DR. TEHODOMIRO BRASIL: UM EDUCADOR NEGRO ESQUECIDO NA HISTÓRIA DE AMARGOSA. Camila de Almeida Santana (Bolsista PIBID-UFRB-CFP) 1 Orientador: Prof. Msc. Fábio Josué Souza dos Santos 2 Universidade Federal do Recôncavo da Bahia-UFRB/CFP RESUMO: Esse trabalho consiste num aprofundamento realizada pela autora a partir de uma investigação coletiva realizada no Colégio Estadual Pedro Calmon (Amargosa-BA), por oito (08) dos cinquentea (50) alunos-bolsistas participantes do Programa Institucional de Bolsas para Incentivo à Docência-PIBID do CFP-UFRB. Durante os meses de abril a agosto de 2010, os oito (08) alunos-bolsistas referidos estiveram envolvidos no trabalho de reconstituição histórica do referido colégio, desde a sua fundação na segunda metade dos anos 1950 até a atualidade, utilizando-se de fontes escritas (relatórios, atas, ofícios, etc.), orais (entrevistas com exprofessores e ex-alunos) e iconográficas. Durante a investigação chamou-nos a atenção o silenciamento sobre o Professor Tehodomiro Brasil, promotor público que exerceu forte influência no processo de fundação da escola, na segunda metade dos anos 1950. Os documentos escritos analisados a ele fazem referências apenas como um Promotor Público que foi um dos primeiros professores da instituição, silenciando sobre a grande contribuição política que ofereceu para a criação da escola, materializada na fundação da Associação Educacional de Amargosa, entidade mantenedora da escola; sua atuação como professor; bem como sua condição de negro. O silenciamento sobre este educador, rompido apenas a partir de questionamentos mais incisivos durante as entrevistas, despertou-me para analisar a sua trajetória de vida e sua ação educacional. Dialogando com autores dos campos da História da Educação (MENEZES, 2007; ROMANELLI, 1986), das Relações Raciais e dos estudos Biográficos (ABRAHÃO, 2004; LEVI, 2006; SOUZA, 2006), e, ainda, e procedendo a utilização da História Oral como abordagem metodológica (DELGADO, 2010; FERREIRA e AMADO, 2006; MEIHY, 1996), a pesquisa, que pretendo dar cabo como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), procura compreender a trajetória deste educador e indagar sobre o seu silenciamento na história da educação local. Palavras-chave: História da Educação, História da Educação na Bahia, Amargosa, Relações Raciais, Tehodomiro Brasil. 1 Estudante do 4º. semestre do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Campus Amargosa. Bolsista de iniciação à docência pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência-PIBID (CAPES/UFRB). E-mail: [email protected] 2 Mestre em Educação e Contemporaneidade, Professor Assistente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Campus Amargosa. Bolsista-Coordenador do Sub-Projeto Pedagogia no âmbito do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência-PIBID (CAPES/UFRB). E-mail: [email protected] 1 Introdução e objeto de estudo O trabalho aqui apresentado é um recorte feito a partir dos dados levantado coletivamente em uma pesquisa maior realizada no Colégio Estadual Pedro Calmon (Amargosa-BA), por 08 dos alunos-bolsistas participantes do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID/CAPES, no Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, campus Amargosa3. Durante os meses de abril a setembro de 2010, alguns alunos-bolsistas do PIBIB-UFRB-CFP, entre as quais a autora deste trabalho, estiveram envolvidos no trabalho de reconstituição histórica do Colégio Estadual Pedro, desde a sua fundação na segunda metade dos anos 1950 até a atualidade. No decorrer do trabalho intrigou-nos o silenciamento a respeito de “Dr. Tehodomiro Brasil”, educador que exerceu forte influência na criação do referido colégio, mas que tinha seu nome relativamente invisibilizado nas fontes escritas existentes no arquivo da escola. No início dos anos 1950, o então prefeito de Amargosa, Dr. José Viana Sampaio, um engenheiro agrônomo que governou o município entre 1951-1954, começou a erguer o prédio onde hoje está atualmente situado o Colégio Estadual