PANORAMA BRASILEIRO DOS FUNDOS DE PRIVATE EQUITY E VENTURE CAPITAL Fausto Giacomet Advogado e Consultor RESUMO: Este artigo desenvolve uma análise da regulação dos fundos de Private Equity e Venture Capital existentes no Brasil. Para tanto, parte de uma definição conceitual para então percorrer as diferentes estruturas legais criadas pela CVM neste âmbito. Através desta análise, busca fornecer um panorama jurídico atual dos fundos de Private Equity e Venture Capital no direito brasileiro. PALAVRAS-CHAVE: Private Equity, Venture Capital, Capital de Risco, Fundos de Investimento. ABSTRACT: This article develops an analysis of the regulation of Private Equity and Venture Capital funds in Brazil. In order to do so, it begins defining the basic concepts that will be considered here to then examine the different legal vehicles created by CVM (the Brazilian equivalent of the Securities and Exchange Commission in the United States) related to this subject. Through this analysis, it intends to provide a legal panorama of the Brazilian Private Equity and Venture Capital funds. KEYWORDS: Private Equity, Venture Capital, Funds. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Da origem, natureza e funcionamento dos fundos de investimento; 3 Dos conceitos de private equity e venture capital; 3.1 Origem; 3.2 Conceitos; 4 Da disciplina legal dos fundos de private equity e venture capital no Brasil; 4.1 Os fundos mútuos de investimento em empresas emergentes (FMIEE); 4.2 Fundos de investimento em empresas emergentes inovadoras (FIEEI); 4.3 Fundos mútuos de investimento em empresas emergentes – capital estrangeiro; 4.4 Fundos de investimento em participações (FIP); 4.5 Fundos de investimento em cotas de fundos de investimento em participações; 4.6 Fundos de investimento em participações em infra-estrutura; 4.7 Fundos de investimento; 5 Conclusão. 1 INTRODUÇÃO Dois ou mais indivíduos reúnem-se e trazem consigo uma idéia de um produto ou serviço inovador. Traçam um plano de negócios. Fazem uma pesquisa para definir o públicoalvo, seus hábitos e necessidades. Fazem um aporte de capital ou optam pela subscrição pública para dar início a sua atividade. Redigem o estatuto social e cumprem as devidas formalidades perante a Junta Comercial, Receita Federal e demais órgãos públicos. Está constituída uma sociedade. Nas etapas iniciais de seu amadurecimento, as sociedades geralmente não dispõem de recursos próprios significativos, confiança no mercado ou mesmo maior expertise para a tomada de decisões. Aproveitando-se dessas condições, nas últimas décadas, principalmente 1 nos EUA e Inglaterra e mais recentemente no Brasil, houve a crescente atuação de sociedades gestoras de fundos criados com a finalidade de investir nessas sociedades em amadurecimento, contribuindo não só com o aporte de capital a estas companhias que, considerando seu estágio de desenvolvimento, não dispõem ainda de fluxos de caixa e garantias reais expressivos - necessários para a obtenção de empréstimos e financiamentos tradicionais -, mas também acelerando o seu crescimento através de uma participação ativa na administração dessas companhias, mediante a celebração de acordo de acionistas e a ocupação de cargos-chaves para a tomada de decisões nas companhias investidas, por exemplo. Nos últimos anos, observou-se o fortalecimento da atividade de grandes fundos de Private Equity e Venture Capital (PE/VC) no Brasil, geridos pela AIG, GP Investimentos, Pátria e Gávea, além da entrada no país de grandes administradores de fundos estrangeiros, como o Carlyle, Blackstone e GE Capital. Entre as principais operações de Private Equity realizadas no ano de 2007, destacam-se a negociação da JBS-Friboi pelo BNDESPar ao valor de US$ 760 milhões; a Woods Station, Capital International e Gávea Investimentos em transação que totalizou US$ 700 milhões envolvendo a McDonald’s América Latina; a GP Investimentos negociando a Magnesita por uma valor de US$ 639 milhões1. Partindo dessa realidade, o presente trabalho aborda as modalidades de fundos de Private Equity e Venture Capital regulamentadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no Brasil. Tais fundos caracterizam-se, como iremos abordar adiante, por serem voltados para a aquisição de ações (ou outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações) de companhias abertas ou fechadas, durante seus diferentes estágios de desenvolvimento, participando ativamente da administração destas e visando a posterior revenda, assim obtendo, para os cotistas dos fundos, uma rentabilidade diferenciada, e contribuindo, sob o foco das empresas investidas, para impulsionar o seu crescimento. 2 DA ORIGEM, NATUREZA E FUNCIONAMENTO DOS FUNDOS DE INVESTIMENTO Todos os investidores, em seus investimentos, levam em consideração ao menos três atributos: segurança, rentabilidade e liquidez. A constituição de um fundo de investimento, neste sentido, é uma maneira prática de conciliar estes três atributos aos seus investidores 1 Private Equity e Venture Capital no Brasil. Elaborado pela PricewaterhouseCoopers. Abril 2008. Disponível em: http://www.pwc.com/extweb/ncsurvres.nsf/ docid/45E3D37ABC14 68798525740 B005B284A Acesso em: 21 de abril de 2008. 