MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MARÍLIA (SP) EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA ___ VARA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA EM MARÍLIA (SP) O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República signatário, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, vem, perante Vossa Excelência, com fundamento no art. 129, inciso III, da Constituição Federal, no art. 6.º, inciso VII, alínea “d”, da Lei Complementar n.º 75, de 20 de maio de 1993, e no art. 5.º, “caput”, da Lei n.º 7.347 de 24 de julho de 1985, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de liminar, em desfavor da METROPOLITAN LIFE SEGUROS E PREVIDÊNCIA PRIVADA S/A, sociedade anônima, inscrita no CNPJ n.º 02.102.498/0001-29, com sede na Rua Flórida, n.º 1.595, 8.º andar, em São Paulo (SP) (fl. 37); e do BANCO ITAÚ S/A, sucessor do Banco Sudameris S/A e do Banco América do Sul S/A, sociedade anônima, inscrita no CNPJ n.º 60.701.190/0001-4, com sede na Praça Alfredo Egydio S. Aranha, n.º 100, Parque Jabaquara, em São Paulo (SP); pelos fatos e fundamentos a seguir aduzidos: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MARÍLIA (SP) 2 Dos fatos A partir de reclamações de consumidores, foi instaurado nesta Procuradoria da República em Marília (SP) o Expediente Tutela Coletiva n.º 1.34.007.000302/2004-16 para apurar ilegalidade concernente às alterações unilaterais promovidas pela primeira ré, empresa seguradora, em contrato de seguro de vida celebrado com milhares de consumidores. Ao final das diligências investigatórias, constatou-se que, em fevereiro de 2004, os contratantes do Seguro de VidaPlus Familiar (Apólices 93.06671 e 93.06990 – fls. 11 e 24), foram informados por meio de correspondência que as aludidas apólices não mais seriam renovadas em 01 de agosto de 2004. A missiva informava, ainda, que, o plano de seguro seria substituído por outro (fls. 15/18 e 26/27). Ocorre que, o plano de seguro pelo qual seria substituído o Seguro de VidaPlus Familiar passaria a vigorar com novos valores, de modo que se os segurados continuassem a pagar o mesmo valor das parcelas que pagavam anteriormente, a indenização a que fariam jus em caso de evento morte seria drasticamente menor do que a anterior, e caso os segurados quisessem manter o mesmo valor de indenização a ser paga em caso de evento morte, teriam que pagar parcelas mensais exageradamente superiores às anteriores. Tais circunstâncias ensejaram a irresignação dos consumidores. Confira as novas condições contratuais que foram impostas unilateralmente pela seguradora para os novos planos de seguro: Para a apólice n.º 93.06671 - mantendo o mesmo valor de indenização para morte natural do Plano VidaPlus Familiar EVENTO VALOR DA VALOR DAS INDENIZAÇÃO PARCELAS Morte Natural Dupla indenização por morte acidental Invalidez acidente permanente R$ 341.889,85 R$ 683.779,70 por R$ 341.889,85 R$ 1.800,87 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MARÍLIA (SP) 3 Para a apólice n.º 93.06671 - com novos valores das indenizações e mantendo o valor das parcelas do Plano VidaPlus Familiar EVENTO VALOR DA VALOR DAS INDENIZAÇÃO PARCELAS Morte Natural Dupla indenização morte acidental R$ 54.469,00 R$ 268,91 por R$ 108.938,00 Invalidez permanente por acidente R$ 54.469,00 Para a apólice n.º 93.06990 - mantendo o mesmo valor de indenização para morte natural do Plano VidaPlus Familiar EVENTO VALOR DA VALOR DAS INDENIZAÇÃO PARCELAS Morte Natural Dupla indenização por morte acidental Invalidez acidente permanente R$ 290.748,51 R$ 1.203,64 R$ 581.497,02 por R$ 290.748,51 Para a apólice n.º 93.06990 - com novos valores das indenizações e mantendo o valor das parcelas do Plano VidaPlus Familiar EVENTO VALOR DA VALOR DAS INDENIZAÇÃO PARCELAS Morte Natural Dupla indenização morte acidental R$ 58.940,05 R$ 244,00 por Invalidez permanente por acidente R$ 117.880,09 R$ 58.940,05 Assim, vê-se que os segurados foram lesados pela alteração unilateral das condições contratuais a eles imposta, visto que para fazerem jus ao mesmo valor do prêmio do Plano VidaPlus Familiar, teriam que pagar parcelas mensais exorbitantemente superiores às anteriores. Consigne-se para encerrar o delineamento do quadro fático, que a aceitação das novas condições contratuais tem se operado de forma tácita, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MARÍLIA (SP) 4 vale dizer, a recusa ao novo grupo e respectivas condições depende de expressa manifestação de vontade do