PAISAGEM E LUGAR NO CONTEXTO DA TURISTIFICAÇÃO DE GUAIBIM-VALENÇA,BA: UMA LEITURA A PARTIR DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E DA COMUNIDADE LOCAL.1 Claudia Moreira de S. Pires2 Jânio Roque Barros de Castro3 RESUMO O turismo é uma importante atividade econômica da atualidade que transforma as paisagens e reinventa as formas de uso, leitura e apropriação dos lugares. No presente trabalho, propõe-se analisar as especificidades do processo de turistificação do distrito de Guaibim, no município de Valença-Ba, a partir das políticas públicas, bem como entender as concepções de lugar e paisagem dos seus moradores. Para tanto, busca-se compreender quais os níveis de interação, convergência e descompasso entre as políticas públicas voltadas a dinamizar o turismo no distrito de Guaibim, bem como avaliar o papel da atividade turística na recomposição espacial e paisagística, considerando a leitura da população local frente o processo de turistificação. A peculiaridade desta pesquisa está no fato de considerar o planejamento territorial sob um recorte humanístico, o que perpassa por considerar a percepção/olhar da comunidade sob seu espaço de vivência. Para alcançar este objetivo partiu-se do referencial teórico, depois de pesquisas de campo com o uso de entrevistas, mapas mentais e de análises documentais . Enfim, observou-se que, mesmo nos lugares turistificados como Guaibim, os moradores têm a paisagem como portadora de sentidos, como reveladora de significados, mesmo nesse contexto racionalizado turistificamente pelas políticas públicas e pelos grupos econômicos. Palavras-chave: Turistificação. Políticas Públicas. Percepção. Paisagem. Lugar. INTRODUÇÃO A globalização da sociedade e da economia gera mundialização do espaço geográfico, carregando-o de novos significados. Com isso, pequenos vilarejos, como Guaibim, antigos lócus de pescadores, veem-se invadidos pelo processo de turistificação, que, por ora, muda drasticamente a paisagem e altera significativamente 1 Resultados da dissertação de mestrado. Mestre em Cultura, Memória e Desenvolvimento Regional, UNEB- Universidade do Estado da Bahia, Campus V, Departamento de Ciências Humanas. Licenciada em Geografia, pela UNEB- Campus V. e-mail: [email protected]. 2 3 Docente do Departamento de Geografia da UNEB– Universidade do Estado da Bahia, Campus V; Professor permanente do Programa de pós-graduação em Cultura, Memória e Desenvolvimento Regional, da UNEB. E-mail: [email protected] os costumes locais, com a inserção de novos hábitos e novas formas de consumo do espaço. Parafraseando Santos (1988), pode-se dizer dessas novas realidades, sejam elas naturais ou culturais, ou provenham de intervenções políticas ou técnicas, que significam uma verdadeira redescoberta da natureza ou pelo menos uma revalorização total, em que cada parte, isto é, cada lugar, assume um novo papel, ganha um novo valor. Esse cenário emergente de um contexto novo devido o processo da globalização, tem gerado uma série de preocupações, e uma delas é com o papel que as pequenas cidades, ou até mesmo vilarejos passaram a desempenhar a partir da turistificação que sofreram sem um prévio planejamento e, principalmente, com o crescimento rápido e a qualquer custo dessas localidades. Assim, os espaços turistificados acabam redimensionados para atender uma nova funcionalidade. No entanto, esquece-se a importância da paisagem que até então existia para o habitante do lugar, para quem passa a ter referências múltiplas que vão desde as geográficas, lúdicas, afetivas às informativas e contemplativas. A turistificação passa a desconsiderar a paisagem como essência cotidiana do habitante, que por suas peculiaridades agradam também o visitante. Desta maneira, a paisagem reflete não apenas um conjunto de formas, mais acaba explicitando as mediações simbólicas que permeiam as atitudes pessoais que estão intrínsecas nos espaços de vivência. É dentro desse cenário que aqui se propõe analisar as especificidades do processo de turistificação do distrito de Guaibim, no município de Valença, a partir das políticas públicas nacional, estadual e municipal, bem como das concepções/leituras de paisagem e lugar dos seus moradores. Guaibim localiza-se na parte litorânea do município de Valença, à 17 km da cidade de Valença e a 42 km da cidade de Nazaré, por via rodoviária de Valença, pela BA-001. A praia com o mesmo nome, banhada pelo oceano atlântico, tem uma extensão de 30 km de areia clara e coqueirais por toda sua orla, e se configura como um dos principais atrativos turísticos do município. 