se distanciar mais do paciente, justamente aquele que é a sua razão de existir, tornando-se necessário discutir a temática da humanização.com um profissional que deveria ser essencialmente humano. A ausência do enfermeiro na assistência direta ao paciente torna o trabalho da equipe mecânico e padronizado, desprovido de elementos humanizadores que enfoquem o paciente como indivíduo. A segunda categoria implica na “falta de recursos materiais e humanos”. Destacam-se as respostas: [...] algumas vezes pela falta de recursos da Unidade de Saúde (medicamentos, materiais, espaço adequado) devemos usar a criatividade [...] (E 18).A terceira categoria Educação e Enfermagem/UFSM. compreende “estrutura física inadequada da Unidade”, a qual está expressa a seguir: [...] o atendimento humanizado é prejudicado em função da estrutura física ruim da Unidade, ausência de materiais [...] (E 15).Para que os trabalhadores de saúde possam exercer adequadamente sua profissão, respeitar o outro é condição sine qua non. Para tanto, necessitam manter sua condição humana também respeitada. Neste sentido, trabalhar em condições adequadas contribui para o êxito deste empreendimento (BACKES E LUNARDI, 2006). A quarta categoria é “falta de apoio da Secretaria Municipal de Saúde aos enfermeiros”, expressa na fala: [...] falta de recursos humanos e materiais, mas principalmente falta de apoio da secretaria (E 23). É importante ressaltar que as responsabilidades dos municípios com a Atenção Básica crescem progressivamente, na medida em que adquirem condições e capacidade para ampliar suas atribuições e assumir a implementação de novas ações. Entretanto, percebeu-se a insatisfação de muitos enfermeiros que compõem os serviços de saúde do município de Santa Maria, os quais reclamam da falta de apoio, parceria, e atenção da Secretaria de Saúde do Município o que, consequentemente, compromete os serviços prestados aos usuários. Destaca-se que os profissionais de saúde ao fazerem o papel de cuidadores se defrontam com sua própria vida, sua saúde ou doença, seus conflitos e frustações, seus medos, etc. Para Casate e Corrêa (2005), deve ser priorizado o trabalhador como elemento fundamental para a humanização do atendimento, devendo ser implementadas ações de inverstimento em termos de número suficiente de pessoal, salários e condições de trabalho adequadas, bem como atividades educativas que permitam o desenvolvimento de competência para o cuidar, preservando, naturalmente, a saúde do trabalhador de saúde. As informações fornecidas pelos enfermeiros do serviço de saúde do município de Santa Maria demonstram que estes trabalhadores necessitam serem melhor cuidados tanto pela gestão atual dos serviços quanto por si mesmo. Dejours (1994) infere que o caminho que conduz ao trabalho saudável é o mesmo que respeitar a identidade em sua construção plena dentro de um trabalho cuja organização seja eticamente prescrita, respeitando os potenciais e limites da condição humana. Palavras-Chave: Enfermagem, Saúde do trabalhador; Humanização da Assistência; Área: Saúde do Trabalhador Referências Bibliográficas: Ministério da Saúde (BR). HumanizaSUS: política nacional de humanização: a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS. Brasília: 2004. Mezomo AA et alii (Coord.). Fundamentos da humanização hospitalar: uma visão multiprofissional. São Paulo: Local, 2003. Backes DS, Lunardi VL, Filho WDL. A humanização hospitalar como expressão da ética. Rev. Latino – Americana Enfermagem. Ribeirão Preto, v.14, n.1, jan./fev., 2006. Casate J.C; Corrêa A.K. Humanização do atendimento em saúde: conhecimento veiculado na literatura brasileira de enfermagem. Rev. Lat. Am. Enfermagem. Ribeirão Preto, v.13, n.1, Jan/fev., 2005. Dejours C, Abdoucheli E & J, C. Psicodinâmica do trabalho: contribuições da Escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas, 1994.