Pedro Calmon (CEPC), contando apenas com recursos da prefeitura. A intenção era construir o primeiro ginásio público do município e da região, mas por conta de dificuldades financeiras a obra não chegou a ser concluída e ficou abandonada por vários anos. Anos depois, por iniciativa de Dr. Tehodomiro Brasil, Promotor Público e educador que chegou ao município em 1956, foi criada a Associação Educacional de Amargosa que se constituiu em mantenedora da Escola Comercial de Amargosa (ECA), que então 3 O PIBID é um programa do MEC/CAPES tem como objetivo principal promover a iniciação à docência de estudantes de cursos de licenciatura através de sua inserção no cotidiano da escola básica. A proposta do PIBID-UFRB-CFP aprovada pela CAPES para ser desenvolvida no período abril/2010 a março/2012, envolve a participação de 50 alunos-bolsistas de iniciação à docência dos cursos de licenciatura em matemática, química, física, filosofia e pedagogia, 6 supervisores, selecionados entre professores da rede pública estadual das escolas parceiras, 05 professores da CFP/UFRB responsáveis pela coordenação dos subprojetos de cada uma das áreas participantes do PIBID e mais 01 professora responsável pelo projeto institucional do CFP/UFRB. O projeto é desenvolvido junto a 3 escolas de ensino médio do município de Amargosa. Durante a primeira fase do projeto (abril a setembro de 2010) os alunos-bolsistas procuraram realizar um diagnóstico da realidade escolar em que estavam lotados, agrupando-se em quatro Grupos de Trabalhos, cada um responsável por uma tarefa, a saber: a) reconstituição da história da instituição escolar, b) levantamento de dados quantitativos e qualitativo referente aos alunos;c) levantamento de dados quantitativos e qualitativos referente aos professores e demais funcionários da escola; d) levantamento de dados sobre a infraestrutura da unidade escolar e sua (in)utilização. 2 passou a oferecer um curso básico de Comércio até o ano de 1964, quando a escola foi estadualizada, transformando-se em Colégio Estadual Pedro Calmon. A partir de então a escola transformou-se em uma das mais importantes instituições educacionais do município de Amargosa e região, oferecendo, conforme repercussão das políticas educacionais estadual e nacional, os cursos de Contabilidade (1964-2002), Magistério (1974-2006) e Formação Geral (1994-2010), em nível médio. A utilização dos procedimentos da Historia Oral, nos permitiu romper o silencio existente em Amargosa durante mais de cinco décadas acerca da contribuição de Dr. Tehodomiro Brasil no processo de criação da escola que se constituiu na primeira instituição pública de ensino secundário da região. Apoiando-se em trabalhos relacionados à História da Educação brasileira e baiana e em estudos sobre as Relações Étnico-Raciais este trabalho pretende apresentar dados preliminares de uma pesquisa que terá continuidade como Trabalho de Conclusão do Curso de graduação em Pedagogia e que tem o objetivo de analisar a história de vida de Dr. Tehodomiro Brasil discutindo sua contribuição para a democratização do acesso à escola no interior da Bahia e as razões de seu silenciamento na história da educação amargosense. Os dados foram levantados em documentos constantes no Arquivo Escolar do Colégio Estadual Pedro Calmon-CEPC (atas de reuniões, relatórios e ofícios) e em entrevistas semi-estruturadas realizadas com ex-professores e ex-colegas de trabalho de Dr. Brasil no CEPC, bem como com alguns de ex-alunos. O referencial teórico-metodológico: articulando a História de Vida com a História da Educação na Bahia Os estudos sobre a história de vida tem sido crescentes no mundo e no Brasil nas últimas décadas. No atual decênio, a realização de quatro edições seguidas do Congresso Internacional de Pesquisas (Auto) Biográfica (CIPA) em território nacional mostram a proeminência do tema. Tais estudos situam-se no âmbito das abordagens teóricas herdeiras dos paradigmas compreensivos desenvolvidos de forma pioneira pela Escola de Chicago nos anos 20 do século XX e que se expandiram de forma vigorosa na última metade daquele século no campo das ciências sociais. 