UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ – UNIFAP
EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA – EMBRAPA-AP
INSTITUTO DE PESQUISAS CIENTÍFICAS E TECNOLÓGICAS DO ESTADO DO AMAPÁ – IEPA
CONSERVAÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL – CI-BRASIL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIODIVERSIDADE TROPICAL – PPGBIO
DANIELLE DOS SANTOS LIMA
OCORRÊNCIA DE ARIRANHAS Pteronura brasiliensis (CARNIVORA: MUSTELIDAE) E
INTERFERÊNCIAS ANTRÓPICAS À ESPÉCIE NO LAGO AMANÃ, RESERVA DE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL AMANÃ, AMAZONAS
MACAPÁ – AP
2009
Danielle dos Santos Lima
Ocorrência de ariranhas Pteronura brasiliensis (Carnivora: Mustelidae) e interferências
antrópicas à espécie no lago Amanã, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã,
Amazonas
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Biodiversidade Tropical, como
parte dos requisitos para obtenção do título de
Mestre em Biodiversidade Tropical.
Orientador: Prof. Dr. Daniel de Brito C. Silva
Co-orientadora: Dra. Miriam Marmontel
Macapá – AP
2009
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca Central da Universidade Federal do Amapá
Lima, Danielle dos Santos
Ocorrência de ariranhas Pteronura brasiliensis (Carnivora: Mustelidae) e
interferências antrópicas à espécie no lago Amanã, Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazonas / Danielle dos Santos
Lima; orientador Daniel de Brito C. Silva; co-orientadora Miriam
Marmontel. Macapá, 2009.
58 p.
Dissertação (mestrado) – Fundação Universidade Federal do Amapá,
Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Tropical.
1. Pteronura brasiliensis. 2. Amazonas – RDS Amanã. I. Silva, Daniel de
Brito C., orient. II. Marmontel, Miriam, co-orientadora. III. Fundação
Universidade Federal do Amapá. IV. Título.
CDD. 22.ed. 599.5098113
iii
DANIELLE DOS SANTOS LIMA
Ocorrência de ariranhas Pteronura brasiliensis (Carnivora: Mustelidae) e interferências
antrópicas à espécie no lago Amanã, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã,
Amazonas
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Tropical, como
parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Biodiversidade Tropical.
Orientação
Prof. Dr. Daniel de Brito C. Silva
Orientador
Conservation International/PPGBIO
Dra. Miriam Marmontel
Co-orientadora
Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá
Membros
Profa. Dra. Helenilza Albuquerque Cunha
Examinador interno
Universidade Federal do Amapá/PPGBIO
Prof. Dr. Ricardo Bomfim Machado
Examinador interno
Conservação Internacional do Brasil/PPGBIO
Prof. Dr. Marcos Tavares Dias
Examinador externo
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
Macapá, 06 de março de 2009.
iv
Dedico
À minha família, à Miriam Marmontel e à Jociery Parente,
minhas estrelas-guia!
v
AGRADECIMENTOS
A Deus, meu abrigo seguro, que me fortalece a cada dia e coloca no meu caminho as pessoas
certas, nos momentos precisos.
À minha mãe, meu maior tesouro, por nunca ter deixado de acreditar e vivenciar os meus
sonhos como se fossem seus. Mãe, a sua força, dignidade e sabedoria são inigualáveis, e seus
ensinamentos estarão sempre comigo, por mais distante que eu esteja de você.
Ao meu pai, por me ensinar a ter coragem para enfrentar os desafios, por seu cuidado e amor.
Foi ele o primeiro a perceber a “ariranha” dentro de mim!
À minha família, em especial ao meu avô Delemir (in memoriam), avó Jandira, tia Cristina e
tio Wellington, por ser o alicerce do que sou hoje, ensinando-me sempre a caminhar como O
Grande Cientista.
À minha orientadora e amiga Dra. Miriam Marmontel, por quem possuo inesgotável
admiração, confiança e respeito. Minha incentivadora de todos os momentos, que me ensina a
lidar com os desafios pessoais e profissionais. A você, Miriam, sou grata pelas tantas
oportunidades concedidas, pela constante manifestação de carinho e pelo respeito ao trabalho
a mim designado.
Ao Dr. Daniel Brito, que aceitou o desafio desta orientação, mesmo ciente das dificuldades
impostas pela distância, pelo incentivo e contribuições dadas a este trabalho.
Ao Dr. Enrico Bernard, por ter me orientado durante a primeira fase do mestrado,
contribuindo de forma substancial no desenvolvimento e finalização desta dissertação. Pelo
incentivo constante, amizade e por ter acreditado no potencial desta pesquisa.
À Jociery Vergara, minha irmã do coração, minha sempre orientadora. Pessoa a quem muito
estimo e admiro por sua retidão de caráter e profissionalismo. Amiga que segue ao meu lado
me aconselhando sempre com carinhosas e sábias palavras.
Ao meu querido Paulo Marcelo, por ter compartilhado mais uma “aventura na Amazônia”,
por me ensinar a quebrar tantas barreiras, pelo apoio, carinho, amizade e acima de tudo, pela
paciência!
Ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, na pessoa da Dra. Ana Rita Alves e
Dr. Helder Queiroz, por terem incentivado e proporcionado de todas as maneiras possíveis o
meu desenvolvimento profissional e a realização desta pesquisa.
Ao Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Tropical, na pessoa da Dra. Helenilza
Cunha, pelo apoio acadêmico, compreensão e constante incentivo profissional.
Aos moradores do entorno do lago Amanã, por terem repassado a mim, da mais simples e
pura forma, parte da sabedoria que possuem sobre os rios, a floresta e os animais; por terem
aberto as portas de suas casas e permitido o convívio com seus familiares.
vi
Aos meus queridos Zé e Zé Raimundo, meus professores em campo. Pessoas que
compartilharam comigo as frustrações e alegrias durante a procura por ariranhas, ensinandome coisas que jamais aprenderia em livros. Por terem me incluído em suas famílias, tratandome como irmã, sempre com imensurável carinho, cuidado e respeito. Vocês são presentes de
Deus pra mim!
Aos moradores locais que me auxiliaram durante as saídas de campo – Sr. Zé Brasil, Jerry,
Sr. Pedro Brasil, Sr. Dico, Sr. Otávio, Sr. Raimundo Brasil, Nilmar, Raimundo, Edvan,
Antônio, Polegada, Cineca e Washington – sem os quais este estudo não teria sido conduzido
de forma tão facilitada. A vocês, meu eterno respeito e admiração.
Ao meu amigo Jorge Calvimontes que me ensinou a compreender a percepção dos moradores
locais e demonstrou que, com respeito e simplicidade, se conquistam grandes amigos.
Ao Alexandre Hercos e à Tatiana Vieira, pessoas essenciais para a finalização desta
dissertação, por terem sido mais que amigos verdadeiros, muitas vezes mais que irmãos; e à
pequena Maria Flor, que brotou no meio de tantos espinhos, transformando a aridez dos meus
dias em um jardim multicor!
Aos funcionários do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, pela amizade e
carinho nos momentos difíceis, por tudo que me ensinaram e por tantas vezes terem feito o
impossível para que eu pudesse realizar a pesquisa da melhor forma.
Aos docentes Adrian Garda, Adriana Paese, Arley Costa, Dominique Gallois, Fabiano
Cesarino, Enrico Bernard, Helenilza Cunha, José Walter Cardenas, José Maria da Silva,
Marcelino Guedes e Ricardo Machado, por terem contribuído para a minha formação
profissional.
Aos membros (e ex-membros) do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos do Instituto
Mamirauá - André Bastos, Antônio Pinto, Beatriz Calera, Carolina Loch, Dhalton Tosetto,
Elivaldo Ferreira (Beré), Fernanda Menezes, Flávia Martins, Gleyce Anne, Isabel Camargo,
Juliana Guimarães, Juliane Hallal, Luiz da Silva, Michelle Guterres, Rafael Suertegaray,
Rodrigo Amaral e Roberta Silva - pela contribuição dada por cada um de forma especial, e
por terem compartilhado muitas horas trabalho e gargalhadas.
Aos amigos que mesmo tão longe, se fizeram presentes – Alethia Muñoz, Ana Maria, Fátima
Martins, Gizelle Lima, Gustavo Rocha, Helayne Bins, Javier Torres, João C. Borges, Kátia
Regina, Luciana Valverde, Oto Alvarenga, Regiane Alves, Rosana Coimbra, Sílvia Gouveia e
Tatiana Aguiar – encorajando-me a seguir o caminho, sempre da forma correta.
À Taís Kalil, Francisco Bicudo, Danielle Montenegro, Tales, Anderson e Claudia Funi pelos
momentos de descontração em Macapá, pelo companheirismo em todas as horas e
principalmente pela amizade sincera.
À querida Neura e família, por terem sido minha família em Macapá, sempre dispostos a
ajudar em todas as ocasiões. Vocês estão especialmente guardados em meu coração!
À Rejane Peixoto, por tornar facilitada a minha vida acadêmica enquanto aluna do PPGBIO,
sempre com um sorriso no rosto e palavras positivas; e por ter sido amiga nos momentos
difíceis.
vii
Aos colegas do PPGBIO – Claudia, Dacicleide, Graciliano, Helena, Isaí e Katyanne – por
compartilharem das angústias e aflições do mestrado, mas sempre com muita descontração e
positividade.
À Claudia Funi, Mariane Silva, Marilene Alves e Paulo Paiva pelo auxílio com os mapas e
principalmente pela paciência enquanto me ensinavam.
A Cláudia Silva e Daiane Barbosa pelo companheirismo, incentivo e por terem me incluído
no "universo" dos mamíferos aquáticos no estado do Amapá.
Ao Dr. Fernando Rosas e ao Dr. Jörg Schweizer pelas carinhosas palavras de incentivo
durante a "reta final" deste trabalho e pela bibliografia gentilmente disponibilizada. Vocês
também são meus referenciais de respeito, persistência e admiração às ariranhas.
À Sra. Urla Marmontel, por ter sido tão gentil ao aceitar revisar parte do texto desta
dissertação e pelas doces palavras proferidas.
Aos amigos do Pantanal, Francisca e família, José e família, Agnelo e Carolina Vargas, que
presenciaram as minhas experiências iniciais com as ariranhas.
Às amigas do “Projeto Vibrissas”, Bárbara Costa (Tafinha) e Miriam Perilli (Mirinha), que
durante uma "brincadeira" plantaram em mim o interesse e admiração pelos mustelídeos
aquáticos.
Às Instituições que viabilizaram minha capacitação profissional e contribuíram de diferentes
modos para a realização desta dissertação: Fundo para Expansão do Programa de Pesquisas
do Instituto Mamirauá - FEPIM, IDSM/MCT, Brasil; Programa Petrobras Ambiental;
Fundação Instituto para o Desenvolvimento da Amazônia – FIDESA; Instituto Internacional
de Educação do Brasil – Programa BECA-IEB/Fundação Moore (Código
B/2007/02/BMP/03), Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq (Processo nº 135248/2007-8),
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, auxílio SAUX.
viii
"... Mesmo quando não Te vejo
sei que a Tua mão me sustenta ..."
A. P. V. Bessa
ix
RESUMO
Esta pesquisa teve por finalidade aprofundar o conhecimento sobre os aspectos ecológicos e as
ameaças à ariranha na Amazônia brasileira, por meio da avaliação de sua distribuição e utilização dos
cursos d'água em uma série temporal de quatro anos e da identificação de interferências antrópicas à
espécie na região do lago Amanã, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazonas. Entre
outubro de 2004 e setembro de 2008 foram realizadas 40 saídas a campo à área, utilizando-se
metodologias apropriadas para a identificação da distribuição de ariranhas, tamanho populacional,
características de determinadas evidências e sítios explorados pela espécie, e identificação de
interações negativas entre ariranhas e a população humana. Foi percorrido um total de 18.181 km
durante 465 dias de busca de registros que evidenciassem a presença de ariranhas nos 13 igarapés do
entorno do lago Amanã. Nesta extensão foram registrados 711 locais de ocorrência da espécie,
distribuídos em oito cursos d'água. O monitoramento da espécie ao longo dos anos permitiu o registro
de uma população de ariranhas composta por aproximadamente 75 indivíduos, distribuídos em 12
grupos familiares. Na extensão amostrada foram registrados indícios da presença da espécie com
maior frequência em barrancos com altura de até 113 cm, no caso de locas e locais de descanso,
enquanto que os acampamentos estiveram a uma altura de até 227 cm. Os sítios com inclinação entre
22o e 43o apresentaram as maiores frequências destes indícios. Também foi observado o mesmo padrão
de distribuição quanto à transparência e profundidade dos cursos d'água frente aos sítios utilizados por
ariranhas, registrados em trechos de igarapés com aproximadamente um metro de transparência e até
cerca de três metros de profundidade. Informações sobre interferências antrópicas à população de
ariranhas foram compiladas a partir de 83 relatos de moradores locais, que de algum modo interagiram
com a espécie, e do registro de ações humanas observadas durante as saídas a campo. Esta compilação
permitiu a identificação ameaças decorrentes (1) da percepção dos moradores locais em relação à
espécie, (2) da interação entre ariranhas e a pesca de subsistência, (3) da conversão de ambientes
naturais para a implantação de áreas de cultivo agrícola anual, (4) da remoção de filhotes para
manutenção em cativeiro e (5) do risco de contaminação por zoonoses por animais domésticos. Os
resultados obtidos durante os quatro anos de esforço direcionado à documentação da presença de
ariranhas nos cursos d'água situados no entorno do lago Amanã permitem concluir que a espécie tem
encontrado condições favoráveis para sua manutenção na região. Esta afirmação deve-se à distribuição
identificada, ao aumento das proporções das áreas utilizadas, a um número significativo de grupos
familiares e aparente constância entre anos amostrados. Caso estas condições sejam mantidas, e
havendo um aumento da população de ariranhas, pode-se esperar um incremento das interferências
negativas, com um possível prejuízo para a espécie. A identificação destas ameaças é fundamental
para implementação de ações visando à conscientização da população local acerca da importância da
espécie, além de medidas controladoras de pressões antrópicas.
Palavras-chave: Pteronura brasiliensis, distribuição, ameaças, RDS Amanã, Amazônia.
x
ABSTRACT
The objective of the present study was to broaden our knowledge on the ecology and
threats to the giant otter in the Brazilian Amazon. In order to achieve this I evaluated its
distribution and space use in rivers and identified human interferences during a four-year
period in the Amanã lake region, Amanã Sustainable Development Reserve, Amazonas. I conducted
40 fieldtrips between October 2004 and September 2008, evaluating the species distribution,
population size, characteristics of sites used by the species and identifying negative human interactions
with the species. I sampled a total of 18,181 km during 465 days, looking for evidences of the
presence of the species in 13 channels in the Amanã lake region. I recorded 711 sites of occurrence,
distributed among eight water bodies. The monitoring exercise recorded a population size of
approximately 75 individuals, organized into 12 family groups. Evidence of the presence of the
species was more frequent up to 113 cm of height from the river, for resting sites and dens, while for
campsites the height was up to 227 cm. Sites with a slope between 22o and 43o had more evidences of
the presence of the giant otter. I also observed the giant otter's distribution pattern in relation to water
transparency and depth, with records being more frequent in channels with up to three meters of depth
and transparency of one meter. I compiled data on human interference from 83 interviews with local
inhabitants and from records made during fieldwork. This resulted in the identification of five major
threats to the giant otter in the study area: (1) a negative perception of local residents in relation to the
species, (2) the interaction between the giant otter and subsistence fishing, (3) the conversion of
natural habitat into agricultural areas, (4) the removal of young otters to be used as pets by locals, and
(5) the risk of diseases due to the contact with domestic species. The results from this four-year
sampling effort directed to the study of the giant otter at the Amanã lake region, allows the conclusion
that the giant otter population in the study area meets favorable conditions to its persistence. This is
due to the increase in the local distribution of the species, the number of family groups observed and
the equilibrium among sampled years. If the current conditions persist, and the population increases,
there may be an increase in the number of negative encounters between local residents and giant otters,
what may be detrimental to the giant otter population in the long run. The identification of such
potential threats is of utmost importance to the implementation of conservation actions targeting
environmental education of the local human population, highlighting the important ecological role of
the giant otter in the region, and to monitor and control present and future threats to the species
persistence.
Keywords: Pteronura brasiliensis, distribution, threats, RDS Amanã, Amazon.
xi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Grupo familiar de ariranhas expressando comportamento de marcação territorial às
margens de um curso d'água......................................................................................................4
Figura 2 – Unidades de conservação e terras indígenas que compõem o Corredor Ecológico da
Amazônia Central, destacando-se a localização da RDS Amanã por meio de seta. ...............12
Figura 3 – Imagem de satélite da RDS Amanã, destacando os limites geográficos................13
Figura 4 – Distribuição das organizações comunitárias na RDS Amanã e no entorno,
destacando-se as áreas destinadas ao uso por moradores a estas associadas...........................15
Figura 5 – Registros da ocorrência de ariranhas nos igarapés à montante do lago Amanã,
obtidos por Carvalho Junior et al. (2004) durante o inventário distribucional realizado em
2003. ........................................................................................................................................17
Figura 6 – Cursos d'água situados no entorno do lago Amanã que integraram a área de estudo.