consumidor. Da legitimidade ativa A experiência desta Procuradoria da República tem demonstrado que as empresas, ao serem demandadas judicialmente, concentram seus esforços em questões processuais, até porque não encontram amparo no direito material para legitimar a conduta questionada judicialmente. A preferência das empresas, quanto ao aspecto indicado, recai na questão da legitimidade para ajuizamento da ação coletiva. É verdade que, no passado, o tema ensejou alguma controvérsia. Todavia, a questão encontra-se praticamente pacificada, especialmente em decorrência de manifestações do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça. Para não alongar o presente tópico, apenas transcreve-se ementa de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, que é nossa mais alta Corte Jurisdicional, ao qual cabe, em instância final, posicionar-se definitivamente a respeitos do tema, que encontra fundamento na Constituição Federal (art. 129). No julgamento do Recurso Extraordinário n.º 163.231-3, no dia 26 de fevereiro de 1997, em decisão unânime, a Suprema Corte proclamou ser o Ministério Público parte legítima para ações que visam tutelar interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. A ementa da decisão guarda a seguinte redação: "RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO PARQUET PARA DISCUTI-LAS EM JUÍZO. 1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127). 2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MARÍLIA (SP) 5 também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III). 3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. 3.1 A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos. 4. Direitos ou interesses homogêneos são os que tem a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. 4.1 Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas. 5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas e ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o artigo 129, III, da Constituição Federal. 5.1 Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadez e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal." - grifo nosso (Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n.º 163231-SP, Relator Ministro Maurício Corrêa, data da decisão: 26/02/1997, data da publicação: DJ de 29/06/2001, pág. 55). Citem-se ainda, alguns julgados do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MARÍLIA (SP) 6 "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AO MEIO AMBIENTE. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. O Ministério Público é parte legítima para propor Ação Civil Pública para discutir a regularização de loteamento relacionada ao desenvolvimento urbano, pois neste caso trata-se de interesses difusos e coletivos não referentes a pessoas determinadas e sobre bens não disponíveis.” (Recurso Especial n.º 436.166, Relator Min. José Delgado, publicado no DJU em 19.12.2002) "RECURSO AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. LEASING. SEGURO. O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública para exame da validade de cláusula sobre seguro inserta em contrato de adesão para arrendamento mercantil (leasing). (Recurso Especial n.º 457.579, Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar, publicado no DJU em 10.02.2003) Desta forma, revela-se a plena legitimidade do Ministério Público Federal para, em seu próprio nome, no exercício das funções institucionais que lhe foram atribuídas pela Constituição, buscar judicialmente a tutela dos direitos objetos desta ação. Da legitimidade passiva No tocante à legitimidade passiva, ressaltem-se os seguintes dados que justificam a inclusão de ambos os réus no pólo passivo da demanda: 1) a empresa seguradora é a primeira ré Metropolitan Life Seguros e Previdência Privada S/A; 2) todos os contratos individuais (adesões ao seguro) foram firmados pela Aplic Corretora de Seguros S/C Ltda, garantidos pela Seasul – Seguradora América do Sul S/A (que posteriormente passou a ter o controle acionário do Grupo MetLife – Metropolitan Life Insurance Company – NY, sendo no Brasil representado pela Metropolitan Life Seguros e Previdência Privada S/A), pertencente ao Banco América do Sul (que posteriormente foi incorporado pelo Banco Sudameris, sendo este vendido ao Banco Itaú). 3) no documento individual de adesão consta o nome do Banco América do Sul, que foi incorporado pelo Banco Sudameris, o qual foi vendido ao Banco Itaú. