Aleph – Formação de Professores ISSN 1807-6211 O SEMINÁRIO DE “PESQUISA E PRÁTICA PEDAGÓGICA”: DIMENSÃO INSTITUINTE E UMA POSSÍVEL “ARTE DE FAZER”1 SUA Rejany dos Santos Dominick - UFF2 RESUMO Este trabalho tem como eixo a narrativa analítica da experiência instituinte que nós, professores e estudantes do curso de Pedagogia–Niterói, estamos corporificando desde o segundo semestre de 2002. Reinventando o estabelecido produzimos, com astúcias, prazeres cotidianos de conhecer e conhecer-se como sujeito de saberes. Contar a nossa “arte de fazer” não objetiva assumi-la como a única, mas como uma das formas de produzir articulações entre a pesquisa em Educação, a prática pedagógica e os espaços educacionais que reinventam fazeres-saberes. Tomei como referência, para perceber e analisar nossa produção autores tais como Certeau, Morin, Linhares, Deleuze e Guattari e os entrancei com as produções dos professores e estudantes do próprio curso. Temos como foco a produção e o reconhecimento de políticas instituintes, que se alimentam das memórias de resistências e afirmem a dignidade e os direitos de estudantes e professores das instituições públicas educativas. Diálogos de uma narradora (...) nossa pesquisa vem trabalhando as memórias políticas e culturais que sustentam determinados tipos de escola, procurando detectar as gêneses e os mecanismos de manutenção de uma política de favores e terrores de larga vigência entre nós. Em confronto com esta gangorra que seduz e amedronta, também buscamos reconhecer uma política instituinte, que se alimenta de uma memória de resistências e afirmação de dignidade e direitos, embora considerada na contemporaneidade como pertencente aos derrotados e vencidos (Benjamin, 1983). Concluindo, é pela recuperação de períodos de média e longa duração que podemos apreender os movimentos de uma cartografia política, cultural e pedagógica que poderá nos ajudar a forjar projetos educacionais, escolares e docentes, compatíveis com os projetos sociais, aproveitando seus empenhos históricos e sonhos éticos endereçados a um outro tipo de escola e de sociedade mais plural, mais includente e solidária. (Linhares, 2003: 09). Este texto tentou, inicialmente, ser uma “contação” de experiência, mas acabou ganhando riscos e rabiscos indispensáveis à formação do professor reflexivo: articulações teóricas. Disse que ele tentou, porque parece que, quando me sento para 1 Esse texto foi apresentado no II Seminário de Educação – UERJ/FFP – tendo sofrido algumas modificações para essa publicação. 2 Doutora em Filosofia, História e Educação pela FE – Unicamp. Professora-pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense e do Grupo ALEPH. 2 escrever, os textos querem seguir seu rumo sem as emoções e as razões de quem os escreve. Pergunto-me sempre se eles conseguiriam seguir, assim, se escrevendo sem que deste lado do teclado estivesse uma mulher de carne, coração e nervos, professora há tanto tempo que já não me lembro de quando não o era, e mãe, e esposa, e filha, e militante... sei lá quantas. Mas, deixemos de lado, por hora, essa pretensão de auto-escrita e voltemos nossa atenção para a questão central deste texto: a experiência instituinte que nós, eu e as alunas da turma de PPP VI – manhã, no segundo semestre de 2002, produzimos com a contribuição de alguns outros docentes da FEUFF e que, hoje, se tornou um projeto de extensão que inclui os professores e os estudantes do curso de Pedagogia de Niterói que dele desejam participar. Contar a nossa arte de fazer não objetiva a assunção desta maneira como a única, mas como uma forma, entre muitas, de produzir articulações entre pesquisa em Educação e prática pedagógica, ainda tão difíceis para muitos professores e estudantes da FEUFF. Meu desejo é ser relatora em interseção, pois espero muitíssimo que outras escritas sejam produzidas, interagindo com esta, para que os acontecidos no Seminário coletivo com a turma