.................................................................................................................................................20
Figura 7 – Núcleos de ocupação humana situados à montante do lago Amanã que
compreenderam o universo amostral.......................................................................................21
Figura 8 – Cursos d'água situados no entorno do lago Amanã amostrados durante o inventário
distribucional de ariranhas realizado em outubro de 2007. .....................................................23
Figura 9 – Grades de 1 km2 sobrepostas aos cursos d'água que compõem o lago Amanã......29
Figura 10 – Sítios explorados por ariranhas no entorno do lago Amanã desde outubro de 2004
a setembro de 2008. .................................................................................................................32
Figura 11 – Grades de 1 km2 sobrepostas aos cursos d'água que compõem o lago Amanã,
destacando-se a presença e ausência de ariranhas nas extensões amostradas a cada ano. ......36
Figura 12 – Distribuição dos grupos de ariranhas identificados nos cursos d'água do lago
Amanã entre outubro de 2004 e setembro de 2008. ................................................................39
Figura 13 – Distribuição das locas por classes de altura do barranco nos sítios onde foram
construídas................................................................................................................................40
Figura 14 – Distribuição das locas por classes de inclinação do barranco nos sítios onde foram
construídas................................................................................................................................40
Figura 15 – Distribuição das locas por classes de profundidade do curso d'água frente aos
sítios onde foram construídas....................................................................................................41
Figura 16 – Distribuição das locas por classes de transparência da água frente aos sítios onde
foram encontradas.....................................................................................................................41
xii
Figura 17 – Distribuição dos acampamentos por classes de altura do barranco nos sítios onde
foram construídos......................................................................................................................41
Figura 18 – Distribuição dos acampamentos por classes de inclinação do barranco nos sítios
onde foram construídos.............................................................................................................41
Figura 19 – Distribuição dos acampamentos por classes de transparência da água frente aos
sítios onde foram construídos...................................................................................................42
Figura 20 – Distribuição dos acampamentos por classes de profundidade do curso d'água
frente aos sítios onde foram construídos...................................................................................42
Figura 21 – Distribuição dos locais de descanso por classes de altura do barranco nos sítios
onde foram construídos.............................................................................................................42
Figura 22 – Distribuição dos locais de descanso por classes de inclinação do barranco nos
sítios onde foram construídos...................................................................................................42
Figura 23 – Distribuição dos locais de descanso por classes de transparência da água frente
aos sítios onde foram construídos.............................................................................................43
Figura 24 – Distribuição dos locais de descanso por classes de profundidade do curso d'água
frente aos sítios onde foram construídos...................................................................................43
Figura 25 – Grades de 1 km2 sobrepostas aos cursos d'água à montante do lago Amanã,
destacando-se as áreas onde foram registradas interferências antrópicas às ariranhas, entre
outubro
de
2004
e
setembro
de
2008
e
os
núcleos
de
ocupação
humana......................................................................................................................................47
Figura 26 – Grades de 1 km2 sobrepostas ao sistema Amanã, destacando-se a presença e
ausência de ariranhas, bem como os locais de interferência antrópica registrados a cada
ano.............................................................................................................................................48
xiii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Extensão percorrida durante o inventário distribucional de ariranhas realizado nos
cursos d'água do entorno do lago Amanã em 2003 e no presente estudo................................24
Tabela 2 – Esforço amostral dispensado na documentação da ocorrência de ariranhas no
entorno do lago Amanã e índices de presença da espécie obtidos entre outubro de 2004 e
setembro de 2008.....................................................................................................................33
Tabela 3 – Igarapés situados no entorno do lago Amanã cuja presença ou ausência de
ariranhas foi confirmada durante o inventário distribucional realizado em outubro de 2007. 34
Tabela 4 – Índices de presença de ariranhas (registro/km) obtidos nos igarapés no entorno do
lago Amanã ao longo dos quatro anos de amostragem. ..........................................................34
Tabela 5 – Proporção de áreas com registro positivo da presença da espécie em cada um dos
igarapés amostrados entre outubro de 2004 e setembro de 2008. ...........................................35
Tabela 6 – Extensão explorada por ariranhas, em km2, entre outubro de 2004 e setembro de
2008 nos cursos d'água do entorno do lago Amanã. ...............................................................37
Tabela 7 – Esforço amostral dispensado na documentação de ariranhas no entorno do lago
Amanã e índices de avistagem de indivíduos da espécie obtidos nos meses entre vazante e
enchente a cada ano amostral. .................................................................................................38
Tabela 8 – Índices de avistagem da espécie (indivíduos/km) obtidos em cada um dos igarapés
ao longo dos quatro anos de amostragem................................................................................38
xiv
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................1
1.1 Revisão da literatura ............................................................................................................3
1.1.1 Aspectos biológicos da ariranha ...............................................................................3
1.1.2 Distribuição e estado populacional da espécie .........................................................5
1.1.3 Características de evidências e ambientes explorados por ariranhas .......................6
1.1.4 Interferências antrópicas...........................................................................................8
1.1.5 Relevância das unidades de conservação para a manutenção da espécie...............10
1.1.6 A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã .............................................11
1.1.7 Conhecimento acerca da ariranha na RDS Amanã.................................................15
2 MATERIAL E MÉTODOS..................................................................................................19
2.1 Área de estudo ...................................................................................................................19
2.2 Procedimento amostral ......................................................................................................22
2.2.1 Distribuição da espécie...........................................................................................22
2.2.2 Tamanho populacional ...........................................................................................25
2.2.3 Características de evidências e ambientes explorados por ariranhas .....................26
2.2.4 Identificação e caracterização das interferências antrópicas ..................................27
2.3 Análise de dados................................................................................................................28
2.3.1 Distribuição da espécie...........................................................................................28
2.3.2 Tamanho populacional ...........................................................................................30
2.3.3 Características de evidências e ambientes explorados por ariranhas .....................30
2.3.4 Identificação e caracterização das interferências antrópicas ..................................30
3 RESULTADOS ....................................................................................................................32
3.1 Distribuição da espécie......................................................................................................32
3.2 Tamanho populacional ......................................................................................................37
3.3 Características de evidências e ambientes explorados por ariranhas ................................40
3.4 Identificação e caracterização das interferências antrópicas .............................................43
4 DISCUSSÃO ........................................................................................................................49
4.1 Distribuição da espécie......................................................................................................49
4.2 Tamanho populacional ......................................................................................................50
4.3 Características de evidências e ambientes explorados por ariranhas ................................52
4.4 Identificação e caracterização das interferências antrópicas .............................................54
xv
5 CONCLUSÃO......................................................................................................................57
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................58
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................59
1
1 INTRODUÇÃO
Os mamíferos dependentes ou adaptados aos ecossistemas aquáticos constituem um
grupo altamente diversificado e com um representativo percentual de espécies ameaçadas
(VERON et al., 2008), classificadas pela União Internacional para a Conservação da Natureza
e dos Recursos Naturais (International Union for Conservation of Nature and Natural
Resources – IUCN) em diferentes estados de conservação (IUCN, 2008). A suscetibilidade às
ameaças está associada aos padrões de distribuição destas espécies, ao nicho ecológico
relativamente restrito e por dependerem de recursos naturais intensamente explorados por
populações humanas (REEVES et al., 2002).
Pteronura brasiliensis Gmelin, 1788, conhecida popularmente por ariranha, ou onça
d'água, em certas localidades na Amazônia brasileira, é um mamífero semi-aquático altamente
sensível às alterações provocadas pelo homem nos ecossistemas fluviais onde coexistem
(ISOLA, 1999; ISOLA, 2000; ISOLA e BENAVIDES, 2001). Como uma espécie
primariamente terrestre, adaptada à captura de alimento em ambiente aquático, a ariranha é
suscetível às transformações e perturbações que ocorrem nos dois ecossistemas em que está
inserida (ISOLA e BENAVIDES, 2001). Por explorar uma faixa restrita junto às margens de
corpos d'água, em geral de acessibilidade facilitada ao homem, é vulnerável à caça intencional
e mortalidade ocasional (FOSTER TURLEY et al., 1990); e por ocupar o mais alto nível
trófico é uma das primeiras espécies a desaparecer quando o ambiente explorado é alterado ou
contaminado (FOSTER TURLEY et al., 1990; PARERA, 1996).
A sociabilidade, o padrão comportamental investigativo e frequentes vocalizações são
características típicas da ariranha em seu ambiente natural (FOSTER TURLEY et al., 1990;
PARERA, 1996; DEHNERT, 2003), que aumentam a possibilidade de ser detectada pelo
homem e, consequentemente, a sua suscetibilidade à caça (MASON e MACDONALD, 1986;
FOSTER TURLEY et al., 1990). A associação da vulnerabilidade aos distúrbios antrópicos no
meio ambiente com a intensa pressão de caça ocorrida no século passado conduziram a
espécie ao preocupante estado de conservação atual (CARTER e ROSAS, 1997; DUPLAIX et
al., 2008). A ariranha está classificada pela IUCN como espécie em Perigo (A3cd)
(DUPLAIX et al., 2008), sendo considerada o membro da subfamília Lutrinae em maior risco
de ser extinto em nível global. Além disto, está incluída desde 1973 no apêndice I (Species
Threatened with Extinction) da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da
Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (Convention on International Trade in
2
Endangered Species of Wild Fauna and Flora – CITES), a categoria de proteção mais
restritiva contra a comercialização tanto de espécimes vivos quanto dos produtos provenientes
de seu abate (CITES, 2008). A ariranha consta ainda do Livro Vermelho da Fauna Brasileira
Ameaçada de Extinção (MACHADO et al., 2008) e do Plano de Ação para os mamíferos
aquáticos do Brasil, como espécie em risco muito alto de ser extinta na natureza em futuro
próximo (IBAMA, 2001).
A atribuição deste estado de conservação se deve aos baixos níveis populacionais em
que a espécie se encontra, às restritas áreas de ocorrência atual e aos índices de extinção local
registrados ao longo de sua área de distribuição histórica (DUPLAIX et al., 2008). Ações de
conservação visando a manutenção e a viabilidade das populações de ariranhas vêm sendo
priorizadas e adotadas tanto no Brasil quanto nos demais países onde a espécie ocorre
(FOSTER TURLEY et al., 1990; DUPLAIX et al., 2008). Dentre as recomendações para
implementação imediata estão a proteção de áreas com hábitats adequados a manter
populações viáveis, o monitoramento das principais populações conhecidas, a identificação
das alterações que influenciam seus hábitats e o desenvolvimento de estudos acerca das
ameaças potenciais à espécie (IBAMA, 2001; VARGAS, 2007; MACHADO et al., 2008).
A ariranha é uma espécie de grande relevância para os ecossistemas aquáticos,
reconhecida como indicadora da qualidade do ambiente (ISOLA, 2000; BARNETT et al.,
2000; ISOLA e BENAVIDES, 2001). É também considerada uma espécie-chave, pois seu
desaparecimento reflete nos diferentes níveis tróficos, com consequências interligadas desde o
topo até a base da cadeia alimentar à qual pertence (DOUROJEANNI e JORGE PÁDUA,
2001). Como a ariranha ocupa o mais alto nível trófico, atua como reguladora do tamanho
populacional de suas presas, contribuindo assim para a manutenção do equilíbrio dos
ecossistemas (EISENBERG e REDFORD, 1999; REIS et al., 2006). Em decorrência destas
características, a aplicação de esforços para a conservação de P. brasiliensis resultaria em
benefícios às espécies situadas nos níveis tróficos inferiores (ISOLA e BENAVIDES, 2001),
bem como aos ecossistemas explorados por ariranhas.
Embora o conhecimento acerca do tamanho populacional de uma espécie e os limites
de sua distribuição geográfica sejam informações primordiais para o estabelecimento de
estratégias de conservação (PRIMACK e RODRIGUES, 2001; HIRSCH et al., 2002;
DAVIES, 2004), estas questões ainda são pouco conhecidas para a ariranha na Amazônia
brasileira. O bioma é apontado como uma das áreas prioritárias em território nacional para o
estabelecimento de pesquisas com enfoque nesta espécie (IBAMA, 2001; VARGAS, 2007),
porém, as informações existentes são insuficientes para avaliar o atual estado de conservação
3
(FOSTER TURLEY et al., 1990). Isto se deve à dimensão territorial da Amazônia e à
dificuldade de acesso aos diferentes ambientes neste bioma, o que inclui aqueles explorados
por ariranhas.
Com base nas recomendações prioritárias visando à conservação da espécie, no
importante papel ecológico que esta possui e nos benefícios obtidos com sua proteção, o
estudo aqui apresentado, realizado entre outubro de 2004 e setembro de 2008, versa sobre
uma população de ariranhas residente no entorno do lago Amanã, Reserva de
Desenvolvimento Sustentável (RDS) Amanã, Amazônia central. O objetivo geral deste
trabalho foi ampliar o conhecimento sobre aspectos ecológicos e ameaças à ariranha na
Amazônia brasileira, por meio da avaliação de sua distribuição local, da utilização dos cursos
d'água e da identificação de interferências antrópicas à espécie na região do lago Amanã em
uma série temporal de quatro anos.
Estas informações poderão ser utilizadas como subsídios para a conservação de
ariranhas, tanto em âmbito local quanto regional, já que as ações necessárias para atingir este
objetivo devem estar embasadas no conhecimento da relação mantida entre a espécie e seu
hábitat, do estado populacional em se encontra e das respostas às interferências provocadas
pelo homem (PRIMACK, 1998; HIRSCH et al., 2002; RECHARTE e BODMER, 2006). Os
resultados obtidos podem ainda contribuir para o plano de manejo da RDS Amanã, além de
atender às propostas prioritárias sugeridas pelo Plano de Ação para os mamíferos aquáticos do
Brasil (IBAMA, 2001), no que se refere às populações de P. brasiliensis em unidades de
conservação (UC), como espécie indicadora da eficácia das medidas de conservação.
1.1 Revisão da literatura
1.1.1 Aspectos biológicos da ariranha
A ariranha é um dos maiores carnívoros de água doce da América do Sul e o maior
membro da subfamília Lutrinae (Carnivora: Mustelidae) (Figura 1) (DUPLAIX, 1980;
CARTER e ROSAS, 1997). Um animal adulto atinge cerca de 1,8 m de comprimento total e
30 kg, com ligeira variação destas medidas de acordo com o sexo (DUPLAIX, 1980). Possui
corpo alongado, olhos pequenos e orelhas arredondadas (STAIB e SCHENCK, 1994;
EMMONS, 1999). Sua cauda é longa, mais larga na base e achatada dorsoventralmente
(CARTER e ROSAS, 1997). As patas são relativamente pequenas, com membranas
4
interdigitais que, juntamente com a cauda, aumentam a velocidade dos animais enquanto se
deslocam na água. A coloração da pelagem é marrom avermelhada e as ariranhas podem ser
reconhecidas individualmente por meio de manchas gulares, um padrão de coloração brancoamarelada geralmente presente na região do pescoço (DUPLAIX, 1980; SCHENCK, 1999;
STAIB, 2005).
Crédito: M. Marmontel
Figura 1 – Grupo familiar de ariranhas expressando comportamento de marcação territorial às
margens de um curso d'água.
Ariranhas são animais que apresentam um padrão comportamental complexo. Vivem
em grupos familiares coesos, formados por um casal reprodutor e filhotes de várias estações
reprodutivas, tipicamente compostos por 3 a 12 indivíduos (DUPLAIX, 1980; SCHWEIZER,
1992; CARTER e ROSAS, 1997; STAIB, 2005). Os membros do grupo executam, de forma
conjunta, atividades de deslocamento, forrageio, descanso, patrulha e marcação de território
(DUPLAIX, 1980; SCHWEIZER, 1992; CARTER e ROSAS, 1997).
Possuem um repertório vocal elaborado, que consiste em nove tipos de sons distintos,
emitidos durante encontros agonísticos e contato social (DUPLAIX, 1980). Apresentam
comportamento investigativo e adotam postura de alarme durante encontros com membros de
outros grupos familiares, diante de predadores e, quando não estão habituados, frente à
presença humana (DUPLAIX, 1980; PARERA, 1996).
5
São animais de hábito alimentar piscívoro, especializados em capturar peixes em
águas rasas (DUPLAIX, 1980; LAIDLER, 1984; SCHWEIZER, 1992; ROSAS et al., 1999).
Além disto, podem eventualmente complementar sua dieta alimentando-se de crustáceos,
moluscos, anfíbios, répteis, aves e mamíferos (LAIDLER, 1984; CARTER e ROSAS, 1997).
1.1.2 Distribuição e estado populacional da espécie
A ariranha é endêmica da América do Sul, restrita aos ecossistemas aquáticos de
florestas tropicais e planícies inundáveis de até 300 m de altitude (CARTER e ROSAS, 1997;
SCHENCK, 1999). Historicamente sua distribuição abrangia grandes extensões do continente,
desde a Guiana até a Venezuela e Colômbia, norte da Argentina e porção leste dos Andes
(CARTER e ROSAS, 1997). Atualmente, populações viáveis de ariranhas são encontradas na
Guiana Francesa, Suriname e Guiana, e não há registros recentes de sua ocorrência na
Argentina e Uruguai (DUPLAIX et al., 2008). Na Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador,
Paraguai, Peru e Venezuela a distribuição da espécie encontra-se descontínua e com
populações reduzidas (CARTER e ROSAS, 1997; DUPLAIX et al., 2008). No Brasil,
ariranhas são encontradas na bacia dos rios Amazonas e Paraguai, com poucas possibilidades
de intercâmbio gênico (CARTER e ROSAS, 1997; EISENBERG e REDFORD, 1999).
Entretanto, não se pode afirmar a inviabilidade destas populações nas duas regiões em função
da dimensão geográfica e das lacunas de amostragens, principalmente na Amazônia.
Aparentemente a espécie encontra-se extinta nas demais áreas de ocorrência original no
Brasil, como nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul
(IBAMA, 2001).