1.0 O TURISMO E SUAS IMPLICAÇÕES ESPACIAIS UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA. A análise que será desenvolvida em torno do turismo partirá de uma abordagem geográfica devido a sua importância enquanto atividade que dinamiza e transforma o espaço, imprimindo, inclusive, novas formas como resultado de percepções e valores que são merecedoras de análises, devido ao contexto dinâmico no qual estão inseridas. Desta maneira, observa-se que a categoria de análise, espaço, objeto de estudo da Geografia é o elemento primordial nesse contexto, visto que é onde se materializam as ações e práticas relacionadas ao turismo. A invenção do espaço para o turismo emerge no cenário da ciência geográfica nas análises que abordam a produção espacial e suas implicações sociais, culturais, ambientais e espaciais, que refletem diretamente no cotidiano e no espaço. Convém, aqui, discutir como os espaços turistificados são produzidos segundo uma lógica que atende a determinados agentes e até mesmo ao Estado, que por ora obedece uma seletividade responsável por lugares que são mais turistificados, atendendo à lógica da cultura globalizante, e outros que conseguem fugir a essa lógica, com uma cultura mais voltada para o local, com forte relações de afetividades dos indivíduos com o lugar, e por conseguinte uma menor descaracterização. No entanto, os espaços que estão aquém da preferência dessas seletividades, acabam tendo carências de infraestruturas, o que acaba gerando dificuldades para comunidade. De acordo com Yázigi, “O turismo é a única prática social que consome, fundamentalmente, espaço, sendo este consumo efetivado por meio da apropriação do espaço pelo turismo, ou seja, por meio das formas de consumo [...] que se estabelecem entre turista e lugar visitado. (YÁZIGI, 2002 , p.109)” Apesar dos estudos de Yázigi se referirem a áreas metropolitanas e até mesmo a regiões turísticas, como o Complexo Sauípe4, na Bahia, que é notabilizado midiaticamente, ele consegue trazer importantes reflexões para a compreensão do fenômeno turístico em pequenas localidades, como é o caso do distrito de Guaibim, que apesar de não se constituir numa grande ou média cidade, tem no seu modelo turístico elementos que comumente ocorrem em outros espaços turistificados. Assim, depreende-se que o turismo desenvolvido em Guaibim apresenta peculiaridades que podem muito bem serem analisadas considerando as reflexões tecidas por Yázigi, o que permite inclusive traçar uma análise profunda acerca da produção desse espaço, bem como da atuação das políticas públicas no seu planejamento e organização, considerando o olhar que a comunidade apresenta sobre esse espaço. A proposta de compreender a paisagem de Guaibim perpassa principalmente por considerar que a geografia do turismo surge para compreender um fenômeno considerado novo, que aparentemente acontece num espaço sem fronteiras, já que ele 4 Localizada na Linha Verde, Litoral Norte da Bahia, no município de Mata de São João, a Costa do Sauípe é um destino turístico, um resort. O empreendimento é formado pelos hotéis Costa do Sauípe Grande Hotel, Costa do Sauípe Suítes, Costa do Sauípe Golf e Spar, Pousadas de Sauípe, Costa do Sauípe All Inclusive e Superclubs Breezes. (www.costadosauípe.com.br) pode acontecer em qualquer parte do planeta, mas que, pela sua própria natureza, se manifesta complexo. Antes mesmo de um maior aprofundamento na relação que envolve turismo e paisagem, é fundamental uma reflexão em torno da compreensão das analogias entre turismo e espaço, visto que o espaço precede a paisagem, traz em si os processos sociais que originarão a paisagem. Todo processo de turistificação representa um emaranhado de relações, representações e percepções que se produzem e se materializam no espaço. Nesse sentido, Côrrea (2006) considera que as identidades se associam ao espaço, quando se baseiam nas lembranças divididas, nos