2 (cotistas). Trata-se de um meio eficaz para somar esforços, unindo um número considerável de investidores em torno de uma mesma aplicação e permitindo a eles atingir objetivos que isoladamente não atingiriam. No Brasil, conforme definido na Instrução no. 409 da CVM, de 18 de agosto de 2004, fundo de investimento é uma “uma comunhão de recursos, constituída sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em ativos financeiros”. Assume a forma, portanto, de condomínio2, que equivale à compropriedade, ou seja, a propriedade conjunta sobre a mesma coisa. Esse condomínio voluntário3 não tem como objeto de sua compropriedade um bem corpóreo, mas, como define a Instrução CVM no. 409, uma “comunhão de recursos”, ou seja, uma massa patrimonial de bens incorpóreos (valores). Conforme os recursos investidos, os condôminos recebem cotas representativas de sua participação na carteira do fundo. Cada cotista possui, de um lado, a propriedade autônoma de sua quota e, de outro, a compropriedade quanto ao condomínio globalmente considerado. Ou seja, “um participante não é proprietário do todo, mas apenas titular duma parte. Todos os participantes é que são proprietários do todo”4. Esses participantes (cotistas) outorgam um mandato a um administrador, pessoa jurídica que gere a “comunhão de recursos” e, portanto, trabalha, enquanto os cotistas, passivamente, esperam sua valorização. O mandato outorgado ao administrador, por sua vez, é verdadeiro contrato de adesão. Na aquisição de sua cota, todo o participante adere formalmente ao regulamento do fundo, que inclui a outorga do mandato, declarando sua concordância com as condições dali constantes5. De maneira semelhante ao trust norte-americano, há aí um negócio fiduciário pelo qual o administrador do fundo “presenta este ativa e passivamente, adquire, onera, aliena bens do fundo, investe seus recursos e defende seus direitos e interesses como se proprietário fosse”6. A instituição financeira administra os fundos em benefício de seus cotistas, pagando a eles os rendimentos decorrentes da exploração da massa patrimonial (comunhão de recursos) 2 Os Fundos de Investimento não possuem personalidade jurídica, possuindo natureza condominial. Em oposição ao condomínio necessário. 4 ALONSO, Félix Ruiz. Os Fundos de Investimentos. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, n.1, p. 62. Muito esclarecedora, ainda, a obra de Peter Walter Ashton, que foi adentrou em profundidade no tema da natureza jurídica dos fundos de investimento, quando ainda nada escrito havia sobre o assunto no país. Vide ASHTON, Peter Walter. A Natureza Jurídica dos Fundos Abertos de Investimentos. Editora Meridional “EMMA”. Porto Alegre, 1968. 5 Idem, p. 74. 6 SZTAJN, Raquel. Quotas de Fundos Imobiliários - Novo Valor Mobiliário. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, 1994, n.93, p. 106. 3 3 por eles investida. Esses rendimentos pagos acompanham a valorização da carteira de títulos (ou portfólio) decorrente dessa exploração, descontando, obviamente, a remuneração da sociedade administradora e a tributação incidente. De acordo com o art. 5º da Instrução no. 409 da CVM, os fundos de investimento podem ser constituídos sob a forma de condomínio aberto ou fechado7. Nos fundos abertos, pode-se entrar e sair a qualquer momento, através da emissão de novas cotas ou do resgate das já emitidas, não podendo negociá-las no mercado secundário. À medida que os indivíduos investem mais dinheiro no fundo, este lança mais cotas e adquire mais títulos para incorporar ao portfólio do fundo. Quando os participantes decidem vender suas cotas, o próprio fundo compra as cotas do investidor. Nos fundos fechados, por sua vez, os cotistas só podem resgatar as suas cotas ao término do prazo de duração do fundo, “de sorte que a negociação de cotas de um fundo fechado se dá no âmbito do mercado secundário, isto é, em bolsa de valores ou mercado de balcão”8. Conforme salienta FAGUNDES (2003)9, a estrutura do fundo fechado é “utilizada quando o objetivo é investir em ativos de menor liquidez, ou quando se procura maior retorno para os investimento”10. Isso se dá principalmente porque tais fundos não têm o compromisso de resgatar suas cotas a qualquer momento, além de não oferecê-las continuamente, mas sim através de um anúncio de início de distribuição, previamente aprovado pela CVM, e publicado na imprensa, do qual constem as informações necessárias à decisão do investidor. As modalidades de fundos de Private Equity e Venture Capital de que dispomos no Brasil, conforme será detalhado adiante, são classificadas como fundos de investimento fechados. 3 DOS CONCEITOS DE PRIVATE EQUITY E VENTURE CAPITAL 7 Instrução CVM nº 409, de 2004. Art. 5º - O fundo pode ser constituído sob a forma de condomínio aberto, em que os cotistas podem solicitar o resgate de suas cotas a qualquer tempo, ou fechado, em que as cotas somente são resgatadas ao término do prazo de duração do fundo. 8 De acordo com o inciso V do art. 2º da Lei 6.385, de 1976, as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos são valores mobiliários. O conceito de valores mobiliários, por sua vez, corresponde, em linhas gerais, a direitos, negociáveis ou cedíveis em massa. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v 2, p. 21. 9 FAGUNDES, João Paulo F.A. Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios à Luz das Alterações Promovidas pela Instrução CVM 393. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, 2003, n.132, p. 98. 10 Ibidem. 4 Não há, seja na literatura estrangeira, seja na literatura nacional, conceitos precisos para as expressões Private Equity e Venture Capital. Nos Estados Unidos, por exemplo, usase o termo Private Equity como gênero, abrangendo o conceito de Venture Capital. Os doutrinadores europeus, por sua vez, costumam referir-se a ambos os conceitos como sinônimos. Em meio a esse movediço plano conceitual, traçaremos inicialmente as origens históricas dos institutos e então partiremos para a adoção das definições destes conceitos. 3.1 ORIGEM A criação de companhias de Private Equity/Venture Capital e o desenvolvimento de um mercado organizado em torno dessas operações remontam ao pós 2ª. Guerra Mundial, mais precisamente ao ano de 1946 nos Estados Unidos. Naquele ano, foi criada a ARD (American Research and Development), composta por membros do MIT, Harvard Business School e o Federal Reserve de Boston, que realizava investimentos de alto risco em companhias em estágio inicial de desenvolvimento, além de oferecer a elas experiência administrativa e consultoria especializada11. Em 1958, com a criação do programa Small Business Investment Company (SBIC), nos Estados Unidos, o número de operações deste tipo de investimento (também denominadas de operações de “capital de risco”12) cresceu significativamente. Tratava-se de um programa administrado pela U.S. Small Business Administration (SBA), existente até os dias atuais, que tinha como objetivo estimular a circulação de recursos de investimentos em Private Equity para pequenas companhias13, estimulando este tipo de investimento com benefícios fiscais. 