A RESPONSABILIDADE DO “DIZER" NA PRODUÇÃO ESCRITA ACADÊMICA
MIRANDA, Maria Aparecida da Silva1
[email protected]
FABIANO, Sulemi2
[email protected]
RESUMO
Este trabalho é o resultado dos estudos que o Grupo de Pesquisa em Estudos do Texto e do
Discurso – GETED – do Departamento de Letras da UFRN realizou. Baseado nas pesquisas
de (FABIANO 2007; 2004), e intitulado “A responsabilidade do dizer na produção escrita
acadêmica”, tem como objetivo investigar as marcas de incorporação do discurso do
outro/Outro e os mecanismos enunciativos utilizados pelo autor empírico do texto ao referirse a conceitos de área explicitando, ou não, o discurso citado em produção escrita acadêmica.
Este estudo focaliza como um pesquisador em formação se responsabiliza pelo “dizer” na
produção escrita acadêmica. O corpus investigado corresponde a duas dissertações de
mestrado da área de linguística, defendidas em 2004 e 2009, selecionadas aleatoriamente do
portal CAPES. Tomamos como aporte teórico a heterogeneidade discursiva de Authier-Revuz
(2004); mecanismos enunciativos de Bronckart (1999) e trabalho de escrita de Riolfi (2004).
Os resultados parciais apontam que os pesquisadores em formação (mestrandos), embora
utilizem corretamente outras fontes teóricas para fundamentar o texto, pouco utilizam seu
ponto de vista acerca do que leram e supostamente compreenderam. Sendo assim, transferem
a responsabilidade do que é dito à voz do “outro”.
PALAVRAS-CHAVE:
enunciativos.
escrita acadêmica;
heterogeneidade discursiva;
mecanismos
INTRODUÇÃO
Neste trabalho, analisaremos as marcas de incorporação do discurso do
outro/Outro em escrita acadêmica. Refletiremos sobre os processos que suscitam nos
problemas da responsabilidade pelo “dizer” com base nos pressupostos teóricos do conceito
de heterogeneidade discursiva mostrada em Authier-Revuz (2004). Em seguida,
observaremos os mecanismos enunciativos propostos por Bronckart (1999), utilizados no
texto ao referir-se a conceitos de área explicitados, ou não, no discurso citado: a voz do outro
na produção escrita. Analisaremos marcas de incorporação do discurso do outro/Outro, e
outras vozes que se materializam no texto, tomando a responsabilidade pelo dizer nos
1
Professora de Língua Portuguesa da Rede Estadual do Rio Grande do Norte e integrante do GETED.
2Orientadora Professora Doutora do Departamento de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Estudos da
Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Líder do Grupo de Pesquisa em Estudos do Texto
e do Discurso/GETED e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise –
GEPPEP/USP. [email protected]
excertos selecionados para a análise, caso se façam presentes. Contudo, não pretendemos
esgotar o assunto.
Adotamos como critérios para a escolha das dissertações que constituem o nosso
corpus, o fato de serem da área de Linguística e escrita acadêmica, estarem disponíveis em
versão eletrônica no portal de Domínio Público – CAPES e serem consideradas produções
científicas. Portanto, relevante no âmbito da pesquisa no campo da linguagem. Assim,
concluímos que são produções escritas acadêmicas de relevância para a divulgação da ciência
em tal área e, contudo, um bom paradigma de escolha para nossa pesquisa.