lugares visitados pelas pessoas, no contexto em que cada grupo reinventa permanentemente o mundo, introduzindo novos recortes. Convém aqui pontuar que o turismo, ao ser inserido num espaço, introduz novas percepções e representações, seguida de uma completa modificação na paisagem. Ainda segundo Corrêa (2006), as regras da vida social variam de um ponto a outro e se modificam sem cessar. Portanto, a compreensão do turismo, enquanto fenômeno espacial, não pode deixar de considerar que ele é dinâmico em sua essência e que pode, de acordo com Rodrigues (2001), ter períodos de estabilidade, de rupturas que tendem a uma reestruturação, ou até mesmo passar por totais mudanças que coincidem com a produção de novos espaços. Assim conforme Adyr Rodrigues, “[...] é fundamental insistir no fenômeno do turismo em toda a sua complexidade, expressa pelas relações sociais e pela materialização territorial que engendra no processo de produção do espaço.” (RODRIGUES, 2001, p.61) Cabe considerar, a partir do que foi até aqui discutido que o espaço do turismo, para Rodrigues (2001), é considerado essencialmente fluido, devido a sua natureza implicar em mobilidades horizontais e verticais. Tais mobilidades, sejam de indivíduos ou das técnicas, representam as diversas atuações da sociedade na produção do espaço, assim com a ação dos fluxos. A mobilidade torna-se marca registrada nesses espaços, tanto de pessoas, das técnicas, como de ideias. Atrelado a isso, acrescenta-se a cultura que é produzida. De acordo com Claval, (1999) ela é construída através das redes de contatos nas quais os indivíduos se acham inseridos e pelas quais recebem informações, códigos e sinais. A cultura na qual ele evolui é função das esferas de intercomunicação das quais ele participa. Percebe-se, dessa maneira, que a produção e o consumo dos espaços turísticos ocorre num incessante e interminável processo que envolve incorporação de ciência, técnica e informação e, principalmente, a partir de um processo em que se consome destruindo e produzindo. (RODRIGUES, 2001) Resultado de um processo conflitante a inserção do turismo em determinadas ‘localidades reflete diretamente nas culturas locais, que se vêem modificadas por conta das ações dos agentes sociais que, ao ditarem as regras do turismo, desconsideram questões importantes como a realidade de comunidades até então isoladas, muitas vezes tradicionais, que de uma hora para outra se vêm turistificadas. Segundo Rodrigues (2001), são espaços produzidos pelo turismo e para o turismo, apesar da ausência de quase todos os fatores apontados como favoráveis à produção do espaço turístico. Por conseguinte, os pressupostos apresentados por Rodrigues, ao se analisar espaços de dimensões turísticas regionais, a exemplo do Complexo Sauípe, cabe à realidade em análise de Guaibim, desde que era apenas uma vila de pescadores e que de uma hora para outra viu seu espaço totalmente modificado, voltado para atender uma nova demanda: o turismo. O recorte espacial estabelecido se justifica por Guaibim apresentar um modelo de turistificação semelhante às demais localidades do litoral sul, no entanto, a forma como esse fenômeno se desenvolve, bem como a atuação das políticas públicas, preconiza a existência de lacunas e empecilhos que merecem ser analisados. Paralelo a isso, o turismo ocasionou consequências sociais e ambientais sem precedentes nesse espaço, e que interferem diretamente no fazer turístico atual, o que será discutido posteriormente no capítulo seguinte. E, assim, de acordo com o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) e as análises empíricas realizadas no trabalho de campo, tem-se espaços sem nenhuma infraestrutura turística, porque não possui redes de esgotos, pavimentação nas ruas, local destinado ao lixo, portanto tem-se o espaço degradado por um turismo de massa, que não gera nenhuma benesse à comunidade. Para Ana Fani (1999), a indústria do turismo transforma tudo o que toca em artificial, transformando o espaço em cenário para o “espetáculo”, de modo que o real é metamorfoseado para seduzir e fascinar. No caso de Guaibim, esse processo ainda não ocorreu com toda sua intensidade, visto que esse espaço não faz parte dos roteiros turísticos do governo do