11 Apesar das dificuldades enfrentadas pela ARD, esta teve rentabilidade anual de 101% no seu investimento mais bem sucedido: Digital Equipament. CORDEIRO, Carlos Roberto Credidio. Riscos e Benefícios de Investimentos de Private Equity e o Potencial do Setor Face à Situação da Economia Brasileira. Dissertação de Mestrado apresentada ao à Pós-Graduação em Economia da UFRGS. Porto Alegre, 2006. 12 Trata-se de expressão trazida do idioma inglês e incorporada por alguns autores brasileiros ao se referirem a Private Equity e/ou Venture Capital, muito embora não haja precisão nesta terminologia, já que capitais de risco - também poderíamos dizer “investimentos de risco” - são muito anteriores a qualquer operação de Private Equity. 13 No original:“The mission of the Small Business Investment Company (SBIC) program is to improve and stimulate the national economy and small businesses by stimulating and supplementing the flow of private equity capital and long term loan funds for the sound financing, growth, expansion and modernization of small business operations while insuring the maximum participation of private financing sources.” Extraído do site da U.S. SMALL BUSINESS ADMINISTRATION. Disponível em: http://www.sba.gov/aboutsba/sbaprograms/inv/index.html Acesso em: 14 de maio de 2008. 5 Entretanto, havia ainda naquela época um conjunto de restrições quanto ao tipo de investimento, ao tamanho da empresa investida e quanto à aquisição de controle acionário.14 Na década de 70, surgiram as limited partnerships, especializadas nessas operações de risco, que acabaram por se mostrar estruturas mais adequadas aos investimentos em Private Equity e Venture Capital nos Estados Unidos, evitando as restrições daquele programa e atraindo investidores e administradores mais seletos15, vindo a se tornar a forma dominante das firmas especializadas em PE/VC. A partir do ano de 1978, foram dados passos importantes no setor, com a revisão de regras de sorte a permitir que os fundos de pensão investissem em Private Equity, e a redução de alíquotas do imposto sobre ganhos de capital com os Revenue Act (1978) e Economic Recovery Tax Act (1981). Nesse ambiente favorável é que as limited partnerships desenvolveram e aperfeiçoaram sua sistemática de investimentos, tendo participado de companhias que hoje são referência mundial, como a Apple Computers, Microsoft, Compaq, Fedex, Amazon, Netscape, eBay, JetBlue, Intel, Oracle e Google, por exemplo, sendo atualmente os fundos de pensão os principais investidores em Private Equity nos Estados Unidos. 3.2 CONCEITOS Como registrado anteriormente, há grande dificuldade de definir e distinguir os conceitos objetos deste trabalho. Tendo isto em mente, partimos para a conceituação dos termos objeto dessa pesquisa tomando como base o Report of the Alternative Investment Expert Group, de julho 2006, elaborado pela Comissão Européia, que define Private Equity como sendo “a provisão de capital e experiência administrativa a companhias de maneira a criar valor e, subseqüentemente, antevendo uma saída ao investimento realizado, gerar ganhos de capital em médio ou longo prazo.”16 Este relatório define Private Equity como um termo genérico que abrange investimento nos diferentes estágios de desenvolvimento de uma companhia, sendo Venture Capital um destes estágios. O mesmo relatório detalha as principais características da indústria de Private Equity, entre elas: a existência de uma dedicada equipe profissional de investimento, criando valor 14 CORDEIRO, Carlos Roberto Credidio. Op.cit. CORDEIRO, Carlos Roberto Credidio. Op.cit. 16 Report of the Alternative Investment Expert Group. Comissão Européia, julho de 2006. Disponível no site: http://ec.europa.eu/internal_market/investment/ docs/other_docs/reports/ equity_en.pdf Acesso em: 23 de abril de 2008. 15 6 através do trabalho em conjunto com a companhia investida, ou assumindo o controle da mesma, por um período de, em geral, 3 a 5 anos ou mais; participação ativa de maneira a garantir o crescimento e desenvolvimento da companhia investida; a adoção da modalidade de fundos fechados, com duração limitada; grande participação de investidores institucionais e foco no desinvestimento (na saída do investimento), que é o momento que garante a maior parte da recompensa financeira aos investidores pelo investimento realizado. O Report ainda define a expressão Venture Capital17 como uma modalidade de investimento “focada em sociedades em início de operação (start-ups), seja na sua criação ou logo após os primeiros avanços técnicos ou comerciais”18. Salienta o relatório que grande parcela desse segmento está relacionada a empresas de tecnologia, normalmente envolvendo participações minoritárias nas mesmas, com diferentes fundos de Venture Capital se sucedendo nas etapas de financiamento. Aqui também há a participação ativa do investidor na administração, contratando empregados-chaves e negociando parcerias, por exemplo. De outro lado, conforme definição de RIBEIRO (2005), pesquisador do Centro de Estudos em Private Equity e Venture Capital da Fundação Getúlio Vargas (GVcepe), Private Equity e Venture Capital (PE/VC) são atividades de intermediação financeira. As organizações que realizam estas atividades são responsáveis “pela gestão de veículos de investimento que congregam recursos de um ou mais investidores para investimentos de longo-prazo”19. Caracterizadas pela temporariedade, essas participações são liquidadas na saída do investimento e os recursos investidos retornam aos investidores, somados aos ganhos de capital.20 Também esclarece o mesmo autor que o termo Venture Capital é empregado como sinônimo de investimento em companhia que se encontra em fase anterior de desenvolvimento, tendendo o administrador a se envolver intensamente no monitoramento e adição de valor ao negócio. Private Equity seria um termo maior, abrangendo o conceito 17 Neste relatório, a expressão Venture Capital é, depois de definida, utilizada numa acepção mais ampla, que abrange tanto o investimento no estágio inicial das companhias, como os investimentos de expansão. 