3 Como informa Amado e Ferreira (2006), nas últimas décadas, no campo da produção historiográfica tem sido discutido o papel do sujeito, colocando em pauta a emergência de estudos relativos a biografias, autobiografias e história de vida. As autoras historicizam este processo afirmando que Especialmente ao longo dos anos 60 e 70, predominou na historiografia a tendência de valorizar as análises das estruturas, os processos de longa duração, e, em contrapartida, de desvalorizar os estudos sobre a conjuntura política ou cultural, o fato histórico singular e seu protagonista individual. Nesse movimento, o uso de fontes seriais e de técnicas de quantificação assumiu importância fundamental, enquanto o recurso a relatos pessoais, histórias de vida, biografias passou a ser visto como extremamente problemático. Condenava-se sua subjetividade, duvidava-se das visões distorcidas apresentadas, enfatizava-se a dificuldade de se obter relatos fidedignos. Alegava-se também que os depoimentos pessoais não podiam ser considerados representativos de uma época ou de um grupo. A experiência individual produzia uma visão particular e não permitia generalizações. A virada dos anos 70 para os anos 80 trouxe, entretanto, transformações expressivas nos diferentes campos da pesquisa histórica, revalorizando a análise qualitativa, resgatando a importância das experiências individuais, promovendo um renascimento do estudo do político e dando impulso à história cultural. Nesse novo cenário, os depoimentos, os relatos pessoais e a biografia também foram revalorizados, e muitos dos seus defeitos, relativizados. Argumentou-se, em defesa da abordagem biográfica, que o relato pessoal pode assegurar a transmissão de uma experiência coletiva e constituir numa representação que espelha uma visão de mundo. (AMADO & FERREIRA, 2006, pp. 22-23). Contrário às perspectivas da macro história que primava pela objetividade e desconsiderava a subjetividade na constituição dos fatos históricos, tem se argumentado nas últimas décadas em defesa da abordagem biográfica e do relato pessoal que “pode assegurar a transmissão de uma experiência coletiva e constituir-se numa representação que espelha uma visão de mundo” (AMADO & FERREIRA, 2006, p. 22-23). Portanto, é na esteira deste movimento que coloca a subjetividade como elemento importante para o estudo da vida social, que se situa os estudos de cunho biográficos. Uma das grandes potencialidades dos estudos biográficos, que tem inclusive impulsionado a sua difusão, reside nas possibilidades de cruzamentos entre as dimensões individuais e coletivas da história de cada indivíduo. Como argumenta Giovani Levi (2006, p. 179-180), “nenhum sistema normativo é suficientemente estruturado para eliminar qualquer possibilidade de escolha consciente, de manipulação ou de interpretação de regras de negociação. Ao meu ver a biografia é por isso mesmo o caminho ideal para se verificar o caráter intersticial [...] da liberdade de que as pessoas dispõe e para se observar como funcionam concretamente os sistemas normativos. 4 Assim, segundo Abrahão (2004) é possível estudar a história da educação de determinado lugar a partir da história de vida de determinados educadores. Para ela uma pesquisa deste nível possui um manancial rico a ser explorado, constituindo-se em material de consulta sobre os mais variados aspectos nos diferentes níveis de ensino (ABRAHÃO, 2004, p.13). Para ela trata-se de verificar suas experiências seus viveres influências que tiveram/tem em sua vida acadêmica e profissional, seus relatos com a sociedade, como estabeleceram o entendimento e sua prática profissional. “Trata-se, igualmente de, a luz das Histórias de Vida, clarificar, para melhor compreender, a própria História da Educação no estado em determinado período”. (ABRAHÃO, 2004, p.14). A emergência dos estudos biográficos no campo da História da Educação tem contribuído, inclusive, para a renovação dos estudos nessa área