Estado, estando voltado mais ao turismo doméstico e, por conseguinte, possui pouca infraestrutura voltada ao mercado turístico. Aqui é importante se suscitar a discussão em torno do papel das políticas públicas de turismo, bem como avaliar a existência dessas políticas voltadas a ordenar e direcionar a atividade turística no Brasil. Propõe-se, assim, de forma sucinta, alcançar uma melhor compreensão da atividade turística, bem como compreendê-la a luz do que se propôs enquanto políticas públicas voltadas a essa atividade. De acordo com Souza (2006), compreende-se que a política pública consiste no campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa variável e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações. Nesse cenário, o turismo bem que poderia consistir numa alternativa de melhoria de vida para as comunidades, promovendo a sustentabilidade, desvinculando-se da visão desenvolvimentista de crescimento rápido, ponderando a preocupação social e valorizando as especificidades das regiões. Nessa perspectiva, a importância crucial da nova política de turismo estar justamente na delegação do governo federal como coordenador e indutor das atividades, e o incentivo para as ONGs, grupos de interesses e os movimentos sociais se envolverem nos governos, assim como na formulação das políticas públicas. Ou seja, é a partir desse momento que as políticas de turismo passam a ser desenhadas com outro olhar, muito mais voltado a dinamizar o turismo, com forte incremento de infraestrutura, buscando organizar essa atividade. O objeto central dessa política é fomentar os programas dos polos turísticos, a exemplo do PRODETUR-NE (Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste Brasileiro) que foi implementado, ocasionando mudanças significativas em todo nordeste, bem como na área em estudo. Esse olhar para as políticas de turismo acarreta um valor diferente à região nordeste, que passa a ter novo destaque dentro do quadro nacional. Cabe nesse momento tecer algumas considerações em torno do que se projeta ser a estratégia turística do governo do estado da Bahia, a partir do ano de dois mil e sete, considerando a percepção da política pública enquanto estratégia, bem com as implicações reais desse modelo de planejamento. Os anos de 1990 ficaram registrados na história da Bahia como a década do turismo, quando foram obtidos os primeiros resultados das políticas setoriais de turismo. De acordo com a Bahiatursa (2006), o turismo baiano recebeu fortes impulsos dos investimentos públicos voltados para a melhoria e ampliação da infraestrutura de apoio, que mais recentemente foram subsidiados pelos recursos do Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (PRODETUR-NE), o que imprimiu um caráter mais dinâmico à atividade. Entretanto, essa dinamicidade não é equitativa em todo seu contexto, visto que apresenta um caráter muito mais mercadológico, do que sustentável. Assim, tem espaços que são descobertos pelo turismo e que são estruturados para essa atividade sem, contudo, a população local estar pronta para as mudanças empreendidas. Portanto depreende-se que essa política de turismo pouco produziu melhorias no espaço de Guaibim, desde que esse espaço não se encontra nos roteiros turísticos do Estado. O que se tem é um espaço sem infraestrutura para atender as demandas do turismo e com fortes repercussões sócio espaciais. Mediante esse cenário é fundamental considerar a percepção da comunidade para se repensar e planejar esse espaço, no sentido de melhorar as condições de vida dessa comunidade. A seguir propõe-se conhecer essas percepções. 2.0 REDISCUTINDO OS CONCEITOS DE LUGAR E PAISAGEM A PARTIR DO DISTRITO DE GUAIBIM. Diante das transformações abruptas e agressivas que envolvem os espaços turistificados, fica sempre uma profunda necessidade de se avaliar o papel desempenhado pelos diversos agentes espaciais na produção do espaço. Observa-se que cada agente apresenta uma representação e simbolismos que são materializados na produção do espaço, isso também é o que marca a heterogeneidade dos lugares. Na realidade da região analisada, o Litoral Sul da Bahia, prevalece um padrão turístico em que os espaços são turistificados sem um planejamento prévio e institucionalizado, e