18 No original: “Venture capital is focussed on young, entrepreneurial companies and is an essential part of value creation in the whole private equity financing cycle. It provides finance for start-ups- at their inception or shortly after their first technical or commercial developments. Much of this segment is technology-related in e.g. new information and communication technologies, life sciences and healthcare, electronics and new materials industries. Investments are often in individual minority shareholdings with a number of venture capital funds investing alongside each other in successive rounds of financing. The investors are closely involved in determining the investee company’s strategy, hiring key employees, organising the search for further financial resources and negotiating partnerships with larger corporations.” Report of the Alternative Investment Expert Group. Op.cit. 19 RIBEIRO, Leonardo de Lima. O Modelo Brasileiro de Private Equity e Venture Capital. São Paulo, 2005. Dissertação de Mestrado apresentada à USP. Disponível em: http://www.cepe.fgvsp.br/download/OModeloBrasileirodePEVC.pdf Acesso em: 13 de maio de 2008. 20 Ibidem. 7 anterior e também o de Buyout (investimento em fase posterior de desenvolvimento, ou seja, sociedades já amadurecidas), caracterizado também pelo envolvimento do administrador sobre as empresas investidas21. No sistema legal brasileiro, por sua vez, as estruturas jurídicas existentes que se relacionam com o modelo norte-americano de Private Equity e Venture Capital são aquelas regulamentadas pela CVM em suas instruções, correspondendo, respectivamente, aos Fundos de Investimento em Participações e aos Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes22. Neste sentido, da análise do art. 2º da Instrução CVM no. 391, de 2003, podemos extrair a definição de que os Fundos de Investimento em Participações são: “Uma comunhão de recursos destinados à aquisição de [...] títulos e valores mobiliários [...] de emissão de companhias, abertas ou fechadas, participando do processo decisório da companhia investida, com efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão, notadamente através da indicação de membros do Conselho de Administração”. Da mesma forma, extrai-se do art. 1º da Instrução CVM no. 209, de 1994, a definição dos Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes, que correspondem a “condomínios fechados destinados à aplicação em carteira diversificada de valores mobiliários de emissão de empresas emergentes”23. Partindo das considerações acima, podemos traçar os elementos básicos dos conceitos aqui abordados. Neste sentido, podemos definir Private Equity como sendo um investimento de alto risco em companhias com elevado potencial de crescimento, em qualquer estágio de desenvolvimento, fornecendo a estas não somente capital, mas também – e este é o principal traço distintivo - gestão especializada24, visando à posterior revenda. Como espécie de Private 21 Ibidem. Estas são as principais modalidades de investimento em PE/VC regulamentadas pela CVM. Estes e os demais fundos de investimento em PE/VC existentes serão analisados no tópico seguinte. 23 Conforme redação da Instrução no. 363 da CVM, entende-se por empresa emergente “a companhia que apresente faturamento líquido anual, ou faturamento líquido anual consolidado, inferiores a R$ 100.000.000,00 (cem milhões de Reais), apurados no balanço de encerramento do exercício anterior à aquisição dos valores mobiliários de sua emissão.” 24 CORDEIRO, Carlos Roberto Credidio. Riscos e Benefícios de Investimentos de Private Equity e o Potencial do Setor Face à Situação da Economia Brasileira. 22 8 Equity, o conceito de Venture Capital corresponderá aqui somente ao investimento em companhias nos estágios iniciais de desenvolvimento. Ambos os conceitos, portanto, caracterizam-se pelo envolvimento ativo da sociedade administradora dos fundos na companhia investida. Dessa forma, por estarem envolvidos nessas operações empreendimentos de alto risco e, em geral, baixa perspectiva de liquidez, procura-se adicionar valor ao investimento realizado através de participação direta e de longo prazo nas companhias investidas. Diferentemente dos investidores tradicionais, que vendem suas posições no mercado diante de perspectivas negativas na rentabilidade nas empresas investidas, aqui pode não existir um mercado organizado para a venda de seus títulos, conforme salienta MONTEZANO (1983), sendo necessário (e daí a importância do envolvimento ativo) “fazer” o mercado, consolidando o empreendimento e reduzindo os seus riscos”25. Existe, portanto, um envolvimento direto e contínuo junto à administração das companhias investidas, através de diversos tipos de atuação, como o apoio financeiro direto e indireto, assessoria organizacional e mercadológica26. Outro aspecto diferenciador do tema aqui abordado é a participação temporária nas companhias investidas, desenvolvendo-as até que cheguem num estágio em que se encontrem habilitadas a realizar uma oferta pública de ações (IPO) através da abertura de seu capital, a uma venda privada ou recompra pela própria companhia, por exemplo. Desenvolvida a companhia e consolidada sua posição no mercado, menor o risco do investidor e, por sua vez, menor retorno, deixando de ser atraente aos investidores em Private Equity e Venture Capital e passando a sê-lo aos investidores tradicionais. A remuneração àqueles investidores (além da participação nos lucros) será extraída principalmente dos ganhos de capital obtidos com a valorização da companhia investida, revendendo-a a um valor muito superior do que a haviam adquirido. 4 DA DISCIPLINA LEGAL DOS FUNDOS DE PRIVATE EQUITY E VENTURE CAPITAL NO BRASIL Nos Estados Unidos, segundo RIBEIRO (2005), a maior parte das estruturas de investimento em PE/VC se estabelece sob a forma de Limited Partnerships (LPs) – correspondendo, em 2003, a 75% do capital envolvido na indústria de Private Equity -, 25 MONTEZANO, Roberto M. Capital de Risco: uma alternativa de Financiamento. Rio de Janeiro: IBMEC, 1983. 