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MARÍLIA (SP) 7 Assim, revela-se plena a legitimidade passiva dos réus. Do Direito Da responsabilidade do Banco Itaú Objetiva-se na presente ação civil pública a proteção material de todos os consumidores que aderiram ao contrato de seguro de VidaPlus Familiar e foram lesados pela alteração unilateral das condições contratuais. O Banco Itaú, segundo réu, deve responder pelos efeitos da presente ação coletiva, vez que adquiriu o Banco Sudameris, o qual havia incorporado o Banco América do Sul, tendo este participado direta e ativamente na celebração de todos os contratos individuais concernentes ao Plano VidaPlus Familiar. Milhares de consumidores celebraram o contrato de seguro em virtude da presença do Banco América do Sul na relação. Na verdade, os consumidores pensavam estar, de fato, contratando diretamente com o Banco América do Sul que gozava de excelente reputação no mercado, conferindo a segurança que normalmente é exigida em negócios que envolvem a álea e vínculo perene. Conforme indicado acima, as investigações realizadas pelo Ministério Público conduziram às seguintes conclusões: 1) todos os contratos individuais (adesões ao seguro) foram firmados pelo Banco América do Sul; 2) no certificado individual consta o nome do Banco América do Sul (antecessor do Banco Itaú), bem como sua logomarca (fls. 06 e 22). Os serviços decorrentes de contrato de seguro estão sujeitos à disciplina do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), em face do disposto nos arts. 2.º e 3.º. O CDC é norma principiológica que confere especial destaque à boa-fé objetiva dos sujeitos da relação de consumo (art. 4.º, 6.º, 30, 31 e 51, IV). A boa-fé objetiva – hoje, também, expressamente, consagrada no Código Civil, art. 422 – significa a exigência de conduta transparente e leal que observe os deveres de informação, cuidado, aviso, esclarecimento. O fornecedor deve, em função do princípio da boa-fé objetiva, atender as legítimas expectativas e interesses do consumidor, especialmente as decorrentes de circunstâncias criadas pelo próprio fornecedor, como foi a hipótese de contratação no Plano VidaPlus Familiar. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MARÍLIA (SP) 8 Ora, se o segundo réu sucedeu o Banco América do Sul, o qual pelas circunstâncias já indicadas, criou no espírito do consumidor a idéia de que o contrato estava sendo firmado com ele próprio, deve responder, frente ao consumidor, pelas conseqüências de sua atitude, ou seja, deve arcar com as obrigações contratuais, bem como com as sanções decorrentes dos ilícitos praticados no curso da relação. Naturalmente que, num segundo momento, poderá o Banco Itaú voltar-se contra a seguradora para se ressarcir dos valores despendidos em decorrência da alteração das condições em questão. Todavia, não pode validamente, diante do consumidor, alegar que não é sujeito da relação contratual. A venda de seguro nas agências do Banco América do Sul com fontes tipográficas idênticas às do banco, conduziram o consumidor à pensar estar contratando com o próprio Banco América do Sul. Aliás, tal fator foi para a maioria decisivo em relação à celebração do contrato. Verifica-se, portanto, a ocorrência de uma situação fática que se apresenta idêntica à segura situação de direito. Nessa situação, o Banco América do Sul, antecessor do Banco Itaú, aos olhos dos consumidores, agiu como se fosse a própria empresa seguradora. Em conseqüência, pela conhecida Teoria da Aparência - que nada mais é do que a densificação de aspecto da boa-fé objetiva - criou-se um novo direito subjetivo, em virtude de haverem os consumidores depositado sua confiança também no banco. A propósito, assim leciona o saudoso mestre Malheiros, citado pelo professor Hélio Borghi: "[a aparência de direito constitui] uma situação de fato que manifesta como verdadeira uma situação jurídica não verdadeira, e que, por causa do erro escusável de quem, de boa-fé, tornou o fenômeno real como manifestação de uma situação jurídica verdadeira cria um direito subjetivo novo, mesmo à custa da própria realidade." (Teoria da Aparência. São Paulo, Lejus, 1999, p. 42.) Por conseguinte, em face do princípio da boa-fé objetiva, densificada, in casu, na Teoria da Aparência, está configurada a relação jurídica entre os consumidores e o Banco Itaú (sucessor do Banco América do Sul), segundo réu. Nesse contexto, é patente a existência de elementos objetivos que conduzem o consumidor a crer em uma realidade onde contrata com o Banco América do Sul, sucedido pelo