No que diz respeito à escolha das dissertações, selecionamos de forma aleatória
duas dissertações da área de linguística defendidas em 2004 e 2009, respectivamente. Quanto
à escolha do tema, teve por base os estudos e reflexões desenvolvidos durante os encontros
do Grupo de Pesquisa em Estudos do Texto e do Discurso - GETED - Departamento de
Letras da UFRN, - Um movimento de estudos e reflexões sobre a produção de textos e
análise do discurso na universidade. Também pelo fato da responsabilidade do dizer ser um
fenômeno linguístico presente em escrita acadêmica (dissertação), percebermos como esse
aluno em formação se responsabiliza pelo que enuncia ao fazer a remissão a outras fontes
teóricas para fundamentar o seu discurso, como produção acadêmica. Lembramos também
que as dissertações são, por excelência, fonte de disseminação da produção de conhecimento
científico, ocasionando nesse contexto o nosso interesse em investigar, interpretar e descrever
como se materializa a responsabilidade do dizer no discurso científico acadêmico.
Nesta direção, nossa investigação focaliza como um mestrando se responsabiliza
pelo “dizer” na produção escrita acadêmica, ou a quem ele atribui à responsabilidade do que
está enunciado, ou como o outro/Outro é mostrado em seu discurso. Afinal, escrever um
gênero acadêmico implica, certamente, na preocupação com a construção do discurso, com a
linguagem, a estrutura do texto, ente outros fatores relevantes, uma vez que é um gênero
essencialmente dialógico. Parte de vozes anteriores que se destinam a interlocutores que não
podemos subestimar por se tratar, em potencial, de um público diferenciado, exigente.
Ressaltamos, ainda, os diversos trabalhos desenvolvidos no movimento de escrita
acadêmica na universidade: uns já publicados e outros em andamento no círculo do Grupo de
Pesquisa em Estudos do Texto e do Discurso - GETED - Departamento de Letras da UFRN;
sejam em forma de artigos, teses de doutorado, anais e/ou resumos de congressos. E por
sermos professores de Língua Portuguesa e estarmos preocupados com o ensino de língua
materna compreendemos a importância em verificar se, durante o percurso de formação
acadêmica, há espaços de reflexões sobre a escrita, uma vez que escrever requer prática e se
as mudanças contribuem para uma aprendizagem significativa e contextualizada para a
construção do conhecimento de uma escrita singular àquele que se produz.
E, por fim, tem-se por base para o desenvolvimento desse trabalho as
dificuldades de escrita dos alunos em qualquer seguimento educacional, uma vez que no
percurso de formação, escrever continua sendo um martírio, pois no anseio de fazer da teoria
uma ferramenta que corrobore com os dados com os quais se debruça, o pesquisador corre o
risco de se apropriar da teoria e dos conceitos de forma repetitiva e reprodutiva, sem que haja
uma compreensão sólida desses conceitos materializados na escrita. Segundo Riolfi (2003, p.
50) “escrever é trabalhar com a linguagem de diferentes formas”. Para essa autora, a prática
da escrita possibilita que o aluno pratique e seja o responsável por seu próprio texto, que com
estilo, criatividade, opinião e crítica, permite que ele possa ter a produção textual como algo
relevante e significativo para as práticas sociais das quais participa, sendo o professor o
principal mediador para que esta prática ocorra com eficácia.
HETEROGENEIDADE MOSTRADA NA PERSPECTIVA DE AUTHIER-REVUZ
Para Authier-Revuz (2004), a heterogeneidade se apresenta e se realiza no fio
do discurso nas formas explícitas, marcadas e não marcadas. No primeiro caso
(heterogeneidade marcada), produz formas linguisticamente marcadas no nível da frase ou do
discurso e inscreve linearmente o outro.
Para a organização do discurso, o autor utiliza mecanismos linguísticos e não
linguísticos para mostrar o discurso alheio no interior do texto (modalização em discurso
segundo, discurso direto e indireto, discurso indireto livre e ilha textual) para inscrever um
outro de maneira unívoca no plano da frase. Um “outro” ato de enunciação.