do 6º período de Pedagogia – manhã ganhem nuances que a minha narrativa, certamente, não dará conta. O seminário não pode ser considerado um ato inaugural, trata-se, contudo, de um nó importante na tecedura do componente curricular Pesquisa e Prática Pedagógica (PPP). PPP vem sendo tecido por vários professores desde a elaboração do novo currículo, há mais de dez anos. O texto “A pesquisa como eixo da formação docente” (Zaccur e Esteban: 1996), o “Documento 1/95 – Pesquisa e Prática Pedagógica e Monografia: sistematização de algumas discussões” e o projeto político pedagógico do curso conformam a base do tear que possibilitaram a produção de mais este enlaçamento. Nosso seminário é parte do fluxo que vem sendo produzido por professores e estudantes, movimento cujo sentido volta-se para a implementação dos princípios orientadores da proposta político-pedagógica do nosso curso de graduação. Embalando a rede O que conduziu a minha busca por organizar este seminário estava na pauta de discussão de professores da FEUFF e de estudantes do curso de Pedagogia. Estava presente nas discussões internas das alunas da turma do sexto período (manhã) e expresso em documentos docentes e discentes, elaborados a partir de diferentes encontros que apontavam, em suas propostas, a realização de um seminário como um 3 dos possíveis caminhos para a formação dos pedagogos como sujeitos de conhecimento. Um exemplo está expresso na proposta produzida pelo fórum dos alunos, realizado em 12 de novembro de 2003: 6) Que, no final de cada período, ocorra uma semana de apresentação de trabalhos de Pesquisa e Prática Pedagógica junto com as monografias, socializando assim as pesquisas realizadas pelos alunos. Proposta semelhante apareceu no relatório do encontro dos docentes no Forte do Leme, no mesmo dia: 1. Instituição de duas modalidades de reuniões pedagógicas do curso de Niterói, por período. (...) b. com todos os alunos e todos os professores de cada período. Essas reuniões seriam em número de duas, por semestre. Uma no começo e outra ao final, para fins de planejamento e avaliação. Assim, a turma do sexto período do curso de Pedagogia (manhã), com o apoio de seus professores e sob a coordenação da professora de PPP VI, organizou-se para que, no dia 1º. de fevereiro de 2003, as atividades de pesquisa desenvolvidas neste semestre fossem apresentadas e discutidas com outros colegas e com seus professores. Havia a proposta de uma reunião de avaliação do período, ao final das apresentações, com os professores, objetivando a transformação da cultura ainda fragmentada do nosso curso. Distantes das imagens-memórias3 que buscam culpados, algozes ou vítimas, eu e a maioria das estudantes procuramos, na interação, romper com algumas práticas questionadas por muitos, mas desfiadas e retecidas por poucos. Eu caminhava pelo percurso apreendido com meus estudos interativos, acreditando que nós, professores e estudantes, fomos impressos por imagens-memórias de uma produção cultural híbrida que nos deixou como legado algumas maneiras que caracterizam uma pertença e também contradições com esta pertença. As imagens-memórias se expressam em técnicas corporais que foram gravadas em nós, em nosso processo de escolarização, na prática profissional e no mundo vivido. Contudo, se, em nossas técnicas corporais docentes, estão as repetições, estão presentes também as nossas maneiras ou artes de fazer, que constituem as mil práticas pelas quais usuários se re-apropriam do espaço organizado pelas técnicas da produção 3 As imagens-memórias são as tatuagens psicoculturais impressas em nossa corporeidade. São memórias do esquecimento, da repetição. Elas nos conduzem à repetição sem questionamentos, fazem parte dos hábitos de determinados grupos e não nos perguntamos sobre sua gênese ou sobre sua eficácia. São como palimpcestos, gravados, apagados da memória-razão, mas presente devido a sua marca. (Dominick, 2003: 16) 