no Brasil. Os estudos sobre a História da Educação no Brasil, historicamente centraram-se na macro-história e tomaram como fonte de pesquisa a legislação educacional, programas e políticas emanados dos órgãos centrais, ignorando, muitas vezes a enorme distância existente entre o dito e o feito, entre o proclamado e o realizado, pois como bem observa Grinspun (1997, p. 28) parece que se “constitui numa das características brasileiras a de dar às leis a responsabilidade para a resolução de toda sua problemática, pois leis e reformas sempre existiram em abundância no País, refletindo a ideologia dominante”. Outra característica da história da educação nacional é a sua centralização nas grandes cidades, quase sempre nas grandes capitais. Estas perspectivas colocaram à margem da investigação acadêmica a história da educação nas áreas mais ao interior do país. De um lado a ausência de instituições de ensino superior nas áreas interioranas e sua concentração quase exclusiva nas áreas metropolitanas fez desprezar o estudo da história da educação em áreas menos industrializadas; de outro, a perspectiva teóricomedodológica adotada, centrada numa abordagem positivista que considerava o documento escrito como símbolo de cientificidade, justificou o abandono de outras áreas não metropolitanas, pois ali, dificilmente, se encontrariam provas documentais que garantissem o status de uma investigação rigorosamente científica segundo os cânones até pouco tem empregados na ciência histórica. Mais recentemente, com a criação de Instituições de Ensino Superior em áreas interioranas – como é o caso da UFRB, criada recentemente, em 2005, no âmbito do Programa Expandir, do MEC – tem estimulado a produção sobre a história local e 5 regional. Um obstáculo neste caminho é a ausência de arquivos que guardem documentos históricos capazes de contribuir para a reconstituição da história local. Neste contexto, entretanto, as abordagens da História Oral e, mais recentemente, as abordagens (auto)biográfica apresentam potencializadas substanciais para superar a falta e limitações de fontes escritas e, de resto, traz a contribuição para a escrita de uma história mais viva, mais real. Segundo Neves (2010) a história regional e local propicia meios inatingíveis, revelado facetas de viveres e saberes ampliando o conhecimento histórico no campo teórico e na pratica investigativa. Neste sentido, estudar a história de educadores se constitui em uma importante estratégia para a compreensão da história da educação local/regional nas áreas mais afastadas dos grandes centros. Dr. Tehodomiro Brasil, foi um educador negro baiano e também Promotor de Justiça nascido no início da década de 1920 em Salvador e que, após diplomar-se em Direito na Universidade da Bahia fez carreira no interior do estado, sempre conciliando a atividade jurídica com o magistério. Assim, estudar sua história de vida é buscar compreender parte da história da educação no interior do estado da Bahia, particularmente, no município de Amargosa; e, também, compreender como se constituía as relações sociais existentes entre os negros e brancos naquela época. O acesso dos negros à educação no século XX O Projeto Memória da Educação na Bahia, desde 1980 vem pesquisando a história da educação baiana, procurando entender as lutas de democratização do ensino no estado. Os estudos realizados confirmam que a concretização do ensino na República revela as desigualdades de oportunidades existentes entre as pessoas oriundas de classes populares, subalternos, moradores da zona rural e principalmente os negros, pois na Bahia como em outras partes do Brasil o acesso a escolarização dos negros, só foi adquirido bem lentamente, após a Abolição (MENEZES, 2007). O movimento educacional dos fins do século XIX e começos do nosso século caracterizou-se como um movimento de educação limitada, em rigor de treino das chamadas massas, mantendo-se o sistema de educação das elites fundamentalmente fechado às classes populares. As reais oportunidades educacionais continuaram apenas