No discurso indireto, o locutor se comporta como tradutor (usa suas próprias
palavras para remeter a um outro como fonte de sentido do que é relatado) eximindo o
enunciador de qualquer responsabilidade e, ainda, restitui as falas citadas dissociadas do
discurso citado do discurso citante, por meio do verbo de dizer (perguntou, afirmou, etc). No
discurso direto, são as próprias palavras do texto fonte que ocupam o tempo, ou o espaço
(recortado da citação), apresenta-se um locutor porta-voz. Tanto no discurso direto quanto no
indireto, esse locutor dá lugar ao discurso de um “outro” em seu próprio discurso.
Para essa autora, na heterogeneidade mostrada o sujeito (locutor) reformula o
seu próprio dizer marcando o seu enunciado com um sentido diferente, o qual estaria no
universo do Outro (inconsciente) interlocutor. Ou seja, um Outro avesso inconsciente
constitutivo do seu dizer que, “Não é um outro discurso, mas o discurso do outro [...] o
mesmo tomado ao avesso, em seu avesso”, (CLEMENTE, 1973b, p. 159, apud AUTHIERREVUZ, 2004, p. 54), aquele não dito, mas recuperável pelas marcas linguísticas e não
linguísticas no fio do discurso, garantindo a esse sujeito um efeito de sentido de
responsabilidade pelo resto do seu dizer.
MECANISMOS ENUNCIATIVOS/VOZES PRESENTES NO DISCURSO
De acordo com Bronckart (1999, p. 330) são as modalizações que traduzem a
partir de qualquer voz enunciativa, os diversos comentários ou avaliações formuladas a
respeito de alguns elementos do conteúdo temático.
Quanto ao posicionamento enunciativo, nas formas mais concretas de
realização do posicionamento, estão as modalizações. As “vozes” podem ser defendidas
como as entidades que assumem a responsabilidade do que foi enunciado. (BRONCKART,
1999). Vozes outras (entendidas como vozes sociais, vozes de personagens e autor empírico
do texto, procedentes de seres humanos ou entidades humanizadas, instituições sociais)
presentes no percurso temático do texto. É a voz do autor que está na origem da produção
textual que intervém para comentar ou avaliar o que é enunciado (p. 327).
Essas vozes, segundo o autor podem ser expressas de modo direto ou indireto.
No primeiro caso, presentes no discurso interativo, o diálogo constitutivo de turnos de fala de
forma explícita. No segundo caso, o discurso indireto, as vozes podem estar presentes em
qualquer tipo de discurso de forma explícita (por meio de modalizações em discurso segundo)
no significado global.
Um texto, de modo geral é polifônico, quando nele se fazem “ouvir várias
vozes distintas, considerando a diferença entre os modos de expressão direta e indireta,
distingue-se uma polifonia implícita e explícita”. (BRONCKART, 1999, p. 330).
Por último vemos “as expressões de modalização no texto que tem como
finalidade distribuir as vozes enunciativas”. Os mecanismos de textualização marcam a
progressão e a coerência temática. Essas expressões de modalização pertencem à dimensão
configuracional do texto. De um lado, temos as modalizações no plano do significado, do
outro, o plano do significante, ou de estruturas linguísticas.
Bronckart, inspirando-se na teoria dos três mundos proposta por Habermas
(1987), apud Bronckart (1999, p. 330-332) apresenta quatro funções de modalizações: (a)
Modalizações lógicas, deônticas (marcadas por tempos verbais do condicional, auxiliares,
advérbios, orações impessoais) avaliações apoiadas “em critérios (ou conhecimentos) que
definem o mundo objetivo e apresentam os elementos de seu conteúdo do ponto de vista de
suas condições de verdade, como fatos atestados [...], possíveis”; (b) Modalizações deônticas,
avaliações apoiadas “nos valores, nas opiniões e nas regras constitutivas do mundo social,
apresentando os elementos do conteúdo como sendo do domínio do direito, da obrigação
social e/ou da conformidade com as normas em uso”; (c) Modalizações apreciativas,
avaliações que procedem “do mundo subjetivo da voz que é a fonte desse julgamento do
ponto de vista da entidade avaliadora”; (d) Modalizações pragmáticas, contribuem para a
explicitação da responsabilidade constitutiva (instituições, personagens e grupo, etc).
CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CORPUS DA PESQUISA
A pesquisa tomará como objeto de estudo e análise duas dissertações de
mestrado defendidas em 2004 e 2009, respectivamente. A primeira pesquisa tem como
corpus a fala de personagens de onze peças de teatro de autores gaúchos, correspondente a
um período de cem anos (1896 até 1995), e fala de sessenta indivíduos das cidades gaúchas.
Objetiva descrever e analisar a gramaticalização de a gente no português brasileiro, apoiada
nas concepções teóricas de gramaticalização e na Teoria da Variação Laboviana.
O objetivo da segunda pesquisa será investigar o poder “argumentativo”
implícito na variação linguística do item mesmo em eventos comunicativos escritos e orais no
gênero carta oficial e entrevista. Apontaremos os processos de variação ocorridos com a
expressão mesmo na sua trajetória evolutiva no Português do Brasil e compreenderemos,
através desse termo, como se estabelecem os movimentos de estabilidade e instabilidade na
língua. A pesquisa versa sobre os postulados da Teoria da Argumentação na Língua de
Ducrot e Anscombre (1983). É sobre este instigante item e seu percurso evolutivo no
Português do Brasil que versam os estudos, buscam compreender, através dele, como se
estabelecem os movimentos de estabilidade e instabilidade na língua.
Esta pesquisa segue a abordagem qualitativa de natureza interpretativa,
caracteriza-se descritiva. Baseou-se em fundamentos teóricos do conceito de heterogeneidade
mostrada proposto por Authier-Revuz (2004); mecanismo enunciativo de Bronckart (1999).
Os excertos tomados para a análise dos dados serão tratados, respectivamente por (M-1)
mestre 2004, e (M-2) mestre 2009. Os excertos serão selecionados das dissertações conforme
a necessidade do recorte teórico para a análise, tanto em (M-1) como em (M-2), porém
respeitando a ordem de escrita. Ou seja, a estrutura textual, as sequências exatas conforme o
escrito nas dissertações originais em que foram recortados. É importante ressaltar que as
palavras grifadas em negrito nos excertos são para destacar a análise em questão.
ANÁLISE PRELIMINAR DO CORPUS
O USO DO DISCURSO INDIRETO
Aluno (M-1)
[...] Benveniste (1988), ao falar da categoria gramatical de pessoa, examina a pessoa gramatical que
se manifesta no locutor “eu” e no interlocutor “não-eu” que, reunidos na “pessoa”, estabelecem a
correlação de subjetividade, ao passo que a oposição entre a “pessoa” (os que participam do diálogo)
a “não-pessoa” (os que dele não participam) estabelecem a correlação de pessoalidade. (parágrafo1, p. 38, L-08).
Na análise do excerto do aluno (M-1), observamos que utiliza o discurso
indireto para introduzir o discurso do outro, “Benveniste (1988)”. Primeiro para indicar o
texto fonte das palavras do outro, “Benveniste”, em seu discurso. Depois, como forma de
responsabilizá-lo pelo que vem a ser enunciado no discurso, (“eu”,“não-eu”,“pessoa”,
“pessoa”, correlação de subjetividade, correlação de pessoalidade). Embora que nesse
modelo (discurso indireto) o autor empírico do texto (M-1), também assume parte da
responsabilidade do que é enunciado, pois as palavras do autor (eu”,“não-eu”,“pessoa”,
“pessoa”, correlação de subjetividade, correlação de pessoalidade) referenciado no início
do parágrafo através do discurso indireto, “Benveniste (1988)”, são direcionadas ao autor
empírico do texto (M-1), à organização do conteúdo temático do discurso, que através do seu
conhecimento, gerencia todo o conteúdo do pensamento para inscrever as palavras do outro,
"Benveniste”, na tessitura do discurso; apresentar através de comentários como: os que dele
não participam e os que participam do diálogo. Neste exemplo vemos o conteúdo do
pensamento daquele que escreve. Ou seja, aquele que está na origem do texto, (M-1) que
interpreta as palavras do autor citado. Nesse modelo de heterogeneidade explícita, marcada e
mostrada, segundo Authier-Revuz (2004), não desresponsabiliza nem o autor cintante e nem
o autor citado, ambos assumem a responsabilidade pelo discurso.