26 Ibidem. 9 regulamentadas com base no Uniform Limited Partnership Act (ULPA). O restante da indústria é gerido por departamentos de grupos industriais ou financeiros, empresas de participações, cotadas ou não em bolsa de valores e Small Business Investment Companies (SBICs).27 No Brasil, por sua vez, conforme levantamento realizado por RIBEIRO, os fundos de investimento criados pelas Instruções da CVM são as estruturas legais mais utilizadas, totalizando 37 das 90 estruturas de investimento pesquisadas pelo autor e 15% do capital comprometido na indústria brasileira de Private Equity. Sob a estrutura de Limited Partnerships (LPs), por sua vez, seriam 29 estruturas atuantes no Brasil, abarcando 68% de todo o capital empregado na indústria brasileira de PE/VC. A terceira estrutura mais utilizada no país seriam as holdings, correspondendo estas a 20 (das 90 pesquisadas) e menos de 10% do capital investido nessa indústria. As corporate ventures que envolvem alocação orçamentária de grupo industrial em PE/VC e outras estruturas jurídicas, por fim, correspondem a uma pequena parcela de aproximadamente 4% das estruturas utilizadas no Brasil e 6% do capital empregado nesta indústria28. 29 Para os fins deste artigo, interessa a análise dos fundos de investimento em PE/VC estruturados segundo as Instruções da CVM. Assim sendo, não serão objeto de análise as holdings, as alocações orçamentárias de grupos industriais e demais estruturas jurídicas 27 RIBEIRO, Leonardo de Lima. Op.cit. RIBEIRO, Leonardo de Lima. Op.cit. 29 Ibidem. 28 10 utilizadas na indústria brasileira de Private Equity. Da mesma forma, a figura jurídica das Limited Partnerships, apesar de relevante para a indústria brasileira de PE/VC, não será analisada aqui, pois não encontra previsão no ordenamento jurídico nacional, possuindo sede no exterior todos os veículos que a adotam30. 4.1 OS FUNDOS MÚTUOS DE INVESTIMENTO EM EMPRESAS EMERGENTES (FMIEE) Até 1994, as holdings eram estruturas jurídicas bastante utilizadas no mercado brasileiro de PE/VC, mesmo apresentando deficiências como sua duração ilimitada, seu tratamento fiscal desfavorável aos ganhos de capital e suas restrições à entrada de recursos estrangeiros. Visando a implementar uma estrutura mais adequada para os investimentos nesse mercado, a CVM instituiu os Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes (FMIEE), regulados pela Instrução CVM no. 209, de 1994. Com essa nova estrutura, foram reduzidas as restrições quanto à entrada de recursos internacionais, adotando-se um tratamento fiscal mais adequado, duração limitada ao fundo e previsão para cobrança de taxas de administração e de performance. Conforme esta Instrução, com as alterações das Instruções CVM nos. 236/95, 246/96, 253/96, 363/02, 368/02, 415/05, 435/06, 453/07 e 470/08, os Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes são constituídos sob a forma de condomínio fechado e destinados à aplicação em carteira diversificada de valores mobiliários de emissão de empresas emergentes, assim consideradas as companhias que apresentem faturamento líquido anual, ou faturamento líquido anual consolidado, inferiores a R$ 150.000.000,00, apurados no balanço de encerramento do exercício anterior à aquisição dos valores mobiliários de sua emissão31. Trata-se, portanto, de uma modalidade brasileira de fundo de Venture Capital disciplinada pela CVM. Uma vez constituídos os FMIEE, o administrador deverá solicitar à Comissão de Valores Mobiliários autorização para o seu funcionamento. Contado dessa autorização, o prazo máximo de duração desses Fundos é de 10 anos, prorrogável por até mais 5 anos. Ao 30 Em linhas gerais, as Limited Partnerships compreendem duas partes: o gestor (General Partner) e os Investidores (Limited Partners), que fornecem recursos ao primeiro e que se mantém afastados da gestão cotidiana do veículo. Trata-se de uma figura marcada pela flexibilidade contratual, deixando muito espaço para o comum acordo entre General e Limited Partners, além da tributação favorável, em que os ganhos são tributados apenas no final do prazo, conforme o resultado final obtido. RIBEIRO, Leonardo de Lima. Op.cit. 31 Instrução CVM nº 209, de 1994. Art. 1º, § 2º - O limite previsto no § 1º deste artigo será determinado no momento do primeiro investimento, mas não terá aplicação quando o Fundo subscrever ou efetuar novas aquisições de ações ou outros valores mobiliários daquelas mesmas companhias. 11 longo de seu funcionamento, os FMIEE devem manter, no mínimo, no mínimo, 75% de suas aplicações em ações, debêntures conversíveis em ações, ou bônus de subscrição de ações de emissão de empresas emergentes (art. 26)32. A administração do Fundo, por sua vez, conforme o art. 6º da Instrução CVM no. 209, compete à pessoa física ou jurídica autorizada pela CVM para exercer a atividade de administração de carteira de valores mobiliários. Ainda segundo esta Instrução, o administrador terá poderes para exercer todos os direitos inerentes aos títulos e valores mobiliários integrantes da carteira do Fundo, podendo adquirir e alienar livremente títulos e valores mobiliários, transigir e praticar todos os atos necessários à administração da carteira, observadas as disposições da Instrução. Fazem parte das obrigações do administrador: manter custodiados os títulos e valores mobiliários integrantes do Fundo; elaborar parecer a respeito das operações e resultados do Fundo, anualmente, encaminhando as demonstrações financeiras; elaborar estudos e análises de investimento que fundamentem as decisões a serem tomadas, entre outras obrigações33. A grande vantagem do FMIEE (Instrução CVM n° 209/94) em relação à modalidade convencional de fundos de investimento (regulados pela Instrução CVM no. 409/04), segundo o Relatório Final do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, de abril de 2003, reside em admitir a aplicação em companhias fechadas (não somente em companhias abertas) diretamente pela carteira do fundo, considerando a restrição dos limites de faturamento/ PL das companhias (empresas emergentes)34. Em 2005, conforme levantamento de RIBEIRO (2005), havia 21 Fundos de Investimento em Empresas Emergentes em funcionamento, com patrimônio estimado em US$ 170 milhões35. 