o espaço vê-se invadido pela nova atividade econômica, e só então o poder público desperta para a necessidade do planejamento e de infraestruturas para nortear a atividade. Assim também acontece com a própria população que a princípio vê na “nova” atividade econômica uma oportunidade de crescimento econômico e melhoria de vida, não percebendo o quanto altera rapidamente o meio natural, social, e até mesmo cotidiano do local. As análises tecidas encontram-se embasadas na Geografia Cultural já que essa permite uma análise humanística dos conceitos de paisagem e lugar, tão caros nos estudos de turismo. A geografia cultural passou por uma transformação significativa, a partir de 1970, em que houve uma mudança completa de atitudes e surgiu a constatação de que a organização social dos indivíduos, a vida das pessoas, bem como suas atividades não são apenas materiais, mas são reflexo dos processos cognitivos, de atividades mentais, de trocas de informações e de ideias. Numa abordagem cultural, é possível compreender a paisagem, segundo Gomes (1996), enquanto um eficiente instrumento para se conhecer a forma pela qual a população se significa, se projeta (sobre o plano do espaço) e se utiliza dessas formas físicas como elementos para a comunicação. Para Claval (2001), devido à complexidade da atividade turística ela deve ser analisada em âmbito multidisciplinar, particularmente pelo conjunto das ciências sociais, entrelaçando os aspectos histórico-geográficos, com os econômicos, sociológicos, antropológicos, políticos, culturais e ecológicos. Assim, Claval pressupõe que os estudos sobre o espaço vivido oferecem perspectivas novas sobre a variedade do mundo e o modo como ele é percebido e valorizado. Essa abordagem favoreceu uma revolução da geografia humana e avanços significativos nos estudos geográficos suscitando questões até então desconsideradas, como a dimensão da percepção, da emotividade e dos sentidos. Segundo Yázigi, ao se relacionar os estudos de turismo com uma análise do conceito de paisagem busca-se acima de tudo compreendê-la enquanto prática cultural, buscando identificar seus efeitos e o alcance dessa prática no interior da sociedade. Até porque a paisagem possui importância não apenas para o turista mais principalmente para o cidadão comum. De acordo com esse autor, ao refletir os espaços, as paisagens demonstram sua dinamicidade, visto que se o espaço é dinâmico, ele o é por ser construído socialmente. Portanto, a compreensão da paisagem como reflexo dos espaços permite inferir que toda a transformação neste último perpassa por alguma transformação na paisagem, se não na aparência, mas no seu significado.Ao analisar a paisagem de Guaibim, bem como os depoimentos de alguns moradores nos é relatado que: Figura 01: Imagem antiga Guaibim. Fonte: Memorial Câmara de vereadores de Valença A princípio era apenas um local em que havia o uso do espaço da praia com o aproveitamento do espaço dos coqueirais. Essa imagem deixa transparecer três décadas, o que pode ser confirmado pelos modelos dos veículos encontrados, bem como pela inexistência de edificações e pavimentações, demonstrando inclusive a imagem da praia conforme o discurso de alguns moradores confirmado nas entrevistas realizadas em Abril de 2010: “Antigamente tudo era uma fazenda de coco do senhor Aloísio Fonseca, tinha apenas cinco casas de palha e as pessoas viviam da pescaria. Aí meu avô, conhecido como João Futuca, conseguiu do governo um pedaço dessa fazenda para dar para as pessoas. Aí começou vim gente de Valença, aí a gente pescava e dava peixes, era uma fartura.” (A. 44 anos, professora da educação básica, entrevista concedida em trabalho de campo em Abril de 2010) “Eram casa de palhas e as ruas sem energia.” (M.A. 55 anos, aposentada, entrevista concedida em trabalho de campo em Abril de 2010). Essas respostas reflete uma paisagem anterior ao processo de turistificação, quando Guaibim era apenas uma vila de pescadores bem diferente do que se vê atualmente. Naquele tempo tinha-se um espaço anterior a turistificação, já que o acesso era inexistente por não existir estradas de acesso ao local, a pesca era praticada artesanalmente, sendo uma atividade de subsistência. Não havia energia elétrica e as