4 sociocultural (Certeau, 1994: 41) e recriam, produzem táticas divergentes, astúcias, podendo formar redes antidisciplinares. Em nossas práticas cotidianas docentes (falar, ler, dar aulas, corrigir trabalhos, elaborar provas...), tanto repetimos o estabelecido como refazemos o determinado através de pequenos golpes, simulações polimorfas, achados que provocam euforias, tanto poéticas como bélicas. Tomando como referência as concepções de Certeau (1994), rememorei que os gregos designavam métis, as astúcias e as simulações de plantas e peixes para sobreviverem. Tais astúcias introduzem um movimento aleatório no sistema e expressam as possibilidades das inteligências que articulam o combate ao estabelecido com os prazeres cotidianos. No espaço-tempo do vivido, agimos, portanto, muitas vezes, através dos 4 habitus e, outras vezes, com astúcias. No espaço-tempo do vivido, produzimos linhas de fuga que rompem com o estabelecido, fazendo-nos sentir estruturados para assumirmos nossas artes de fazer e deixarmos fluir nossas subjetividades divergentes. Não se trata de fluir um verdadeiro “eu”, que se vê revelado, mas de possibilitar a visibilidade dos vários “eus” que se fazem presentes em nossa subjetividade e que se vão produzindo no diálogo sociocultural. Em nossas ambíguas e conflituosas práticas docentes e discentes na FEUFF, é possível visualizar que nelas estão presentes fios que produzem uma trama que possibilita tanto o movimento e as críticas de interlocução, como as críticas superficiais que levam à ruptura com o fluxo de recriação do mundo. No entanto, acreditando na desterritorialização como caminho indispensável e na criação de linhas de fuga como possibilidade para rompermos com os fios da crítica superficial, foi que optei por voltar as energias para produzir, junto com minhas alunas do sexto período e o apoio de alguns professores, o primeiro seminário de PPP. A crítica superficial se tece com dois fios que nem sempre se conectam. Ela rejeita, por princípio, a cultura científica, repete o discurso de que a prática é o único critério de verdade, sem questionar a gênese das imagens-memórias impressas nas práticas cotidianas. Um outro fio da referida desconexão é tecido apenas com as teorias e os teóricos, acreditando que aí está a tábua de salvação. Não são produzidas relações com o mundo vivido e a leitura de infindáveis textos parece bastar-se em si, uma vez 4 Este conceito é trabalhado nas ciências humanas por Bourdieu e por Elias. Aqui, seguindo os caminhos identificados por Malerba (2000) sobre o conceito em Elias, identifico o habitus sendo produzido a partir de indivíduos interligados e interagentes, compondo configurações cada vez mais complexas e interligadas quanto mais diferenciadas forem as funções no interior de uma sociedade (p. 214). 5 que a teorização, muitas vezes descontextualizada, é assumida como o locus da produção do conhecimento. Procurando na atitude crítica de interlocução entre o vivido e as teorias é que produzimos saberes compartilhados, saberes com sabor de vida que ocupam os vários sentidos de ser professor. Assumindo a perspectiva de que outro professor, outra educação e outro curso de Pedagogia estavam em produção por muitas corporeidades transitórias, coloquei-me na postura corporal de curiosidade cautelosa. Costurando eticamente aquilo que era desejado por alguns e por mim como mudança produzimos interativamente o Seminário de PPP VI. Orientei minhas ações pela perspectiva de que estamos, docentes e discentes da FEUFF, em processo de formação permanente; portanto, nossa postura corporificada diante dos saberes deve ser movente, em fluxo no mundo que é fluxo, vivendo e compartilhando saberes, e atentos aos significados desses saberes, observando e optando politicamente a partir dos princípios de inclusões sociais. Nesse sentido, o projeto do seminário teve como objetivo entrar na rede dos muitos sujeitos que estavam produzindo, ativamente, saberes sobre o curso e o componente curricular PPP. Foram apresentados os seguintes trabalhos pelas estudantes5: Projetos de trabalho na Creche/UFF : uma alternativa à produção do conhecimento. Autoras: Alessandra Nascimento Rodrigues, Maria do Nascimento Silva, Rachel de Oliveira Carvalho, Roberta Lopes Alfradique e Tatiana Leite da Silva; 1. 