acessíveis às classes superiores, ou aos que tivessem enriquecido com as novas oportunidades econômicas (TEIXEIRA, 1996, p. 29) 6 Diante do que foi mencionado acima é possível afirmar que a educação oferecida às classes populares funcionava como um “adestramento”, onde estes estavam ali só para ser enganado com migalhas advindas das elites, na tentativa de dizer que todos tinham oportunidades. Entretanto, a partir desses acessos novas lutas estavam para ser realizadas e a democratização do ensino estava para se conquistada e assim poder está próximo do que seria uma educação para todos. Segundo Felipe, França e Teruya (2007, p. 116) no final do século XIX e início do século XX, houve um crescimento dos setores de prestação de serviços, associado aos início do processo de urbanização, crescimento das camadas médias e ao aparecimento de um proletariado urbano formado pelos imigrantes que, chegados ao país, abandonaram o trabalho na zona rural em direção às cidades. Isso levou a sociedade pensar em uma escolarização para as camadas populares. Entretanto, esta escolarização estava associada à profissionalização do indivíduo para atender ao mercado capitalista. Em 1930, com a revolução que levou Getúlio Vargas ao poder, tivemos uma nova fase, que se iniciou com a criação do Ministério de Educação e Saúde em 1931, com as leis orgânicas de ensino do período do Estado Novo, e a criação do sistema S: SENAI, SESI, SESC, SENAC, para um ensino mais profissionalizante (NUNES, MATOS, CABRAL, 2005, p. 6). Os estudos realizados demonstram que a concretização do ensino na República revela que as desigualdades de ensino eram grandes entre as pessoas oriundas de classes populares, subalternos, moradores da zona rural e principalmente os negros. Na Bahia como em outras partes do Brasil o acesso a escolarização dos negros, foram adquirindo bem lentamente, seguindo a abolição. Por outro lado, o modo como o sistema escolar trata os alunos advindos das classes populares cria novas formas de exclusão, expulsando da escola aqueles que conseguiram nela chegar ou dando a eles um tipo de educação que os trata como desiguais muitas vezes destinados ao fracasso escolar ou destinados a um tipo de trabalho, fora da escola, rotineiro, cansativo – portanto, incluindo-os como desiguais (MENEZES, 2007, p.56). Para Domingues (2008) as primeiras décadas depois da Abolição da escravatura e a programação da República foram decisivas para a população negra no Brasil. Segundo o autor os negros eram vistos como inferiores frentes aos brancos. Para transformar essa realidade, os negros uniram-se em associações para reivindicar e propor projetos de cidadania e conquistas de seus direitos. O autor destaca que dentre 7 muitas reivindicações a proposta da educação se fazia presente com prioridade, pois o analfabetismo era um dos principais problemas da população negra no Brasil. As associações negras que floresceram nas primeiras décadas do século XX vislumbravam na educação, senão a solução, pelos menos um pré-requisito indispensável para a resolução dos problemas da "gente de cor" na sociedade brasileira. [...] Acreditava-se que os negros, na medida em que progredissem no campo educacional, seriam respeitados, reconhecidos e valorizados pela sociedade mais abrangente. A educação teria o poder de anular o preconceito racial e, em última instância, de erradicá-lo. (DOMINGUES, 2008, p.522523). Diante do esclarecimento entendemos que para os negros serem “aceitos” na sociedade brasileira teriam que estudar, ou seja, se qualificar para então poderem conhecer seus direitos. Sabemos que mesmo com as lutas dos negros o racismo e préconceito continuam muito fortes em nosso país, mesmo que sejam estudados. Os pesquisadores do Projeto Memória da Educação na Bahia preocuparam-se não só em estudar história da educação Bahia como também as lutas dos movimentos sociais e principalmente dos negros, que construíram um caminho de resistência frente às exclusões existentes (MENEZES, 2007). É nesse contexto que se situa a história de vida do