edificações, em sua maioria, eram de palha e com o chão de areia. Segundo um “livreto” que conta a história de Guaibim, “[...] em 1950, existiam nessa época no povoado as casas de telhas de propriedade de José Leopoldo, Zé Cundunga,D. Mocinha [...], existia a escola de D. Dedé, filha do Futuca, que foi destruída em mais ou menos 1963 a 1965.” Esse cenário passou por muitas transformações, principalmente, devido à construção da estrada Valença-Guaibim, que começou a ser construída no ano de 1962 A observação das imagens abaixo permite afirmar que, apesar de ser um lugar turístico, não apresenta um portal de entrada, as casas são construídas sem nenhum padrão, o que reflete uma atividade econômica que surgiu sem um planejamento. Isso fica claro na figura já que essa imagem é de um local que foi construído sob o manguezal, a partir de aterramentos, com vias de circulação comprimidas, sem espaço de circulação para pedestre. Figura 02: Imagem da avenida principal de Guaibim. Fonte: Autora trabalho de campo Junho 2010. O turismo repercute diretamente nos locais, na vida e no cotidiano, sendo fundamental entender esses espaços partindo da ideia de que o processo de construção dos lugares articula-se no plano da reprodução da vida no qual é preciso considerar o ponto de vista do habitante, para quem o espaço se reproduz enquanto lugar, onde se desenrola a vida em todas as suas dimensões- o habitar e tudo o que ele implica e revela. Ou seja, apesar da existência desses espaços que entronizaram o processo de turistificação e se adequaram a mundialização, com profundas modificações culturais, sociais, espaciais, há espaços que permanecem enquanto lugar. O lugar se completa pela fala, a troca alusiva de algumas senhas, na convivência e na intimidade cúmplice dos locutores. Assim, observou-se qual a imagem de Guaibim que as pessoas tinham, identificando os elementos sígnicos que prevaleciam, para assim efetivar a análise e obter o resultado a partir do conjunto de procedimentos definido. O resultado dessa análise será apresentado quantitativamente, através de percentuais e elementos qualitativos (desenhos e comentários). As entrevistas foram realizadas e só então analisadas e quantificadas a partir do resumo das várias palavras citadas por um ou mais entrevistados mesmo considerando a totalidade. Quando questionados sobre o que mais gostavam em Guaibim as respostas surgiram numa tempestade de palavras que iam desde a elementos materiais à elementos abstratos. O que mais a comunidade gosta em Guaibim. Ar livre Turismo Praia Tranquilidade Praça Pesca 3% 7% 10% 3% 16% 61% Figura 03. Fonte - Pesquisa realizada em abril de 2010. Elaboração - Claudia Pires Esse gráfico resume as várias palavras citadas por um ou mais entrevistados mesmo considerando a totalidade. A análise do gráfico 01 revela que os elementos ligados à afetividade da comunidade são múltiplos e plurais e compreendem categorias diferentes de valoração, como elementos ligados à natureza, atividades econômicas, e a valores sentimentais e materiais. A praia, o ar livre,a tranquilidade, a pesca e a praça são os elementos que somam noventa por cento na apreciação das pessoas, e constituem aspectos desvinculados do turismo enquanto atividade econômica global. Para esse mesmo autor a afeição duradoura pelo lar é, em parte, resultado de experiências íntimas e aconchegantes, ou seja os lugares íntimos são aqueles onde prevalecem o carinho, onde as pessoas se tornam mais passíveis, assim lugar é uma pausa no movimento. Ao serem questionados quanto aos elementos que lhes causam aversão obtivemos os seguintes resultado. O que a comunidade3%não gosta em Guaibim. 