O USO DAS ASPAS E DAS PALAVRAS EM ITÁLICO OU ILHA TEXTUAL
Aluno (M-1)
[...] Benveniste (1988), ao falar da categoria gramatical de pessoa, examina a pessoa gramatical que
se manifesta no locutor “eu” e no interlocutor “não-eu” que, reunidos na “pessoa”, estabelecem a
correlação de subjetividade, ao passo que a oposição entre a “pessoa” (os que participam do diálogo)
a “não-pessoa” (os que dele não participam) estabelecem a correlação de pessoalidade. (parágrafo1, p. 38, L-08).
Ainda analisando o excerto, observamos que o aluno (M-1) recorre ao uso de
aspas e do itálico para inscrever um outro na linearidade do discurso, marcando
explicitamente o um no outro. Isto é, as palavras do autor citado, outro, “Benveniste (1988)",
são introduzidas no interior do discurso (palavras de “Benveniste” no discurso do
aluno/mestre). Estas palavras são isoladas e marcadas por meio desses recursos não
linguísticos (aspas e itálico), o que Authier-Revuz (2004) chama de ilha textual. Com estes
recursos (M-1) usa as palavras do autor citado, “Benveniste”, isolando-as por aspas (“eu” ,
“não-eu”,“pessoa”, “pessoa”), e/ou por itálico (correlação de subjetividade, correlação de
pessoalidade) para explicitar e marcar as palavras do autor referente do discurso citado, ou
seja, marcar a remissão ao discurso do outro por meio do discurso indireto.
Por meio deste recurso (não linguístico), o autor do texto empírico (M-1)
recorre a esse outro “Benveniste” de forma consciente. Na verdade, ele afirma que as
palavras marcadas não são de sua propriedade e/ou responsabilidade. São palavras de outrem,
teoria de “Benveniste”. E a marcação é para diferenciar, digamos o “eu” (1º pessoa verbal do
caso reto) do “eu” da teoria de “Benveniste”, como também, direcionar o leitor para a
compreensão do sentido global desse outro que é introduzido no discurso e, portanto,
responsabilizá-lo pelas palavras marcadas no discurso. A autora nomeia esse recurso de ilha
textual em que se inscreve de forma consciente o um no outro, Authier-Revuz (2004).
O Outro/outro NO DISCURSO
Segundo Authier-Revuz (2004, p. 69), todo discurso se mostra
constitutivamente atravessado pelos “outros discursos” e pelo “discurso do Outro/outro”. O
outro, não é um objeto (exterior, do qual se fale), mas uma condição (constitutiva, para que
se fale) do discurso de um sujeito falante que não é fonte-primeira desse discurso. A autora
recorre a psicanálise com releituras lacanianas para explicar um Outro (escrito com “O"
maiúsculo) fonte do inconsciente do sujeito, e de um outro (escrito com “o" minúsculo) vindo
do dialogismo bakhtiniano para explicar a interferência do discurso outro no discurso do
sujeito.
Aluno (M-1)
[...] Benveniste (1988), ao falar da categoria gramatical de pessoa, examina a pessoa gramatical que
se manifesta no locutor “eu” e no interlocutor “não-eu” que, reunidos na “pessoa”, estabelecem a
correlação de subjetividade, ao passo que a oposição entre a “pessoa” (os que participam do diálogo)
a “não-pessoa” (os que dele não participam) estabelecem a correlação de pessoalidade. (parágrafo1, p. 38, l-08).