Dr. Tehodomiro Brasil. Filho de uma família negra e pobre, por razões ainda desconhecidas, tornou-se filho adotivo de um juiz em Salvador na década de 1920, segundo o que nos indicam os dados preliminares de nossa investigação. Este acontecimento ofereceu-lhe oportunidade para enveredar pelo estudo tornando-se bacharel em Direito pela Universidade da Bahia na década de 1940 e, logo em seguida, ingressando na carreira jurídica, como Promotor de Justiça no interior do estado, ocasião em que começou a exercer, também, o magistério. Além de competente funcionário da Justiça e admirado professor de Geografia, “Dr. Brasil”, como era conhecido, teve um destacado papel na democratização do acesso à escola no interior do estado, notadamente nos municípios de Rui Barbosa e Amargosa onde liderou movimentos pela criação de escolas secundárias, de caráter comunitário e sem fins lucrativos. Apresentamos, no tópico a seguir, alguns dados preliminares de uma pesquisa em andamento que culminará na elaboração de nosso Trabalho de Conclusão de Curso de graduação em Pedagogia no Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Os dados foram levantados no período de abril a dezembro de 2010, em duas fases. Na primeira, realizada entre abril e agosto do referido ano, foram utilizados fontes 8 escritas disponíveis no Arquivo Escolar do Colégio Estadual Pedro Calmon, em Amargosa. Entre as fontes consultadas constam 02 livros de atas, 01 relatório elaborado pela direção da escola em 1964 e ofícios emitidos pela direção da escola em diversas ocasiões no período entre 1958-1965, período que, segundo os dados, corresponde à atuação de “Dr. Brasil” na escola. A segunda fase, realizada entre os meses de setembro e dezembro de 2010, consistiu na realização de quatro (05) entrevistas semiestruturadas, com dois (02) ex-professores do Colégio Estadual Pedro Calmon que foram colegas de trabalho de Dr. Brasil e três (03) ex-alunos4. Dr. Tehodomiro Brasil: um educador negro esquecido na história de Amargosa Tehodomiro Brasil era proveniente de uma família pobre. Por esta razão desde cedo precisou trabalhar para garantir o seu sustento. Segundo informações levantadas, realizava serviços domésticos diversos e era muito dedicado em tudo que realizava. Segundo alguns entrevistados foi adotado ainda pequeno por um Juiz de Direito, que possivelmente contribuiu para sua formação. Após concluir o Direito e tornou-se Promotor Público da Justiça Estadual, sendo designado para atuar no município de Rui Barbosa, interior da Bahia, onde ajudou fundar uma escola de nível secundária que ofereceu o Curso Básico de Comércio. Mais adiante, em meados da década de 1950, foi transferido para Amargosa. Quando Dr. Brasil chegou em Amargosa, ao encontrar um quadro de descaso com a educação pública, um altíssimo índice de analfabetismo e exclusão educacional5 e, ainda, e as edificações do atual Colégio Estadual Pedro Calmon inconclusas e em 4 Como a pesquisa encontra-se em andamento, pretende-se, nas fases seguintes: a) realizar entrevistas semi-estruturadas com familiares de “Dr. Brasil”, residentes em Salvador; b) aprofundar as entrevistas com ex-colegas e ex-alunos; c) bem como buscar dados referente à sua atuação como profissional da Justiça e da Educação nos acervos do Fórum Sávio Martins (Amargosa) no Arquivo Público Municipal de Amargosa, onde se encontram atas das sessões da Câmara de Vereadores de Amargosa. Pretende-se, ainda, fazer incursões no município de Rui Barbosa-Ba onde, segundo informações levantadas, o referido educador fundou uma escola técnica de comércio e, também, atuou como Promotor Público. 