Banco Itaú, sendo este o segundo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MARÍLIA (SP) 9 réu que deve responder perante o consumidor como se, de fato, fosse a própria empresa seguradora. Alteração unilateral – e ilegal – das condições contratuais e transferência dos riscos da atividade econômica O contrato de seguro de vida objetiva garantir indenização ao segurado e sua família em relação a situações que impeçam a continuidade de atividade laboral, como invalidez permanente e morte. É relação contratual que deve ser tratada e vista de modo especial. Isso devido à sua importante função social, na medida em que protege não apenas interesse individual do segurado, mas, principalmente, de sua família. A forma de contratação e contínua renovação das Apólices n.º 93.06671 e 93.06990 durante quase uma década criou uma legítima expectativa de continuidade dos serviços decorrentes do contrato. Essa legítima expectativa possui especial proteção nas relações de consumo, em face do princípio da boa-fé objetiva (arts. 4.º, 6.º, 30, 31, 48, 51 do Código de Defesa do Consumidor). Quem procura um seguro de vida não pensa em realizar o contrato pelo prazo de seis meses ou um ano. Ao contrário, objetiva-se segurança, previsão, estabilidade e, principalmente, manutenção das condições pactuadas por prazo indeterminado: até a ocorrência do sinistro, doença ou morte do contratante. No momento da contratação, o consumidor não é avisado de que a apólice pode, a qualquer momento, ser extinta. Ao contrário, toda a atmosfera conduz ao entendimento no sentido de que o contrato é por prazo indeterminado. Levando em consideração tal característica, entre outras, é que o consumidor realiza a opção em celebrar o negócio. Ao aderir a um plano de seguro de vida o consumidor tem a expectativa de permanecer vinculado ao plano até a própria morte ou ocorrência de enfermidade que o impeça de continuar trabalhando. Não é à toa que se procuram empresas com solidez econômica e tradição, pois se sabe que a indenização ocorrerá, em regra, após longos anos da data da contratação. Ao transferir, automaticamente, os segurados do plano VidaPlus Familiar para outro plano, os réus aproveitaram-se da expectativa de continuidade dos segurados para promover uma efetiva alteração unilateral do contrato, haja vista que as cláusulas do primeiro plano foram mantidas em sua quase totalidade. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MARÍLIA (SP) 10 Na verdade, houve alteração unilateral do contrato, inclusive no tocante ao preço (prêmio) a ser pago pelos consumidores, utilizando-se como roupagem a extinção de um contrato e oferecimento de um novo contrato. Em essência, o novo contrato nada mais é do que técnica para se mascarar a alteração unilateral das cláusulas contidas na Apólices anteriores. Agindo assim, houve afronta ao princípio da boa-fé objetiva, norteador, como já ressaltado, das relações de consumo. As cláusulas inseridas nos instrumentos contratuais que violam a expectativa de continuidade do contrato por prazo indeterminado, bem como de impossibilidade de alteração unilateral do contrato são nulas de pleno direito. O art. 51, da Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) é expresso nesse sentido: "Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; (...) X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; (...) XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; (...) § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. § 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. [...]" MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MARÍLIA (SP) 11 Embora formalmente o contrato seja por prazo determinado, com previsão de não prorrogação, não é essa a expectativa que se passa ao consumidor no momento da celebração do contrato. Ao contrário, a idéia presente é justamente no sentido de que o seguro de vida terá vigência, nas condições pactuadas, até a ocorrência do sinistro (no caso, morte ou invalidez permanente causada por doença). Assim, considerando as tratativas pré-contratuais, as legítimas expectativas do consumidor em relação ao contrato de seguro de vida, vedam-se os cancelamentos unilaterais das condições contratuais, bem como a alteração do conteúdo do contrato, principalmente das cláusulas relativas ao prêmio e coberturas previstas. Eventual disposição contratual em sentido contrário não tem qualquer validade jurídica, é nula de pleno direito (art. 51, inciso IV, c.c. o respectivo § 1.