Publicação mensal ISSN 0100-7203 Órgão Oficial de Divulgação Científica da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia Rev Bras Ginecol Obstet v. 34, n. 2, p. 49-98, fev. 2012 Publicação indexada na Base de Dados Lilacs e SciELO. Disponível eletronicamente no Scielo www.scielo.br/rbgo nas versões português e inglês Indexada na Base de Dados Medline Acesso eletrônico através da Scopus: www.scopus.com/scopus/home.url Editor Científico Jurandyr Moreira de Andrade (Ribeirão Preto/SP) Editores Associados Eliana Martorano Amaral (Campinas/SP) Geraldo Duarte (Ribeirão Preto/SP) João Luiz Pinto e Silva (Campinas/SP) José Maria Soares Junior (São Paulo/SP) Marilza Vieira Cunha Rudge (Botucatu/SP) Rosiane Mattar (São Paulo/SP) Rossana Pulcinelli Vieira Francisco (São Paulo/SP) Sophie Françoise Mauricette Derchain (Campinas/SP) Editor Executivo Daniel Guimarães Tiezzi (Ribeirão Preto/SP) Conselho Editorial Antonio Alberto Nogueira (Ribeirão Preto/SP) Antonio Jorge Salomão (São Paulo/SP) Carlos Augusto Alencar Jr. (Fortaleza/CE) Eddie Fernando Candido Murta (Uberaba/MG) Edmund Chada Baracat (São Paulo/SP) Francisco Mauad Filho (Ribeirão Preto/SP) Geraldo Duarte (Ribeirão Preto/SP) Gutemberg Leão de Almeida Filho (Rio de Janeiro/RJ) Haroldo Capurro Alzola (Montevideo, Uruguay) Iracema de Mattos Paranhos Calderon (Botucatu/SP) Ivo Behle (Porto Alegre/RS) Jesus de Paula Carvalho (São Paulo/SP) Jon Oyvind Odland (Tromso, Norway) José Carlos Peraçoli (Botucatu/SP) José Geraldo Lopes Ramos (Porto Alegre/RS) José Guilherme Cecatti (Campinas/SP) José Meirelles Filho (Cuiabá/MT) Joseph A.Spinnato, II (Cincinnati, Ohio) Krikor Boyaciyan (São Paulo/SP ) Luiz Carlos Zeferino (Campinas/SP) Luiz Gerk de Azevedo Quadros (São Paulo/SP) Luiz Henrique Gebrim (São Paulo/SP) Manoel J. B. Castello Girão (São Paulo/SP) Manuel de Jesus Simões (São Paulo/SP) Marair Gracio Ferreira Sartori (São Paulo/SP) Marcelo Zugaib (São Paulo/SP) Marcos Felipe Silva de Sá (Ribeirão Preto/SP) Maria de Lourdes Brizot (São Paulo/SP) Marilza Vieira Cunha Rudge (Botucatu/SP) Melania Maria Ramos de Amorim (Campina Grande/PB) Nilma Antas Neves (Salvador/BA) Paulo Traiman (Botucatu/SP) Ricardo Mello Marinho (Belo Horizonte/MG) Roseli Mieko Yamamoto Nomura (Santo André/SP) Ruffo de Freitas Júnior (Goiânia/GO) Rui Alberto Ferriani (Ribeirão Preto/SP) Sebastião Freitas de Medeiros (Cuiabá/MT) Selmo Geber (Belo Horizonte/MG) Sérgio Hofmeister de Almeida Martins Costa (Porto Alegre/RS) Sérgio Mancini Nicolau (São Paulo/SP) Técia Maria de Oliveira Maranhão (Natal/RN) Victor Hugo de Melo (Belo Horizonte/MG) Wagner José Gonçalves (São Paulo/SP) Wellington de Paula Martins (Ribeirão Preto/SP) Secretária Executiva Rosane Aparecida Cunha Casula Revisora de Referências Bibliográficas Maria Cristina Manduca Ferreira Órgão Oficial de Divulgação Científica da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia RBGO – Editoria Av. Bandeirantes, 3900 – 8º andar – Campus Universitário 14049-900 – Ribeirão Preto/SP Fone (16) 3602-2803 – FAX (16) 3633-0946 Expediente Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, ISSN 0100-7203, é uma publicação mensal da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. A responsabilidade por conceitos emitidos nos artigos é de inteira responsabilidade de seus autores. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos, desde que mencionada a fonte. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia Presidente Etelvino de Souza Trindade (DF) Diretora Administrativa Vera Lúcia Mota da Fonseca (RJ) Diretor Financeiro Francisco Eduardo Prota (SP) Diretor Científico Nilson Roberto de Melo (SP) Diretor de Defesa Profissional Hélcio Bertolozzi Soares (PR) Vice-presidente da região Norte Júlio Eduardo Gomes Pereira (AC) Vice-presidente da região Nordeste Olímpio Barbosa Moraes Filho (PE) Vice-presidente da região Centro-Oeste Paulo Roberto Dutra Leão (MT) Vice-presidente da região Sudeste Hugo Miyahira (RJ) Vice-presidente da região Sul Jorge Saab Neto (SC) Presidência e Secretaria Executiva Avenida das Américas, 8445 – sala 711 Barra da Tijuca – Rio de Janeiro – RJ – CEP: 22793-081 Tel.: (21) 2487-6336 – Fax: (21) 2429-5133 www.febrasgo.org.br [email protected] [email protected] RBGO é uma revista mensal com entrega automática para os sócios da FEBRASGO. Remessa com devolução garantida em caso de erro postal. Assinaturas para pessoas jurídicas pelo fax (21) 2429-5133 Tiragem: 18.000 exemplares Os pedidos de separatas devem ser feitos pelo telefone: 0800 77 23023. As separatas reproduzirão fielmente o texto publicado, não podendo ser feitos acréscimos ou exclusões no mesmo. Produção Editorial Zeppelini Editorial Rua Bela Cintra, 178 Cerqueira César – São Paulo – SP – 01415-000 PABX: (11) 2978-6686 www.zeppelini.com.br [email protected] Publicação mensal ISSN 0100-7203 Órgão Oficial de Divulgação Científica da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia Rev Bras Ginecol Obstet v. 34, n. 2, p. 49-98, fev. 2012 Sumário Editorial 49 Geraldo Duarte 52 Eliana Amaral Sífilis e gravidez...e a história continua! Syphilis and pregnancy...the story continues! Sífilis na gravidez e óbito fetal: de volta para o futuro Syphilis during pregnancy and fetal death: back to the future Artigos originais 56 Maria Isabel Do Nascimento Gestações complicadas por sífilis materna e óbito fetal Pregnancies complicated by maternal syphilis and fetal death Alfredo De Almeida Cunha Elisângela Victor Guimarães Felipe Silva Alvarez Sandra Regina Dos Santos Muri Oliveira Eduardo Loyola Villas Bôas 63 Laura Helena França de Barros Bittencourt Fabiana Maria Ruiz Lopes-Mori Regina Mitsuka-Breganó Marivone Valentim-Zabott Roberta Lemos Freire Simone Benghi Pinto Soroepidemiologia da toxoplasmose em gestantes a partir da implantação do Programa de Vigilância da Toxoplasmose Adquirida e Congênita em municípios da região oeste do Paraná Seroepidemiology of toxoplasmosis in pregnant women since the implementation of the Surveillance Program of Toxoplasmosis Acquired in Pregnancy and Congenital in the western region of Paraná, Brazil Italmar Teodorico Navarro 69 Gláucia Rosana Guerra Benute Daniele Nonnenmacher Roseli Mieko Yamamoto Nomura Mara Cristina Souza de Lucia Marcelo Zugaib Influência da percepção dos profissionais quanto ao aborto provocado na atenção à saúde da mulher Perception influence of professionals regarding unsafe in attention to women’s health 74 Ana Gabriela Pontes Marta Francis Benevides Rehme Anice Maria Vieira de Camargo Martins Maria Thereza Albuquerque Barbosa Cabral Micussi Técia Maria de Oliveira Maranhão Resistência à insulina em mulheres com síndrome dos ovários policísticos: relação com as variáveis antropométricas e bioquímicas Insulin resistance in women with polycystic ovary syndrome: relationship with anthropometric and biochemical variables Walkyria de Paula Pimenta Anaglória Pontes 80 Winny Hirome Takahashi Reginaldo Guedes Coelho Lopes Ablação histeroscópica do endométrio: resultados após seguimento clínico de 5 anos Results of hysteroscopic endometrial ablation after five-year follow-up Daniella De Batista Depes Hosana Karinne de Marathaoan Souza Martins e Castello Branco 86 Alana Soares Brandão Barreto Marina Ferreira de Medeiros Mendes Luiz Claudio Santos Thuler 92 Ana Carolina Japur de Sá Rosa-e-Silva Mariani Mendes Madisson Avaliação de uma estratégia para ampliar a adesão ao rastreamento do câncer de mama no Nordeste brasileiro Evaluation of a strategy adopted to expand adherence to breast cancer screening in Brazilian Northeast Macroprolactinemia e hiperprolactinemia intermediária: manifestações clínicas e achados radiológicos Macroprolactinemia and intermediate hyperprolactinemia: clinical manifestations and image Marcos Felipe Silva de-Sá Rosana Maria Reis Julio Cesar Rosa-e-Silva Lucia Alves Silva Lara Agenda 97 Agenda Instruções aos Autores A Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Rev Bras Gincecol as respectivas publicações sobre o tema. Se houver interesse da revista, será enviado convite para apresentação do texto definitivo. Todos os autores devem ter publicações em periódicos regulares, indexados sobre o tema da revisão. O número de autores é limitado a quatro, dependendo do tipo de texto e da metodologia empregada. Devem ser descritos os métodos e procedimentos adotados para a obtenção do texto, que deve ter como base referências recentes, inclusive do ano em curso. Tratando-se de tema ainda sujeito a controvérsias, a revisão deve discutir as tendências e as linhas de investigação em curso. Apresentar, além do texto da revisão, resumo, abstract e conclusões. Ver a seção “Preparo do manuscrito” para informações quanto ao texto principal, página de rosto, resumo e abstract; Obstet., ISSN 0100 7203), publicação mensal de divulgação científica da Federação das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), é dirigida a obstetras, ginecologistas e profissionais de áreas afins, com o propósito de publicar contribuições originais sobre temas relevantes no campo da Ginecologia, Obstetrícia e áreas correlatas. É aberta a contribuições nacionais e internacionais. A revista aceita e publica trabalhos em português, inglês e espanhol. O material enviado para análise não pode ter sido submetido simultaneamente à publicação em outras revistas nem publicado anteriormente. Na seleção dos manuscritos para publicação, são avaliadas originalidade, relevância do tema e qualidade da metodologia utilizada, além da adequação às normas editoriais adotadas pela revista. O material publicado passa a ser propriedade da Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia e da Febrasgo, só podendo ser reproduzido, total ou parcialmente, com a anuência dessas entidades. 