2. O processo de amadurecimento político da comunidade escolar frente às necessidades sociais: o que os professores têm a ver com isso? Autoras: Cirléia Alves de Souza, Fernanda Trovão dos Santos e Jaqueline Campos de Oliveira; 3. Vivendo a esperança: possibilidades da escola pública. Autoras: Bianca Mazeron, Bruna Ferreira, Maria Luiza dos Santos e Mônica Moreira; 4. O SUCESSO como representação social em uma escola pública. Autoras: Ana Flávia Alves Cenaqui, Camila Avelino Cardoso e Marcela Paula de Mendonça; 5. O trabalho por projetos na creche-UFF: uma construção coletiva dos sujeitos. Autoras Anne Caroline Bessa Lima, Karem Mizrahi, Luciana Mureb Santos e Viviane Maria Ferreira; 6. A Escola de Aperfeiçoamento e Preparo da Aeronáutica Civil – EAPAC. Autoras: Bárbara Cardoso F. de Araújo, Priscila Furtado Fernandes e Rachel Menezes Cony Dantas; 7. Políticas e práticas instituintes: articulando saberes e prazeres no IEPIC. Autoras: Elizabeth C. da Silva Barros, Gláucia Maria Figueiredo Silva, Liliane Amitrano de Alencar Imbassy e Monnike Azevedo Alves. 5 Houve um oitavo trabalho. Entretanto, não consegui resgatar o seu título com as autoras. 6 A arte de fazer na interação No início do semestre letivo, apresentei às alunas duas propostas orientadoras para a discussão do que seria o tema do trabalho de Pesquisa e Prática Pedagógica a ser desenvolvida pela turma. Discutimos, já no primeiro dia de aula, os temas: Planejamento: as várias maneiras de fazer; e O que os estudantes/professores (não) gostam na escola?6. A conclusão do debate foi de que o tema orientador de nossa pesquisa no semestre deveria articular as duas questões, tomando como foco a identificação do que estava dando certo na escola e os trabalhos coletivos na escola. Alguém na turma falou assim: “A gente vai pesquisar a instituição de novas práticas escolares”. Outra (ou a mesma) voz replicou: “Velhos sonhos em novas práticas escolares” (em minha memória corporal, essas falas aparecem com um sotaque nordestino, mas eu não tenho certeza de que bocas saíram). No momento eu participava do projeto de pesquisa Experiências Instituintes em Escolas Públicas – memórias e projetos para formação de professores I, coordenado pela professora Célia Linhares. Havia, na turma, duas bolsistas da pesquisa do projeto: a nordestina Maria Luísa e a carioca Bruna. Reaprendi com as estudantes que PPP VI poderia ser isso: “Velhos sonhos em novas práticas”. Fui relembrada de que o conhecimento é tecido e se entrança na relação com o outro. As experiências instituintes estavam sendo impressas em mim na relação com o grupo de pesquisa ALEPH; contudo, somente na ação, fui percebendo que essas imagens-memórias já estavam lá, marcadas em minha corporeidade. Não podíamos simplesmente ir à escola. Era preciso saber para além das perguntas mestras o que procurávamos. Começamos a elaborar os “projetos de pesquisa” em grupos que variavam de três a seis participantes. Os estudantes da turma já haviam experimentado esse tipo de produção, comigo, em Monografia 1. Não eram projetos como os que costumamos apresentar aos órgãos de fomento de pesquisa, mas um planejamento fundamentado sobre o que estudaríamos na escola. Nos projetos, os estudantes deveriam descrever, de forma breve, mas fundamentada, a sociedade na qual vivemos, qual o papel da escola nesta sociedade (o que eles acreditavam ser e o desejado por eles) e apontar alguma(s) “categoria(s) de análise(s)” central(is) para seu trabalho. Deveriam ainda relatar qual seria o caminho a ser percorrido para responder às suas perguntas. 