Brecht Munn e Munn (1988) estimaram o tamanho populacional de P. brasiliensis
entre 1.000 e 3.000 indivíduos distribuídos em toda a América do Sul. Mais recentemente
Duplaix et al. (2008) sugeriram que a composição da população de ariranhas fosse de
aproximadamente 1.000 a 5.000 indivíduos. Estas estimativas podem não representar a
realidade atual, o que torna prioritária a intensificação de amostragens ao longo de toda a área
de distribuição original da espécie (DUPLAIX et al., 2008). Alguns autores têm apontado
para um sutil incremento da população de ariranhas e uma aparente reocupação de áreas de
ocorrência histórica (FOSTER TURLEY et al., 1990; SCHWEIZER, 1992; ISOLA, 1999;
GROENENDIJK et al., 2001; VAN DAMME e WALLACE, 2005; CALVIMONTES, 2006;
RECHARTE e BODMER, 2006; MACHADO et al., 2008). Recharte e Bodmer (2006)
6
realizaram uma avaliação no rio Yavarí Miri, na Amazônia peruana e, por meio da observação
de uma crescente taxa de incremento populacional entre 1993 e 2004, constataram que a
espécie tem apresentado uma tendência à recuperação.
Schweizer (1992) sugeriu um crescimento populacional e a expansão da área de
ocorrência da espécie no curso médio do rio Negro, no Pantanal sul-mato-grossense
brasileiro, a partir de meados da década de 1970. Tomás et al. (2000) realizaram um
inventário nos rios Aquidauana e Miranda, também no Mato Grosso do Sul, e registraram um
grupo familiar a cada 10,8 km de rio. Como forma de identificar a recuperação da população
de ariranhas no bioma Pantanal, M. Marmontel (comunicação pessoal) realizou um inventário
distribucional em 2003 nos principais rios da região, identificando a presença de ariranhas em
praticamente todos os corpos d'água amostrados.
Em contrapartida, os estudos com ariranhas na Amazônia brasileira são incipientes e
pontuais, sem uma avaliação de seu estado de conservação para toda a região (FOSTER
TURLEY et al., 1990). Estudos de médio e longo prazo direcionados à espécie nesta porção
da Amazônia têm sido realizados na região do rio Xixuaú, no estado de Roraima
(EVANGELISTA, 2004); em áreas de influência da Usina Hidrelétrica (UHE) de Balbina
(DE MATTOS et al., 2002; ROSAS e DE MATTOS, 2003a; ROSAS e DE MATTOS, 2003b;
ROSAS et al., 2004; DE MATTOS et al., 2004; ROSAS et al., 2005; ROSAS et al., 2006;
ROSAS et al., 2007), no Parque Nacional (PARNA) do Jaú (SILVA e ROSAS, 2008) e na
Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Amanã (CARVALHO JUNIOR et al., 2004;
MARMONTEL e CALVIMONTES, 2004), localizados no estado do Amazonas.
As demais informações atuais que permitem confirmar as áreas de ocorrência da
espécie restringem-se a diagnósticos realizados em determinadas localidades, como nas
Reservas Biológicas Jaru e Guaporé, localizadas no estado de Rondônia (DAMASCENO,
2007); no baixo rio Purus (Amazonas) (ROSAS et al., 2003), em cursos d'água no estado do
Amapá (LIMA et al., 2008) e no Parque Estadual do Cantão, na região de borda entre o
Cerrado e Amazônia (SILVEIRA e ALMEIDA, 2007).
1.1.3 Características de evidências e ambientes explorados por ariranhas
A ariranha é uma espécie que explora rios, igarapés, lagos e lagunas de águas pretas e
claras (DUPLAIX, 1980; CARTER e ROSAS, 1997), porém possui alguns requisitos
mínimos para ocupar estes ambientes. De acordo com Duplaix (1980), a disponibilidade de
7
alimento e ambientes adequados para a construção de refúgios, com cobertura vegetal densa e
declive suave, são fatores que possuem grande relevância. Rosas et al. (1999) afirmaram que
a profundidade e a transparência do curso d'água nos limites da área de vida, bem como a
morfologia e a disposição das margens também podem explicar a seleção do hábitat.
De forma geral, as áreas ocupadas por ariranhas estão vulneráveis a um pulso de
inundação, o que influencia diretamente na utilização do recurso a ser explorado. Nos
períodos de menor precipitação, os animais ocupam os corpos d'água principais, onde há
maior disponibilidade de espaço e de alimento. Em contrapartida, deixam as áreas alagadas
durante a enchente em busca de ambientes propícios para se refugiarem (DUPLAIX, 1980;
PARERA, 1996). Como possuem o hábito alimentar essencialmente piscívoro, deslocam-se
de acordo com os movimentos sazonais das espécies de peixes que consomem (DUPLAIX,
1980).
A ariranha é uma espécie territorialista. Aparentemente, distintos grupos evitam
encontros agonísticos por meio de marcação territorial (DUPLAIX, 1980; SCHWEIZER,
1992; CARTER e ROSAS, 1997; MOURÃO e RIBAS, 2004; RIBAS, 2004). Ao longo da
área de vida de um grupo são encontrados refúgios construídos às margens de cursos d'água
(EMMONS, 1999; BORGES e TOMÁS, 2004), que são utilizados regularmente para abrigo,
repouso e criação de filhotes (DUPLAIX, 1980; LAIDLER, 1984; CARTER e ROSAS, 1997;
EISENBERG e REDFORD, 1999; GROENENDIJK et al., 2005). Além disto, os animais
mantêm pontos de paragem (acampamentos) onde realizam atividades de marcação física e
odorífera, descanso, banho de sol e contato social (DUPLAIX, 1980; GROENENDIJK et al.,
2005).
Os acampamentos são áreas que inicialmente possuem 2 a 3 m de diâmetro, tornandose maiores à medida que são reutilizadas pelos animais, chegando a alcançar uma média de 9
m de comprimento e 4 m de largura (DUPLAIX, 1980; SCHWEIZER, 1992; CARTER e
ROSAS, 1997). Situam-se próximos das margens dos cursos d'água, em um ponto
proeminente para propiciar uma melhor visibilidade ao grupo familiar (CARTER e ROSAS,
1997).
As locas são refúgios construídos às margens dos cursos d'água, com a entrada exposta
ou coberta por raízes e galhos da vegetação associada (BORGES e TOMÁS, 2004).
Damasceno (2004) realizou um estudo de caracterização de refúgios utilizados por ariranhas
no Pantanal brasileiro e identificou que as entradas das locas foram construídas a um ângulo
de inclinação médio de 30º no barranco e apresentaram preferencialmente cobertura vegetal à
sua entrada.
8
De acordo com Duplaix (1980) e Borges e Tomás (2004), geralmente as locas são
maiores em largura que em altura, sendo construídas a uma distância de um metro ou mais da
margem da água. Rosas et al. (2007) observaram que as entradas das locas possuem largura
média de 28 cm e altura média de 56 cm, em formatos variados. De Mattos et al. (2004)
mensuraram 30 locas em utilização por grupos de ariranhas e obtiveram uma altura mínima de
16 cm e máxima de 58 cm e um comprimento na base mínimo de 32 cm e máximo de 99 cm.
Duplaix (1980) e Schweizer (1992) atribuíram essa grande variação entre os tamanhos das
entradas das locas ao período de utilização pelos animais.
1.1.4 Interferências antrópicas
A caça foi a principal interferência antrópica à espécie no século passado (CARTER e
ROSAS, 1997). As ariranhas eram abatidas para a remoção da pele (BEST, 1984; CARTER e
ROSAS, 1997; UTRERAS e JORGENSON, 2003; GÓMEZ, 2004) ou capturadas vivas para
a comercialização, fosse para exibição em zoológicos (SCHWEIZER, 1992) ou manutenção
como animais de estimação (CARTER e ROSAS, 1997; JAVIER DÍAZ e SÁNCHEZ, 2002;
GÓMEZ, 2004). Porém, a principal finalidade da caça de ariranhas foi a exportação de peles
para os Estados Unidos da América e países da Europa. A pele possuía alto valor no mercado
internacional, em função de sua maciez e de seu aspecto aveludado (SMITH, 1980; CARTER
e ROSAS, 1997). Estas características tornavam a pele uma das matérias-primas mais
valorizadas em indústrias internacionais de vestuário (FITZGERALD, 1989; UTRERAS e
JORGENSON, 2003).
De acordo com as estatísticas oficiais de exportação do Brasil, 40.663 peles de
ariranhas foram comercializadas entre 1960 e 1967 (AYRES e BEST, 1979; BEST, 1984).
Apenas o estado do Amazonas produziu 7.510 unidades entre 1950 e 1965 (CARVALHO,
1967). Estes números indicam a pressão de caça à qual a ariranha esteve sujeita, mas apesar
de constarem em documentos oficiais, os valores de exportação podem ter sido subestimados.
Isto se deve ao fato de que as informações quantitativas sobre a comercialização de animais
silvestres provenientes da Amazônia são geralmente imprecisas, conflitantes e difíceis de
serem obtidas (SMITH, 1980). Mesmo com a proibição da caça a partir da implementação da
lei de proteção à fauna brasileira em 1967, há registros desta atividade em pequena escala em
áreas distantes dos grandes centros (CARTER e ROSAS, 1997; MARMONTEL e
CALVIMONTES, 2004), onde o controle é pouco efetivo.
9
Atualmente, a alteração de hábitats decorrente da ocupação humana e a exploração dos
recursos naturais em florestas tropicais constituem duas das mais sérias ameaças à ariranha
(CARTER e ROSAS, 1997; SCHENCK, 1999; ISOLA, 2000; 2004; DUPLAIX et al., 2008).
O constante incremento demográfico é capaz de originar uma elevada proporção de
assentamentos humanos ao longo dos cursos d'água, aumentando o trânsito de embarcações, a
poluição e a contaminação dos recursos hídricos (CARTER e ROSAS, 1997).
São diversas as possibilidades de interações entre populações humanas e ariranhas,
muitas vezes consideradas conflituosas. Woodroffe et al. (2005) definiram conflito como
qualquer interação que resulte no impacto negativo às populações humanas ou em seus
recursos, bem como nas populações de animais silvestres ou nos ambientes onde ocorrem.
Geralmente sua incidência é causada pela competição por recursos alimentares ou de
importância econômica, que eventualmente resultam na morte dos animais considerados
competidores (FASCIONE et al., 2004; WOODROFFE et al., 2005; IUCN, 2008).
O hábito alimentar piscívoro associado à habilidade de captura de presas, fazem com
que ariranhas sejam percebidas por moradores locais como competidoras pelo recurso
alimentar (GROENENDIJK, 1998; GÓMEZ e JORGENSON, 1999; JAVIER DÍAZ e
SÁNCHEZ, 2002; DAVENPORT, 2003; GÓMEZ, 2004; RECHARTE e BODMER, 2006).
Pescadores de diversas regiões declararam que as ariranhas frequentemente espantam e
retiram peixes de seus artefatos de pesca, principalmente de redes de espera (GÓMEZ e
JORGENSON, 1999; ROOPSIND, 2002; ROSAS et al., 2003; GÓMEZ, 2004; VARGAS e
MARMONTEL, 2007). De acordo com Gómez e Jorgenson (1999) esta percepção tem
conduzido a inúmeros conflitos, sendo este o principal responsável pelos registros de caça de
ariranha nos dias atuais (TOMÁS et al. 2000; JAVIER DÍAZ e SÁNCHEZ, 2002;
MARMONTEL e CALVIMONTES, 2004; CARRERA et al., 2004; ZUCCO e TOMÁS,
2004).
A atividade turística realizada de forma desordenada pode gerar graves consequências
às ariranhas em função do estresse (STAIB e SCHENCK, 1994; SCHENCK, 1999). Um dos
efeitos primários provocados por distúrbios antrópicos em populações de ariranhas é a
interrupção da lactação (MASON e MACDONALD, 1986). Fêmeas sob estresse significativo
em função da presença humana podem cessar a produção de leite, resultando na inanição e
mortalidade de filhotes (STAIB e SCHENCK, 1994; DAUPHINE, 2001). Ademais, o turismo
desordenado pode influenciar o uso do espaço pela espécie (SCHENCK, 1999), a eficácia de
busca e captura do alimento (DEHNERT, 2003), alterações na atividade de procriação e
10
manutenção das crias e até mesmo abandono do ambiente ocupado (MASON e
MACDONALD, 1986; SCHENCK et al., 1999; GROENENDIJK et al., 2000; STAIB, 2005).
Além de todos estes fatores, as ariranhas ainda são especialmente ameaçadas por
drenagem de áreas alagadas para práticas de agricultura, exploração mineral e de combustível
fósseis e poluição das águas (FOSTER TURLEY et al., 1990). Estão sujeitas a zoonoses,
como cinomose e parvovirose, oriundas de espécies exóticas mantidas como animais de
estimação em comunidades ribeirinhas (SCHENCK, 1999; ISOLA, 2004).
1.1.5 Relevância das unidades de conservação para a manutenção da espécie
Dentre os objetivos das unidades de conservação encontram-se a manutenção da
diversidade biológica e a proteção das espécies ameaçadas de extinção, no âmbito regional e
nacional (BRASIL, 2000). As áreas protegidas tornam-se ainda mais eficazes quando
possuem grandes extensões geográficas (PERES, 2005) ou estão integradas na forma de
corredores de biodiversidade, como é o caso do Corredor Ecológico da Amazônia Central
(AYRES et al., 2005; SILVA, 2007). Deste modo proporcionam, dentre outros benefícios, a
ampliação do potencial de conservação de grandes predadores por meio do intercâmbio
gênico e da proteção de hábitats restritos, necessários para a manutenção destas espécies em
longo prazo (PERES, 2005).
Neste contexto, as áreas protegidas atuam como relevantes instrumentos para a
conservação das populações remanescentes de ariranhas, garantindo a proteção da espécie do
constante incremento de pressões antrópicas e favorecendo a recuperação populacional em
ambientes naturais. Peres (2005) afirmou que grandes extensões protegidas são fundamentais
para a manutenção de populações geneticamente viáveis de espécies guarda-chuva, como por
exemplo, a ariranha. Indivíduos desta espécie podem percorrer longas distâncias em busca de
ambientes para o estabelecimento de territórios. Staib (2005) registrou o deslocamento de uma
ariranha por aproximadamente 160 km de curso de rio, o que demonstra a importância da
proteção de largas extensões. A conectividade entre cursos d'água protegidos é primordial
para a conservação de ariranhas, pois permite o deslocamento de indivíduos à procura de
ambientes para ocupação, além de aumentar as possibilidades de intercâmbio gênico entre
diferentes populações.
O PARNA do Jaú e a RDS Amanã são unidades de conservação conectadas que
compõem parte do Corredor Ecológico da Amazônia Central, onde estudos direcionados às
11
populações de ariranhas vêm sendo desenvolvidos (CARVALHO JUNIOR et al., 2004;
MARMONTEL e CALVIMONTES, 2004; SILVA e ROSAS; 2008). Aparentemente a
população de ariranhas no PARNA do Jaú encontra-se em densidade satisfatória, pois
recentemente o plano de uso público desta unidade de conservação apontou a ariranha como
um dos atrativos turísticos da região. Isto reforçou a necessidade da realização de estudos
acerca desta população de ariranhas, objetivando avaliar os potenciais impactos à espécie caso
a atividade seja implementada (SILVA e ROSAS, 2008). Já na RDS Amanã, uma das áreas
protegidas adjacentes ao PARNA, a população de ariranhas encontra-se aparentemente em
processo de restabelecimento de antigas áreas de ocorrência histórica. Os relatos de
moradores locais sobre ariranhas após aproximadamente 30 anos de ausência foram subsídios
utilizados por Marmontel e Calvimontes (2004) para indicar uma possível recuperação da
população da espécie na área.
É provável que outras unidades de conservação na Amazônia brasileira também
abriguem populações de ariranhas em densidades viáveis para a manutenção da espécie ou em
processo de recuperação populacional. Isto reforça a necessidade de ampliar os estudos
direcionados à ariranha tanto em áreas de proteção integral quanto nas áreas de uso
sustentável, o que constitui uma das medidas prioritárias para a conservação da espécie em
território nacional (IBAMA, 2001).
1.1.6 A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã
A conservação da biodiversidade em áreas com presença humana é considerada um
grande desafio (VIEIRA et al., 2005). Somente a partir da implementação de unidades de
conservação de uso sustentável tornou-se viável a conservação da natureza e a utilização
sustentável de parcelas dos seus recursos naturais. Esta abordagem tem sido considerada
fundamental para a manutenção de áreas de relevante interesse conservacionista na Amazônia
brasileira.
A categoria Reserva de Desenvolvimento Sustentável encaixa-se nesta proposta de
conservação da diversidade biológica. De acordo com o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC), a RDS é uma área natural que abriga populações tradicionais cuja
existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais,
desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais. Além disto,
12
as reservas de desenvolvimento sustentável desempenham um papel fundamental na proteção
da natureza e na manutenção da diversidade biológica (BRASIL, 2000).
A RDS Amanã é uma unidade de conservação criada pelo governo do estado do
Amazonas, através do decreto n° 19.021 de 04 de agosto de 1998, com o intuito de promover,
entre outros fatores, o desenvolvimento sustentável das populações locais e garantir a
conservação dos recursos ambientais e socioculturais existentes na área (AMAZONAS,
2008). Compõe, juntamente com outras UCs e terras indígenas, o Corredor Ecológico da
Amazônia Central (Figura 2), um importante instrumento de proteção que abrange áreas
globalmente relevantes em importância biológica e de alta prioridade em escala regional
(AYRES et al., 2005).
Figura 2 – Unidades de conservação e terras indígenas que compõem o Corredor Ecológico da
Amazônia Central, destacando-se a localização da RDS Amanã por meio de seta.
Fonte: Conservação Internacional do Brasil, CI-Brasil.
A RDS Amanã constitui uma das maiores extensões de floresta tropical protegida da
América do Sul, com cerca de 2.350.000 hectares, localizados no interflúvio das bacias do rio
Negro e baixo rio Japurá (1º35'43" a 3º16'13" Sul e 62º44'10" a 65º23'36" Oeste) (Figura 3)
(AMAZONAS, 1998). A área protegida pode ser considerada como uma pequena
representação do bioma amazônico, em decorrência de sua localização interfluvial, que
13
proporciona distintas propriedades físicoquímicas, e por abranger terrenos de origem terciária
e quaternária, abrigando diversos ecossistemas. Na RDS Amanã são encontradas florestas
inundáveis de várzea (6%) e igapó (9%), florestas de terra firme (84%) e campinaranas (1%)
praticamente inalteradas (AMAZONAS, 1998; AYRES et al., 2005).