7% 13% 26% 3% 7% 3% 3% 3% 16% 16% Poluição Dezemprego Carência de Iluminação Pública Festas Figura 04: Fonte - Autora em pesquisa realizada em abril de 2010. Elaboração - Claudia Pires Os dados da figura 02 se bem compreendidos iram apontar para o fenômeno da turistificação como o responsável por todos esses elementos que constituem objeto de aversão da comunidade. Basta analisar qual a poluição da praia, dos manguezais e das ruas, o que representa vinte e seis por cento das aversões, senão o processo de turistificação que trouxe uma urbanização anômala, originando áreas sem iluminação pública, e ruas sem pavimentação, o que soma trinta e dois por cento das aversões. Todas essas antipatias anteriores relacionam-se com as migrações de pessoas que buscavam melhores condições de vida e emprego, acarretando na invasão dos manguezais para a construção de favelas , consequentemente, a poluição. Todos esses elementos juntos, bem como a proliferação de festas, chegaram com o turismo, apontado por sete por cento dos entrevistados indicaram horror como aspecto negativo. A proibição da pesca, com sete por cento de aversão, também reflete as exigências dos órgãos ambientais, devido a degradação predominante nos espaços, o que vai de encontro a uma atividade tradicional que permeia o imaginário social dessa comunidade. Porque, segundo Tuan (1999) o lugar, o meio ambiente é um veículo de acontecimentos emocionalmente fortes ou é percebido como símbolo, ou seja, a pesca é um símbolo no rol das representações e no imaginário dessa comunidade. Lugares preferidos da população Praia Orla Taquari Casa e rua Atracadouro Praça Pista de skate Kiosk Todos os lugares 9% 2% 2% 9% 30% 4% 8% 23% 13% Figura 05: Fonte - Pesquisa realizada em abril de 2010. Elaboração - Claudia Pires A preferência dessas pessoas pela praia, casa e rua, Taquari, praça, orla e “todos os lugares” que juntos somam noventa e dois por cento, demonstra que todos esses espaços são locais de encontro, trocas de sentimento, contato físico, prazer, identidade, aspectos que refletem a topofilia, que segundo Tuan (1980) é elo afetivo entre pessoa e o lugar e o meio ambiente físico. O item “todos os lugares” revela mais enfaticamente a afeição e identificação dessas pessoas com seu espaço de vivência. Os mapas mentais a seguir são comentados considerando que cada imagem representa um conjunto de ideias e valores originados a partir da percepção individual e coletiva sobre os espaços geográficos; essas imagens são comunicadas às pessoas que compõem um grupo social que podem responder de forma variada a cada imagem e representação. Essa mesma autora define esses mapas mentais como, [...] uma forma de linguagem que reflete o espaço vivido representado em todas as suas nuances, cujos signos são construções sociais. [...] enquanto construções sígnicas requerem uma interpretação/ decodificação, foco central desta proposta metodológica, lembrando que estas construções sígnicas estão inseridas em contextos sociais, espaciais e históricos coletivos referenciando particularidades e singularidades. (KOZEL, 2007, p.115) Esse mapa mental trás símbolos que representam o período anterior à turistificação, o que fica claro no depoimento a seguir. Figura 06 - :Mapa Mental; D. professora aposentada. 86 anos. Fonte: Autora- trabalho de campo abril de 2010. “Antigamente era tudo muito atrasado, as coisas mudaram de uns vinte anos para cá, as ruas eram de areia, sem calçamento, as casas eram de palha, sem energia, e a gente vivia da pesca. Era uma fartura, que pegávamos tanto peixe que, como a gente não tinha onde guardar, aí perdíamos(...) e hoje falta peixe, ás vezes, a gente compra mariscos em Valença.”( D. professora aposentada, 86 anos) Os elementos predominantes nesse mapa retratam o período anterior à turistificação. Nele não existem edificações de concreto, somente casas de palhas se assemelhando a ocas indígenas. Os elementos da natureza que predominam são a água, os peixes e árvores, num cenário em que prevalece os espaços livres de edificações com casas esparsas, demonstrando o período em que se iniciava o povoamento do distrito. Enfim, os elementos naturais predominam sobre os elementos humanos. Percebe-se, assim, um saudosismo por um tempo pretérito, que é refletido nos signos que compõem o imaginário social, onde prevalecem o sentimento e a emotividade. Figura 07 - :Mapa Mental; D. professora. 