5. Comentários Editoriais, solicitados pelo editor; 6. Resumos de Teses apresentadas e aprovadas nos últimos 12 meses, contados da data de envio do resumo. Devem conter, aproximadamente, 300 palavras e, para serem aceitos, devem seguir as normas da revista quanto à estruturação, à forma e ao conteúdo. Incluir título em português e inglês e, no mínimo, três palavras ou expressõeschave. Não há revisão do texto dos Resumos de Teses. No arquivo enviado, informar: nome completo do autor e do orientador; membros da banca; data de apresentação e a identificação do serviço ou departamento onde a tese foi desenvolvida e apresentada. Lembramos que a publicação do resumo não impede a posterior publicação do trabalho completo em qualquer periódico. 7. Cartas dos Leitores para o Editor, versando sobre matéria editorial ou não, mas com apresentação de informações relevantes ao leitor. As cartas podem ser resumidas pela editoria, mas com manutenção dos pontos principais. No caso de críticas a trabalhos publicados, a carta é enviada aos autores para que sua resposta possa ser publicada simultaneamente. Os manuscritos submetidos à revista são analisados por pareceristas e o sigilo sobre a autoria e a identidade dos revisores é garantido durante todo o processo de edição. Os pareceres dos revisores e as instruções do editor serão enviados para os autores para que eles tomem conhecimento das alterações a serem introduzidas. Os autores devem reenviar o texto com as modificações solicitadas assim que possível, devendo justificar, na carta de encaminhamento, se for o caso, o motivo do não atendimento de alguma sugestão para modificação. Não havendo retorno do trabalho após três meses, presume-se que os autores não têm mais interesse na publicação. Os autores podem solicitar em qualquer ponto do processo de análise e edição do texto a sustação do processo e a retirada do trabalho. Os conceitos e as declarações contidos nos artigos são de responsabilidade dos autores. A revista publica contribuições nas seguintes categorias: 1. Artigos Originais, trabalhos completos prospectivos, experimentais ou retrospectivos. Manuscritos contendo resultados de pesquisa clínica ou experimental original têm prioridade para publicação. 2. Relatos de Casos, de grande interesse e bem documentados, do ponto de vista clínico e laboratorial. Os autores deverão indicar na carta de encaminhamento os aspectos novos ou inesperados em Informações gerais 1. A revista não aceita material editorial com objetivos comerciais. 2. Conflito de interesses: devem ser mencionadas as situações que podem influenciar de forma inadequada o desenvolvimento ou as conclusões do trabalho. Entre essas situações, menciona-se a participação societária nas empresas produtoras das drogas ou dos equipamentos citados ou utilizados no trabalho, assim como em concorrentes da mesma. São também consideradas fontes de conflito os auxílios recebidos, as relações de subordinação no trabalho, as consultorias etc. 3. No texto, deve ser mencionada a submissão e a aprovação do estudo por um Comitê de Ética em Pesquisa reconhecido pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). 4. Artigo que trate de pesquisa clínica com seres humanos deve incluir a declaração, na seção Métodos, de que os sujeitos do estudo assinaram o termo de consentimento livre e informado. Os autores relação aos casos já publicados. O texto das seções Introdução e Discussão deve ser baseado em revisão bibliográfica atualizada. O número de referências pode ser igual ao dos trabalhos completos. 3. Técnicas e Equipamentos, para apresentação de inovações em diagnóstico, técnicas cirúrgicas e tratamentos, desde que não sejam, clara ou veladamente, propaganda de drogas ou outros produtos. Valem para essa categoria todas as normas aplicadas para trabalhos completos. 4. Artigos de Revisão, incluindo avaliação crítica e sistematizada da literatura, meta-análises ou revisões sistemáticas. A seleção dos temas e o convite aos autores têm como base planejamento estabelecido pela editoria. Contribuições espontâneas podem ser aceitas. Nesse caso, devem ser enviados inicialmente um resumo ou roteiro do texto, a lista de autores e v devem informar, também, que a pesquisa foi conduzida de acordo com a Declaração de Helsinque revisada em 2008. 5. No caso de trabalhos envolvendo experimentação animal, os autores devem indicar na seção Métodos que foram seguidas as normas contidas no CIOMS (Council for International Organization of Medical Sciences) Ethical Code for Animal Experimentation (WHO Chronicle 1985; 39(2):51-6) e os preceitos do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal - COBEA (www.cobea.org.br). 6. Todos os ensaios controlados aleatórios (randomized controlled trials) e clínicos (clinical trials) submetidos à publicação devem ter o registro em uma base de dados de ensaios clínicos. Essa é uma orientação da Plataforma Internacional para Registros de Ensaios Clínicos (ICTRP) da Organização Mundial da Saúde (OMS), e do International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE). As instruções para o registro estão disponíveis no endereço eletrônico do ICMJE (http://www.icmje.org/clin_trialup.htm) e o registro pode ser feito na base de dados de ensaios clínicos da National Library of Medicine, disponível em http://clinicaltrials.gov/ct/gui. Preparo dos manuscritos As normas que seguem foram baseadas no formato proposto pelo ICMJE e publicado no artigo “Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals”, atualizado em Outubro de 2008 e disponível no endereço eletrônico: http://www.icmje.org/. Apresentação do texto 1. Os trabalhos devem ser digitados em espaço 2 em todas as seções, da página de rosto às referências bibliográficas, tabelas e legendas. Cada página deve conter aproximadamente 25 linhas em uma coluna. Usar preferencialmente o processador de texto Microsoft Word® e a fonte Times New Roman 12. Não dar destaque a trechos do texto: não sublinhar ou usar negrito. Numerar todas as páginas, iniciando pela de rosto. Não usar maiúsculas nos nomes próprios (a não ser a primeira letra) no texto ou nas referências bibliográficas. Não utilizar pontos nas siglas (DPP em vez de D.P.P.). Quando usar siglas ou abreviaturas, descrevê-las por extenso na primeira vez que mencionadas no texto. Iniciar cada seção em uma nova página: página de rosto; resumo e palavras ou expressões-chave; abstract e keywords; texto; agradecimentos; referências; tabelas individuais e legendas das figuras. 7. O número de autores de trabalhos completos e relatos de casos é limitado a sete. Trabalhos de autoria coletiva (institucionais) devem ter os responsáveis especificados. Trabalhos e estudos multicêntricos podem ter número de autores compatível com o número de centros (cada situação será avaliada pela editoria e pelos revisores). Os investigadores responsáveis pelos protocolos aplicados devem ser especificados. Todos os autores devem ter conhecimento do texto enviado para a revista. 2. 8. O conceito de coautoria é baseado na contribuição de cada um, para a concepção e planejamento do trabalho, análise e interpretação dos dados, para a redação ou revisão crítica do texto. A inclusão de nomes cuja contribuição não se enquadre nos critérios citados ou que tenham fornecido apenas suporte material não é justificável. Página de rosto 9. Os autores serão informados, por correspondência eletrônica, do recebimento dos trabalhos. Os trabalhos que estiverem de acordo com as Instruções aos Autores e se enquadram na política editorial da revista serão enviados para análise por revisores indicados pelo editor. Os originais em desacordo com os objetivos da revista ou com essas instruções são devolvidos aos autores para as adaptações necessárias antes da avaliação pelo Conselho Editorial ou recusados sem análise por revisores. 10. Junto dos arquivos originais, deve ser enviada uma carta de encaminhamento, na qual deve ficar explícita a concordância com as normas editoriais, com o processo de revisão e com a transferência de copyright para a revista. 11. Para manuscritos originais, não ultrapassar 25 páginas de texto digitado ou aproximadamente 30.000 caracteres. Limitar o número de tabelas e figuras ao necessário para apresentação dos resultados que são discutidos (como norma geral, limitar a cinco). Para manuscritos do tipo Relato de Caso, não ultrapassar 15 páginas de texto ou 18.000 caracteres (ver “Preparo do manuscrito”, “Resultados”). 