º, do CDC). A propósito, têm pertinência os ensinamentos de Cláudia Lima Marques referindo-se ao princípio da boa-fé objetiva. Inicialmente, esclarece a renomada doutrinadora que, em face da nova concepção do contrato, delineada pelo CDC e, também, pelo novo Código Civil, a lei passa a proteger os interesses sociais, valorizando a confiança e expectativas depositadas no vínculo. Em seguida, apresenta os elementos delineadores da boa-fé: "Boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação ‘refletida’, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes." - grifo nosso (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 4.ª ed., São Paulo, RT, págs. 175-181) Registre-se, também, decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios a respeito da impossibilidade de alteração de condições de contrato de seguro por intermédio de divulgação de novo manual de instruções: "DIREITO CIVIL. CONTRATO DE SEGURO. Não pode a seguradora modificar unilateralmente cláusula contratual. Inaplicável, por injurídica, modificação posterior de estipulação do contrato que beneficia o segurado, através de expedição de novo manual de instruções que, em MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MARÍLIA (SP) 12 verdade, extingue direito contratualmente deferido ao segurado." (APC n.º 2525691/DF, relator o E. Desembargador Jeronymo de Souza. DJU, 24.11.1993) Nesse sentido, atente-se ainda para os ensinamentos de Arnaldo Rizzardo relativos ao seguros de saúde que, por envolverem aspectos, interesses e expectativas semelhantes ao contrato de seguro de vida, aplicam-se analogicamente à presente situação: "(...) O prazo de vigência da apólice é de doze meses, contados da data de sua emissão, renovável automaticamente, se não houver manifestação expressa em contrário. A Seguradora ou o segurado, mediante aviso prévio, ou por escrito de, no mínimo, trinta dias do término de vigência da apólice, poderá deixar de renová-la. Ora, a prevalecer a faculdade constante nas cláusulas acima, nada impede que se forme o seguinte quadro: o segurado renova ininterruptamente o contrato por vários anos, e quando atingir uma idade de maior fragilidade, ver simplesmente manifestada a recusa, ou ficar surpreendido com a comunicação de não mais interessar a renovação. [Nesse caso] há incompatibilidade com a boa-fé e a equidade (art. 51, inc. IV, da Lei n.º 8.078, de 1990), visto que o seguro se torna mais necessário no estágio da vida em que se encontra o segurado. Ao mesmo tempo, está ínsita uma autorização para o fornecedor rescindir a apólice (art. 51, inc. XII, do CDC), eis que viabiliza a alteração unilateral." - grifo nosso (Contratos. 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, pág. 584). Registre-se, ainda, opinião de Arnold Wald específica ao aspecto da alteração do percentual de reajuste por faixa etária: "Outra cláusula que nos parece abusiva: a que eleva o prêmio em função da idade do segurado, após longos anos de pagamento do prêmio. O segurado ainda jovem contrata o seguro-saúde. Jamais o utiliza. Vinte anos depois, já maduro, começa a freqüentar médicos. Deve elevar os prêmios. E os anos que pagou sem precisar? Outro ponto, que já foi objeto de julgamento em ação civil pública: - a elevação unilateral dos prêmios, a tal ponto que a maioria se vê levada a cessar o contrato." (Obrigações e Contratos. II vol. 14. Ed. São Paulo, RT, p. 523). MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MARÍLIA (SP) 13 Acrescente-se que a alteração unilateral das condições contratuais configura evidente tentativa de transferir aos consumidores o risco inerente à qualquer atividade econômica. No contrato de seguro, a definição do valor do prêmio envolve cálculos atuarias de modo a garantir a possibilidade de indenização do sinistro, bem como a obtenção de lucro. As empresas de seguro fixam seus preços com base em cálculos atuariais que consideram o valor médio pago pelos segurados da carteira e o tempo médio de pagamento de prêmios mensais, o que ocorre durante muitos anos e até mesmo décadas. Ao alterar de maneira unilateral as bases sobre as quais se fundara o contrato de seguro, evidencia-se, facilmente, a transferência do risco da atividade econômica ao consumidor, vez que foi alterado o prêmio, bem como se reduziu a cobertura do seguro. O elevado e desproporcional aumento das parcelas mensais enseja menor ônus econômico à seguradora. Ao contratarem originalmente com os réus, os consumidores objetivaram proteger suas famílias pagando mensalmente uma