Podemos observar no excerto do aluno (M-1) que as palavras marcadas por
aspas (“eu”, “não-eu”, “pessoa”) e por itálico (correlação de subjetividade, correlação de
pessoalidade) não são fonte do seu dizer. Originam-se de alguém que o constitui, além de
constituir sua fala. Por isso, a necessidade da recorrência ao interdiscurso para recuperar o
sentido. Essas palavras, que não são do aluno (M-1), marcam a negociação do sujeito com um
Outro (inconsciente), circunscrevendo a alteridade entre o enunciado e a enunciação para
marcar, a não relação de sentidos entre as palavras, mas conduz o leitor a um Outro que é
exterior ao texto, referenciado pelo uso do discurso indireto, “Benveniste (1988)”, no início
do parágrafo, numa posição de exterioridade em relação à linguagem.
A HETEROGENEIDADE MARCADA POR MODALIZAÇÃO
Aluno (M-2)
Segundo Hoffnagel (2003, p. 180 - 182), independente do tipo de evento que se realiza, a entrevista
tem uma estrutura geral, que se apresenta em uma estrutura marcada por perguntas e respostas a fim
de se obter informações. Mas, segundo a autora, a entrevista também manifesta estilos e propósitos
diversos. A forma estrutural da entrevista (pergunta/resposta) orienta a interpretação da interação.
Constituindo a resposta uma reação à pergunta, é necessário analisar ambas para compreender o que
está sendo dito na entrevista. (parágrafo-05, p. 35-36).
Com base nos conceitos de heterogeneidade marcada por meio de
modalizações em discurso segundo (segundo, conforme, para o autor, etc,) de Authier-Revuz
(2004), podemos observar que o aluno (M-2) inicia o discurso recorrendo a um termo
modalizado. Segundo Hoffnagel (2003, p. 180-182) para introduzir o autor referente e ao
mesmo tempo indicar o texto fonte do que será enunciado. Ele recorre a um outro que é
exterior ao discurso através do termo modalizador “Segundo” indicando que não é o
responsável pelo dizer. Isto é, o que vem em seguida a ser enunciado no texto “[...]
independente do tipo de evento que se realiza, a entrevista tem uma estrutura geral, que
se apresenta em uma estrutura marcada por perguntas e respostas a fim de se obter
informações [...]”, é de responsabilidade do autor citado, Hoffnagel (2003, p. 180-182).
Continuando o aluno (M-2) acrescenta, segundo a autora, outro modalizador que ressalta,
ainda mais as palavras da autora citada, com a intenção de responsabilizá-la pelo dizer, ou
seja, quem diz: “a estrutura geral de uma entrevista é constituída de perguntas e
repostas independente do evento linguístico que se realiza", é aquele que está na origem
do texto, o seu autor, segundo as palavras do outro. Porém, não se observa uma
discursividade no texto por parte do autor empírico do texto (M-1). Segundo Authier-Revuz
(2004), temos um outro, introduzido no discurso pelo termo modalizador, segundo .
OUTRAS VOZES NO DISCURSO, AUTOR PERSONAGEM E AUTOR EMPÍRICO
Aluno (M-1)
[...] Benveniste (1988), ao falar da categoria gramatical de pessoa, examina a pessoa gramatical
que se manifesta no locutor “eu” e no interlocutor “não-eu” que, reunidos na “pessoa”,
estabelecem a correlação de subjetividade, ao passo que a oposição entre a “pessoa” (os que
participam do diálogo) a “não-pessoa” (os que dele não participam) estabelecem a
correlação de pessoalidade. (parágrafo- 1, p. 38, l-08).