12. O trabalho deve ser enviado pelo sistema de submissão online no portal SciELO. O endereço eletrônico de todos os autores deve ser fornecido. Desta forma, os coautores receberão informação sobre a submissão do vi trabalho e, assim, não será necessária a assinatura de todos na carta de encaminhamento. O endereço eletrônico para correspondência com a revista é [email protected]. O arquivo correspondente ao trabalho deve ser único e deve conter texto, referências, tabelas e figuras. Apresentar o título do trabalho em português e em inglês; nomes completos dos autores sem abreviaturas; endereços eletrônicos válidos de todos os autores (opcional, em substituição à carta de encaminhamento); nome da instituição onde o trabalho foi desenvolvido; afiliação institucional dos autores; informações sobre auxílios recebidos sob forma de bolsas de estudos, financiamento, fornecimento de drogas, reagentes ou equipamentos. Obrigatoriamente deve ser fornecido o endereço da instituição onde o trabalho foi desenvolvido, o qual é publicado na página inicial do trabalho. Devem ser indicados nome, endereço, telefone/fax e e-mail do autor para o qual a correspondência deve ser enviada. Essas informações pessoais são empregadas apenas para correspondência com a revista e somente são publicadas se houver pedido do(s) autor(es). Resumo O resumo do trabalho deve aparecer na segunda página. Para trabalhos completos, redigir um resumo estruturado, que deve ser dividido em seções identificadas: objetivo, métodos, resultados e conclusões. Deve ter aproximadamente 300 palavras. O resumo deve conter as informações relevantes, permitindo que o leitor tenha uma ideia geral do trabalho. Deve incluir descrição resumida de todos os métodos empregados e da análise estatística efetuada. Expor os resultados numéricos mais relevantes, e não apenas indicação de significância estatística. As conclusões devem ser baseadas nos resultados do trabalho e não da literatura. Evitar o uso de abreviações e símbolos. Não citar referências bibliográficas no resumo. Abaixo do texto do resumo indicar o número de registro e/ou identificação para os ensaios controlados aleatórios e ensaios clínicos (ver item 5 das “Informações Gerais”). Na mesma página do resumo, citar pelo menos três palavras ou expressões-chave que serão empregadas para compor o índice anual da revista. Devem ser baseadas nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) publicado pela Bireme, que é uma tradução do Medical Subject Headings (MeSH) da National Library of Medicine e está disponível no endereço eletrônico: http://decs.bvs.br. O abstract deve ser versão fiel do texto do resumo estruturado (purpose, methods, results e conclusions). Deve ser também acompanhado da versão para o inglês das palavras ou expressões-chave (keywords). O resumo e o abstract dos Relatos de Casos e dos Artigos de Revisão e de Atualização não devem ser estruturados e são limitados a 150 palavras. Introdução Repetir, na primeira página da introdução, o título completo em português e inglês. Nessa seção, mostre a situação atual dos conhecimentos sobre o tópico em estudo, divergências e lacunas que possam eventualmente justificar o desenvolvimento do trabalho, mas sem revisão extensa da literatura. Para Relatos de Casos, apresentar um resumo dos casos já publicados, epidemiologia da condição relatada e uma justificativa para a apresentação como caso isolado. Expor claramente os objetivos do trabalho. Métodos Iniciar essa seção indicando o planejamento do trabalho: se prospectivo ou retrospectivo; ensaio clínico ou experimental; se a distribuição dos casos foi aleatória ou não etc. Descrever os critérios para seleção das pacientes ou Grupo Experimental, inclusive dos Controles. Identificar os equipamentos e reagentes empregados (fabricante, cidade e país). Se a metodologia aplicada já tiver sido empregada, indicar as referências, além da descrição resumida do método. Descrever também os métodos estatísticos empregados e as comparações para as quais cada teste foi empregado. Os trabalhos que apresentam como objetivo a avaliação da eficácia ou a tolerabilidade de tratamentos ou drogas devem, necessariamente, incluir Grupo Controle adequado. Para informações adicionais sobre o desenho de trabalhos desse tipo, consultar ICH Harmonized Tripartite Guideline - Choice of Control Group and Related Issues in Clinical Trials (http://www.hc-sc.gc.ca/hpfb-dgpsa/tpd-dpt/e10_e.html). Ver também itens 4 e 5 das “Informações Gerais”. Resultados Apresentar os resultados em sequência lógica, no texto, nas tabelas e nas figuras. Expor os resultados relevantes para o objetivo do trabalho e que são discutidos. Não repetir no texto dessa seção todos os dados das tabelas e figuras, mas descrever e enfatizar os mais importantes, sem interpretação dos mesmos (ver também “Tabelas”). Nos Relatos de Casos, as seções “Métodos” e “Resultados” são substituídas pela “Descrição do caso”, mantendo-se as demais. Discussão Devem ser realçadas as informações novas e originais obtidas na investigação. Não repetir dados e informações já mencionados nas seções “Introdução” e “Resultados”. Evitar citação de tabelas e figuras. Ressaltar a adequação dos métodos empregados na investigação. Comparar e relacionar suas observações com as de outros autores, comentando e explicando as diferenças. Explicar as implicações dos achados, suas limitações e fazer as recomendações decorrentes. Para Relatos de Casos, basear a discussão em ampla e atualizada revisão da literatura. As informações sobre os casos já publicados podem ser tabuladas e exibidas nessa seção para comparações. Agradecimentos Dirigidos a pessoas que tenham colaborado intelectualmente, mas cuja contribuição não justifica coautoria, ou para aquelas que tenham provido apoio material. Referências Todos os autores e trabalhos citados no texto devem constar dessa seção e vice-versa. Numerar as referências bibliográficas por ordem de entrada no trabalho e usar esses números para as citações no texto. Evitar número excessivo de referências, selecionando as mais relevantes para cada afirmação e dando preferência para os trabalhos mais recentes. Não empregar citações de difícil acesso, como resumos de trabalhos apresentados em congressos, teses ou publicações de circulação restrita (não indexados). Não empregar referências do tipo “observações não publicadas” e “comunicação pessoal”. Artigos aceitos para publicação podem ser citados acompanhados da expressão: “aceito e aguardando publicação” ou “in press”, indicando-se periódico, volume e ano. Trabalhos aceitos por periódicos que estejam disponíveis online, mas sem indicação de fascículos e páginas, devem ser citados como “ahead of print”. Outras publicações dos autores (autocitação) devem ser empregadas apenas se houver necessidade clara e forem relacionadas ao tema. Nesse caso, incluir entre as referências bibliográficas apenas trabalhos originais publicados em periódicos regulares (não citar capítulos ou revisões). O número de referências bibliográficas deve ser aproximadamente 35. Os autores são responsáveis pela exatidão dos dados constantes das referências bibliográficas. Para todas as referências, citar os autores até o sexto. Se houver mais de seis autores, citar os seis primeiros, seguidos da expressão et al., conforme os seguintes modelos: Formato impresso • Artigos em revistas - Ceccarelli F, Barberi S, Pontesilli A, Zancla S, Ranieri E. Ovarian carcinoma presenting with axillary lymph node metastasis: a case report. Eur J Gynaecol Oncol. 2011;32(2):237-9. - Jiang Y, Brassard P, Severini A, Goleski V, Santos M, Leamon A, et al. Type-specific prevalence of Human Papillomavirus infection among women in the Northwest Territories, Canada. J Infect Public Health. 2011;4(5-6):219-27. • Artigos com título em inglês e texto em português ou outra língua Utilizar o titulo em inglês, entre colchetes e no final da referência, indicar a língua na qual o artigo foi publicado. - Prado DS, Santos DL. [Contraception in users of the public and private sectors of health]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2011;33(7)143-9. Portuguese. - Taketani Y, Mizuno M. [Application of anti-progesterone agents for contraception]. Rinsho Fujinka Sanka. 1988;42(11):997-1000. Japanese. • Livro - Baggish MS, Karram MM. Atlas of pelvic anatomy and gynecologic surgery. 2nd ed. Philadelphia: WB Saunders; 2006. vii • Capítulos de livro - Picciano MF. Pregnancy and lactation. In: Ziegler EE, Filer LJ, editors. Present knowledge in nutrition. Washington (DC): ILSI Press; 1996. p. 384-95. Formato eletrônico Apenas para informações estatísticas oficiais e citação de referências de periódicos não impressos. Para estatísticas oficiais, indicar a entidade responsável, o endereço eletrônico, o nome do arquivo ou entrada. Incluir o número de tela, data e hora do acesso. Termos como “serial”, “periódico”, “homepage” e “monography”, por exemplo, não são mais utilizados. Todos os documentos devem ser indicados apenas como [Internet]. Para documentos eletrônicos com o identificador DOI (Digital Object Identifier), este deve ser mencionado no final da referência, além das informações que seguem: - Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS [Internet]. Informações de Saúde. Estatísticas vitais. Mortalidade e nascidos vivos: nascidos vivos desde 1994. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2008. [citado 2007 Fev 7]. Disponível em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/ deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def > Legendas Digitar as legendas usando espaço duplo, acompanhando as respectivas figuras (gráficos, fotografias e ilustrações). Cada legenda deve ser numerada em algarismos arábicos, correspondendo a cada figura, e na ordem em que foram citadas no trabalho. Abreviaturas e siglas Devem ser precedidas do nome completo quando citadas pela primeira vez no texto. Nas legendas das tabelas e figuras, devem ser acompanhadas de seu nome por extenso. As abreviaturas e as siglas não devem ser usadas no título dos artigos e nem no resumo. Empregar o seguinte endereço para correspondências não previstas nas instruções: Jurandyr Moreira de Andrade Editor Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia – Editoria – Avenida Bandeirantes, 3.900, 8º andar – Campus Universitário – CEP 14049-900 – Ribeirão Preto (SP) – Fone: (16) 3602-2803 – Fax: (16) 3633-0946 – E-mail: [email protected]. • Monografia na Internet ou livro eletrônico - Foley KM, Gelband H, editors. Improving palliative care for cancer [Internet]. Washington: National Academy Press; 2001 [cited 2002 Jul 9]. Available from: http://www.nap.edu/books/0309074029/html/. Tabelas Apresentar as tabelas em páginas separadas, com espaço duplo e preferencialmente fonte Arial 8. A numeração deve ser sequencial, em algarismos arábicos, na ordem em que foram citadas no texto. Todas as tabelas devem ter título e todas as colunas da tabela devem ser identificadas com um cabeçalho. A legenda deve conter informações que permitam ao leitor entender o conteúdo das tabelas e figuras, mesmo sem a leitura do texto do trabalho. As linhas horizontais devem ser simples e limitadas a duas no topo e uma no final da tabela. Não empregar linhas verticais. Não usar funções de criação de tabelas, comandos de justificação, tabulações decimais ou centralizadas. Utilizar comandos de tabulação (tab) e não o espaçador para separar as colunas e, para nova linha, a tecla enter. No rodapé da tabela, deve constar legenda para abreviaturas e testes estatísticos utilizados. Figuras (gráficos, fotografias e ilustrações) As figuras devem ser apresentadas em páginas separadas e numeradas sequencialmente, em algarismos arábicos, conforme a ordem de aparecimento no texto. Todas as figuras devem ter qualidade gráfica adequada e apresentar título e legenda. Para evitar problemas que comprometam o padrão da revista, o processo de digitalização de imagens (scan) deve obedecer aos seguintes parâmetros: para gráficos ou esquemas, usar 300 dpi/bitmap para traço; para ilustrações e fotos (preto e branco), usar 300 dpi/RGB ou grayscale. Em todos os casos, os arquivos devem ter extensão .tif e/ou .jpg. Também são aceitos arquivos com extensão .xls (Excel), .eps, .psd para ilustrações em curva (gráficos, desenhos e esquemas). São aceitas, no máximo, cinco figuras. Se as figuras já tiverem sido publicadas, devem vir acompanhadas de autorização por escrito do autor/editor e constando a fonte na legenda da ilustração. viii Itens para a conferência para a submissão do manuscrito Antes de enviar o manuscrito, conferir se as Instruções aos Autores foram seguidas e verificar o atendimento dos itens listados a seguir: 1. carta de encaminhamento assinada por todos os autores (escaneada e anexada como documento suplementar ou enviada pelo correio) ou informação dos endereços eletrônicos válidos de todos os autores na página de rosto; 2. citação da aprovação do projeto do trabalho por Comissão de Ética em Pesquisa, assinatura do termo de consentimento livre e informado (na seção “Métodos”) e informação sobre o atendimento das exigências para pesquisa em animais; 3. número ou código do registro do estudo, se necessário, na página de rosto (item 5 das “Informações Gerais”); 4. conflito de interesses: informar se há ou não. Se houver, explicar sem omissão de informações relevantes; 5. página de rosto com todas as informações solicitadas; 6. resumo e abstract estruturados e compatíveis com o texto do trabalho; 7. três ou mais palavras-chave relacionadas ao texto e respectivas keywords baseadas no Decs; 8. verificar se todas as tabelas e figuras estão corretamente citadas no texto e numeradas, e se as legendas permitem o entendimento das mesmas; 9. referências bibliográficas: numeradas na ordem de aparecimento e corretamente digitadas. Verificar se todos os trabalhos citados estão na lista de referências e se todos os listados estão citados no texto. Geraldo Duarte1 Sífilis e gravidez...e a história continua! Syphilis and pregnancy...the story continues! Editorial Um exemplo clássico de doença sexualmente transmissível (DST), a sífilis ainda representa expressivo desafio aos serviços de saúde pública em todo o mundo. Frente aos avanços da Medicina contemporânea, parece anacrônico o fato de uma doença, que apresenta agente etiológico bem definido, formas conhecidas de transmissão, longo período de incubação e tratamentos que possibilitam excelentes índices de cura, continuar registrando novos casos e escapando das medidas que visam o seu controle. Nesse mesmo diapasão de anacronismo, assistimos perplexos aos desdobramentos da infecção pelo Treponema pallidum entre mulheres na idade reprodutiva, prejudicando objetivamente tanto o prognóstico gestacional quanto o prognóstico perinatal, visto que, além da sífilis congênita, observa-se elevação das taxas de abortamento tardio, restrição de crescimento intraútero, prematuridade e – o pior de seus prognósticos perinatais – a morte fetal1. Considerando especificamente a morte fetal decorrente da infecção luética sob a perspectiva do conhecimento científico atual, conclui-se que, hodiernamente, sua ocorrência na sociedade é simplesmente ilógica. Adjetivo tão contundente decorre da carência total de razoabilidade para a não-aplicação dos ordenamentos protocolares, os quais, se cumpridos, permitiriam evitar evento tão nefasto2-4. Avaliações pontuais da ocorrência de sífilis congênita e da morte fetal por sífilis confirmam que, nas últimas décadas, não houve nenhum avanço real no controle de tal complicação no Brasil, desnudando a completa assimetria entre a elaboração e a divulgação de orientações específicas para seu controle, e a efetivação das estratégias preconizadas nestes documentos5-7. Continuamos pensionistas das mesmas falhas verificadas há quase meio século, traduzidas e repetidas como inadimplência da assistência pré-natal, alargando-se a distância entre o que a oficialidade preconiza e a capilarização destas orientações até a periferia do sistema de saúde. Neste fascículo, a contribuição de Nascimento et al.8 confirma essas afirmações, visto que, dos 48 casos de morte fetal estudados no Hospital Geral de Nova Iguaçu (Estado do Rio de Janeiro), 54,2% dos casos tiveram algum tipo de assistência pré-natal, mas 33,3% não tiveram nem acesso a este recurso. Estes dois percentuais traduzem a iniquidade a que estas gestantes foram expostas: o primeiro traduz baixa qualidade do pré-natal e o segundo indica que um terço dessas mulheres não teve acesso a um recurso básico, o pré-natal. Correspondência Geraldo Duarte Departamento de Ginecologia e Obstetrícia Avenida Bandeirantes 3.900 CEP: 14049-900 Ribeirão Preto (SP), Brasil Recebido 28/12/2011 Aceito com modificações 18/01/2012 Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil. 1 Duarte G Vários são os fatores sociais, econômicos e culturais que influenciam as taxas epidêmicas estacionárias da sífilis nos últimos anos. Porém, seguramente, o fato de ser uma doença de sinais, que raramente leva ao prejuízo da força de trabalho, contribui objetivamente para que seja marginalizada pelos programas prioritários dos órgãos responsáveis pela saúde pública, notadamente em países não-industrializados. No Brasil, por exemplo, a despeito de ser claramente indicada sua pesquisa durante o pré-natal, não há disciplina para cobrar sua execução, observando-se frequentemente o não-cumprimento dessa medida até por profissionais da rede oficial de saúde no país9. Outro fator que poderia determinar o sucesso dessas ações seria a inclusão do parceiro na assistência pré-natal, solicitando o teste de triagem da infecção luética também para ele (Venereal Disease Research Laboratory – VDRL)10. Citando novamente a colaboração de Nascimento et al.8, na maioria dos casos de morte fetal por sífilis, as reações séricas indicavam doença recente, com probabilidade de infecção na atual gravidez e a inclusão do parceiro no pré-natal poderia, potencialmente, ter evitado estas perdas. Apesar da ampla disponibilidade dos testes subsidiários, que se prestam à identificação da sífilis, da existência de melhor controle epidemiológico na atualidade e seu agente etiológico permanecer sensível à penicilina, a morte fetal pelo Treponema pallidum recrudesceu em alguns lugares nos últimos anos11, numa relação direta da frequência da sífilis entre as mulheres na idade reprodutiva. Outra falha detectada na avaliação de Nascimento et al.8 foi a não-observância à orientação de realizar pelo menos dois exames VDRL durante a gravidez e um no momento