determinada quantia para receberem um determinado prêmio em caso da ocorrência do sinistro. Com a alteração, terão que suportar os ônus financeiros aludidos. Portanto, milhares de consumidores estão forçados a aderir a uma modalidade de seguro que frustra a expectativa criada com a assinatura do original contrato. Daí ser evidente a ofensa à legítima expectativa criada em torno do contrato de seguro de vida e, portanto, ofensa ao princípio da boa-fé objetiva, norteador maior das relações de consumo. Da tutela antecipada O objeto da presente ação é buscar a tutela jurisdicional para que se proíba a empresa seguradora de elevar o valor das parcelas mensais de forma exorbitante, no caso dos consumidores optarem pelo recebimento do mesmo valor de indenização pela ocorrência de sinistro previsto no Plano VidaPlus Familiar. Porém, para que o provimento jurisdicional possua utilidade e efetividade, presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, além da verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, necessária a concessão de tutela antecipada para compelir à ré que não mais exija a referida habilitação específica. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MARÍLIA (SP) 14 A Lei n.º 8.952, de 13 de dezembro de 1994, ao dar nova redação ao art. 273 do Código de Processo Civil, possibilitou a antecipação dos efeitos da tutela pretendida no pleito inicial: “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.” Sobre o tema em tela, o ilustre processualista Cândido Rangel Dinamarco aduz: “O novo art. 273 do Código de Processo Civil, ao instituir de modo explícito e generalizado a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, veio com o objetivo de ser uma arma poderosíssima contra os males do tempo no processo.” (in “A Reforma do CPC”, 2.ª ed., ver. ampl., São Paulo, Malheiros Editores, 1995). Por conseguinte, trata-se o instituto da tutela antecipada da realização imediata do direito, já que dá ao autor o bem por ele pleiteado. Dessa forma, desde que presentes a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação, a prestação jurisdicional será adiantada sempre que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Assim, verificamos que as condições para que o magistrado conceda a tutela antecipada, são: a) verossimilhança da alegação; b) fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e, comentando tais requisitos, o Juiz Federal Teori Albino Zavascki pondera que: “Atento, certamente, à gravidade do ato que opera restrição à direitos fundamentais, estabeleceu o legislador, como pressupostos genéricos, indispensáveis a qualquer das espécies de antecipação da tutela, que haja (a) prova inequívoca e (b) verossimilhança da alegação. O fumus boni iuris deverá estar, portanto, especialmente qualificado: exige-se que os fatos, examinados com base na prova já carreada, possam ser tidos como fatos certos. Em outras palavras: diferentemente do que ocorre no processo cautelar (onde há juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probabilidade quanto aos fatos alegados), a antecipação da MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MARÍLIA (SP) 15 tutela de mérito supõe verossimilhança quanto ao fundamento de direito, que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos. Sob este aspecto, não há como deixar de identificar os pressupostos da antecipação da tutela de mérito, do art. 273, com os da liminar em mandado de segurança: nos dois casos, além da relevância dos fundamentos (de direito), supõe-se provada nos autos a matéria fática. (...) Assim, o que a lei exige não é, certamente, prova de verdade absoluta, que sempre será relativa, mesmo quando concluída a instrução, mas uma prova robusta, que, embora no âmbito de cognição sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de verdade” (Antecipação da Tutela, Editora Saraiva, São Paulo, 1997, fls. 75-76). Araken de Assis, em sua obra “Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela”, Ed. Revista dos Tribunais, p. 30, assevera que “a verossimilhança exigida no dispositivo se cinge ao juízo de simples plausibilidade do direito alegado em relação à parte adversa. Isso significa que o juiz proverá com base em cognição sumária”. Assim, o juízo de verossimilhança reside num juízo de probabilidade, resultante da análise dos motivos que lhe são favoráveis e dos que lhe são desfavoráveis. Se os motivos favoráveis são superiores aos desfavoráveis, o juízo de probabilidade aumenta. Mister analisar que na ação civil pública a antecipação de tutela ganha relevância ainda maior, já que com ela visa-se tutelar interesses difusos, coletivos e coletivos lato sensu, bens de vida de toda sociedade, como ocorre no presente caso. Nessa esteira, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, em seu monumental Código de Processo Civil Comentado, comenta: “3. Antecipação da tutela. Pelo CPC 273 e 461, §3.