270000
370000
470000
P
r io
i
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rio
270000
9700000
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9800000
9800000
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370000
470000
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã
Projeção Universal Transversa de Mercator - UTM
Fuso 20 - Hemisfério Sul
Mosaico de imagens LANDSAT5
Composição multiespectral 3R 4G 5B
Resolução espacial: 30 m
0
10 20
±
Amazônia
0
40
500
1000 1500 km
60 km
±
Fonte: ESRI, IBGE, CI-Brasil e IDSM
Organização: Lima, D. (2009)
Figura 3 – Imagem de satélite da RDS Amanã, com destaque nos limites geográficos.
A rede hidrográfica local é composta por corpos de água preta e branca (SIOLI, 1984),
destacando-se dentre estes o lago Amanã, um dos maiores da região amazônica, com cerca de
45 km de extensão e largura entre 2 e 3 km (AMAZONAS, 1998; AYRES et al., 2005). O
lago é abastecido por igarapés de água preta situados à sua montante e na porção central. À
jusante recebe influência de águas brancas provenientes de comunicações com o complexo
fluvial do rio Japurá, durante a inversão da corrente por ocasião da cheia.
14
A RDS Amanã destaca-se por possuir grandes extensões conservadas, baixa densidade
demográfica e alta riqueza de espécies animais e vegetais. Apenas 2,72% da área total são
destinados à utilização dos recursos naturais por moradores. Outras áreas são utilizadas para o
desenvolvimento de pesquisas científicas e conservação da biodiversidade (AYRES et al.,
2005).
O lago Amanã desempenhou um papel importante no processo de ocupação humana
da área que atualmente constitui a RDS Amanã, por ter sido utilizado como via de acesso a
outros cursos d'água que o comunicam com os rios Negro e Japurá (ALENCAR, 2006). Esta
autora identificou que o histórico de ocupação humana em Amanã remonta ao início do
século XX. O processo de ocupação foi realizado por migrantes oriundos dos rios Juruá, Jutaí
e Japurá, interessados apenas na exploração econômica dos recursos naturais disponíveis nas
áreas de terra firme à montante do lago Amanã.
A abundância de pescado e outros produtos extrativistas com relevante valor
comercial, como peles de animais, destacavam-se como atrativos desta região. Através dos
igarapés situados na cabeceira do lago era possível acessar as áreas de extrativismo de
produtos não-madeireiros e de caça (ALENCAR, 2006).
A colonização da região foi apoiada por comerciantes de municípios próximos, que
forneciam mercadorias aos extrativistas por meio do sistema de aviamento. Ao final da safra
os comerciantes percorriam as áreas de extração para recolher a produção, estabelecendo
deste modo uma relação de dependência econômica dos extratores, coletores, caçadores e
comerciantes de couros.
A produção desta região esteve baseada na extração vegetal e caça comercial,
especialmente para a venda de pele de animais como lontras (Lontra longicaudis e P.
brasiliensis) e onça (Panthera onca), até a década de 1970. A pesca era realizada apenas nos
momentos de entressafra e algumas famílias cultivavam roças de mandioca para o consumo e
eventual comercialização do excedente.
Ao longo dos anos o processo de ocupação sofreu variações, refletidas por mudanças
no sistema de produção econômica, intervenção dos atores sociais e fatores ambientais
(ALENCAR, 2006). A população atual da RDS Amanã é de 3.259 habitantes e usuários, com
514 domicílios, distribuídos em 69 localidades1 (Figura 4). Algumas famílias vivem em casas
que estão isoladas geograficamente das demais, mas fazem parte da organização comunitária
1
Banco de dados de assentamentos humanos, IDSM (2006).
15
mais próxima (ALENCAR, 2006). As atividades de subsistência realizadas por moradores
locais são a pesca, a caça, a agricultura e o extrativismo florestal (AMAZONAS, 1998).
370000
470000
9800000
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9800000
270000
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270000
!
370000
470000
Organização Comunitária
Área de Uso Comunitário
Hidrografia
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã
Projeção Universal Transversa de Mercator - UTM
Fuso 20 - Hemisfério Sul
0 10 20
±
40
Amazônia
0
60 km
500
1000 1500 km
±
Fonte: ESRI, IBGE, CI-Brasil e IDSM
Organização: Lima, D. (2009)
Figura 4 – Distribuição das organizações comunitárias na RDS Amanã e no entorno, destacando-se as
áreas destinadas ao uso por moradores a estas associadas.
1.1.7 Conhecimento acerca da ariranha na RDS Amanã
Pesquisas enfatizando a população de ariranhas na RDS Amanã foram iniciadas a
partir de relatos de moradores locais sobre a reocupação dos cursos d'água situados na
cabeceira do lago Amanã. Segundo os moradores mais antigos da região, a ariranha havia
16
desaparecido por aproximadamente 30 anos, em decorrência da pressão de caça que dizimou a
população.
O primeiro estudo direcionado à espécie no lago Amanã ocorreu em dezembro de
2002. Neste período foi realizada uma expedição com objetivo de reconhecimento da área,
contatar os moradores locais e executar um inventário preliminar da ocorrência da espécie no
igarapé Baré, um dos cursos d'água situados na cabeceira do lago. Durante a expedição não
foram registradas evidências que confirmassem a presença de ariranhas explorando este curso
d'água. Isto pode ter ocorrido em consequência do elevado nível d'água durante o período de
amostragem, o que influenciou a capacidade de detecção da espécie (MARMONTEL e
CALVIMONTES, 2004).
Em fevereiro de 2003, J. Calvimontes (comunicação pessoal) realizou uma nova
expedição à cabeceira do lago Amanã, com o objetivo de confirmar a utilização do igarapé
Urumutum por ariranhas, após relatos de pesquisadores que atuavam neste curso d'água e
moradores da região acerca de avistagens. Foram observados indícios da espécie, porém
nenhuma ariranha foi avistada. Estes resultados reforçaram a necessidade de implementar
uma pesquisa direcionada às ariranhas, abrangendo uma maior extensão de amostragem.
Atendendo a este propósito, Carvalho Junior et al. (2004) realizaram um inventário
distribucional nos 13 igarapés situados no entorno do lago Amanã, percorrendo cerca de 160
km. Durante oito dias de amostragem foram observados 80 indícios característicos da espécie
nos igarapés Baré, Urumutum, Juacaca e Juazinho e apenas uma ariranha (n = 1) foi
observada (CARVALHO JUNIOR et al., 2004) (Figura 5).
Marmontel e Calvimontes (2004) relataram que embora a população de ariranhas
nestes cursos d'água fosse aparentemente pequena, era suficiente para concluir que os cursos
d'água situados na cabeceira do lago Amanã estavam em processo de ocupação. Relatos de
moradores locais indicavam que o avanço populacional estava ocorrendo de forma rápida,
desde meados de 2000, e que os encontros com grupos de ariranhas se tornaram mais
frequentes próximo aos núcleos de ocupação humana.
Ao sugerir esta reocupação, Marmontel e Calvimontes (2004) observaram que
determinadas interferências antrópicas, como a caça, poderiam comprometer a recuperação da
população de ariranhas. Foi então proposto um monitoramento da espécie e um contato
constante com os moradores locais, com o intuito de minimizar a possibilidade de interações
negativas entre ariranhas e a população humana local.
17
RDS Amanã
Amazônia
0
500 1000 1500km
±
270000
0
±
300000
30
60
90 km
330000
360000
330000
360000
igarapé
Urumutum
!
!
!
!
igarapé
Baré
!
!
!
!
!!
! !
!
igarapé
Juacaca
!
!
!! !
9750000
9750000
!
!!
!
!
!!
!!
!!
!
!
!
!
!
!!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
9720000
!
lag
9720000
!
oA
nã
ma
!
!
!
270000
300000
0
!
Presença de Ariranha
!
Organização Comunitária
Hidrografia
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã
5
10
±
20
30 km
Projeção Universal Tranversa de Mercator - UTM
Fuso 20 - Hemisfério Sul
Fonte: ESRI, IBGE, CI-Brasil e IDSM
Organização: Lima, D. (2009)
Figura 5 – Registros da ocorrência de ariranhas nos igarapés à montante do lago Amanã, obtidos por
Carvalho Junior et al. (2004) durante o inventário distribucional realizado em 2003.
Dessa forma, um estudo de longo prazo foi estruturado para atender as propostas de
pesquisa prioritária, apontadas no edital FEPIM-IDSM 01/2004 (item 5 – Estudos
autoecológicos e sinecológicos de espécies ou grupos de espécies-chave). O Projeto foi
iniciado em 2004 (FEPIM 065 – "Onças-d'água do Amanã: ecologia populacional, percepções
de conflitos e recomendações de manejo para uma espécie ameaçada de extinção") com o
objetivo de oferecer subsídios ao plano de manejo da RDS Amanã no tocante às ariranhas, a
18
partir do estudo da ecologia da espécie na região do lago Amanã, incluindo aspectos
biológicos, distribucionais e sua interação com moradores locais.
Esta dissertação apresenta parte dos dados obtidos durante a execução deste Projeto,
envolvendo informações acerca da distribuição de ariranhas em cursos d'água do entorno do
lago Amanã, censos demográficos da espécie, caracterização de determinadas evidências e
sítios explorados e, a identificação de locais de interações negativas entre ariranhas e a
população humana local.
19
2 MATERIAL E MÉTODOS
2.1 Área de estudo
Este estudo foi conduzido na RDS Amanã, localizada na porção central do estado do
Amazonas, cujos limites abrangem parte dos municípios de Maraã, Coari, Codajás e Barcelos.
A área estudada correspondeu aos trechos de cursos d'água que integram a bacia do lago
Amanã: 120 km do igarapé Urumutum, 20 km do igarapé Juacaca, 15 km do igarapé
Juazinho, 30 km do igarapé Baré, localizados na cabeceira do lago; 15 km do igarapé Juá
Grande, 8 km do igarapé Ubim, 5 km do igarapé Açu e 3 km do igarapé Cacau, sendo estes
dois últimos situados próximos à jusante do lago Amanã (Figura 6).
Estes cursos d'água são abastecidos por água preta, excetuando o igarapé Juacaca, que
é formado por água branca. Os igarapés são margeados por floresta de terra firme, floresta de
várzea ou uma combinação de ambos ao longo de sua extensão.
Ocorre na região uma variação sazonal no nível da água que influencia os
ecossistemas aquáticos (JUNK et al., 1989). Este fenômeno é decorrente do degelo nos Andes
associado à estação das chuvas, que determina uma variação anual do nível médio da água de
10 m. O período de enchente e cheia acontece, geralmente, entre novembro e junho, enquanto
a vazante e seca ocorrem entre o final de junho e início de novembro. A temperatura anual
média é em torno de 29º C, com uma variação de 1,8º C (AYRES, 1993).
Uma parte do estudo foi conduzida exclusivamente em núcleos de ocupação humana
situados à montante do lago Amanã, por ter sido esta região identificada por Marmontel e
Calvimontes (2004) como locais de conflitos entre a população humana e ariranhas. Nesta
região estão situadas quatro localidades socialmente organizadas (comunidades) e sete
residências isoladas geograficamente de organizações comunitárias (moradores isolados)
(Figura 7).
20
RDS Amanã
Amazônia
0
500 1000 1500km
±
270000
0
±
300000
30
60
330000
90 km
360000
igarapé
Urumutum
9750000
9750000
igarapé
Baré
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Juacaca
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!
9720000
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Ubim
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!
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igarapé
Juá Grande
9720000
igarapé
Juazinho
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!
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igarapé
Açu
270000
!
300000
igarapé
Cacau
!
!
330000
360000
Organização Comunitária
Hidrografia
0
5
10
±
20
30 km
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã
Projeção Universal Tranversa de Mercator - UTM
Fuso 20 - Hemisfério Sul
Fonte: ESRI, IBGE, CI-Brasil e IDSM
Organização: Lima, D. (2009)
Figura 6 – Cursos d'água situados no entorno do lago Amanã que integraram a área de estudo.
21
RDS Amanã
Amazônia
0
500 1000 1500 km
±
0
±
30
60
90 km
igarapé
Baré
igarapé
Urumutum
igarapé
Juacaca
9750000
9750000
300000
#
#
#
#
Santa Luzia do Juazinho
#
!
#
!
Boa Esperança
Santa Luzia do Baré
!
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Bom Jesus do Baré
go
Am
#
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9720000
9720000
ã
300000
!
Organização Comunitária
#
Residência Isolada
Hidrografia
0
2,5
5
±
10
15 km
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã
Projeção Universal Tranversa de Mercator - UTM
Fuso 20 - Hemisfério Sul
Fonte: ESRI, IBGE, CI-Brasil e IDSM
Organização: Lima, D. (2009)
Figura 7 – Núcleos de ocupação humana situados à montante do lago Amanã que compreenderam o
universo amostral.
Parte das extensões dos igarapés Urumutum, Juacaca e Juazinho pertencem à área de
uso da comunidade Santa Luzia do Juazinho, porém são utilizados esporadicamente por
outros moradores da região, em especial os da comunidade Boa Esperança. A população
residente em Santa Luzia do Juazinho é de aproximadamente 43 moradores2, entre adultos e
crianças, distribuídos em oito domicílios. A agricultura, a pesca, a caça e outras formas de
2
Banco de dados de assentamentos humanos, IDSM (2006).
22
extrativismo atendem às necessidades de subsistência local, sendo estas atividades
desenvolvidas em trechos dos igarapés localizados dentro dos limites da área de uso da
comunidade. Os moradores locais ainda utilizam o igarapé Urumutum para a extração de
castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa) e cultivo de banana (Musa sp.) e mandioca (Manihot
esculenta) para produção de farinha, sendo os produtos destas práticas utilizados para o
consumo local e a comercialização.
O igarapé Baré está incluído nos limites da área de uso da comunidade Bom Jesus do
Baré, entretanto, também é utilizado por moradores da comunidade Santa Luzia do Baré. A
população das duas comunidades totaliza 119 habitantes, residentes em 21 domicílios3. Os
moradores locais utilizam este curso d'água para desenvolver atividades de extrativismo e
cultivo de mandioca para a produção de farinha.
O igarapé Juá Grande é um dos cursos d'água incluídos na área de uso da comunidade
Boa Esperança. A população residente nesta localidade é de aproximadamente 212
indivíduos3, distribuídos em 38 domicílios. Os moradores da região utilizam o igarapé Juá
Grande para acessar áreas de caça e pesca para a subsistência e, em menor escala, para o
cultivo de mandioca.
2.2 Procedimento amostral
2.2.1 Distribuição da espécie
Foram realizadas 40 saídas de campo, entre outubro de 2004 e setembro de 2008, com
exceção dos meses de dezembro de 2004; abril de 2005; janeiro, abril, julho e agosto de 2006;
abril de 2007 e março de 2008. Situações como níveis d'água extremos, restrições impostas
por moradores locais para acessar os igarapés dentro de sua área de uso e questões de logística
foram contratempos que eventualmente não puderam ser contornados. Dois assistentes de
campo, moradores locais, foram previamente capacitados para atuarem como coinvestigadores. Estes auxiliaram na obtenção de dados, além de desempenhar a função de
facilitadores na aproximação e conversas com demais moradores da região.
Durante o primeiro ano os esforços de amostragem foram restritos aos igarapés Baré,
Urumutum e Juacaca, pois estes foram identificados por Carvalho Junior et al. (2004) como
área de ocorrência da espécie no entorno do lago Amanã. Em decorrência da vasta extensão
3
Banco de dados de assentamentos humanos, IDSM (2006).
23
da região e das limitações de logística, os demais igarapés do entorno do lago só foram
vistoriados a partir de relatos de moradores locais sobre avistagens e indícios de ariranhas.
Constatada a presença, estes locais passaram a ser visitados a cada dois meses, a fim de
monitorar sua ocupação pela espécie. Em outubro de 2007, um inventário distribucional foi
realizado nos 13 igarapés do sistema Amanã (Figura 8), como forma de verificar se a presença
de ariranhas esteve restrita aos igarapés apontados pelos moradores locais.
RDS Amanã
Amazônia
0
500 1000 1500km
±
270000
0
±
300000
30
60
330000
90 km
360000
igarapé
Urumutum
9750000
9750000
igarapé
Baré
igarapé
Juacaca
!
!
lag
igarapé Bacaba
igarapé
Açu
270000
!
!
nã
ma
igarapé
Taboca
oA
9720000
!
igarapé
Juá Grande
igarapé
Ubim
!
9720000
igarapé
Juazinho
300000
igarapé Uixi
igarapé Samaúma
igarapé Cacau
!
!
igarapé Calafate
330000
360000
Organização Comunitária
Hidrografia
0
5
10
±
20
30 km
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã
Projeção Universal Tranversa de Mercator - UTM
Fuso 20 - Hemisfério Sul
Fonte: ESRI, IBGE, CI-Brasil e IDSM
Organização: Lima, D. (2009)
Figura 8 – Cursos d'água situados no entorno do lago Amanã amostrados durante o inventário
distribucional de ariranhas realizado em outubro de 2007.
24
Procurou-se manter uma extensão similar ou superior àquela percorrida por Carvalho
Junior et al. (2004) durante o primeiro inventário realizado no entorno do lago Amanã em
2003. A extensão percorrida foi reduzida somente no igarapé Açu por impedimentos à
navegabilidade durante o período da amostragem (Tabela 1).