do parto. A mesma análise indicou que nenhum dos casos teve seu exame repetido durante o pré-natal. Outro detalhe a ser evidenciado é a não-valorização de títulos baixos de VDRL como indicativos de sífilis em atividade. Apesar de títulos elevados indicarem maior probabilidade de doença ativa, durante a gravidez qualquer titulação deve ser valorizada , por ser muito difícil avaliar se o título de anticorpos está em ascensão ou em descenso, – mesmo sem tratamento, alguns casos exibem queda espontânea dos títulos do VRDL –, ou mesmo se houve tratamento de outra infecção (trato urinário, dentário, entre outras). Nesse caso, ter-se-ia um título residual. A situação que pode ser resolvida com mais facilidade é representada pela reação cruzada do VDRL, cuja dúvida pode ser aclarada utilizando uma reação específica para lues (entre outras o FTAAbs, ELISA e a hemaglutinação). As falhas na assistência pré-natal, não cumprindo o protocolo do Ministério da Saúde do Brasil, fizeram com que os programas federais e estaduais de controle das DST priorizassem a sífilis, criando programas específicos que visaram erradicar tanto a sífilis congênita quanto a morte fetal por este micro-organismo, todos com fracasso em seu epílogo1. Uma das mais recentes iniciativas ocorreu com a criação da Rede Cegonha, iniciativa que prioriza o diagnóstico mais agilizado (teste rápido). No entanto, aproximadamente um ano após o lançamento desse programa ainda não se conseguiu criar um fluxo de confirmação diagnóstica da sífilis em gestantes. Resumindo, sabe-se que, sem disciplina e cobrança da efetividade programática, nenhuma doença, cujo controle envolve adequações de comportamento pode ser erradicada. Aliado aos problemas institucionais descritos, o comportamento sexual dos usuários de drogas ilícitas psicoativas assume peso específico elevado na disseminação do Treponema pallidum12. Fácil aferir que, durante o efeito dessas drogas, o discernimento de risco está rebaixado pelo estado de euforia, consequentemente, permitindo maior exposição a situações de práticas sexuais de risco e às doenças dela derivadas, dentre elas a sífilis. Outra importante interface do uso de drogas ilícitas com a sífilis é a utilização do sexo como moeda para aquisição da droga, fato que, para alguns autores, responde parcialmente pela recrudescência e perpetuação da sífilis congênita e da morte fetal por sífilis. Sabe-se que a morte fetal por sífilis carreia em seu contexto o reflexo discriminador da falta de qualidade assistencial em saúde. Elevadas taxas dessa complicação ou da sífilis congênita são consideradas marcadores epidemiológicos seguros da falência da saúde em determinada área13. Infelizmente, de forma geral, a precariedade destes indicadores alia-se à pobreza, mas isso não significa que seja exclusividade de comunidades desfavorecidas economicamente, ocorrendo também em países desenvolvidos, com frequência inferior. Segundo as propostas do Serviço de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (SVS/PN/DST/AIDS)4, uma das principais metas para controle da sífilis congênita é reduzir sua frequência de 3,9 para 1,8‰ até o final de 2011. Concluindo, fica a certeza de que o rastreamento da sífilis durante a gravidez e o tratamento específico são as únicas formas de evitar eficazmente a morte fetal. Sob todos os aspectos, incluindo o custo-benefício, a implantação dessa medida representa benefícios claros e indiscutíveis1. No Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HC-FMRPUSP), a avaliação trimestral do VDRL e no momento do parto é medida de rotina, intervenções simples que conseguem evitar tanto a morte fetal como a sífilis congênita. Esta conduta tem como fundamento as trajetórias de gestantes com morte fetal por sífilis atendidas em tal hospital, confirmando-se a possibilidade da gestante infectar-se durante a gravidez14. Com disciplina no cumprimento dos protocolos vigentes para esta finalidade, isto é perfeitamente viável. Portanto, sem a consciência gestora do valor do pré-natal não se investe na disciplina e nem na exigência firme do cumprimento das ações saneadoras deste vergonhoso insucesso em saúde, a morte fetal por sífilis. 50 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):49-51 Sífilis e gravidez...e a história continua! Referências 1. Duarte G, Coutinho CM. Sífilis e gravidez. In: Belda W Jr., editor. Doenças sexualmente transmissíveis. São Paulo: Atheneu; 2009. p. 19-34. 2. São Paulo. Secretaria de Estado da Saúde. Coordenadoria de Controle de Doenças. Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS. Coordenação do Programa Estadual de DST/AIDS. Guia de referências técnicas e programáticas para as ações do plano de eliminação da sífilis. São Paulo: Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS; 2010. 3. Workowski KA, Berman S; Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Sexually transmitted diseases treatment guidelines, 2010. MMWR Recomm Rep. 2010;59(RR-12):1-110. 4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Plano operacional: redução da transmissão vertical do HIV e da sífilis. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2007. 5. Milanez H, Amaral A. Por que ainda não conseguimos controlar o problema da sífilis em gestantes e recém-nascidos? Rev Bras Ginecol Obstet. 2008;30(7):325-7. 6. Duarte G, Cunha SP, Yamada RT, Bailão LA, Philbert PMP. Sífilis e gravidez: ainda um um problema. Rev Bras Ginecol Obstet. 1987;9(3):75-8. 7. Casal CAD, Silva MO, Costa IB, Araújo EC, Corvelo TCO. Molecular detection of Treponema pallidum sp. Pallidum in blood samples of VDRLseroreactive women with lethal pregnancy outcomes: a retrospective observational study in Northern Brazil. Rev Soc Bras Med Trop 2011; 44(4):451-6. 8. Nascimento MI, Cunha AA, Guimarães EV, Alvarez FS, Oliveira SRSM, Villas Bôas EL. Gestações complicadas por sífilis materna e óbito fetal. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012;34(2):56-62. 9. Rodrigues CS, Guimarães MDC; Grupo Nacional de Estudo sobre Sífilis Congênita. Positividade para sífilis em puérperas: ainda um desafio para o Brasil. Rev Panam Salud Pública. 2004;16(3):168-75. 10. Duarte G. Extensão da assistência pré-natal ao parceiro como estratégia de aumento da adesão ao pré-natal e redução da transmissão vertical das infecções. Rev Bras Ginecol Obstet. 2007;29(4):171-4. 11. Chakraborty R, Luck S. Syphilis is on the increase: the implications for child health. Arch Dis Child. 2008;93(2):105-9. 12. Duarte G, Gir E, Machado AA, Figueiredo JFC, Martinez R. Correlación entre sífilis, hepatitis B y la infección por el virus de inmunodeficiencia adquirida tipo 1 (VIH-1). Rev Ibero-Latinoam Enferm Transm Sex. 1996;10(1):11-7. 13. Saraceni V, Guimarães MHFS, Theme Filha MM, Leal MC. Mortalidade perinatal por sífilis congênita: indicador da qualidade da atenção à mulher e à criança. Cad Saúde Pública. 2005;21(4):1244-50. 14. Duarte G, Gir E, Almeida AM, Hayashida M, Zanetti ML. Fetal death from syphilis: an epidemiologic evaluation in Ribeirão Preto, Brazil. Bull Pan Am Health Organ. 1994;28(1):42-9. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):49-51 51 Eliana Amaral1 Sífilis na gravidez e óbito fetal: de volta para o futuro Syphilis during pregnancy and fetal death: back to the future Editorial Tantas oportunidades perdidas... Tem sido relatado, no Brasil e no exterior, o aumento da incidência de sífilis congênita e suas consequências graves, como a natimortalidade. Sua ocorrência evidencia falhas na assistência pré-natal relacionadas ao controle de uma infecção, cujo protocolo clínico é bem conhecido, com triagem sorológica e tratamento de baixo custo. Isso contrasta com a redução da transmissão vertical do HIV já demonstrada no Brasil, apesar de protocolos clínicos complexos e de custo elevado. Dificuldades de acesso a exames laboratoriais e tratamento contribuem para a dificuldade no controle da doença e, assim, para a interpretação das sorologias. No estudo de Nascimento et al.1, foram descritos 48 casos de gestantes com sorologia reagente para sífilis (VDRL) e óbito fetal. Atendidos no Hospital de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, entre 2005 e 2008, estes casos corresponderam a 11,7% dos óbitos fetais, que é uma porcentagem considerável. Apesar da idade gestacional média avançada (29 semanas) e 26 (54,2%) pacientes terem sido acompanhadas no pré-natal, somente 12 tinham sorologia realizada anteriormente, incluindo quatro com resultado não-reagente. A sorologia não foi repetida durante o acompanhamento antes do parto. A evolução para óbito fetal sugere que não foi realizado tratamento nos oito casos detectados como sífilis materna no pré-natal ou o tratamento foi realizado tardiamente ou de forma inadequada (dado não-informado). Dados muito parecidos foram relatados recentemente por Casal et al.2, no Pará. De fato, as falhas de cumprimento do protocolo recomendado têm impedido o controle da sífilis congênita, apesar de ter um protocolo bem estabelecido e de baixo custo3. Como consequência, de 1998 a 2007, houve aumento acentuado da taxa de incidência dos casos de sífilis congênita nas Regiões Norte e Nordeste, menos expressivo nas Regiões Sul e