4.2 FUNDOS DE INVESTIMENTO EM EMPRESAS EMERGENTES INOVADORAS (FIEEI) 32 Instrução CVM nº 209, de 1994. Art. 26, § 1º - A parcela de suas aplicações que não estiver aplicada em valores mobiliários de empresas emergentes deverá, obrigatoriamente, estar investida em quotas de fundos de renda fixa, e/ou em títulos de renda fixa de livre escolha do administrador, ou valores mobiliários de companhias abertas adquiridas em bolsa de valores ou mercado de balcão organizado. [...] § 3º - O desenquadramento do Fundo aos limites estabelecidos neste artigo e seus parágrafos, por um período corrido de 360 dias implicará obrigatoriamente na distribuição dos valores correspondentes a seus quotistas 33 Constantes do art. 11 da Instrução CVM nº 209. As vedações aos administradores encontram-se no art. 38 desta mesma Instrução, sendo-lhe defeso, por exemplo, em nome do fundo, aplicar recursos na subscrição ou aquisição de ações de sua própria emissão. 34 PAULA, Tomás Bruginski, Et Al. Capital de Risco no Brasil: marco legal e experiência internacional: Relatório Final. Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, abril de 2003. Disponível em: http://www.cgee.org.br/arquivos/estudo014_03.pdf. Acesso em: 16 de maio de 2008. 35 RIBEIRO, Leonardo de Lima. Op.cit. 12 Em 2004, foi editada a Lei no. 10.973, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, também autorizando a instituição de fundos mútuos de investimento destinados à aplicação em carteira de valores mobiliários de empresas cuja atividade principal seja a inovação, incumbindo a CVM de editar normas sobre sua constituição e funcionamento. A CVM então, em 2005, editou a Instrução no. 415, que acrescentou à Instrução CVM 209/94 a normatização dos Fundos de Investimento em Empresas Emergentes Inovadoras, aos quais é aplicada toda a disciplina dada aos Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes. Os Fundos de Investimento em Empresas Emergentes Inovadoras (FIEEI) são destinados à aplicação em carteira diversificada de valores mobiliários de emissão de empresas emergentes inovadoras, consideradas como tais as empresas, constituídas sob a forma de sociedade anônima, cuja atividade principal seja voltada para a introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo ou social que resulte em novos produtos, processos ou serviços (art. 43-A, § 2º, da Instrução CVM 209/94). 4.3 FUNDOS MÚTUOS DE INVESTIMENTO EM EMPRESAS EMERGENTES – CAPITAL ESTRANGEIRO Na Resolução no. 2.406/97, do Conselho Monetário Nacional, foi autorizada a constituição e o funcionamento dos Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes de Capital Estrangeiro, semelhantes aos FMIEE (destinados aos investidores brasileiros), sendo, entretanto, destinados a pessoas físicas ou jurídicas, residentes, domiciliadas ou com sede no exterior, fundos e outras entidades de investimento coletivo estrangeiros. Constituídos obrigatoriamente sob a forma de condomínio fechado e dependendo de prévia autorização da CVM para sua constituição e funcionamento, os capitais estrangeiros que investem nestes Fundos sujeitam-se a registro no Banco Central do Brasil, já que se tratam de recursos estrangeiros ingressando no país. Exige-se aqui, portanto, atuação conjunta da CVM e do BACEN36. Em 1998, a CVM editou a Instrução no. 278, disciplinando sobre os FMIEE – Capital Estrangeiro, mantendo, em geral, as mesmas disposições dadas aos FMIEE convencionais, regulados pela Instrução CVM no. 209/94, entre elas: o prazo máximo de duração de dez anos 36 Conforme o art. 7º da Resolução nº 2.406, de 1997. 13 de duração do Fundo (prorrogável, uma única vez, por até mais cinco anos); o dever de manter, no mínimo, 75% de suas aplicações em ações, debêntures conversíveis em ações, ou bônus de subscrição de ações de emissão de empresas emergentes, entre outros dispositivos em comum. Até 2003, conforme levantamento do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, não havia fundos constituídos na categoria FMIEE – Capital Estrangeiro, pois “os investidores estrangeiros sentem-se mais confortáveis em investir em fundos que também participem investidores locais, ainda que com isso abram mão de eventuais vantagens fiscais”37. 4.4 FUNDOS DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES (FIP) Até o momento, foram abordadas as modalidades de fundos de Venture Capital existentes no Brasil, os primeiros a serem aqui regulamentados pela CVM. A categoria mais ampla dos fundos de Private Equity, por sua vez, só recebeu regulamentação no país a partir do ano de 2003, com a criação da figura jurídica dos Fundos de Investimento em Participações (FIP), regulados pela Instrução CVM no. 391/03, seguida das Instruções CVM nos. 406/04, 435/06, 450/07 e 453/07. Conforme o art. 2º da Instrução CVM no. 391/03, o Fundo de Investimento em Participações (FIP) é: “uma comunhão de recursos destinados à aquisição de ações, debêntures, bônus de subscrição, ou outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias, abertas ou fechadas participando do processo decisório da companhia investida, com efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão, notadamente através da indicação de membros do Conselho de Administração.” Assim sendo, assim como os FMIEE, FMIEE - Capital Estrangeiro e FIEEI anteriormente analisados, os Fundos de Investimento em Participações (FIP) se destinam à aquisição de ações ou valores mobiliários “conversíveis ou permutáveis” em ações de emissão de companhias abertas ou fechadas. Com relação às companhias abertas, conforme o §3º do 37 PAULA, Tomás Bruginski, Et Al. Op.cit. 14 art. 2º da Instrução CVM no. 391/03, será o regulamento do FIP que estabelecerá os critérios a serem observados para a definição das companhias abertas que possam ser objeto de investimento pelo fundo. Quando o FIP investe em companhias fechadas, por outro lado, o §4º do mesmo art. 2º exige que estas sigam as seguintes práticas de governança corporativa: a proibição de emissão de partes beneficiárias