5 Durante as décadas de 1940 e 1950, os índices de analfabetismo eram bastante acentuados no interior da Bahia. Especificamente na cidade de Amargosa, a taxa de pessoas que não sabiam ler e escrever chegou a 67,53% em 1940 e a 73,49% em 1950, revelando assim um acréscimo nessa taxa (SANTOS, 1963). Contraditoriamente, o município possuía boas escolas particulares e era referencia na região por oferecer ensino “secundário” em duas escolas, ambas pertencentes à rede particular: o Ginásio Santa Bernadete, criado em 1946 como ação da Diocese de Amargosa e vinculado à ordem religiosa do Santíssimo Sacramento (Irmãs Sacramentinas), que funcionava como internato e semi-internato feminino; e o Seminário Menor da Imaculada Conceição, criado em 1944, também como ação da Diocese, sendo, esta a primeira instituição a oferecer o ensino secundário na região. O Ginásio Santa Bernadete ofereceu inicialmente, o curso ginasial e em 1953 iniciou a oferta do Curso Normal (pedagógico), formando em 1955 a primeira turma de professoras na região do Vale do Jiquiriçá (SILVA, 2006; UFRB, 2010). 9 estado de completo abandono; iniciou uma mobilização junto a diversas pessoas influentes do município, dentre eles professores(as), padres, bispo, prefeito, fazendeiros, comerciantes e outras pessoas da cidade, para fazer funcionar uma escola que fosse pública. Assim, em 22 de junho de 1956 foi fundada a Associação Educacional de Amargosa, uma entidade sem fins lucrativos que, no início de 1958, após ter concluído as obras das edificações iniciadas pelo ex-prefeito Dr. José Viana Sampaio no princípio daquela década, dá início às atividades da Escola Comercial de Amargosa (atual Colégio Estadual Pedro Calmon), que então passa a oferecer o Curso Básico de Comércio para um público misto, constituído de rapazes e moças, ao custo de módicas mensalidades6. Além de participar do processo de fundação da escola, Dr. Brasil também fazia parte do quadro docente da instituição. As entrevistas feitas com ex-professores e exalunos revelam que, mesmo sem a formação pedagógica que lhe habilitasse para a docência7, as aulas ministradas por Dr. Brasil eram de excelentes qualidades. Lecionava Geografia e sempre estava se preocupando com a educação e com a vida dos alunos, como afirmam os trechos a seguir: - Ele era muito interessado em uma educação boa, uma educação de qualidade; estimulava muito os alunos a estudarem a se prepararem [...] Tinha um relacionamento muito bom com os alunos e com a família dos alunos, principalmente aqueles alunos mais pobres ele dava uma assistência muito grande (CR, ex-professora da escola e ex-colega de Dr. Brasil, em entrevista em agosto de 2010). - A gente já se sentia preparado para vida, por que ele nos incentivava a estudar e se preparar. [...] Acabava as aulas e agente queria mais. (ES, exaluno, em entrevista em agosto de 2010). 6 Informações levantadas junto a diversos ex-professores e ex-alunos da escola estimam que, em preço de hoje, as mensalidades da época custavam em torno de R$ 40,00 a R$ 50,00. Uma possibilidade aberta pela legislação da época e que muito beneficiou seus alunos eram as bolsas de estudo concedidas pelo Governo Federal, com recursos do Fundo Nacional do Ensino Médio (FNEM). Criado em 1954, através do Decreto-Lei nº. 2.342, o FNEM além de apoiar a propagação do ensino médio público, favorecia os colégios particulares. 7 A legislação da época estimulava a formação de professores para o ensino secundário. Em 17 de dezembro de 1953, no governo do presidente Getúlio Vargas, foi criada a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário-CADES que funcionou até o ano de 1971 quando surgiu a reforma do ensino de 1º. e segundo grau (Lei 5.692/71). Entre as ações da CADES estavam a realização de cursos de preparação de professores secundaristas, realização de exames de suficiência e a publicação de materiais pedagógicos, entre os quais vários livros voltados para a formação dos professores. As pesquisas realizadas permitiu-nos constatar que nas décadas de 1950 e 1960 alguns educadores de Amargosa participaram de cursos de formação oferecido pela CADES nas cidades de Vitória da Conquista e Salvador. 