6 Tomei por base as informações e os diálogos com a turma, quando fui sua parofessora no componente curricular Monografia 1. 7 As categorias de análise seriam produzidas articulando-se três fios: aquilo que o cotidiano informa como significado; o que o dicionário apresenta como sinônimo; e aquilo que está expresso pela racionalidade científica. Para amarrar este último fio, o estudante precisava buscar, na sua rede de saberes, os autores que trabalhavam com tais categorias, que eles apontaram como centrais. Para algumas forneci indicações bibliográficas, sugeri caminhos; para outras, eu não sabia. Explicitei a importância de contatar outros professores. (Re)Apareceram, em minha sala de aula, autores trabalhados por outros docentes. Entraram, neste entrançamento, os autores e as categorias de análises importantes para as monografias dos estudantes. Creio que minha contribuição aos estudantes, para além de valer como aprendizado de alguns mecanismos de pesquisa e de conhecimentos sistematizados sobre a escola, valeu pelo potencial de deslocar algumas subjetividades do seu locus de “vítima de um sistema mal produzido”. Desenvolvemos os tais “projetos de pesquisa” por três semanas. Este foi lido e apresentado pelas estudantes na turma. Estávamos com a corda no pescoço, pois o semestre letivo era bastante distinto do ano escolar. Começamos as aulas em outubro, quando faltava pouco para o recesso do ensino fundamental e médio nas redes pública e privada. Houve uma seqüência de feriados na sexta-feira e parecia que o trabalho não andaria. Tivemos também o recesso, na UFF, das festas de fim de ano. Achava que não aconteceria o tal seminário. Porém, se “quem sabe faz a hora”, quem “não sabe” reinventa, com as artes de fazer docente. Deslocando o tempo do seu lugar disciplinar, produzimos deslocamentos, também, no mapa dos saberes. Procurei desfocar o olhar daquilo que já era sabido. Uma lente crítica já havia sido produzida pelos estudantes nos estudos feitos em vários componentes curriculares do curso, entretanto era preciso fazer com que a lente se movesse sobre nossos olhos. Muitos estavam viciados em um tipo de crítica que só identificava o que estava dando errado na escola, especialmente na escola pública. Fui, pouco a pouco, construindo metáforas para expressar o que devíamos procurar. Cheguei em sala e falei: precisamos tirar a lente vermelha e colocar uma azul, para podermos encontrar o que destoa da perspectiva que identifica a escola apenas como espaço de reprodução. Minhas alunas me criticaram. Era época de eleição e o vermelho da bandeira do PT foi identificado pelo candidato José Serra como coisa do mal e eu estava reproduzindo a lógica que havia criticado há poucos dias. São os imprintings que Edgar 8 Morin (1992) aponta como marcas gravadas em nossa corporeidade e que se repetem apesar de nossos deslocamentos teóricos. Discutimos a questão e, com a ajuda de Certeau (1994), tenho apresentado aos alunos outro olhar como um olhar para a praia de Icaraí. Lá está o mar e a areia. Um mar poluído e uma areia suja; contudo, foram reapropriados e reinventados pela população da cidade. É hoje um espaço onde se joga vôlei, futebol, onde crianças e velhinhos tomam banho de sol, aposentados jogam xadrez, todo tipo de gente caminha, corre, toma ônibus... Há um mar no qual a gente pode ver o pôr-do-sol, no qual os barcos passam e podemos descansar nossos olhos, mergulhando-os na linda paisagem da Baía de Guanabara. A praia é poluída, as iniciativas do poder público no sentido de despoluí-la têm sido pouco efetivas, todavia continua viva e com muitas coisas boas recriadas pela população que demanda por espaços de lazer. Não queremos que aterrem e construam um monte de prédios. Precisamos dela e a queremos como praia, apesar da poluição, e, por isso, muitos a ressignificam cada dia. Expliquei que era preciso ir à escola acreditando que lá é um lugar de erros e acertos, de