Neste excerto do aluno (M-1) observamos a voz de um autor personagem:
“Benveniste”, introduzida no texto através do discurso indireto, “Benveniste (1988)” que
distribui de forma linear a voz de “Benveniste” e perpassa o discurso. Uma voz que é
marcada e explicitada por meio da aspeação das palavras (“eu”, “não-eu”, “pessoa”,
“pessoa”, “não-pessoa”) ou das palavras postas em itálico (correlação de subjetividade,
correlação de pessoalidade). Essas palavras, ao mesmo tempo em que são marcadas no
discurso como estranhas ao texto (outra voz), são também interligadas ao discurso de
“Benveniste (1988)”, possibilitando ao leitor recuperar a enunciação através do discurso
referenciado no início do parágrafo por meio do discurso indireto.
Em relação à voz do autor empírico (aluno/mestre), aqui identificado como (M1), verificamos que o recurso utilizado para a explicitação é a demarcação das palavras por
meio de parênteses em “(os que participam do diálogo)”, e em "(os que dele não
participam)” que se configuram em um espaço legítimo de aproximação entre o autor/leitor,
explicitando uma certa interatividade entre as vozes que se movimentam no discurso. Ou seja,
mesmo a voz do autor empírico não sendo explícita gramaticalmente por meio da 1ª pessoa
(singular) ou 3ª pessoa (plural). O uso dos parênteses parece romper as barreiras e trazer à
tona a voz do autor empírico do texto, para fazer algum comentário que aproxime o discurso
citante (M-1) do discurso citado, “Benveniste (1988)”.
Podemos dizer que no uso do discurso indireto o autor empírico (M-1) se
apresenta como porta-voz do discurso citado, e/ou de uma voz que é a do autor personagem
“Benveniste”. Com este recurso o aluno (M-1) transfere a responsabilidade do
enunciado/enunciação para o autor personagem “Benveniste”, mas este não será o único
responsável pelo que é enunciado, pois segundo Bronckart (1999) “o autor do texto é quem
está na origem do texto". Este, por sua vez, mobiliza o conhecimento para intervir através da
ação da linguagem. Logo, entende-se que também é responsável por tudo que é enunciado em
todo o discurso.
Também observamos no excerto do aluno (M-1), que as duas vozes (autor
personagem e autor empírico) são distribuídas e demarcadas através de mecanismos nãolinguísticos (aspas) “eu”, “não-eu”,“pessoa”, e/ou em (itálico) “correlação de
subjetividade. Estes recursos servem para marcar e distribuir a voz do autor personagem no
texto, e com os (parênteses) “(os que participam do diálogo)”, “(os que dele não
participam)”, delimitar o espaço de ação do autor empírico do texto. Ao mesmo tempo
marcar a negociação entre as vozes e explicitar a responsabilidade pelo dizer no discurso
citado e no discurso citante. Podemos dizer, então, que o aluno (M-1) recorre a esses
elementos não-linguísticos para orientar o leitor a identificar o texto fonte para auxiliar no
entendimento geral do discurso. Um discurso que se constrói a partir da interação com outros
discursos. Segundo Bronckart (1999, p. 321), um discurso que é fundamentalmente dialógico
requer uma negociação e/ou uma organização que é singular àquele que produz. Isto é, aquele
que é o autor do texto é quem gerencia essas vozes.
VOZES SOCIAIS PRESENTES NO DISCURSO
Aluno (M-2)
Embora não tenha a intenção de desenvolver uma análise sociovariacionista de acordo com os
preceitos labovianos (LABOV, 1972), torna-se necessário recorrer aos critérios adotados pela
Sociolinguística Quantitativa para explicitar os fenômenos linguísticos relacionados ao uso do item e
as influências socioculturais e comunicativas dos informantes no seu comportamento evolutivo[...],
(parágrafo-1, p.41).