10 Os dados exploratórios levantados até o momento tem nos permitido constatar que o referido educador teve um papel importante na democratização do acesso à educação no interior da Bahia entre as décadas de 1950 e 1960, atuando politicamente, dentro das margens oferecidas pelo contexto sócio histórico da época, para oferecer condições de acesso à escola secundária às camadas economicamente menos favorecidas. Neste contexto, a luta pela construção de escolas comunitárias, abertas a ambos os sexos, custeadas com recursos oriundos de convênios com os governos municipal, estadual e federal e de módicas mensalidades; e que ofertassem cursos profissionalizantes (de Comércio)8 parece ter sido uma estratégia vislumbrada com a mais indicada naquelas condições históricas para facilitar a inclusão educacional e social de segmentos historicamente excluído dos direitos à educação, entre os quais se situavam os negros e negras. Entretanto, apesar de importante obra educacional, o nome de Tehodomiro Brasil tem sido silenciado na história da educação amargosense, certamente por influência do pensamento racista que ainda prevalece em nossa sociedade e que precisa ser veementemente combatido. REFERÊNCIAS ABRAHÃO, M. H. M. (org.). História e Histórias de Vida: destacados educadores fazem a história da educação rio-grandense. In:______.Construindo Histórias de Vida para Compreender a Educação e a Profissão Docente no Estado do Rio Grande do Sul. 2ª Ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. pp. 13-33. DOMINGUES, Petrônio. Um "templo de luz": Frente Negra Brasileira (1931-1937) e a questão da educação. In: Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 13, n. 39, dez. 2008. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo. Php?Script=sci_arttext&pid=S1413-24782008000300008&lng=pt&nrm=ISO>. Acesso em 07 nov. 2010. DELGADO, L. A. N. História oral: memória, tempo, identidades. 2ª. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.136p. 8 A análise das atas de reuniões, ofícios e relatórios constantes do Arquivo Escolar do Colégio Estadual Pedro Calmon indicam que, quando dos primeiros anos da Escola Comercial de Amargosa havia a intenção de se criar um Curso Básico de Secretariado, o que não chegou a se concretizar. Seria esta uma proposta do Dr. Brasil, para promover a inclusão de moças das classes populares à escola secundária, visto que o Curso de Comércio, segundo as normas sociais da época, era mais indicado para o público masculino? 11 FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. (Org.). Usos e abusos da História Oral. 8ª. ed. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2006. FELIPE, Aparecido Delton; FRANÇA, Fabiane Freire e TERUYA, Tereza Kazuko. O Negro no Pensamento Educacional Brasileiro durante o Período de 1889 a 1930. In: Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. 27, pp. 112-126, set. 2007. Disponível em < http://www.histedbr.fae.unicamp.br/art09_27.pdf. Acessado em 08 de abril de 2011. LEVI, Giovani. Usos da biografia. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. (Org.). Usos e abusos da História Oral. 8ª. ed. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2006, Cap. 12, pp. 167-182. NUNES, Antonieta D´Aguiar; MATOS, Maria Teresa N. de Britto e CABRAL, Ilma da Silva. Os Arquivos e a Memória da Educação na Bahia: recordando localmente para conhecer globalmente. In: Encontro Nacional de Ciência da Informação VI, Salvador – Bahia, 2005. Disponível em <http://www.cinform.ufba.br/vi_anais/docs/AntoniettaMariaIlma.pdf. Acesso em 09 de abril de 2011. MEIHY, J. C. S. B. Manual de História Oral. São Paulo: Loyola, 1996. MENEZES, Jaci Maria Ferraz. Educação na Bahia – Tecendo Memória. In: Cadernos IAT, Salvador, v.1, n.1, pp.49-68, dez. 2007. Disponível em: http://cadernosiat.sec.ba.gov.br/index.php/ojs/article/viewFile/16/24. Acessado em 07 de novembro de 2010. SANTOS, Milton. A Região de Amargosa. Salvador: CPE 1963. 40p. SILVA, Eva Vilma Navegantes. Políticas de inclusão de negros na educação: o dilema das Cotas. In: Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia, UFSC, Florianópolis-SC, 25 a 27 de abril de 2007. Disponível em < http://www.sociologia.ufsc.br/npms/eva_vn_da_silva.pdf. Acesso em 11 de abril de 2011. TEIXEIRA, Anísio. Educação é um Direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. 12