Centro-Oeste, com certa estabilização na Sudeste4. Ao mesmo tempo, comemora-se o sucesso do programa de controle da transmissão vertical do HIV, com redução acentuada da transmissão vertical em consequência de adesão a um protocolo muito mais complexo e custoso5,6. A insatisfação com a negligência quanto aos efeitos da sífilis na gestante tem ressurgido também na literatura internacional7. Estimou-se, na Tanzânia, que 51% dos natimortos e 24% dos partos prematuros entre mulheres não-submetidas à triagem e não-tratadas foram atribuídos à sífilis materna8. Esses achados no Brasil e no exterior contrastam com resultados Correspondência Eliana Amaral Divisão de Obstetrícia do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher da Universidade Estadual de Campinas Rua Alexander Fleming, 101 – Cidade Universitária CEP: 13083-970 Campinas (SP), Brasil Recebido 03/01/2012 Aceito com modificações 16/01/2012 Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – Campinas (SP), Brasil. Conflito de interesses: não há. 1 Sífilis na gravidez e óbito fetal: de volta para o futuro das revisões sistemáticas recentes, confirmando que a triagem materna e o tratamento podem reduzir a incidência de morte perinatal e natimorto por sífilis em cerca de 50 a 80%9-12. No Brasil, há muitos anos e em diferentes regiões, denuncia-se a pouca qualificação do pré-natal para a prevenção da sífilis congênita, observando-se a não-realização da sorologia de triagem, tratamento não-realizado ou realizado inadequadamente quando indicado e ausência de tratamento do parceiro13,14. São evidências de que há muitas oportunidades perdidas de prevenção. O estudo de Nascimento et al.1 demonstra, mais uma vez, a pouca qualificação da atenção oferecida à gestante e ao seu concepto para controle da infecção e redução da natimortalidade. Tal fato ajuda a relembrar a responsabilidade dos médicos como defensores do melhor cuidado clínico, uma ação compartilhada com outros profissionais da saúde e com o sistema de atenção à saúde. Por que seria tão difícil transpor a experiência de sucesso com o controle do HIV para o controle da sífilis congênita, se as intervenções diagnósticas e terapêuticas parecem tão banais e pouco custosas? Como virar este jogo? Talvez a resposta esteja exatamente na falta de glamour da sífilis congênita, que não tem atraído a mídia, nem exigido preocupação com atualização pelos profissionais, visto que é uma doença estigmatizada e, aparentemente, sem grandes demandas tecnológicas para diagnóstico ou terapia de custo elevada. Se cada caso de sífilis congênita pode significar uma cadeia de negligência que envolve os profissionais, as instituições e o sistema de saúde que o atende, é o momento de observar as novidades, relembrar as responsabilidades e atualizar os conhecimentos. O que há de novo no diagnóstico e tratamento? Não há novidade acerca do tratamento de sífilis na gestação. Apenas penicilina é a droga recomendada, com elevada passagem placentária e alta eficácia, sendo eficaz na redução à morbimortalidade perinatal10. Houve alguma sugestão na literatura sobre o uso de drogas alternativas, como azitromicina, mas posteriormente se confirmou que há falhas terapêuticas e resistência do Treponema pallidum a tal antibiótico15. Continuam válidas as recomendações dos manuais publicados pelo Ministério da Saúde, com uso de penicilina benzatina em doses dependentes da fase da sífilis, orientada por resultado de triagem sorológica no primeiro e no terceiro trimestres e no parto, ou sempre que houver aborto ou natimorto3. A dificuldade de administrar a penicilina na unidade básica, por receio da rara reação anafilática, é outro componente que contribui para a conduta inadequada. Além das possíveis dificuldades de acesso a tratamento e exames laboratoriais ou demora no retorno dos resultados durante o pré-natal, sua interpretação para o correto diagnóstico e adequada conduta constituem-se numa competência especial para o profissional que dá atenção pré-natal. No Brasil, utilizou-se até o momento o teste não-treponêmico de floculação do tipo VDRL para triagem. A confirmação laboratorial, com teste treponêmico por aglutinação de partículas (TPHA) ou teste fluorescente por absorção de anticorpos (FTA-Abs), tem sido recomendada, mas não é obrigatória e sua ausência não deve retardar a conduta. O resultado reativo do VDRL, a qualquer título, se não há história de infecção previamente tratada, deve ser interpretado como sífilis materna, indicando-se o tratamento da gestante. Se houve tratamento prévio, pode ser encontrada cicatriz sorológica com títulos baixos, menores que <1/8. Na presença de teste treponêmico, sua positividade pode significar sífilis prévia (cicatriz) ou atual e a interpretação dependerá do VDRL e da história de tratamento. Se VDRL reagente e teste treponêmico não-reagente, trata-se de falso-positivo3. Dados da década de 1990 mostram que pode haver até 30% de VDRL falso-positivo após confirmação por teste treponêmico8. Se houver prevalência de VDRL reagente de 1,4% no Brasil3, está se falando que a verdadeira prevalência poderia ser 0,98%. A diferença na grandeza da prevalência destes 30% de falso-positivo é bastante aceitável. Porém, para o cuidado que se deve oferecer a partir do diagnóstico de sífilis materna (tratamento do parceiro, da gestante e do recém-nascido, pesquisa de outras infecções de transmissão sexual e seguimento posterior para estabelecer cura), a associação do VDRL não-treponêmico com um teste treponêmico seria a conduta mais indicada. A interpretação isolada de teste não-treponêmico (VDRL ou RPR) positivo exige um bom conhecimento e cautela ao orientar a gestante. Se os testes de TPHA ou FTA-Abs são realizados e resultam negativos, confirmando-se que se trata de um falso-positivo do VDRL, os cuidados devem ser dirigidos para descobrir a origem dos anticorpos anticardiolipina. Nestes casos, a procura de lúpus e/ou síndrome antifosfolípidica se impõe7. A novidade fica por conta da introdução de testes sorológicos imunoenzimáticos, em substituição ao VDRL, para automatizar a triagem laboratorial, substituindo o processo manual da realização do VDRL ou RPR. No entanto, esses são testes treponêmicos, o que significa que, uma vez positivos (sífilis prévia), sempre serão positivos. Nestes casos, o uso do VDRL em paralelo ou em sequência, sendo também positivo, define que a infecção é recente (especialmente Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):52-5 53 Amaral E se títulos ≥1/8) e permite controle de cura acompanhando a redução de títulos após o tratamento. Embora os testes imunoenzimáticos exijam também laboratório e sejam de custo similar, são menos trabalhosos e atualmente recomendados em substituição ao VDRL ou RPR, especialmente em regiões de baixa prevalência de sífilis, nas quais haverá menos tratamento prévio de sífilis7. Outro aspecto atual no diagnóstico é a utilização de testes rápidos por tiras de imunocromatografia, que se realiza no consultório com sangue total ou gota obtida da ponta de dedo, sem necessidade de qualquer equipamento. A grande vantagem destes métodos é a possibilidade de acesso ao diagnóstico em até 20 minutos e imediato tratamento em lugares sem recursos laboratoriais. As desvantagens incluem custo, garantia de provisão e boas condições de armazenamento e treinamento dos profissionais que vão realizar o teste. No entanto, é, também, um teste treponêmico, como os imunoenzimáticos e TPHA, permanecendo definitivamente positivo após sífilis prévia, mesmo se tratada adequadamente. Tucker et al.16 encontraram sensibilidade e especificidade similares às de testes não-treponêmicos. Testado no Brasil, em lugar de difícil acesso na Amazônia, o teste rápido identificou 62,5% (10/16) dos casos de sífilis, dois terços dos casos de sífilis ativa (4/6) e todos os casos com títulos altos (VDRL>1:8), com valor preditivo negativo de 99,1%. Os autores sugeriram que a baixa sensibilidade pode ter sido decorrente das condições de temperatura e umidade locais, e também pelo treinamento dos profissionais17. Numa revisão sistemática sobre testes imunocromatográficos rápidos para sífilis, demonstrou-se que, em clínicas de pré-natal, os testes têm sensibilidade mediana de 86%, especificidade de 99% e que o valor preditivo positivo é maior que 80% (20% de falso-positivo), se a prevalência for maior que 0,3%, o que demonstrou bom desempenho16. A introdução do teste rápido no arsenal diagnóstico para melhorar a cobertura de triagem para sífilis na gravidez, permitindo tratamento imediato, é uma sugestão na literatura internacional e já tem sido discutida para ser adotada em território nacional, à semelhança do que se faz com o teste rápido de HIV. Compõe a proposta de qualificação da atenção pré-natal dentro do projeto Rede Cegonha, do Ministério da Saúde18. A portaria do Ministério da Saúde, de 30 de dezembro de 2011, estabelece a possibilidade da utilização de teste rápido para diagnóstico de sífilis na gestante e no parceiro, por profissionais capacitados, nas unidades de saúde, na etapa I do diagnóstico de sífilis19. O teste rápido seria utilizado quando a gestante comparece para consulta pré-natal tardiamente ou quando