reprodução e de recriação. Não existem apenas coisas ruins que fazem parte de uma sociedade excludente como a nossa. Na escola existe muita gente que, como Phoenix, consegue fazer renascer das cinzas possibilidades infinitas de vida. Pedi que fizessem um “teatro do oprimido”, imaginando alguém chegando a sua sala de aula só para olhar o que você faz de errado! Solicitei, também, que se imaginassem falando de nossas buscas para instituir novas práticas. Conversamos sobre como adoramos contar sobre as coisas boas que procuramos fazer. Contar reforça, para quem conta e para quem ouve, a fé de que é possível resgatar os velhos sonhos de uma sociedade inclusiva, democrática e igualitária e nos ajuda a recarregar as forças do agir no sentido das transformações. O diálogo possibilita o refazer no e do mundo. Conecta os sujeitos que desejam a transformação social e que estão na escola, diariamente, com suas revoluções e imprintings. Bem parecido com todos nós, repetindo o instituído, mas procurando reconstruir sonhos e produzindo picadas nos caminhos pavimentados que podem transformar a cultura. Discutimos, ao longo da elaboração do projeto o modo pelo qual cada grupo poderia organizar seu enfoque na pesquisa, a partir dos interesses da monografia. Típico de um componente curricular tão questionado e pouco compreendido por estudantes e professores, nem todos foram imediatamente ao campo de pesquisa. Vejo essa questão como central para discutirmos com os estudantes, pois eles – e também alguns 9 professores – ainda acreditam que é necessária a tutela no trabalho de campo. No perfil de profissional de educação que o nosso curso deseja formar é indispensável que o aluno se perceba como co-responsável por sua formação. Perceba-se como sujeito de conhecimento e que a sua melhor ou pior formação se dará na relação direta da sua assunção como produtor de saberes e como sujeito que se desterritorializa, pois, como interpreto em Deleuze e Gattari (1995), isso possibilita ao sujeito conhecer e perceberse enredado no mundo para fazer rizoma, aumentar seu território por desterritorialização, estender a linha de fuga até o ponto em que ela cubra todo o plano de consistência em uma máquina abstrata (p.20). Os estudantes, que identificam na graduação um momento importante para conhecer de forma sistematizada, conseguem romper com a inércia do eu não tenho tempo para isso. Procuram caminhos e conseguem identificar, no seu próprio local de trabalho, um espaço de pesquisa. Para aquelas e aqueles que trabalham em escolas é mais fácil tecer relação entre formação humana e formação profissional docente. É indispensável, porém, que os estudantes aprendam a identificar práticas pedagógicas ali, onde trabalham. No banco, no shopping, no metrô, no museu, na banca de revista... Se a educação é um ato contínuo de educarmos uns aos outros, como nos afirmou Paulo Freire, a Pedagogia é um ato planejado de mudar/manter comportamentos e imagensmemórias. É indispensável que os estudantes possam aprender, na relação conosco – professores da faculdade de Educação –, a identificar as várias ações pedagógicas que se produzem nos diferentes espaços da sociedade. O estudante que não consegue identificar essas ações pedagógicas terminará o curso com a imagem de que sua formação ficou desconectada, não que ela tenha ficado incompleta, pois ficará sempre, mas desapropriada de saberes relevantes para o cotidiano docente. Creio que os professores de PPP são fundamentais, não somente para ensinar métodos e técnicas de pesquisa ou de ensino, mas para contribuir com os estudantes na produção de uma imagem-memória de conhecimento na qual eles se identifiquem também como coresponsáveis por sua formação profissional e humana. Optei por buscar, na Escola, o enfoque para o semestre, embora não o identifique como o único possível na perspectiva deste curso. Não identifico como papel do professor de PPP ser um tutor de