Tabela 1 – Extensão percorrida durante o inventário distribucional de ariranhas realizado nos
cursos d'água do entorno do lago Amanã em 2003 e no presente estudo.
Extensão amostrada em 2003
Extensão amostrada em 2007
Igarapé
(km)
(km)
Açu
8
5
Bacaba
3,1
6
Baré
30
30
Cacau
3*
3
Calafate
2,4*
5
Juá Grande
5,7*
15
Juacaca
8,9
20
Juazinho
4,2
15
Samaúma
1,5*
3
Taboca
2,1
3
Ubim
7,6*
8
Urumutum
75,8
120
Uixi
1,43
2
Total percorrido
153,7
235
Nota: *Extensão não declarada por Carvalho Junior et al. (2003). O valor inserido foi calculado a partir da
distância linear entre as coordenadas geográficas referentes aos locais de início e fim da amostragem, disponível
no relatório apresentado pelos autores.
Para facilitar a logística e garantir um esforço mínimo de 11 horas diárias de
amostragem, foram realizados acampamentos às margens dos cursos d'água com duração
aproximada de 10 dias. Incursões náuticas diurnas foram realizadas ao longo dos igarapés, até
o limite máximo navegável, a bordo de embarcações movidas a remo ou a motor de 5 ou 15
HP, deslocando-se à velocidade máxima de 10 km/h. A extensão percorrida diariamente foi
medida utilizando-se o odômetro do GPS Garmin 76S Map.
A identificação da ocorrência de ariranhas em uma determinada área foi realizada por
meio de evidências deixadas pela espécie durante a utilização do hábitat, bem como da
visualização de unidades sociais. Embora exista uma metodologia delineada para inventários
distribucionais de ariranhas (GROENENDIJK et al., 2005), com base no registro exclusivo de
avistagens, acampamentos, locas e pegadas, este estudo incorporou vestígios adicionais como
indicativo da presença da espécie, por terem sido considerados relevantes para a área de
estudo. Os indícios que nortearam a identificação da utilização do curso d'água por ariranhas
foram:
25
a) Acampamentos: Sítios construídos às margens de corpos d'água, com vegetação
(quando presente) pisoteada. São utilizados para descanso, banho de sol, contato
social e marcação odorífera; possuem necessariamente uma latrina associada
(GROENENDIJK et al., 2005). Latrinas são superfícies localizadas às margens
dos cursos d'água utilizadas como locais de deposição de urina e fezes,
caracterizadas pelo forte odor, vegetação pisoteada e presença de estruturas ósseas
de peixes nos dejetos. Em alguns casos, um acampamento pode ser apenas uma
latrina. Entretanto, uma latrina próxima à entrada de uma loca não é registrada
como um acampamento (GROENENDIJK et al., 2005).
b) Locas: São abrigos comunais utilizados como dormitório e locais de procriação,
frequentemente sob raízes ou árvores caídas. Possuem aberturas (túneis) que
conduzem a uma ou mais câmaras subterrâneas, escavadas às margens dos cursos
d'água (GROENENDIJK et al., 2005).
c) Locais de descanso: Sítios às margens de corpos d'água, com ausência de
vegetação. Podem estar dispostos a céu aberto ou em pequenas escavações de
formato cilíndrico ou semicircular, e não possuem latrinas associadas.
d) Marcação de garra: Porção vertical de um barranco (geralmente argiloso) com
profundas marcas de garra (GROENENDIJK et al., 2005).
e) Pegadas: Impressão dos membros locomotores sobre o solo.
f) Vocalização: Sinal sonoro emitido durante encontros agonísticos e contato social.
Os registros, diretos e indiretos, foram documentados utilizando-se câmera fotográfica
digital (Canon Powershot A610, 5.0 mega pixel) e filmadoras digitais (Sony DCR-TRV33 e
JVC GR-D295). O local dos registros foi georreferenciado com o auxílio de aparelho de GPS
Garmin 76S Map, configurado na projeção Universal Transversa de Mercator (UTM) e datum
SAD69. A cada saída a campo, os registros previamente obtidos foram monitorados com o
intuito de verificar a reutilização do sítio pela espécie.
2.2.2 Tamanho populacional
Foram realizados censos anuais em 63 km de curso d'água do igarapé Urumutum, 20
km do Juacaca, 15 km do Juazinho, 30 km do Baré, 15 km do Juá Grande, 8 km do Ubim, 5
km do Açu e 3 km do Cacau. Estas extensões corresponderam aos trechos navegáveis em
cada igarapé ao longo do período destinado à quantificação dos animais.
26
Este procedimento ocorreu durante os meses entre a baixa do nível d'água (vazante) e
início da alta (enchente). De acordo com Groenendijk et al. (2005) este período é ideal para a
realização de censos, pois o leito dos rios retrocede ao seu menor curso, o que favorece a
observação dos animais.
A contagem dos indivíduos seguiu a metodologia proposta por Groenendijk et al.
(2005), com intuito de obter uma estimativa do tamanho populacional. Caso apenas
evidências da presença da espécie fossem observadas, a área era novamente vistoriada em um
curto espaço temporal até a localização do grupo.
A visualização e quantificação dos indivíduos foram realizados por dois observadores,
utilizando binóculos (Vivitar, Classic series, 10 x 50) e filmadoras digitais, o que viabilizou a
confirmação do número de animais e a documentação de manchas gulares (SCHENCK,
1999). O local dos registros foi georreferenciado com o auxílio de aparelho de GPS.
2.2.3 Características de evidências e ambientes explorados por ariranhas
Optou-se pela caracterização exclusiva de acampamentos, locas e locais de descanso,
por terem sido estas evidências consideradas indicativos de residência da espécie em um curso
d'água e por permanecerem facilmente identificáveis mesmo quando não estão em uso
contínuo. Esta caracterização seguiu a metodologia utilizada por Lasso (2003) e Damasceno
(2004), sendo realizada da seguinte forma:
a) Locas: foram registradas as medidas de largura e altura máxima das entradas
principais; presença ou ausência de vegetação na entrada e ainda o local de
construção, se diretamente no solo ou sob raízes;
b) Locais de descanso: registrados o comprimento e largura maior, convencionando
como comprimento a medida paralela à margem do curso d'água e como largura, a
medida perpendicular à margem;
c) Acampamentos: foram medidos o comprimento e largura maior, conforme as
convenções adotadas para locais de descanso.
Realizou-se a caracterização do local onde os sítios foram encontrados para se
estabelecer alguns parâmetros do hábitat explorado pela espécie. As variáveis selecionadas e a
metodologia proposta basearam-se em pesquisas realizadas por Schenck (1999), Lasso (2003)
e Damasceno (2004), registradas durante o período de baixa dos cursos d'água.
a) Inclinação do barranco: relação entre distância e altura do indício ao nível d'água;
27
b) Transparência da água;
c) Profundidade do curso d'água.
A distância e a altura do refúgio em relação à linha d'água foram mensuradas
utilizando-se duas réguas de madeira (3 m) dispostas perpendicularmente ou uma trena,
quando as dimensões superavam o tamanho das réguas. O ângulo de inclinação do barranco
foi calculado utilizando estes dados e inserindo-os na fórmula matemática:
⎛h⎞
⎝d ⎠
α = arctg ⎜ ⎟
onde:
α = ângulo de inclinação do barranco em relação à linha d'água
arctg = arcotangente
h = altura da base do indício até a linha d'água
d = distância da base do indício à linha d'água
Um cabo de nylon graduado conectado a um peso de chumbo e um disco de Secchi
foram utilizados para medir respectivamente a profundidade e a transparência no ponto
central do igarapé.
2.2.4 Identificação e caracterização das interferências antrópicas
Durante as saídas de campo (n = 40) destinadas à busca de registros de ariranhas,
procurou-se manter um contato direto e contínuo com os moradores residentes em localidades
à montante do lago, a fim de conquistar a confiança dos mesmos (ALBUQUERQUE e
LUCENA, 2004). Esta aproximação foi inicialmente intermediada por pesquisadores que
desenvolviam um estudo a respeito do histórico de caça ao peixe-boi amazônico (Trichechus
inunguis) na região, o que facilitou e fortaleceu o processo.
Ao longo de conversas informais seriadas foram identificados 16 moradores com
maior interesse em contribuir com a pesquisa. Estes atuaram como co-investigadores e
coletaram informações acerca de interações antrópicas mais polêmicas, como por exemplo,
eventos de caça.
A partir das informações repassadas pelos co-investigadores, os moradores que
interagiram mais diretamente com a espécie foram localizados e abordados sutilmente, sendo
a conversa conduzida de forma a incentivar os moradores a relatar suas experiências. Na
medida em que os relatos transcorreram, foram inseridas questões norteadoras com o intuito
28
de auxiliar na condução do diálogo (CHIZZOTTI, 2000). Estas questões buscavam obter
informações sobre (1) a percepção dos moradores em relação à ariranha, (2) o nível de
conhecimento acerca da espécie, (3) a caça histórica e/ou atual, (4) interações com a pesca e
(5) outros tipos de interações negativas.
Realizou-se ainda a busca direta por informações de interações negativas entre os
moradores locais e grupos de ariranhas. Estas pessoas foram identificadas durante encontros
ocasionais e a partir da primeira abordagem, conduzida do mesmo modo citado acima,
adotou-se a amostragem "bola de neve", que consiste na indicação de outros informantes
pelos próprios entrevistados (BERNARD, 2005). Durante as visitas aos moradores locais,
procurou-se registrar todos os eventos relatados considerados como possíveis interferências
antrópicas à ariranha na região (BERNARD, 2005).
Os locais relatados pelos moradores como áreas de conflito foram georreferenciados
com o auxílio de aparelho de GPS. Durante as incursões náuticas também foram registradas as
ações humanas consideradas potenciais interferências à espécie na região. Estas informações
foram empregadas no mapeamento dos locais de interações negativas entre moradores locais e
ariranhas.
Caso fossem obtidos relatos acerca de conflitos entre a população humana e ariranhas
em cursos d'água situados à jusante do lago Amanã, fora da área priorizada neste estudo, estes
também seriam registrados e os locais de ocorrência georreferenciados.
2.3 Análise de dados
2.3.1 Distribuição da espécie
Os dados foram ordenados em uma sequência temporal, a fim de obter uma melhor
análise das informações. Adotou-se o termo "ano I", para os registros efetuados no período de
outubro de 2004 a setembro de 2005; "ano II", para outubro de 2005 a setembro de 2006; "ano
III" para outubro de 2006 a setembro de 2007 e "ano IV" para as informações coletadas de
outubro de 2007 a setembro de 2008.
Os registros obtidos foram inseridos no programa ESRI ArcGis versão 9.2 e plotados
no mapa da área de estudo elaborado sobre um mosaico de imagens LANDSAT-5, cena
01/062, de resolução espacial 30 m. Os shapes da área de estudo e dos pontos de avistagens e
indícios foram transferidos para o programa Autodesk AutoCAD Map versão 4, onde grades
29
de 1 km2 foram sobrepostas aos cursos d'água que compõem o lago Amanã (Figura 9), com o
intuito de padronizar o registro das observações e indícios para cada ano amostral.
Os sítios reutilizados por ariranhas foram associados aos novos registros obtidos em
cada ano, de modo a produzir um mapa da distribuição da espécie nas áreas amostradas. As
grades contendo pontos relacionados à presença da espécie foram assinaladas para comparar
os limites da distribuição geográfica ao longo dos anos. A decisão de adotar este tamanho de
grade esteve relacionada com a heterogeneidade da extensão dos cursos d'água e observação
em campo das distâncias máximas entre os indícios. O mapeamento da distribuição por meio
de grades de diferentes tamanhos também foi adotado em estudos com outras espécies de
lontras (SEA OTTER RECOVERY TEAM, 2003; WALDEMARIN, 2004; GROENENDIJK
et al., 2005; DELGADO RODRIGUEZ et al., 2006).
Grade de 1 km2
Hidrografia
0
5
N
10
20 km
Figura 9 – Grades de 1 km2 sobrepostas aos cursos d'água que compõem o lago Amanã.
Para cada ano amostral foi calculado um índice de presença de ariranhas, por meio da
razão entre o número de registros (diretos e indiretos) obtidos e o percurso total amostrado,
em km. Esta padronização dos resultados foi empregada de modo a identificar se houve uma
variação no número de registros da presença da espécie em função da variação da área
amostrada entre os anos. Tal abordagem foi adotada em duas circunstâncias: considerando
30
toda a extensão amostrada no entorno do lago Amanã a cada ano e analisando cada igarapé de
forma independente. A proporção de áreas exploradas por ariranhas foi calculada por meio da
razão entre o número de grades com presença confirmada e o número total de grades
amostradas em cada um dos igarapés.
2.3.2 Tamanho populacional
Em função da variação da área amostrada entre anos, um índice de avistagem de
indivíduos (número de indivíduos/km percorrido) também foi utilizado para a padronização e
comparação dos resultados obtidos nas diferentes amostragens.
2.3.3 Características de evidências e ambientes explorados por ariranhas
A cobertura vegetal no local de construção das locas foi representada por variáveis
categóricas de presença ou ausência. As medidas tomadas (altura e comprimento da entrada
da loca, comprimento e largura de acampamentos e locais de descanso) foram representadas
por variáveis contínuas e analisadas por estatística descritiva, utilizando-se o programa
BioEstat versão 5.0. Os dados obtidos em cada uma das variáveis investigadas foram
agrupados em classes, a fim de verificar a ocorrência de um padrão de repetição.
2.3.4 Identificação e caracterização das interferências antrópicas
A veracidade das informações fornecidas pelos moradores foi testada por meio da
verificação de consistência e acuidade das respostas, recorrendo-se às pessoas que interagiram
com ariranhas em repetidas ocasiões retomando-se, quando viável, o tema em questão
(MARQUES, 1991). As informações obtidas durante os relatos foram organizadas e
analisadas por meio de um enfoque qualitativo. Este procedimento foi realizado segundo o
modelo de união das diversas competências individuais, que consiste em considerar todas as
informações fornecidas pelos entrevistados, sem exclusão (MARQUES, 1991). As respostas
das questões norteadoras foram analisadas por meio de cálculos percentuais.
Os registros obtidos também foram inseridos no programa ESRI ArcGis versão 9.2 e
plotados no mapa da área de estudo, conforme descrita na seção 2.3.1. Para identificar os
31
locais de maior ocorrência de interferências antrópicas às ariranhas, foi elaborado um mapa
contendo os locais das organizações comunitárias, residências isoladas e os pontos de
localização das interações negativas relatadas e observadas em campo.
32
3 RESULTADOS
3.1 Distribuição da espécie
Foi percorrido um total de 18.181 km durante 465 dias em busca de registros que
evidenciassem a presença de ariranhas nos 13 igarapés do entorno do lago Amanã. Nesta
extensão foram registrados 711 locais explorados pela espécie, distribuídos em oito cursos
d'água: Açu, Baré, Cacau, Juacaca, Juazinho, Juá Grande, Ubim e Urumutum (Figura 10).
RDS Amanã
Amazônia
0
500 1000 1500km
±
270000
0
±
300000
30
60
330000
90 km
360000
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igarapé
Urumutum
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Juacaca
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igarapé !
Juazinho
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9720000
igarapé
Ubim !
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9750000
igarapé
Baré
!
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lag
igarapé
Juá Grande
9720000
9750000
!
!!
!
!
!
!
!
oA
!
nã
ma
igarapé
Açu
270000
!
Presença de Ariranha
#
Residência Isolada
!
Organização Comunitária
!!
!!
!!!
300000
Hidrografia
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã
igarapé
Cacau
!
!
330000
0
5
10
±
360000
20
30 km
Projeção Universal Tranversa de Mercator - UTM
Fuso 20 - Hemisfério Sul
Fonte: ESRI, IBGE, CI-Brasil e IDSM
Organização: Lima, D. (2009)
Figura 10 – Sítios explorados por ariranhas no entorno do lago Amanã desde outubro de 2004 a
setembro de 2008.
33
Dentre os pontos de presença de ariranhas, 126 corresponderam a avistagens de
unidades sociais e 585 compreenderam indícios que apontaram a ocorrência da espécie na
região: 193 acampamentos, 140 locas isoladas, 90 marcações de garra, 62 locais de descanso,
43 pegadas, 42 locas associadas a latrinas e 15 vocalizações. Do total de sítios localizados,
47,8% (n = 291) apresentaram sinais de reutilização ao longo dos quatro anos, o que resultou
em 1.703 registros obtidos na extensão amostrada.
Por meio da comparação entre os índices de presença de ariranhas obtidos em cada
ano amostral (Tabela 2) verificou-se que o número de registros permaneceu constante, com
ligeira variação ao longo dos anos (x = 0,10±0,009).
Tabela 2 – Esforço amostral dispensado na documentação da ocorrência de ariranhas no entorno do
lago Amanã e índices de presença da espécie obtidos entre outubro de 2004 e setembro de 2008.
Índice de presença da espécie
Ano amostral
Registro (n) Extensão percorrida (km)
(registro/km)
I
267
3.329
0,08
II
392
3.306
0,12
III
451
5.254
0,09
IV
593
6.292
0,09
Durante o primeiro ano de amostragem foram percorridos apenas os igarapés Baré,
Urumutum e Juacaca. O índice de presença de ariranhas obtido para a extensão amostrada
nestes cursos d'água foi de 0,08 registros/km, o que representou a aquisição de um registro a
cada 12,5 km percorridos.
No ano seguinte, moradores da comunidade Boa Esperança relataram a presença de
ariranhas no igarapé Juá Grande, sendo este incluído no universo amostral após a
comprovação da presença da espécie. Neste ano (II) o índice obtido foi de 0,12 registros/km,
cerca de uma observação a cada 8,4 km percorridos.