não há acesso ao laboratório para realização do teste não-treponêmico (VDRL). Nestas situações, seria realizado o teste rápido e dada a conduta imediatamente, com aplicação da primeira dose de penicilina, se a amostra for reagente. Se for possível, deve ser realizada a coleta de sangue por punção venosa para a etapa II do diagnóstico sorológico com teste não-treponêmico. A citada portaria redefine o diagnóstico laboratorial da sífilis, recomendando, como no diagnóstico de infecção pelo HIV, a utilização de duas etapas (I e II). Recomendam-se dois testes concomitantes, sendo um treponêmico e outro não-treponêmico, sem preferência de qual seria a etapa I ou II. Tanto os testes imunoenzimáticos quanto o rápido poderiam ser utilizados como teste treponêmico, além dos consagrados FTA-Abs e TPHA19. A translação desta nova portaria para a rotina pré-natal, incluindo treinamento das equipes, será um desafio razoável a ser enfrentado por razões operacionais. Portanto, os obstetras precisarão estar atualizados para poderem participar de tais mudanças e dos debates decorrentes. Se a conduta for dependente apenas do resultado reagente de um teste treponêmico, certamente serão novamente tratadas as gestantes com testes treponêmicos reagentes residuais, como foi feito adequadamente no passado. Este é um aspecto muito importante que deve ser de conhecimento do profissional que acompanha pré-natal e que deve ser esclarecido para a paciente e o parceiro. A vantagem inquestionável do uso do teste rápido é permitir tratamento imediato nos casos reagentes, permitindo reduzir a morbidade e mortalidade associadas à infecção, potencialmente muito graves para o feto e para o recém-nascido. O aconselhamento e tratamento do parceiro, no caso de triagem por teste rápido, também devem ser realizados com rapidez, associados ao necessário esclarecimento. Considerações finais A incidência de sífilis congênita tem aumentado no Brasil, com mortalidade perinatal relevante e não há nenhuma expectativa de controle, mantendo-se as mesmas estratégias fracassadas das últimas décadas. Talvez a atualização dos conhecimentos técnicos, imposta pelas novas propostas para diagnóstico da sífilis, e a responsabilidade de realização do teste rápido nas unidades de saúde nos casos indicados exijam maior compromisso dos serviços e dos profissionais no controle da infecção congênita. A melhor estratégia é enfrentar este problema do passado com armas do futuro, que acaba de virar presente nas recomendações técnicas de diagnóstico da sífilis. 54 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):52-5 Sífilis na gravidez e óbito fetal: de volta para o futuro Referências 1. Nascimento MI, Cunha AA, Guimarães EV, Alvarez FS, Oliveira SRSM, Villas Bôas EL. Gestações complicadas por sífilis materna e óbito fetal. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012;34(2):56-62. 2. Casal CA, Silva MO, Costa IB, Araújo EC, Corvelo TC. Molecular detection of Treponema pallidum sp. pallidum in blood samples of VDRL-seroreactive women with lethal pregnancy outcomes: a retrospective observational study in northern Brazil. Rev Soc Bras Med Trop. 2011;44(4):451-6. 3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Diretrizes para o Controle da Sífilis Congênita. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2005. 4. 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Available from: http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/gm/111513-portaria-no-3242-de-30-de-dezembro-de-2011.html Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):52-5 55 Maria Isabel Do Nascimento1 Alfredo De Almeida Cunha2 Elisângela Victor Guimarães3 Felipe Silva Alvarez3 Sandra Regina Dos Santos Muri Oliveira4 Eduardo Loyola Villas Bôas3 Gestações complicadas por sífilis materna e óbito fetal Pregnancies complicated by maternal syphilis and fetal death Artigo Original Resumo Palavras-chave OBJETIVO: Descrever as características de gestações complicadas por sífilis materna e óbito fetal. MÉTODOS: Foi feito um estudo retrospectivo descritivo conduzido por revisão de prontuários de 48 gestantes com sífilis materna e desfecho de óbito fetal, admitidas no período 2005-2008, no Hospital Geral de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, Estado do Rio de Janeiro. O peso ao nascer ≥500 g e o óbito fetal documentado por declaração de óbito foram os critérios de inclusão. Os seguintes aspectos foram analisados: sociodemográficos, antecedentes reprodutivos, aspectos da gestação atual, cuidados de pré-natal, realização e resultados do teste Venereal Disease Research Laboratory (VDRL), presença de intercorrências na gestação, além da sífilis, sendo as mortes fetais classificadas como materna, placentária ou fetal. Os resultados foram apresentados por porcentagem, média, desvio padrão (DP) e valor máximo e mínimo. RESULTADOS: A média de idade materna foi de 22,7 anos (DP=0,9 anos) e pelo menos metade das pacientes tinham baixo grau de escolaridade. Na admissão hospitalar, 68,8% do grupo se encontrava no terceiro trimestre e com média de idade gestacional de 29,2 semanas (DP=0,5); mais de 50% estava em trabalho de parto. A grande maioria dos casos de óbito fetal (93%) ocorreu antes da hospitalização materna. Entre as pacientes que frequentaram o pré-natal (54,2%), 30,8% não realizaram o VDRL, 30,8 e 15,4% tiveram resultado reativo e não-reativo, respectivamente e nenhuma teve mais de um VDRL no pré-natal. No momento do parto, a maioria das pacientes (95,8%) realizou o VDRL. No geral, a titulação do VDRL variou de 1:1 a 1:512, predominando titulações ≥1:4 (91,7%). Em 23% dos casos foram encontradas outras condições relacionadas ao óbito fetal, além da sífilis. CONCLUSÕES: A infecção foi a principal causa clinicamente identificada do decesso fetal nesta série de casos. O desfecho de feto morto ocorreu no pré-termo e na presença de títulos altos de infecção materna, sugestivos de sífilis recente. Gravidez de alto risco Complicações infecciosas na gravidez Natimorto Sífilis congênita Morte fetal/etiologia Cuidado pré-natal Keywords Pregnancy, high-risk Pregnancy complications, infections Stillbirth Syphilis, congenital Fetal death/etiology Prenatal care Abstract PURPOSE: To describe the characteristics of pregnancies complicated by maternal syphilis and fetal death. METHODS: Retrospective descriptive study performed by reviewing the medical records of 48 pregnant women with maternal syphilis and fetal death outcome admitted to Hospital Geral de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, State of Rio de Janeiro, during the period from 2005 to 2008. Birth weight ≥500 g and fetal death documented by Death Certificate were the inclusion criteria. The following aspects were analyzed: sociodemographic factors, reproductive history, aspects of the current pregnancy, prenatal care, Venereal Disease Research Laboratory (VDRL) testing, and other gestational conditions, in addition to syphilis. The fetal deaths were classified as maternal, placental or fetal. Percentage, mean, standard deviation (SD), maximum and minimum values were reported. RESULTS: The mean maternal age was 22.7 years (SD=0.9 years), and at least 50% of the patients had low educational level. At hospital admission, 68.8% of the subjects were in the third trimester, with a mean gestational age of 29.2 weeks (SD=0.5), and more than 50% were in labor. The vast majority of fetal deaths (93%) occurred before maternal hospitalization. Among the patients who received prenatal care (54.2%), 30.8% had no VDRL test, 30.8 and 15.4% had a reactive and non-reactive result, respectively, and none had more than one prenatal VDRL test. At the time of childbirth, most of the mothers (95.8%) carried out VDRL testing. Overall, the VDRL titers varied from 1:1 to 1:512, with predominant values ≥1:4 (91.7%). In 23% of cases other clinical conditions related to fetal death, in addition to syphilis, were found. CONCLUSIONS: The infection was the main clinically identified cause of fetal death in this patient series. Fetal death occurred during the preterm period and in the presence of high titers of maternal infection, suggesting recent syphilis infection. Correspondência Maria Isabel do Nascimento Clínica de Ginecologia – Hospital Geral de Nova Iguaçu Estrada Henrique Duque Estrada Mayer 953 – Posse CEP: 26030-380 Nova Iguaçu (RJ), Brasil Recebido 01/11/2011 Aceito com modificações 29/11/2011 Trabalho realizado no Hospital Geral de Nova Iguaçu – HGNI – Nova Iguaçu (RJ), Brasil. Clínica de Ginecologia do Hospital Geral de Nova Iguaçu – HGNI – Nova Iguaçu (RJ), Brasil. 2 Hospital Geral de Nova Iguaçu – HGNI – Nova Iguaçu (RJ), Brasil. 3 Programa de Residência em Tocoginecologia do Hospital Geral de Nova Iguaçu – HGNI – Nova Iguaçu (RJ), Brasil. 