e inexistência desses títulos em circulação; estabelecimento de um mandato unificado de 1 (um) ano para todo o Conselho de Administração; disponibilização de contratos com partes relacionadas, acordos de acionistas e programas de opções de aquisição de ações ou de outros títulos ou valores mobiliários de emissão da companhia; adesão à câmara de arbitragem para resolução de conflitos societários; no caso de abertura de seu capital, obrigar-se, perante o fundo, a aderir a segmento especial de bolsa de valores ou de entidade mantenedora de mercado de balcão organizado que assegure, no mínimo, níveis diferenciados de práticas de governança corporativa e auditoria anual de suas demonstrações contábeis por auditores independentes registrados na CVM. Diferentemente dos FMIEE, portanto, na regulamentação dada aos Fundos de Investimento em Participação não há limite ao porte da empresa investida, mas somente regras de governança a serem observadas caso esta se trate de companhia fechada. Nos termos do art. 5º da Instrução CVM 391/03, somente poderão investir nos Fundos de Investimento em Participações investidores qualificados38, sendo R$ 100.000,00 o valor mínimo de subscrição. Conforme o §1º do art. 2º, admite-se a integralização de cotas em bens ou direitos, inclusive créditos, sempre que o fundo decidir aplicar recursos em companhias que estejam, ou possam estar, envolvidas em processo de recuperação e reestruturação, e desde que tais bens e direitos estejam vinculados ao processo de recuperação da sociedade investida e que seu valor esteja respaldado em laudo de avaliação elaborado por empresa especializada. Quanto à participação no processo decisório na companhia investida, esclarece o §2º do art. 2º da Instrução 391/03 que ela pode ocorrer: I – pela detenção de ações que integrem o respectivo bloco de controle, II – pela celebração de acordo de acionistas ou, ainda, 38 Conforme o art. 109 da Instrução CVM no. 409/04, são considerados investidores qualificados: instituições financeiras, companhias seguradoras e sociedades de capitalização; entidades abertas e fechadas de previdência complementar; pessoas físicas ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor qualificado mediante termo próprio; fundos de investimento destinados exclusivamente a investidores qualificados; e administradores de carteira e consultores de valores mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios. 15 III – pela celebração de ajuste de natureza diversa ou adoção de procedimento que assegure ao fundo efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão. Quanto aos administradores, gestores39 e suas obrigações, a Instrução CVM no. 391/03 dispõe que a administração do fundo compete à pessoa jurídica autorizada pela CVM para exercer a atividade de administração de carteira de valores mobiliários. Importante a previsão do §3º do art. 9º, respondendo o gestor e o administrador do fundo pelos prejuízos causados aos cotistas, quando procederem com culpa ou dolo, com violação da lei, das normas editadas pela CVM e do regulamento. Entre as obrigações do administrador, encontram-se (art. 14): as de cumprir e fazer cumprir todas as disposições do regulamento do fundo; firmar, em nome do fundo, acordos de acionistas das sociedades de que o fundo participe; manter os títulos e valores mobiliários fungíveis integrantes da carteira do fundo custodiados em entidade de custódia autorizada pela CVM, entre outros. Conforme disposto no art. 20, as cotas do Fundo de Investimento em Participações assumirão a forma nominativa, podendo ser objeto de negociações privadas entre investidores qualificados ou distribuição pública, negociadas no mercado de bolsa ou de balcão organizado, desde que os compradores sejam investidores qualificados40, só havendo o resgate das mesmas ao término da existência do fundo (art. 24). Segundo RIBEIRO (2005), em relação aos FMIEE, os FIP relaxam em diversas restrições: dando maior liberdade para que investidores e administradores definam as políticas de investimento, governança e duração contratualmente, além de eliminar atrasos burocráticos de registro do fundo junto à CVM. A regulamentação dos FIP preocupa-se também, conforme o mesmo autor, no sentido de que possíveis situações de conflito de interesses sejam identificadas de antemão, cabendo ao regulamento dispor sobre os processos decisórios de investimento e desinvestimento41. 39 Diferencia-se, no ordenamento jurídico nacional, a figura do administrador da figura do gestor. O administrador é qualquer pessoa jurídica registrada na CVM como administrador de carteira, sendo ele o grande responsável perante a CVM e os investidores, cabendo-lhe uma série de prerrogativas e obrigações. Entre suas prerrogativas, encontra-se, por exemplo, a de delegar a um gestor parcela ou a totalidade de seus poderes. Em virtude disto, a figura do administrador é obrigatória, enquanto a do gestor (que gere a carteira do fundo, podendo ser pessoa física ou jurídica) é eventual. 40 Instrução CVM no. 391/03. Art. 26 - As cotas do fundo que tenham sido objeto de distribuição pública, ressalvadas as negociações privadas entre investidores qualificados, somente poderão ser negociadas no mercado de bolsa ou de balcão organizado, cabendo ao intermediário assegurar a condição de investidor qualificado do adquirente de cotas. 41 RIBEIRO, Leonardo de Lima. Op.cit. 16 4.5 FUNDOS DE INVESTIMENTO EM COTAS DE FUNDOS DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES A figura norte-americana dos Funds of Funds aparece expressamente regulamentada no artigo 37 da Instrução CVM no. 391/03, que permite a constituição de fundos para investir em Fundos de Investimento em Participações (FIP) e em Fundos de Investimento em Empresas Emergentes (FMIEE). É obrigatório aos Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Participações aplicar, no mínimo, 90% de seu patrimônio em cotas de FIP, bem como em cotas de FMIEE. 