º, com a redação dada pela L 8952/94, aplicáveis à ACP (LACP 19), o juiz pode conceder a antecipação da tutela de mérito, de cunho satisfativo, sempre que presentes os pressupostos legais. A tutela antecipatória pode ser concedida quer nas ações de conhecimento, cautelares e de execução, inclusive de obrigação de fazer. V. comente. CPC 273, 461, §3.º e CDC 84, §3.º.” (3.ª edição, revista e ampliada, Revista dos Tribunais, 1997, p. 1.149). MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MARÍLIA (SP) 16 No caso em tela, os requisitos exigidos pelo diploma processual para o deferimento da tutela antecipada encontram-se devidamente preenchidos. Além disto, a existência do fumus boni iuris mostra-se clara, patenteado na fundamentação supra, em que se demonstra o descumprimento de princípios constitucionais, bem como da legislação pertinente. A urgência, ou periculum in mora, consiste em que a ilegal alteração unilateral do contrato faz com que o consumidor esteja sujeito a não ver seu interesse motivador da celebração do seguro tutelado, estando exposto ao pagamento de prêmio inferior ao contratado em caso de ocorrência do sinistro, resultando em dano irreparável ao segurado e à sua família. Ainda, não é razoável que os consumidores continuem expostos até a prestação jurisdicional definitiva às conseqüências danosas decorrentes de uma alteração absolutamente ilegal. Assim, presentes, os requisitos necessários à concessão da tutela antecipada, requer o Ministério Público Federal, com espeque no art. 12 da Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, o seu deferimento, inaudita altera parte, para o fim de determinar aos réus que mantenham (ou restabeleçam, se for o caso) as cláusulas do Plano VidaPlus Familiar, fornecendo a oportunidade aos que cancelaram ou mudaram de plano que voltem ao Plano VidaPlus Familiar, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) por segurando lesado. Dos pedidos Concedida a liminar pleiteada, no mérito, o Ministério Público Federal requer: a) a citação dos réus, na forma da lei, para, querendo, contestarem o pedido; b) sejam declaradas nulas as cláusulas que permitem a extinção das Apólices n.º 93.06671 e 93.06990, bem como a alteração de suas condições; c) que os réus mantenham (ou restabeleçam, se for o caso) as cláusulas do Plano Vida Plus Familiar; MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MARÍLIA (SP) 17 d) que os réus forneçam a relação dos consumidores que contrataram o Plano VidaPlus Familiar; e) que os réus forneçam a oportunidade aos consumidores que cancelaram ou mudaram de planos que voltem ao Plano VidaPlus Familiar; f) que sejam encaminhadas correspondências aos consumidores que aderiram às Apólices n.º 93.06671 e 93.06990, informando a manutenção das cláusulas do Plano VidaPlus Familiar, bem como a oportunidade àqueles que cancelaram ou mudaram de planos que retornem ao Plano VidaPlus Familiar; g) requer-se, ainda, seja cominada multa diária não inferior ao valor de R$ 1.000,00 (mil reais), por segurando lesado, em caso de descumprimento da ordem judicial (Lei n.º 7.347/85, art. 11 e 12, § 2.º). Ressalte-se, por fim, que para se alcançar o resultado prático equivalente ao adimplemento poderá Vossa Excelência determinar as medidas necessárias na concessão antecipada da tutela específica, como as previstas no rol do § 5.º, do art. 461 do CPC, sem prejuízo de outras, considerando que a enumeração legal é exemplificativa e não taxativa, na esteira da melhor doutrina processual. Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos. Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), para fins fiscais. Termos em que, pede deferimento. Marília, 03 de maio de 2006. JEFFERSON APARECIDO DIAS Procurador da República MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MARÍLIA (SP) 18 *Petição elaborada a partir da inicial da ação civil pública proposta pelo Promotor de Justiça em Brasília (DF), Dr. Leonardo Roscoe Bessa. **Contribuiu na elaboração da presente ação civil pública a Estagiária de Direito da Procuradoria da República em Marília, Juliana Binatto Schaer.