Já no ano III, outros três igarapés do entorno do lago Amanã foram apontados como
novas áreas ocupadas por ariranhas, sendo estes amostrados e confirmados como áreas de
ocorrência da espécie. Sendo assim, percorreu-se trechos de sete cursos d'água, onde foi
obtido um índice de 0,09/km, ou seja, um registro a cada 11,7 km amostrados.
No ano IV um oitavo igarapé ainda foi incluído na amostragem, após relatos de
moradores sobre a presença de ariranhas em áreas próximas à jusante do lago Amanã. Estes
relatos motivaram a realização de um inventário distribucional no entorno do lago, o que
incluiu os cinco cursos d'água não apontados previamente por moradores locais como áreas de
ocorrência da espécie.
34
Deste modo, confirmou-se a distribuição de ariranhas em todos igarapés sugeridos
pelos moradores locais (Tabela 3). Durante este ano (IV) o índice da presença de ariranhas foi
de 0,09 /km, o que representou a observação de um registro a cada 10,6 km percorridos.
Tabela 3 – Igarapés situados no entorno do lago Amanã cuja presença ou ausência de ariranhas foi
confirmada durante o inventário distribucional realizado em outubro de 2007.
Igarapés
Ocorrência de ariranhas
Açu
presente
Bacaba
ausente
Baré
presente
Cacau
presente
Calafate
ausente
Juá Grande
presente
Juacaca
presente
Juazinho
presente
Samaúma
ausente
Taboca
ausente
Ubim
presente
Urumutum
presente
Uixi
ausente
Ao analisar o índice de presença da espécie para cada um dos igarapés, de forma
independente, não foi observada uma tendência similar de incremento ou decréscimo no
número de registros obtidos ao longo dos anos. Os resultados foram distintos em cada um dos
igarapés amostrados (Tabela 4).
Tabela 4 – Índices de presença de ariranhas (registro/km) obtidos nos igarapés no entorno do lago
Amanã ao longo dos quatro anos de amostragem.
Igarapés
Ano I
Ano II
Ano III
Ano IV
Baré
0,06
0,14
0,10
0,07
Urumutum
0,10
0,12
0,09
0,10
Juacaca
0,03
0,17
0,08
0,18
Juá Grande
0,08
0,08
0,12
Juazinho
0,04
0,10
Ubim
0,08
0,10
Açu
0,20
0,05
Cacau
0,42
Sinal convencional utilizado: (-) não amostrado
Nos igarapés Baré, Urumutum e Juacaca foi observado um incremento dos índices até
o ano II, seguido por um decréscimo no ano III e ligeiro aumento no ano IV, com exceção do
igarapé Baré, onde o índice ainda diminuiu no ano IV. No igarapé Juá Grande, amostrado a
partir do segundo ano, observou-se o mesmo valor de índice nos anos II e III, seguido de um
incremento no ano IV.
35
Já os igarapés Juazinho e Ubim apresentaram incremento nos índices de presença da
espécie comparando-se os dois anos em que foram amostrados (ano III e IV) e no igarapé Açu
constatou-se um decréscimo de um ano para outro. Não foi possível realizar uma comparação
anual dos índices obtidos no igarapé Açu, uma vez que este curso d'água só foi percorrido
durante o último ano amostral.
Comparando-se a proporção das áreas onde a presença de ariranhas foi confirmada a
cada ano, em cada um dos cursos d'água, observou-se que houve um incremento destas
proporções, excetuando-se os igarapés Açu e Juacaca (Tabela 5). No igarapé Juacaca
registrou-se um incremento da proporção ocupada pela espécie até o ano III, mantendo-se
estável no ano posterior. Durante os dois anos de amostragem no igarapé Açu, observou-se
que a proporção de ocupação manteve-se constante.
Tabela 5 – Proporção de áreas com registro positivo da presença da espécie em cada um dos igarapés
amostrados entre outubro de 2004 e setembro de 2008.
Igarapé
Baré
Urumutum
Juacaca
Juá Grande
Juazinho
Ubim
Açu
Cacau
Ano I
27%
27%
23%
-
Ano II
33%
41%
31%
17%
-
Ano III
43%
46%
69%
38%
33%
23%
33%
-
Ano IV
54%
51%
69%
61%
67%
31%
33%
67%
Sinal convencional utilizado: (-) não amostrado
Convertendo-se a proporção utilizada pela espécie em cada um dos igarapés para km2
e comparando os resultados entre o primeiro ano de amostragem e o ano IV, observou-se que
houve um incremento evidente, uma vez que as extensões amostradas foram idênticas em
todos os anos (Figura 11). Em todos os cursos d'água foi registrado um incremento
aproximado de 100% das áreas exploradas por ariranhas (Tabela 6).
36
ig. Urumutum
Ano I
ig. Urumutum
ig. Baré
Ano II
ig. Baré
ig. Juacaca
ig. Juacaca
ig. Juá Grande
Ano III
ig. Urumutum
Ano IV
ig. Urumutum
ig. Baré
ig. Baré
ig. Juacaca
ig. Juacaca
ig. Ubim
ig. Juazinho
ig. Juazinho
ig. Juazinho
ig. Juá Grande
ig. Juá Grande
ig. Ubim
ig.
Cacau
ig. Açu
ig. Açu
„ Presença
„ Ausência
† Não Amostrado
● Organização Comunitária
Figura 11 – Grades de 1 km2 sobrepostas aos cursos d'água que compõem o lago Amanã, destacandose a presença e ausência de ariranhas nas extensões amostradas a cada ano.
37
Tabela 6 – Extensão explorada por ariranhas, em km2, entre outubro de 2004 e setembro de 2008 nos
cursos d'água do entorno do lago Amanã.
Igarapé
Baré
Urumutum
Juacaca
Juá Grande
Juazinho
Ubim
Açu
Cacau
Ano I
10
22
3
-
Ano II
12
32
4
3
-
Ano III
15
37
9
7
2
2
1
-
Ano IV
19
40
9
11
4
3
1
2
Sinal convencional utilizado: (-) não amostrado
3.2 Tamanho populacional
Durante as amostragens, conduzidas entre o período de vazante e enchente em cada
um dos anos, foi percorrida uma extensão de 9.448 km de curso d'água durante 223 dias.
Neste período foram realizadas 80 avistagens de unidades sociais, com duração média de 4
minutos e 15 segundos (mínimo de 45 segundos e máxima de 12 minutos). Estas avistagens
corresponderam a 167 indivíduos cujos padrões de manchas gulares não foram efetivamente
registrados. Os animais da região apresentaram comportamento arredio, com eventuais
exposições da região gular, o que dificultou o reconhecimento individual dos animais.
Quando os indivíduos deparavam-se com a presença humana realizavam deslocamentos em
direções opostas, acessando os igarapés de segunda ordem que desembocam nos igarapés
centrais. Os igarapés de segunda ordem apresentaram maior dificuldade de navegação, em
função da quantidade de vegetação caída em seu leito, tornando inviável a busca pelos
animais. Por tal motivo a precisão de reconhecimento de ariranhas foi de apenas 32
indivíduos.
As avistagens de unidades sociais ocorreram nos igarapés Baré, Juá Grande, Juacaca,
Juazinho e Urumutum. Nenhuma ariranha foi avistada nos igarapés Açu, Ubim e Cacau,
embora indícios da presença da espécie tenham sido observados nas margens destes cursos
d'água e moradores locais afirmaram esporádicas avistagens de grupos familiares.
Comparando-se os índices de avistagem de indivíduos da espécie, levando em
consideração toda a extensão percorrida, pode-se afirmar que não houve uma diferença
expressiva entre os anos de amostragem ( x = 0,04±0,01) (Tabela 7).
38
Tabela 7 – Esforço amostral dispensado na documentação de ariranhas no entorno do lago Amanã e
índices de avistagem de indivíduos da espécie obtidos nos meses entre vazante e enchente a cada ano
amostral.
Ano amostral
Indivíduos (n)
Extensão percorrida (km)
I
II
III
IV
39
117
82
167
1.524
1.643
2.884
3.397
Índice de avistagem
(indivíduos/km)
0,03
0,07
0,03
0,05
De semelhante modo, não foi observado um padrão no índice de avistagem de
indivíduos a cada ano ao analisar os cursos d'água de forma independente (Tabela 8).
Tabela 8 – Índices de avistagem da espécie (indivíduos/km) obtidos em cada um dos igarapés ao longo
dos quatro anos de amostragem.
Igarapés
Baré
Urumutum
Juacaca
Juá Grande
Juazinho
Ubim
Açu
Cacau
Ano I
0,07
0,02
0
-
Ano II
0,12
0,04
0,03
0
-
Ano III
0
0,04
0
0,03
0
0
0
-
Ano IV
0,08
0,04
0,15
0,03
0,08
0
0
0
Sinal convencional utilizado: (-) não amostrado
Os igarapés Urumutum e Juá Grande apresentaram uma estabilização do índice de
avistagem de indivíduos a partir do segundo ano de amostragem. No Urumutum foi observado
um aumento no índice de avistagem do ano I para o ano II, permanecendo estável nos anos
posteriores. Já o igarapé Juá Grande apresentou um incremento do índice de avistagem do ano
II para o ano III, que se manteve para o ano IV. Os índices obtidos no igarapé Juacaca
oscilaram ao longo dos anos, observando-se um crescimento do índice de avistagem do ano I
para o ano II, seguido de decréscimo no ano III e posterior incremento no ano IV. Ariranhas
não foram observadas nos igarapés Ubim e Açu (só amostrados a partir do ano III) e Cacau
(só amostrado no ano IV)
Por meio do mapeamento dos pontos de todas as avistagens de unidades sociais
efetuadas entre outubro de 2004 e setembro de 2008, associado às imagens das manchas
gulares dos indivíduos identificados neste período (n = 32), verificou-se que a população de
ariranhas da área amostrada no ano IV foi composta por aproximadamente 75 indivíduos,
distribuídos em 12 grupos familiares (Figura 12).
39
RDS Amanã
Amazônia
0
500 1000 1500km
±
0
±
270000
30
60
90 km
300000
330000
!
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igarapé
Urumutum
igarapé
Baré
!
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igarapé
Juacaca
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9750000
9750000
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igarapé
Juazinho
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!
ma
nã
270000
#
oA
9720000
lag
igarapé
Juá Grande
igarapé
Ubim
!
9720000
!!!!!
!
!
300000
330000
Avistagem
!
GrB1
!
GrU4
!
Organização Comunitária
!
GrB2
!
GrU5
#
Residência Isolada
!
GrJG
!
GrU6
Hidrografia
!
GrJz
!
GrU7
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã
!
GrU1
!
GrU8
!
GrU2
!
GrNI
!
GrU3
Projeção Universal Tranversa de Mercator - UTM
Fuso 20 - Hemisfério Sul
0 2,5 5
±
10
15 km
Fonte: ESRI, IBGE, CI-Brasil e IDSM
Organização: Lima, D. (2009)
Figura 12 – Distribuição dos grupos de ariranhas identificados nos cursos d'água do lago Amanã entre
outubro de 2004 e setembro de 2008.
Nota: Cores, siglas e números se referem aos grupos distintos em seus igarapés de residência: Urumutum (GrU),
Juazinho (GrJz), no igarapé Juá Grande (GrJg) e no igarapé Baré (GrB). A sequência numérica foi atribuída para
diferenciar grupos em um mesmo igarapé e a sigla GrNI refere-se ao grupo não identificado.
O igarapé Urumutum foi o curso d'água amostrado que apresentou o maior número de
grupos familiares (n = 8). A média de indivíduos por grupo neste curso d'água foi de 7±3,
onde a unidade social de maior tamanho foi composta por 13 indivíduos. Este grupo foi
40
encontrado explorando trechos tanto do igarapé Urumutum quanto do Juacaca. No igarapé
Baré foram encontrados dois grupos de ariranhas, um composto por nove indivíduos e outro
grupo com três indivíduos. Já no igarapé Juazinho apenas um grupo familiar (n = 6) foi
registrado e, de forma semelhante, no Juá Grande (n = 6).
3.3 Características de evidências e ambientes explorados por ariranhas
Nos trechos dos cursos d'água amostrados no entorno do lago Amanã foram
encontrados 193 acampamentos, 182 locas e 62 locais de descanso. Estas evidências
estiveram presentes em todos os igarapés, exceto no Cacau, onde foram registradas apenas
marcações de garra e pegadas.
Dentre o conjunto de locas registradas, 84% (n = 153) foram construídas diretamente
no solo, enquanto as demais (16%, n = 29) foram escavadas por ariranhas sob o sistema
radicular da vegetação associada às margens dos cursos d'água. A cobertura vegetal à entrada
das locas esteve presente em 67% (n = 122) dos registros e ausente em 33% (n = 60) destes
abrigos. A largura das entradas variou de 22 a 218 cm (x = 56 cm), enquanto a altura mínima
de suas aberturas foi de 18 cm e a máxima de 90 cm, apresentando uma média de 41 cm.
As locas foram encontradas em sítios com alturas entre 17 e 680 cm em relação ao
espelho d'água (x = 175 cm), apresentando maior frequência (n = 65) na classe de 0⊢113 cm
(Figura 13). Suas entradas estiveram a um ângulo de inclinação entre 7o e 59o (x = 29o), com
70
70
60
60
Frequência absoluta
Frequência absoluta
maior frequência dos registros nas classes de 22⊢33o (n = 65) e 33⊢43o (n = 64) (Figura 14).
50
40
30
20
10
50
40
30
20
10
0
0
0⊢113 113⊢227 227⊢340 340⊢453 453⊢567 567⊢680
Classes de altura (cm)
0⊢11
11⊢22
22⊢33
33⊢43
43⊢54
54⊢65
Classes de inclinação (graus)
Figura 13 – Distribuição das locas por classes de Figura 14 – Distribuição das locas por classes de
altura do barranco nos sítios onde foram inclinação do barranco nos sítios onde foram
construídas.
construídas.
41
A profundidade dos cursos d'água frente aos sítios com locas variou entre 100 e 1.000
cm ( x = 324 cm), com maior frequência de registros (n = 109) na classe de 167⊢333 cm
(Figura 15). Nestes trechos a transparência da água variou de 50 a 175 cm (x = 107 cm),
registrando-se a maior frequência de sítios com locas (n = 118) na classe de transparência de
120
140
100
120
Frequência absoluta
Frequência absoluta
68⊢103 cm (Figura 16).
80
60
40
20
100
80
60
40
20
0
0
0⊢167
167⊢333 333⊢500 500⊢667 667⊢833 833⊢1000
0⊢34
Classes de profundidade (cm)
34⊢68
68⊢103 103⊢137 137⊢171 171⊢205
Classes de transparência (cm)
Figura 15 – Distribuição das locas por classes de Figura 16 – Distribuição das locas por classes de
profundidade do curso d'água frente aos sítios transparência da água frente aos sítios onde
foram construídas.
onde foram construídas.
As extensões às margens dos cursos d'água utilizadas por ariranhas para construção de
acampamentos apresentaram um comprimento máximo variando entre 107 e 1.350 cm ( x =
312 cm) e uma largura entre 100 e 1.520 cm (.x = 270 cm) Os acampamentos foram
construídos em barrancos com altura entre 34 e 680 cm (x = 188 cm), com maior frequência (n
= 99) na classe de 113⊢227 cm (Figura 17). Estes sítios apresentaram um ângulo de
inclinação mínimo de 4o e máximo de 65o ( x = 33o), destacando-se as classes de 22⊢33o e
120
60
100
50
Frequência absoluta
Frequência absoluta
33⊢43o, cada uma com 53 registros (Figura 18).
80
60
40
20
40
30
20
10
0
0
0⊢113 113⊢227 227⊢340 340⊢453 453⊢567 567⊢680
Classes de altura (cm)
0⊢11
11⊢22
22⊢33
33⊢43
43⊢54
54⊢65
Classes de inclinação (graus)
Figura 17 – Distribuição dos acampamentos por Figura 18 – Distribuição dos acampamentos por
classes de altura do barranco nos sítios onde classes de inclinação do barranco nos sítios onde
foram construídos.
foram construídos.
42
Os acampamentos foram encontrados em trechos de cursos d'água com transparência
média de 100 cm (mínima de 50 cm e máxima de 205 cm), com maior frequência na classe de
68⊢103 cm (Figura 19). Nestes sítios a profundidade variou de 100 a 618 cm ( x = 259 cm),
140
120
120
100
Frequência absoluta
Frequência absoluta
com maior frequência destes indícios na classe de 167⊢333 cm (Figura 20).
100
80
60
40
80
60
40
20
20
0
0
0⊢34
34⊢68
68⊢103
103⊢137 137⊢171 171⊢205
0⊢167
Classes de transparência (cm)
167⊢333 333⊢500 500⊢667 667⊢833 833⊢1000
Classes de profundidade (cm)
Figura 19 – Distribuição dos acampamentos por Figura 20 – Distribuição dos acampamentos por
classes de transparência da água frente aos sítios classes de profundidade do curso d'água frente
aos sítios onde foram construídos.
onde foram construídos.
Já os locais de descanso apresentaram uma variação entre 100 e 1.400 cm de
comprimento (x = 408 cm) e 90 cm a 800 cm de largura máxima (x = 235 cm). Estes indícios
foram construídos a uma altura de 12 a 680 cm (x = 200 cm) do espelho d'água (Figura 21),
sendo a classe de 0⊢113 com maior frequência de registros (n = 20). A inclinação do barranco
onde o local de descanso foi construído variou de 4o a 59o ( x = 31o), destacando-se a classe de
33⊢43o (Figura 22).
25
Frequência absoluta
Frequência absoluta
25
20
15
10
5
0
20
15
10
5
0
0⊢113 113⊢227 227⊢340 340⊢453 453⊢567 567⊢680
Classes de altura (cm)
0⊢11
11⊢22
22⊢33
33⊢43
43⊢54
54⊢65
Classes de inclinação (graus)
Figura 21 – Distribuição dos locais de descanso Figura 22 – Distribuição dos locais de descanso
por classes de altura do barranco nos sítios onde por classes de inclinação do barranco nos sítios
foram construídos.
onde foram construídos.