4.6 FUNDOS DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES EM INFRA-ESTRUTURA Em outubro de 2007, a CVM baixou a Instrução no. 460, dispondo sobre os Fundos de Investimento em Participações em Infra-Estrutura (FIP-IE), que são fundos que destinam seu patrimônio ao investimento em ações e bônus de subscrição de sociedades anônimas, de capital aberto ou fechado, que desenvolvam novos projetos de infra-estrutura no território nacional nos setores de energia, transporte, água e saneamento básico e irrigação. Tal instrução considera novos os projetos implementados após 22 de janeiro de 2007 e as expansões de projetos já existentes naquela data42. O art. 5º da Instrução CVM no. 460/07 exige que as sociedades em que os FIP-IE vierem a investir sigam práticas de governança corporativa semelhantes às exigidas para as companhias fechadas em que os Fundos de Investimento em Participações investem, tais como: proibição de emissão de partes beneficiárias e inexistência desses títulos em circulação; estabelecimento de um mandato unificado de no máximo dois anos para todo o Conselho de Administração; disponibilização de contratos com partes relacionadas, acordos de acionistas e programas de opções de aquisição de ações ou de outros títulos ou valores mobiliários de emissão da companhia; concessão da faculdade do emprego da arbitragem como mecanismo de resolução dos conflitos societários; auditoria anual de suas demonstrações contábeis por auditores independentes registrados na CVM; e, no caso de abertura de seu capital, obrigar-se, perante o FIP-IE, a aderir a segmento especial de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado que assegure, no mínimo, níveis diferenciados de práticas de governança 42 Desde que, neste último caso, os investimentos e os resultados das expansões sejam segregados mediante a constituição de sociedades de propósito específico, conforme redação do § 1º, art. 4º da Instrução CVM no. 460/07. 17 corporativa. Quanto às demais disposições, aplica-se aos FIP-IE a mesma disciplina dos Fundos de Investimento em Participações. 4.7 FUNDOS DE INVESTIMENTO43 Por fim, os Fundos de Investimento (assim denominados pela Instrução CVM no. 409/04 os fundos que não possuem regulamentação específica44), conforme levantamento publicado por RIBEIRO45, ainda são adotados como regulamentação legal para os fundos de Private Equity e Venture Capital existentes no Brasil, apesar das diferentes instruções neste âmbito baixadas pela CVM. Conforme o art. 2º da Instrução 409/04, os Fundos de Investimento são destinados à aplicação em “ativos financeiros”46 admitidos a negociação em bolsa de valores, de mercadorias e futuros, ou registrados em sistema de registro, de custódia ou de liquidação financeira. Entre as diferentes classificações de Fundos de Investimento contidas nesta Instrução, de acordo com a composição de seu patrimônio, interessam aqui os Fundos de Ações, que deverão ter como principal fator de risco “a variação de preços de ações admitidas à negociação no mercado à vista de bolsa de valores ou entidade do mercado de balcão organizado”. Os Fundos de Investimento e os Fundos de Investimento em Ações regulamentados pela Instrução CVM no. 409/04, portanto, diferentemente dos fundos das demais instruções acima analisadas, só permitem a aplicação em companhias abertas. Conforme o parágrafo único do art. 3º dessa Instrução, podem ser administradores dos Fundos de Investimento somente as pessoas jurídicas autorizadas pela CVM para o exercício profissional de administração de carteira, prevendo-se o registro automático perante a CVM para os Fundos de Investimento, concedido pela internet (art. 7º da Instrução no. 409/04). São previstos também pela Instrução 409 os Fundos de Investimento para Investidores Qualificados, relaxando na exigência quanto às informações a eles divulgadas e considerando 43 Quanto à Instrução CVM no. 409/04, seja em virtude da amplitude de suas disposições, seja em virtude dos poucos veículos que adotam essa instrução como regulamentação jurídica adequada para o investimento em Private Equity e Venture Capital, não faremos maiores considerações. 44 Excluindo-se da disciplina da Instrução CVM no. 409/04 os fundos regidos por regulamentação própria (art. 2º da Instrução 409/04), entre eles os já analisados acima: Fundos de Investimento em Participações, Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Participações, Fundos de Investimento em Empresas Emergentes, Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes - Capital Estrangeiro e Fundos de Investimento em Empresas Emergentes Inovadoras. 45 RIBEIRO, Leonardo de Lima. Op.cit. 46 O § 1º do art. 2º da Instrução CVM no. 409/04 elenca o que se entende por ativos financeiros, enquadrando-se neste conceito, por exemplo, os títulos da dívida pública, contratos derivativos, ações, debêntures, bônus de subscrição, entre outros. 18 dispensável a elaboração de prospecto destes fundos, justamente por presumir o maior conhecimento destes investidores sobre as operações das quais participam, seu maior grau de sofisticação e capacidade de assumirem os riscos do empreendimento. 5 CONCLUSÃO A partir do panorama geral desenvolvido acima, podemos concluir que, apesar do tema aqui abordado passar despercebido pelos juristas e operadores do direito em geral, já existe considerável regulamentação no Brasil disciplinando os fundos de Private Equity e Venture Capital. A indústria de Fundos de Private Equity e Venture Capital vem crescendo rapidamente no Brasil. Enquanto em 2004 a soma de recursos neste setor era de US$ 5,6 bilhões, segundo o primeiro Censo do setor feito pela FGV, em 2007 a indústria brasileira de PE/VC já comprometia US$ 16,7 bilhões.47 Cabe aos estudiosos do direito, neste âmbito, refletir sobre as novas problemáticas trazidas pelos investidores em Private Equity e os mecanismos exigidos pelos mesmos dentro de uma realidade econômica de intenso dinamismo e com grande volume de recursos envolvidos, movida pelo mundo das aquisições e alienações de participações societárias. 47 Associação Brasileira de Private Equity & Venture Capital. Overview do Setor de Venture Capital & Private Equity. Disponível em: http://www.abvcap.com.br/UpLoad/Arquivo/overview%20-%20Cenário%20atual.pdf Acesso em: 10 de outubro de 2008. 19