44 anos. Fonte: Autora- trabalho de campo abril de 2010. Nesse mapa tem-se signos que não surgiram no anterior, como a presença do Morro de São Paulo, refletindo assim uma paisagem contemplativa e dos desejo, já que esse destino turístico tem uma visibilidade nacional e internacional. A relação da midiatização e turistificação do lugar reforça os desejos e a visão de mundo das pessoas. Observa-se, ainda, a presença humana desempenhando uma atividade econômica tradicional e de subsistência. Fica claro o quanto as paisagens são pessoais à medida que como lembra Tuan (1980), quanto mais laços houver mais forte fica o vínculo emocional. A imagem de Guaibim para essa pessoa acaba sendo direcionada por sua bagagem cultural, mas também pelos seus desejos, os quais acabam sendo fortemente influenciados pela mídia, que divulga Morro de São Paulo como um local moderno. Portanto, o comportamento pode ser considerado apenas uma parte do iceberg; para Kozel (2007), registrá-lo é apenas uma abertura para os horizontes do espaço vivido. Figura 06 - Mapa Mental. N,15, estudante. Fonte - Autora- trabalho de campo abril de 2010. Esse mapa traz elementos significativos para a compreensão da paisagem de Guaibim, já que apresenta um equilíbrio entre elementos naturais e humanizados; temse o coqueiro, símbolo turístico e imagem da tropicalidade, o mar e os peixes e seu uso pelo exploração humana tanto para a subsistência como atividade econômica, demonstrando assim a dominação humana sob o espaço geográfico. Outro elemento novo consiste nas edificações, chamando atenção a arquitetura que traz a imagem de uma igreja, enquanto símbolo hegemônico, mas também de afetividade com o local. De acordo com Tuan (1983), esses sinais visíveis servem para aumentar o sentimento de identidade das pessoas e incentivam a consciência e a lealdade para com o lugar. Outro ponto significativo nessa paisagem seria a presença de casas que remetem à imagem de lar e lugar, espaço cotidiano e de relações afetivas. Para esse mesmo autor, o valor do lugar depende da intimidade de uma relação humana particular, o lar é um local íntimo e real.A presença do pássaro remete a idéia de liberdade. Daí pode-se interpretar que Guaibim não é visto como lugar degradado e turistificado, mas como um local em que se pode circular livremente. Figura 00- :Mapa Mental; estudante,15 anos. Fonte: Autora- trabalho de campo abril de 2010. Essa imagem se distingue das demais por mais representarem Guaibim como local turístico. Observa-se que nelas prevalecem as edificações que consistem de infraestrutura para atividade econômica. Observa-se nesse mapa a presença de signos que não surgiram nos mapas anteriores, principalmente os ligados ao turismo e seu caráter mercadológico. Nela fica clara a turistificação com a produção de espaços de diversão, encontro e sonoridade, mais com a presença da mercantilização através das barracas de praia, e dos locais em que tem som ao vivo, onde as pessoas pagam para usufruir desse espaço. Tal cenário inclusive vai de encontro à idéia de tranqüilidade presente em diversos discursos e imagens. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES Portanto, apesar de Guaibim ser um espaço turistificado, a forma como essa atividade econômica vem se desenvolvendo não ocasionou uma completa descaracterização da paisagem, o que predomina é uma afeição profunda, embora subconscientemente formada pela familiaridade e tranqüilidade, com recordações de sons e perfumes, de atividades comunais e prazeres simples acumulados ao longo do tempo, como lembraria Tuan (1983), elementos que tornam Guaibim um lugar. Ainda que esse espaço tenha sido turistificado alí, predominam relações de apego, afeição e familiaridade da comunidade com a paisagem, o que ficou claro ao se analisar os mapas mentais e as entrevistas, é um Guaibim que é íntimo para essas pessoas. Diante das reflexões que foram construídas até o presente momento e do diálogo com os dados obtidos em trabalho de campo já realizados, pode-se já considerar que o turismo consiste num fenômeno que exerce um papel relevante na organização dos espaços, em diferentes níveis organizacionais. Ou seja, um espaço que passou pelo processo de turistificação necessariamente terá seu espaço modificado abruptamente, o que lhe conferirá uma nova “cara”, uma nova paisagem, em função da atividade econômica que passará a se desenvolver ali. Apesar desse ser um destino turístico, ele apresenta muitos elementos que refletem um espaço que é histórico, relacional. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BAHIATURSA. A estratégia turística da Bahia: 1991-2005. 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