43
Os locais de descanso foram encontrados em trechos de cursos d'água com
transparência variando de 50 a 200 cm ( x = 111 cm), com maior frequência de registros na
classe de 68⊢103 cm (Figura 23). Estes trechos apresentaram profundidade entre 100 e 932
cm ( x = 283 cm), sendo que a maior frequência de locais de descanso (n = 111) ocorreu na
35
35
30
30
F re q u ê nc ia a b s o lu ta
F requênc ia abs oluta
classe de 167⊢333 cm (Figura 24).
25
20
15
10
5
0
25
20
15
10
5
0
0⊢34
34⊢68
68⊢103 103⊢137 137⊢171 171⊢205
Classes de transparência (cm)
0⊢167
167⊢333 333⊢500 500⊢667 667⊢833 833⊢1000
Classes de profundidade (cm)
Figura 23 – Distribuição dos locais de descanso Figura 24 – Distribuição dos locais de descanso
por classes de transparência da água frente aos por classes de profundidade do curso d'água
frente aos sítios onde foram construídos.
sítios onde foram construídos.
3.4 Identificação e caracterização das interferências antrópicas
Informações acerca de interferências antrópicas à população de ariranhas foram
compiladas a partir de relatos de moradores (n = 83) de localidades situadas à montante do
lago Amanã, que de algum modo interagiram com a espécie, e do registro de ações humanas
observadas durante as saídas a campo. Esta compilação permitiu a identificação de ameaças
decorrentes da percepção dos moradores locais em relação à espécie, da interação entre
ariranhas e a pesca de subsistência, da conversão de ambientes naturais para a implantação de
áreas de cultivo agrícola anual, da remoção de filhotes para manutenção em cativeiro e do
risco de contaminação por zoonoses por espécies exóticas. Em contrapartida, não foram
obtidas informações acerca de interações entre ariranhas e a população humana residente às
margens dos cursos d'água situados à jusante do lago, embora as ariranhas explorem esta
região.
Foram obtidos 83 relatos de moradores locais acerca de avistagens de unidades sociais
e/ou interação negativa com a espécie, o que representou 22% da população humana residente
na cabeceira do lago Amanã (n = 374). Todos os encontros com ariranhas ocorreram durante
44
deslocamentos nos cursos d'água que conduzem às áreas de extrativismo ou cultivo utilizadas
pelos moradores locais, ou mesmo em áreas próximas aos referidos locais. Os relatos
transcorreram com entonação de entusiasmo, apreensão ou descontentamento, conforme a
familiaridade do morador e a situação em que as interações com a espécie ocorreram.
Dentre os moradores que relataram encontros com a espécie, 28% (n = 23) afirmaram
que reconheceram que o animal observado durante a primeira avistagem se tratava de uma
ariranha. Durante os relatos destes moradores, observou-se que eles apresentaram
conhecimento acerca dos padrões comportamentais e requisitos ecológicos que determinam a
presença de ariranhas em um corpo d'água. Esta familiaridade com a espécie é decorrente da
experiência obtida por estes moradores enquanto atuaram como caçadores (39%, n = 9) de
animais silvestres, incluindo a ariranha, para a comercialização de peles no século passado, ou
pela descendência familiar com tradição nesta modalidade de caça (61%, n = 14).
Para os demais moradores (72%, n = 60) a ariranha é ainda uma espécie pouco
conhecida. As primeiras avistagens de ariranhas foram efetuadas por 78% (n = 47) destes
moradores a partir da ocupação dos igarapés situados na cabeceira do lago Amanã, que
aparentemente ocorreu no final da década de 1990 e meados de 2000.
Os moradores com menor familiaridade com a espécie (n = 60) compartilharam da
percepção de que a ariranha é um animal agressivo, reconhecida localmente como "valente",
cujo comportamento investigativo e padrão vocal elaborado foram interpretados como alerta
de ataque. Para evitar um suposto ataque e a aproximação de ariranhas das embarcações, estas
pessoas relataram que frequentemente utilizaram disparos de arma de fogo (espingarda) ou
lançaram artefatos de pesca (arpão, zagaia e flecha) na direção dos animais. Um total de 85%
destas pessoas afirmaram que assim procederam para espantar os animas e nove utilizaram
armas de fogo com a finalidade de abater as ariranhas, porém apenas dois moradores
confirmaram a morte do indivíduo.
Todos os moradores abordados afirmaram que os cursos d'água do entorno do lago
Amanã estão sendo reocupados por ariranhas e que esta expansão têm sido provocada pelo
incremento rápido desta população. Esta recuperação tem sido percebida de modo negativo
pelos moradores, pois acreditam que a espécie compete pelo recurso pesqueiro, e é capaz de
influenciar na disponibilidade de peixes na região.
Além da ariranha ser percebida pelos moradores como uma espécie competidora pelo
alimento, houve uma crença unânime de que em cursos d'água explorados por ariranhas os
peixes desaparecem. Estes moradores evitaram colocar as redes de espera em pontos onde
havia vestígios recentes da utilização por ariranhas. Os moradores residentes às margens dos
45
igarapés Urumutum e Juazinho (n = 30), o que correspondeu a 36% dos relatos, consideraram
indesejada a presença das ariranhas na região em função dos prejuízos atuais e potenciais
causados por indivíduos da espécie.
Além de serem consideradas competidoras pelo alimento, ariranhas foram
responsabilizadas por causar danos em rede de espera ao tentar obter os peixes emalhados.
Vinte e oito por cento (n = 23) dos moradores relataram danos em suas redes, especialmente
aquelas confeccionadas com fio de nylon de 0,30 mm e 0,40 mm, utilizadas pela população
local para capturar espécies como jaraquis (Semaprochilodus sp.), pacus (Mylossoma sp.) e
matrinxãs (Brycon sp.). Por este motivo, sete moradores afirmaram que ao se depararem com
ariranhas retirando peixes de suas redes, atiraram na direção dos animais, sendo a mortalidade
de dois indivíduos confirmada. Como alternativa para evitar constantes prejuízos às redes, os
moradores afirmaram que alternam os locais de pesca.
Foram obtidas informações sobre dois eventos de mortalidade acidental decorrentes de
emalhe, e um relato de emalhe de ariranha com posterior soltura do animal ainda vivo. Estes
reforçaram as informações fornecidas pelos moradores acerca da interação existente entre
ariranhas e artefatos de pesca. Os três registros foram de animais machos, dos quais um adulto
e um filhote foram encontrados pelos proprietários das redes, já em estado inicial de
decomposição. No caso de emalhe seguido de morte dos animais, as redes de espera tinham
sido confeccionadas em fio poliamida 210/24 e 210/36. Este tipo de malhadeira é empregado
na região especialmente para capturar peixes como tambaqui (Colossoma macropomum).
Foram registradas 11 áreas alteradas por moradores locais para a implementação de
cultivo de mandioca às margens de cursos d'água explorados por ariranhas. Esta prática é
caracterizada pela derrubada e queima das áreas de interesse, o que em duas situações alterou
o padrão de uso e residência de dois grupos de ariranhas. De acordo com os proprietários
destas áreas, haviam locas utilizadas pelos grupos antes da abertura do roçado e a partir das
atividades de derrubada verificou-se o abandono das mesmas. Os dois grupos ou indícios da
marcação territorial na área alterada foram raramente observados.
Observou-se que a manutenção de animais silvestres em cativeiro é um dos hábitos
mais comuns aos moradores locais. A partir do reaparecimento de ariranhas nos cursos d'água
da região, 23% (n = 19) dos moradores que já interagiram com a espécie demonstraram
interesse em remover filhotes do ambiente natural e mantê-los como animais de estimação;
destes, 26% (n = 5) declararam tentativas de captura, sem sucesso. Uma captura intencional
foi registrada na região, favorecida pelo baixo nível dos cursos d'água, o que restringiu a área
de vida de grupo de ariranhas ao leito principal. Dois dias após a captura do filhote os
46
moradores concordaram com a devolução do mesmo ao seu grupo de origem, após a
intermediação do grupo de pesquisa, o que foi realizado com sucesso.
Moradores locais (11%, n = 9) apresentaram interesse em obter peles de ariranhas
como adorno de residências ou de abates pela simples curiosidade "de saber como é" uma
ariranha (13%, n = 11), tendo sido comprovada a morte de dois animais por esta razão.
Foi registrada a percepção (14%, n = 12) de que a partir do estabelecimento de uma
população de ariranhas com alta densidade haverá a implementação de um "plano de manejo"
para a comercialização de peles. Esta caça legalizada seria fomentada como uma alternativa
econômica para as comunidades locais, além de exercer controle letal sobre o crescimento
populacional da espécie, minimizando ainda os danos causados por sua presença.
Observou-se ainda que os moradores locais apresentaram por hábito transportar
animais domésticos em suas embarcações enquanto deslocavam-se até as áreas de caça, pesca,
extrativismo vegetal ou cultivo agrícola. Durante 107 encontros efetuados com moradores em
deslocamento até as áreas de extrativismo, cães foram observados a bordo das embarcações
em 36% (n = 39) das ocasiões.
Por meio do registro dos locais onde ocorreram interferências negativas como emalhes
de ariranhas, danos em redes de espera, abate de animais por medo de ataque ou curiosidade,
alteração no padrão de utilização do hábitat e a remoção de filhote, ocorridos à montante do
lago Amanã durante os quatro anos de amostragem, verificou-se que existem 14 áreas
confirmadas (Figura 25). Observou-se que a maior incidência de interações negativas ocorreu
junto às áreas de ocupação humana, tanto em trechos próximos às organizações comunitárias,
onde há maior densidade populacional humana, quanto próximos às residências isoladas
situadas nos igarapés à montante do lago Amanã.
A maior incidência de áreas com interações negativas ocorreu no igarapé Urumutum
(64,28%, n = 9), seguido pelo igarapé Baré, com 22,43% (n = 3). Tanto no igarapé Juazinho,
quanto no igarapé Juá Grande foi identificada somente uma área de ocorrência de interações
negativas entre a população humana e ariranhas.
47
ig. Urumutum
ig. Baré
ig. Juacaca
ig. Juazinho
ig. Ubim
Interferências
Residências Isoladas
Organizações Comunitárias
Com até 50 moradores
Com 50 a 100 moradores
Com mais de 100 moradores
ig. Juá
Grande
N
5 2,5 0
5 km
Figura 25 – Grades de 1 km2 sobrepostas aos cursos d'água à montante do lago Amanã, destacando-se
as áreas onde foram registradas interferências antrópicas às ariranhas, entre outubro de 2004 e
setembro de 2008, e núcleos de ocupação humana.
Durante o primeiro ano amostral, foram registradas três interações negativas com ariranhas no
igarapé Urumutum e uma no igarapé Baré, embora registros da espécie tenham sido encontrados em
três cursos d'água. No ano seguinte (ano II) houve um incremento na área explorada por ariranhas na
cabeceira do lago Amanã, e mais cinco registros de interações antrópicas: três no igarapé Urumutum e
dois no Baré. No ano III apenas uma interferência foi registrada no igarapé Urumutum e no quarto ano
de amostragem interações negativas foram registradas no igarapé Urumutum (n = 1), igarapé Juazinho
(n = 1) e igarapé Juacaca (n = 1). Ainda no ano IV uma interferência antrópica foi registrada no
próprio lago Amanã, próximo à comunidade Santa Luzia do Juazinho (Figura 26).
48
Ano I
ig. Urumutum
Ano II
ig. Urumutum
ig. Baré
ig. Baré
ig. Juacaca
ig. Juacaca
ig. Juá Grande
Ano III
ig. Urumutum
ig. Baré
ig. Juacaca
Ano IV
ig. Urumutum
ig. Baré
ig. Juacaca
ig. Ubim
ig. Ubim
ig. Juazinho
ig. Juazinho
ig. Juá Grande
ig. Juá Grande
ig.
Cacau
ig. Açu
„ Presença „ Ausência † Não amostrado
▲ Residência Isolada
ig. Açu
О Interferência ● Organização Comunitária
Figura 26 – Grades de 1 km2 sobrepostas ao sistema Amanã, destacando-se a presença e ausência de
ariranhas, bem como os locais de interferência antrópica registrados a cada ano.
49
4 DISCUSSÃO
4.1 Distribuição da espécie
Durante o presente estudo houve um incremento no número de igarapés amostrados no
entorno do lago Amanã, justificado por relatos de moradores locais acerca da ocupação pela
espécie. Ao longo dos anos confirmou-se a presença de ariranhas nos igarapés até então não
monitorados. O aumento da área amostrada gerou um aumento proporcional dos registros
obtidos. A adoção de um índice padronizado de amostragem mostrou, no entanto, que houve
uma constância no número de registros obtidos por km de amostragem ao longo dos anos. A
constância de indícios parece indicar que a população de ariranhas residente nos cursos d'água
situados no entorno do lago Amanã apresenta um padrão de ocupação relativamente uniforme.
A comprovação de todos os relatos dos moradores tanto sobre a presença quanto sobre
a ausência da espécie nos igarapés até então não amostrados classifica a informação obtida
com os residentes locais como significativa para subsidiar o esforço de amostragem.
A incorporação de marcações de garras, locais de descanso e vocalizações aos
indicadores da presença da espécie apontados por Groenendijk et al. (2005) para a realização
de inventários distribucionais mostrou-se eficaz e indispensável para a estimativa da
ocorrência e distribuição de ariranhas na área de estudo. Se apenas avistagens, acampamentos,
locas isoladas e pegadas tivessem sido registradas, como sugere a metodologia padronizada, o
número de locais com evidências da espécie seria reduzido de 711 para 549. Em locais onde
as particularidades do ambiente dificultam a visualização dos animais e rapidamente apagam
seus indícios, esta metodologia agrega informações sobre a presença dos animais. Se as
demais evidências não tivessem sido incluídas na amostragem, a distribuição da espécie na
área estudada teria sido subestimada.
Detectou-se a ocorrência de ariranhas em oito cursos d'água da região, dos quais sete
foram efetivamente utilizados como local de residência. Considerando-se que locas
constituem evidências da ocupação e residência de ariranhas em um curso d'água, pode-se
afirmar que o igarapé Cacau foi o único que diferiu do padrão observado. Nas margens deste
igarapé foram detectadas apenas pegadas e marcações de garra, o que indica que este curso
d'água foi apenas visitado e demarcado como área de uso um grupo ou indivíduo, mas sem
utilização para residência. Possivelmente este curso d'água foi explorado por ariranhas como
áreas de alimentação.
50
Ao comparar os resultados do inventário distribucional realizado por Carvalho Junior
et al. (2004) nos 13 cursos d'água do entorno do lago Amanã com os resultados obtidos no
presente estudo, observou-se que houve um incremento de 100% no número de igarapés
utilizados por ariranhas. Os dois estudos amostraram os mesmos 13 igarapés, com extensões
similares percorridas. Carvalho Junior et al. (2004) registraram a distribuição da espécie
apenas nos cursos d'água situados à montante do lago, enquanto que no presente estudo oito
igarapés foram identificados como ambientes de presença de ariranhas, situados desde a
montante até a jusante do lago Amanã. O resultado obtido suporta a hipótese de Marmontel e
Calvimontes (2004) de que os igarapés situados na cabeceira do lago Amanã estão em
processo de ocupação por indivíduos da espécie.
Embora a adoção de um índice padronizado tenha demonstrado uma constância no
número de registros obtidos por km amostrado ao longo dos anos, observou-se que quando os
igarapés foram analisados de forma independente houve uma variação anual no número de
registros. Os igarapés Baré, Urumutum e Juacaca apresentaram um sutil incremento entre o
primeiro e segundo ano de amostragem, seguido de um decréscimo no ano III. Partindo-se da
premissa de que a ocupação dos outros cursos d'água na região ocorreu no período relatado
pelos moradores locais, observou-se que os índices de presença de ariranhas diminuíram no
mesmo ano em que os outros igarapés foram ocupados. A migração de indivíduos dos
igarapés situados à montante do lago, em busca de áreas para delimitação de território nos
demais cursos d'água, pode justificar o decréscimo dos registros de ariranhas nos igarapés
Baré, Urumutum e Juacaca.
Por meio da comparação entre as proporções das áreas exploradas pela espécie,
observou-se que houve uma expansão anual das extensões exploradas, sem a desocupação das
áreas previamente identificadas. Diversos sítios foram reutilizados ao longo dos anos, o que
demonstrou que a população de ariranhas residentes nos igarapés amostrados manteve a
utilização de determinados sítios, associados à expansão das áreas exploradas. A ocupação e
permanência da população de ariranhas nestes cursos d'água demonstra que a espécie tem
encontrado ambientes apropriados para sua manutenção no entorno do lago Amanã.
4.2 Tamanho populacional
As avistagens de unidades sociais da espécie foram realizadas apenas nos igarapés
Baré, Juá Grande, Juacaca, Juazinho e Urumutum, embora oito cursos d'água situados no
51
entorno do lago Amanã tenham apresentado evidências de utilização por ariranhas durante a
execução deste estudo. Os indícios encontrados nos igarapés Açu, Cacau e Ubim, associados
aos relatos de moradores locais acerca de avistagens esporádicas de ariranhas, reforçam a
idéia de ocorrência da espécie nestes cursos d'água, porém o esforço amostral aplicado neste
estudo não permitiu a visualização e quantificação destes indivíduos.