No que diz respeito às vozes sociais, como podemos observar no excerto do
aluno (M-2) a inclusão de vozes sociais no discurso ocorre de forma humanizada
“sociovariacionista”, “labovianos”, “Sociolinguística Quantitativa”, “socioculturais e
comunicativa” e “ informantes” que por meio dessas vozes podemos resgatar ou recuperar o
que não está explicito no texto, a partir do interdiscurso indicado palas vozes. O aluno (M-2)
ao inserir no discurso (uma análise sociovariacionista de acordo com os preceitos
labovianos), busca contextualizar os pressupostos teóricos da análise que será realizada
orientando o leitor à enunciação que está subentendida na voz de teóricos que se dizem
“sociovariacionista e labovianos”, uma voz que subjaz do conhecimento de mundo do leitor
para direcionar à enunciação do entendimento geral do texto (uma análise sociovariacionista
de acordo com os preceitos labovianos. p-1, p. 41). E os termos “sociovariacionista” e
“labovianos”, Além de representarem uma voz social inserida no discurso, indicam também,
que a análise se dará a partir dos pressupostos teóricos e metodológicos "sociovariacionista”
e “labovianos". Essas vozes/outras de teóricos “sociovariacionista” e a voz de “Labove”,
humanizado a partir do termo “labovianos", marcam a responsabilidade pelo dizer que se
inscreve linearmente no discurso indicando outras vozes que estão em outra instância de
enunciação. É a partir dessas vozes que se dividem as responsabilidades da enunciação entre o
autor que está na tessitura geral do discurso, e um outro que é exterior ao texto.
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
Refletindo sobre as funções de utilização do discurso do outro/Outro,
observamos que sua identificação se dá por meio de mecanismos linguísticos e não
linguístico que mobilizam todo um jogo polifônico e marcam o discurso do outro/Outro, que
segundo Authier-Revuz (2004), são formas da constituição do sujeito, denominadas de
heterogeneidade mostrada, o um no outro. Para Bronckart (1999), vozes que se materializam
no texto. Essas vozes, segundo Bronckart, contribuem para esclarecer o posicionamento
enunciativo, ao passo que são atribuídas responsabilidades ao anunciado.
Portanto, contatamos neste trabalho que os resultados parciais apontam que os
alunos em formação acadêmica (mestrandos) embora façam uso correto a remição a outras
fontes teóricas (discurso citado) para fundamentar sua produção escrita, pouco se observa o
ponto de vista desse autor empírico do texto acerca das reflexões sobre o que leram, e
supostamente, compreenderam das teorias estudadas, pois o discurso do outro que é marcado
em seu discurso transfere a responsabilidade do que é enunciado a outras instâncias
enunciativas e marcam a fonte do discurso citado.
Embora observemos essa “pouca discursividade” dialógica, compreendemos
que todo discurso ou enunciado pressupõe um caráter responsivo. Ou seja, um enunciador.
Nossos discursos estão repletos de discursos outro/Outro que são assimilados ou empregados
de forma consciente ou não.
Baseados no exposto, acreditamos que o movimento de estudos e reflexões
sobre as teorias que fundamentam a produção escrita acadêmica, tal como vem ocorrendo,
precisa ser revisto.
REFERÊNCIAS
AUTHIER-REVUZ, J. Entre a transparência e a opacidade: um estudo enunciativo do
sentido. Tradução de Leci Borges Barbisan e Valdir do Nascimento Flores Porto Alegre:
EDPUSCRS, 2004. (p. 11-80).
BRONCKART, J. P. Atividade de linguagem, textos e discursos. São Paulo: EDUC, 1999.
FABIANO, S. A prática da pesquisa como sustentação da apropriação do conhecimento
na graduação em Letras. 211 f. Tese (Doutorado em Letras). Universidade Estadual
Paulista: Araraquara, 2007.
FABIANO, S. Pesquisa na graduação: a escrita do gênero acadêmico. Cáceres-MT: Editora
da UNEMAT, 2004.
RIOLFI, Claudia. Ensinar a escrever: considerações sobre a especificidade do trabalho da
escrita. Leitura & Prática. Revista da Associação de Leitura do Brasil. Campinas.
Campinas, ALB, 2003, p. 40-51.
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