alunos, dando OK em cadernos de campo, mas um orientador dos estudantes sobre a importância do registro como caminho de acesso à memória. Elementos como incertas nas escolas para ver se eles estão lá, terrorismo com a lista de chamada ou com a avaliação não fazem parte do meu rol de opções político- 10 pedagógicas. Para mim, PPP é um espaço privilegiado para que professores e estudantes produzam e gravem a imagem-memória de que somos produtores e reprodutores de conhecimentos. Somos produto e produtores desta sociedade, sujeitos que repetem, contestam e recriam a cultura. É indispensável que nós, professores que trabalhamos com PPP, identifiquemos os estudantes como sujeitos de saberes, sujeitos potentes para conhecer, e os ajudemos na compreensão do labiríntico caminho de identificar-se como sabedores em diálogo. Podemos colaborar com os acadêmicos na percepção de que as burlas e as falsificações pouco contribuem para que eles se produzam como sujeitos de saberes. Elas existem. Por isso, é indispensável afirmarmos e reafirmarmos a responsabilidade política de cada qual na transformação/reprodução sociocultural e construirmos mecanismos coletivizados que identifiquem a fraude como um caminho que faz parte do rol de possibilidades aos que optam pela reprodução social. E mais: o estudante e o professor que não assumirem a sala de aula da Universidade como espaço de interação dos múltiplos saberes tendem a potencializar a reprodução de uma racionalidade cerebrina, a contribuir para desfibrar os saberes vividos pelos estudantes e contribuir para perpetuar os saberes descorporificados na formação docente. O instituinte em processo Creio que, entre as muitas possibilidades de PPP, uma delas está em ser, através da atividade de pesquisa, um articulador das muitas questões presentes nos vários componentes curriculares do semestre. Nos trabalhos do seminário PPP: outros percursos, novas perspectivas, buscamos a articulação com os demais professores do semestre. A realização deste primeiro Seminário de PPP foi significativa para o processo de formação daquelas alunas e desta professora. Contudo, o seminário entornou-se do sexto período e, nos semestres seguintes, a participação de outras turmas passou a ser requisitada por professores e alunos. Inicialmente participaram as turmas de PPP 1 e 2, do curso noturno, com um pequeno grupo orientado pelos professores Lea Aquino e João Batista. No segundo semestre de 2003, o Seminário rompeu totalmente os limites do sexto período e várias turmas e professores participaram e apresentaram trabalhos. Em julho de 2004, realizamos o IV Seminário Integrado de Pesquisa e Prática Pedagógica, que faz parte das ações contidas no projeto de projeto de extensão Pesquisa e Prática Pedagógica: corporificando os saberes de projetos e experiências 11 educacionais instituintes, que está articulado ao projeto de pesquisa Experiências Instituintes em Escolas Públicas – memórias e projetos para formação de professores II. O projeto de pesquisa tem um portal (www.uff.br/aleph) onde alguns dos trabalhos produzidos pelos estudantes, que se relacionam com práticas educacionais instituintes, podem ser publicados. Essa publicação já faz parte das ações integradas e integradoras junto aos docentes e discentes do componente curricular. Estamos trabalhando, também, para a publicação de fotos e de textos apresentados pelos estudantes nos seminários, no site da FEUFF (http://www.uff.br/facedu/), bem como de material dos professores interessados no debate sobre o componente. 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Representações: contribuição a um debate transdisciplinar. Campinas: Papirus, 2000. p. 199-226. MORIN, Edgar. O método. Lisboa: Publicações Europa-América, 1992. V. IV: As idéias: a sua natureza, vida, habitat e organização. ZACCUR, Edwiges & Esteban, Maria Tereza. “A Pesquisa como eixo da formação docente”. Editoração eletrônica, 1996. 12