Embora a metodologia padrão para o diagnóstico do tamanho populacional de
ariranhas recomende a identificação mínima de 60% dos indivíduos que compõem um grupo
por meio de suas marcas gulares (GROENENDIJK et al., 2005), isto não foi possível para as
ariranhas residentes no entorno do lago Amanã. A frequência e duração das avistagens foram
influenciadas principalmente pelo tipo de ambiente e padrão comportamental dos indivíduos
observados. Os igarapés centrais que compõem o lago Amanã são abastecidos, ao longo de
suas extensões, por igarapés de segunda ordem. Estes igarapés atuaram em diversas ocasiões
como vias de escape para as ariranhas, quando estas detectavam a presença humana. O
comportamento esquivo dos animais observados, associado à sinuosidade dos cursos d'água,
também contribuiu para que um número relativamente pequeno de ariranhas fosse
identificado por meio de suas manchas gulares.
Como alternativa para realizar uma estimativa do tamanho populacional de ariranhas
na região, utilizou-se o mapeamento dos locais de avistagens de grupos familiares ao longo
dos anos, associado às imagens das manchas gulares dos indivíduos identificados em cada
grupo. No caso dos igarapés Juá Grande, Juacaca e Juazinho a quantificação dos indivíduos
ocorreu de forma facilitada, uma vez que nos trechos amostrados foi encontrado apenas um
grupo familiar. Já nos igarapés Baré e Urumutum, onde mais de um grupo de ariranhas foi
observado ao longo de suas extensões, a possibilidade de recontagem de indivíduos de um
mesmo grupo foi descartada em função do conhecimento adquirido dos trechos ocupados por
cada grupo, das extensões que os separavam e da identificação de determinados indivíduos.
O reconhecimento de grupos de ariranhas e territórios associados a partir da realização de
sucessivos censos populacionais também foi efetuado por Schenck e Staib (1998) e
Groenendijk et al. (2001).
Considera-se que o tamanho da população está dentro dos limites esperados para uma
área ainda em processo de ocupação. Schweizer (1992) encontrou aproximadamente um
animal a cada 1,5 km de curso d'água no rio Negro, o que representou uma média de um
grupo a cada 7 km. Tomás et al. (2000) localizaram um grupo a cada 10,8 km de curso d'água
dos rios Aquidauana e Miranda, situados no Pantanal sul brasileiro. No presente estudo foi
52
registrado um grupo familiar a cada 11,9 km, em áreas onde a ocorrência da espécie foi
confirmada por meio de avistagens.
Durante o inventário distribucional de ariranhas no entorno do lago Amanã, Carvalho
Junior et al. (2004) observaram apenas um indivíduo nos quatro igarapés considerados
positivos para a presença da espécie, adotando a mesma metodologia e extensão percorrida
durante o presente estudo. Atualmente a população de ariranhas na área amostrada é composta
por, no mínimo, 75 indivíduos, distribuídos em 12 grupos familiares. O tamanho populacional
de ariranhas na área pode ser superior ao encontrado, uma vez que existem relatos não
confirmados de outros grupos de ariranhas na região.
4.3 Características de evidências e ambientes explorados por ariranhas
Os resultados obtidos acerca da caracterização de evidências e ambientes explorados
por ariranhas permitiram a visualização do cenário onde a espécie ocorre no entorno do lago
Amanã. De modo geral, observou-se que as dimensões dos acampamentos, locas e locais de
descanso e as características dos sítios onde foram encontradas durante o período amostral
estiveram dentro do padrão identificado em estudos semelhantes realizados em outras regiões
(DUPLAIX, 1980; SCHWEIZER, 1992; BORGES e TOMÁS, 2004; DAMASCENO, 2004;
DE MATTOS et al., 2004).
As locas identificadas neste estudo apresentaram aberturas com largura média de 56
cm e altura média de 41 cm, enquanto que Damasceno (2004) observou locas com largura
média de 95 cm e altura 40 cm. Rosas et al. (2007) observaram entradas de locas com largura
média de 28 cm e altura média de 56 cm e de Mattos et al. (2004) registraram locas com uma
altura mínima de 16 cm e máxima de 58 cm e um comprimento na base mínimo de 32 cm e
máximo de 99 cm.
Carter e Rosas (1997) afirmaram que locas são comumente escavadas sob o sistema
radicular da vegetação associada às margens dos cursos d'água ou encontradas sob troncos
caídos. As locas registradas no presente estudo não seguiram este padrão. Observou-se maior
percentual de locas construídas diretamente no solo. A preferência de construção dos refúgios
no solo também foi observada por Lasso (2003) em cursos d'água situados na Amazônia
equatoriana. Esta autora atribuiu a diferença do padrão apontado por Carter e Rosas (1997) ao
registro de locas em margens mais inclinadas, livres de troncos. Durante as saídas ao campo
nos cursos d'água do entorno do lago Amanã observou-se que as margens mais inclinadas dos
53
igarapés, principalmente do Baré e Urumutum, sofreram modificações por ação da erosão
pluvial e fluvial, o que em certos casos resultou no deslizamento de terras e da vegetação de
porte arbóreo. Possivelmente estes ambientes foram evitados por ariranhas para a construção
de locas em decorrência da ausência de estabilidade do local.
Borges e Tomás (2004) registraram locas construídas às margens dos cursos d'água,
com a entrada exposta ou coberta por raízes e galhos da vegetação associada. Registrou-se no
presente estudo a maior ocorrência de locas com aberturas encobertas por folhas e raízes de
arbustos adjacentes. Damasceno (2004), no Pantanal brasileiro, e Carter e Rosas (1997), na
região amazônica, também observaram locas preferencialmente encobertas pela vegetação, o
que Schweizer (1992) definiu como evidência da preferência das ariranhas por construírem
locas em lugares camuflados por galhos e folhas ao invés de deixá-las visíveis, sem
vegetação.
As locas foram construídas com maior frequência nas classes de altura mais baixas em
relação ao espelho d'água e em locais com inclinação suave, considerando-se que os valores
máximos registrados foram de 680 cm e 65o, respectivamente. Estas características podem
estar relacionadas com a maior facilidade de acesso às locas, reduzindo assim o gasto
energético dos animais.
Os acampamentos apresentaram comprimento e largura mínima de um metro, situados
com maior frequência entre um e dois metros de altura. Estes sítios foram registrados em uma
inclinação suave, frente aos trechos dos cursos d'água rasos e transparência de até um metro.
Os locais de descanso apresentaram comprimento e largura mínima de
aproximadamente um metro, construídos em alturas variadas do espelho d'água. Os locais de
descanso foram encontrados em maior frequência nos barrancos de inclinação mediana, frente
a trechos de igarapés com transparência de cerca de um metro e profundidade de três metros.
As maiores frequências de locas e locais de descanso foram encontradas a uma altura
de até 113 cm, enquanto que os acampamentos estiveram a uma altura de até 227 cm. Os
sítios com inclinação entre 22o e 43o apresentaram as maiores ocorrências destas três
evidências da presença de ariranhas.
As locas, os locais de descanso e os acampamentos apresentaram o mesmo padrão de
distribuição quanto a transparência e profundidade dos cursos d'água frente aos sítios onde
foram construídos, tendo sido registrados em trechos de igarapés com aproximadamente um
metro de transparência e até cerca de três metros de profundidade. Provavelmente a
transparência e a profundidade do curso d'água não exerçam papel determinante na construção
destes sítios, mas o registro destas informações são relevantes para se conhecer a amplitude
54
das características dos ambientes explorados pela espécie na região. Duplaix (1980) e Carter e
Rosas (1997) relataram que estas variáveis ambientais são importantes quando se referem aos
trechos de cursos d'água explorados por ariranhas para captura de peixes. Schenck (1999)
realizou um estudo a respeito da preferência de hábitat por ariranhas no Peru e não observou
nenhuma relação entre o padrão de uso de corpos d'água e sua morfometria. Para que isto seja
verificado na região amostrada será necessário a realização de um estudo semelhante, pois os
dados coletados não permitem inferir sobre os critérios de seleção de hábitats pela espécie.
4.4 Identificação e caracterização das interferências antrópicas
A identificação das ameaças atuais e potenciais à ariranha encontra-se dentre as ações
emergenciais para a implementação de estratégias de conservação em âmbito local e regional
(FOSTER TURLEY et al., 1990; IBAMA, 2001; DUPLAIX et al., 2008; MACHADO et al.,
2008). A espécie encontra-se em baixas densidades, distribuição fragmentada e sujeita a uma
gama de interferências antrópicas, o que para Duplaix et al. (2008) têm determinado a
categoria de espécie em perigo de extinção.
De modo geral, observou-se que as ameaças que atingiram a população de ariranhas
no lago Amanã seguiram o mesmo padrão observado para a espécie nas demais áreas de
distribuição (DUPLAIX et al., 2008). A ocorrência de interferências negativas à espécie
esteve associada principalmente à sobreposição de áreas utilizadas pela população humana e
ariranhas. Carter e Rosas (1997) relataram que uma das maiores ameaças à espécie é o
crescimento demográfico humano, capaz de originar um elevado número de assentamentos ao
longo dos cursos d'água, com consequente alteração do hábitat. As interferências de origem
antrópica identificadas durante o presente estudo já se configuram como ameaças e possuem
um potencial de comprometer a manutenção e a reocupação dos cursos d'água no entorno do
lago.
Observou-se que a ariranha ainda é uma espécie pouco conhecida por moradores da
região, uma vez que apenas 22% da população humana residente em localidades à montante
do lago Amanã relataram avistagens de unidades sociais e/ou interagiram negativamente com
a espécie. O desconhecimento pode ser considerado a maior ameaça às ariranhas no lago
Amanã, o que resultou na mortalidade de indivíduos da espécie motivada pelo medo,
curiosidade e interação com a pesca. Embora a confirmação da morte de animais tenha sido
restrita, sabe-se que a mortalidade colateral causada pela caça pode ser significativa (PERES,
55
2000). É importante levar em consideração que muitos animais atingidos durante tentativas de
abate não são localizados pelos moradores e que filhotes dependentes geralmente morrem de
inanição após o abate de fêmeas lactantes (CARTER e ROSAS, 1997).
Treves e Karanth (2003) afirmaram que a crescente sobreposição dos requerimentos
ecológicos de mamíferos carnívoros com populações humanas é um dos grandes precursores
de conflito. Para que estes sejam manejados da melhor forma é necessário conhecer quais
questões são importantes localmente, sua abrangência temporal e geográfica, e quem são as
pessoas afetadas ou consideradas prejudicadas (HILL et al., 2002).
Os moradores locais relataram que as ariranhas frequentemente danificam redes de
espera na tentativa de retirar peixes, o que gera prejuízo econômico e consequente
descontentamento. Relatos semelhantes também foram obtidos em pesquisas com enfoque na
interação da espécie com a atividade pesqueira em outros locais de ocorrência de ariranhas
(GÓMEZ e JORGENSON, 1999; ROOPSIND, 2002; ROSAS et al., 2003; GÓMEZ, 2004;
VARGAS e MARMONTEL, 2007). Além disso, moradores justificaram tentativas de abates
de ariranhas por medo de serem atacados em suas canoas, o que também foi relatado por Isola
e Benavides (2001) e Dehnert (2003).
Staib e Schenck (1994) descreveram emalhes seguidos de morte de ariranhas em redes
de pescadores comerciais. No presente estudo observou-se que a pesca de subsistência
também foi responsável pela mortalidade de ariranhas, o que pode ser considerado uma das
ameaças atuais à espécie na região.
Em consequência do aumento da frequência de avistagens de ariranhas por moradores,
foi observado que a população local manifestou interesse em retomar antigos costumes, como
a captura e a criação de filhotes de ariranhas como animais de estimação. Além disto, existe
uma interpretação equivocada de que o aumento da população qualifica a ariranha como
espécie alvo para um potencial "plano de manejo", que autorizaria a caça para a
comercialização das peles, atuando ainda como benefício para o controle do crescimento
populacional.
Uma forma de conciliar as expectativas de renda da população local com as diretrizes
da unidade de conservação, neste caso a proteção de uma espécie em risco de extinção,
poderia ser a sua exploração como atrativo turístico. A ariranha é uma espécie carismática
com um exemplo bem sucedido de sua inclusão em uma estratégia de turismo ecológico no
Peru (SCHENCK e STAIB, 2001). Em uma eventual estratégia de turismo ecológico no
Amanã, as ariranhas também poderiam figurar entre os atrativos, no entanto é preciso
56
considerar o padrão disperso do uso do hábitat, a mobilidade dos grupos e a raridade das
avistagens diretas, mesmo durante a estação seca.
Observou-se que a conversão de ambientes naturais para implantação de áreas de
cultivo agrícola anual (roçados) contribuiu para alteração nos padrões de utilização do hábitat
por grupos de ariranhas. Esta interferência é resultante da necessidade de derrubada e queima
da vegetação associada à área de interesse para a implantação do cultivo agrícola. Carter e
Rosas (1997) identificaram esta atividade como uma das ameaças à espécie, pois a baixa
qualidade de nutrientes em solos amazônicos é responsável pela alta rotatividade das áreas
onde são desenvolvidas atividades de agricultura de subsistência.
O deslocamento de animais domésticos junto aos moradores locais até as áreas
utilizadas para a prática da agricultura e extrativismo dos recursos naturais tem proporcionado
uma maior proximidade com as populações de ariranhas nos igarapés da região. Schenck
(1999) afirmou que populações de ariranhas são especialmente ameaçadas por enfermidades
oriundas de animais domésticos mantidos em comunidades ribeirinhas, como parvovirose e
cinomose canina. Estas zoonoses, apesar de não confirmadas na região do lago Amanã,
podem ser disseminadas por espécies contaminadas que compartilham espaços vitais
utilizados por ariranhas. A dispersão de doenças pode ocorrer facilmente devido ao
comportamento social apresentado por ariranhas e à capacidade de deslocamento por longas
distâncias, em especial por animais solitários em busca de ambientes para o estabelecimento
de território (SCHENCK, 1999).
Embora registros da presença de ariranhas tenham sido observados em oito cursos
d'água no entorno do lago Amanã, ao final do quarto ano de amostragem, as interferências
antrópicas estiveram associadas aos igarapés situados à montante do lago. Provavelmente o
número de encontros entre moradores locais e ariranhas nesta região foi mais frequente que
nos igarapés situados à jusante, já que durante as incursões náuticas as avistagens de
indivíduos da espécie também foram restritas aos cursos d'água situados à montante do lago
Amanã.
57
5 CONCLUSÃO
Os resultados obtidos durante os quatro anos de esforço direcionado à documentação
da presença de ariranhas nos cursos d'água situados no entorno do lago Amanã permitiram
concluir que a espécie tem encontrado condições favoráveis para sua manutenção na região.
Esta afirmação deve-se à distribuição, aumento das proporções das áreas utilizadas, um
número significativo de grupos familiares e aparente constância de indícios entre anos
amostrados. Comparando-se as informações apresentadas neste estudo com os registros
prévios da presença de ariranhas no entorno do lago, pode-se afirmar que ocorreu uma
considerável ocupação dos cursos d'água da área e o estabelecimento de uma importante
população da espécie.
Se estas condições forem mantidas, e ocorrer um crescimento da população de
ariranhas, pode-se esperar um aumento das interferências negativas, com um possível prejuízo
para as ariranhas. A presença de ariranhas em áreas cada vez mais próximas aos núcleos de
ocupação humana tem ocasionado interações negativas com a espécie na região,
principalmente nos cursos d'água situados à montante do lago Amanã, onde foi registrada a
maior frequência de interferências antrópicas. A identificação destas ameaças é de
fundamental importância para implementação de ações visando à conscientização acerca da
importância da espécie, além de medidas de prevenção e controle de pressões antrópicas.
Cabe ressaltar que a RDS Amanã, como parte do Corredor Ecológico da Amazônia
Central, possui um papel importante para a conservação de ariranhas, uma vez que possibilita
a dispersão da espécie por meio de seus cursos d'água e interação com as populações de outras
regiões protegidas. É prioritário que estudos semelhantes a este sejam realizados, de forma a
gerar informações para a avaliação do estado de conservação das ariranhas na bacia
amazônica.
58
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ƒ
Identificou-se que a população de ariranhas do entorno do lago Amanã encontra-se em
processo de ocupação de cursos d'água. É prioritária a continuidade de estudos
envolvendo os aspectos distribucionais e populacionais da espécie na região, com
intuito de monitorar possíveis alterações nos padrões identificados durante o presente
estudo. Sugere-se que estudos futuros incluam amostragens nos igarapés identificados
como negativos para a presença de ariranhas, de modo a verificar uma possível
ocupação. Além disso, é necessário a realização de um estudo acerca da preferência de
sítios utilizados por ariranhas.
ƒ
Em consequência da percepção dos moradores locais acerca da espécie, recomenda-se
a implementação de atividades voltadas à informação e conscientização da população
acerca da importância ecológica da ariranha. Sugere-se que atividades lúdicas (como
jogos e encenações) e informativas (como palestras e documentários) sejam
direcionadas tanto aos adultos quanto às crianças.
ƒ
Sugere-se a realização de um estudo acerca da riqueza e abundância de peixes nos
cursos d'água da região e dos hábitos alimentares das ariranhas. Isto deve ser realizado
com o intuito de identificar quais das espécies predadas por ariranhas estão entre
aquelas preferencialmente consumidas por populações humanas.
ƒ
Reuniões com moradores locais devem ser priorizadas a fim de identificar métodos
alternativos para evitar conflitos com ariranhas, como por exemplo, diminuir o tempo
de exposição das redes de espera e aumentar a frequência de checagem das mesmas.
ƒ
Recomenda-se a realização de um estudo direcionado aos animais domésticos nas
áreas de ocupação humana, a fim de identificar o risco de transmissão de zoonoses.
Campanhas de vacinação e castração de animais, especialmente cães e gatos, devem
ser implementadas na região.
ƒ
A participação de moradores locais nas atividades de pesquisa direcionadas à espécie
na região devem ser incentivadas com o intuito de desmistificar os aspectos
comportamentais expressados por ariranhas durante encontros com humanos.
59
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Ocorrência de ariranhas Pteronura brasiliensis