4 Clínica de Obstetrícia do Hospital Geral de Nova Iguaçu – HGNI – Nova Iguaçu (RJ), Brasil. Fonte de financiamento: nenhuma. Conflito de interesses: não há. 1 Gestações complicadas por sífilis materna e óbito fetal Introdução Métodos A sífilis materna constitui uma importante causa potencialmente evitável de óbito fetal e de outros resultados perinatais adversos ocorrendo principalmente nas regiões menos desenvolvidas do mundo1. Nos países desenvolvidos, a maioria dos óbitos fetais ocorre anteparto e no pré-termo, 10 a 25% deles são causados por infecções, estando a sífilis entre as mais comuns2. O risco de transmissão vertical do treponema pallidum, agente etiológico da sífilis, é dependente do estágio da infecção materna e da idade gestacional em que ocorre a exposição fetal3,4, sendo de 70 a 100% a taxa de transmissão vertical observada em gestantes com sífilis recente e de 30 a 40% nos casos de sífilis tardia5. Na presença de infecção recente não tratada, estimase que 25% das gestações terminem em aborto tardio ou óbito fetal, 11% em óbito neonatal de recém-natos a termo, 13% em parto prematuro ou baixo peso ao nascer e 20% apresentando sinais clínicos de sífilis congênita3. Calcula-se que cerca de 500.000 casos de óbito fetal, globalmente registrados ao ano, estejam relacionados à sífilis congênita6. A despeito do grande número de óbitos fetais registrados no mundo, o tema ainda tem sido pouco priorizado no que tange a atenção política e as iniciativas programáticas7. A baixa visibilidade do óbito fetal e a falha das ações de prevenção da sífilis no pré-natal estão amplamente relacionadas e requerem intervenções delineadas depois de adequada análise da situação em saúde e de identificação das principais causas de óbito fetal nas diferentes regiões geográficas8. No Brasil, a transmissão vertical da sífilis permanece um grande problema de saúde pública9. De acordo com o Ministério da Saúde do Brasil5, a prevalência da doença em gestantes, no ano de 2004, foi de 1,6% representando cerca de 50.000 parturientes com sífilis ativa e 15.000 recém-natos com sífilis congênita naquele ano, sugerindo controle insuficiente da doença. Considerando a repercussão extremamente grave e potencialmente fatal da sífilis congênita, as diretrizes brasileiras5 recomendam dois testes para sífilis durante o pré-natal, sendo um na primeira consulta e o outro por volta da trigésima semana de gestação, além de um terceiro exame no momento do parto. Além disso, os óbitos fetais representam uma carga importante na mortalidade perinatal e tem sido enfatizada a necessidade de sua investigação com a identificação das causas e posterior classificação10. Nesse sentido, o objetivo do presente estudo foi descrever as características de gestações complicadas por sífilis materna e por óbito fetal atendidas em unidade do Sistema Único de Saúde, no Estado do Rio de Janeiro, no período 2005–2008. O estudo teve desenho retrospectivo, conduzido a partir de revisão de prontuários médicos de pacientes admitidas na maternidade do Hospital Geral de Nova Iguaçu (HGNI), referência para atendimento de gestação de alto risco, na Baixada Fluminense, Estado do Rio de Janeiro. Na unidade ocorrem 3.000 partos, em média, por ano, correspondendo a 25% dos nascimentos em hospitais do município. A população de estudo foi constituída por parturientes com desfecho de óbito fetal no período de 2005–2008 que tiveram teste sorológico não treponêmico – venereal disease research laboratory (VDRL) - no pré-natal e/ou na admissão hospitalar com resultado reativo. Definiu-se o óbito fetal como a morte do feto que ocorreu antes da completa expulsão ou extração do produto conceptual do corpo materno, em idade gestacional igual ou superior a 22 semanas e/ou peso de 500 g ou mais10. Utilizou-se o peso fetal de 500 g ou mais e a documentação pela declaração de óbito como critérios de inclusão no estudo. A relação dos óbitos fetais ocorridos no período de estudo foi cedida pela Secretaria Municipal de Saúde e orientou a identificação dos prontuários candidatos à revisão e fonte de informação. A sífilis materna foi definida como a reatividade do VDRL em qualquer semana de gestação5. Os resultados do teste VDRL (qualitativo e titulação) foram extraídos do cartão de pré-natal (quando arquivado no prontuário), das anotações médicas contidas na ficha de admissão de gestante e dos laudos de exames laboratoriais feitos de rotina na maternidade, também arquivados no prontuário. No período, foram identificados 410 óbitos fetais, sendo a positividade do VDRL detectada em 50 pacientes. Duas mulheres foram excluídas do estudo. Uma por ter sido admitida como puérpera, após ter tido parto no percurso para a maternidade, sendo o evento desconsiderado por ter ocorrido extra-hospitalar. Uma outra mulher com VDRL reagente foi, excepcionalmente, submetida ao exame confirmatório obtendo resultado negativo, sendo também excluída do estudo, embora a realização do fluorescent treponema antigen absorvent test (FTA-Abs) não faça parte da rotina da unidade. Assim, o grupo estudado foi composto por 48 parturientes. Os aspectos demográficos coletados foram: a idade materna analisada como variável contínua e em categorias (<20, 20–29, 30 e mais); a cor da pele categorizada em branca, parda, negra e ignorada; a escolaridade classificada em fundamental incompleto, fundamental completo ou mais e ignorado. O local de residência foi avaliado considerando-se o município referido pela paciente: moradora de Nova Iguaçu (sim/não). Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):56-62 57 Nascimento MID, Cunha ADA, Guimarães EV, Alvarez FS, Oliveira SRDSM, Villas Boas EL Os antecedentes reprodutivos foram analisados como variáveis categóricas considerando-se: o número de gestações (1, 2 e 3 ou mais), a paridade (nulípara, 1, 2 e 3 ou mais), o antecedente de aborto (sim/não), o antecedente de cesárea (sim/não) e de óbito fetal (sim/não). As características da gestação atual foram analisadas pelas condições de admissão e de parto sendo considerados os seguintes parâmetros: (i) idade gestacional fornecida na ultrassonografia do pré-natal ou no momento do parto ou calculada pela data da última menstruação, sendo analisada em classes (20–27; 28–36 ou 37 semanas e mais); (ii) pela presença dos batimentos cardíacos fetais (BCF) se audíveis na admissão (sim/não); (iii) pela presença de trabalho de parto no momento da admissão (sim/não); (iv) pela via de resolução do parto (vaginal/cesáreo) e (v) pelo peso ao nascer (500 a 999; de 1.000 a 1.499; 1.500 a 1.999; 2.000 a 2.499; 2.500 g e mais). O acesso ao pré-natal foi avaliado, primeiramente verificando-se a frequência à alguma consulta de pré-natal (sim/não) e depois, restringindo-se àquelas que receberam algum acompanhamento. Observou-se, também, a disponibilidade de cartão de pré-natal (sim/não) e o número de consultas, segundo as categorias: 1, 2 e 3 ou mais. A análise do VDRL foi feita considerando-se a obtenção do exame no pré-natal (sim/não), no momento do parto (sim/não) e a titulação do VDRL no pré-natal e no momento do parto, utilizando-se para essa característica a seguinte classificação: não reativo; 1:1 a 1:4; 1:8 a 1:16; 1:32 a 1:64; 1:128 e mais; não realizado. Finalmente, a presença de intercorrências como as síndromes hemorrágicas ou hipertensivas e de outras condições possivelmente relacionadas ao óbito fetal, também foi pesquisada. Se identificadas, tais intercorrências foram classificadas considerando-se a origem fetal, materna ou placentária11. Foi feita a análise descritiva estimando-se medidas de tendência central (média e desvio padrão (DP) e valores máximos e mínimos) das variáveis numéricas, bem como frequências absolutas e relativas das variáveis categóricas. Empregou-se o programa ACCESS e o Pacote estatístico EPI-INFO para digitação e análise dos dados, respectivamente. Em conformidade com os princípios incorporados na declaração de Helsinki, o presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HGNI com parecer número 21/2009. Resultados Foram analisados 48 casos de gestações que evoluíram com sífilis materna e óbito fetal, representando 11,7% do total dos óbitos fetais registrados 58 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):56-62 no período. As pacientes eram jovens, com 85,4% do grupo com idade inferior a 30 anos e apenas 2,1% (1/48) com idade na faixa de 40-49 anos. A idade mínima foi de 14 anos e a máxima foi de 45 anos, sendo a média de idade materna de 22,7 anos (DP=0,9 anos). Ainda que tenha faltado informação de 8,3% dos casos, a análise da cor da pele mostrou predomínio de mulheres pardas (64,6%) em relação às negras (18,8%) e brancas (8,3%). Todas as pacientes moravam na Baixada Fluminense, sendo 60,4% em município vizinho à Nova Iguaçu. A despeito do grande número de dados perdidos, observou-se que pelo menos 50% das pacientes tinham baixo grau de escolaridade (fundamental incompleto). Os antecedentes reprodutivos mostraram que o número de gestações variou de um a nove, sendo que a maioria das pacientes relatou uma ou duas gestações (60,4%). Em relação à paridade, predominaram as nulíparas (41,6%). Mais de 10% das mulheres tinham antecedentes de parto cesáreo (12,5%), de aborto (16,7%) e de óbito fetal (10,4%). As características demográficas e reprodutivas estão apresentadas na Tabela 1. Tabela 1. Caracterização sociodemográfica e reprodutiva de 48 casos de sífilis materna e óbito fetal Característica n % <20 21 43,7 20–29 20 41,7 7 14,6 24 50,0 Faixa etária (em anos) ≥30 Escolaridade Fundamental incompleto Fundamental completo e mais 4 8,3 20 41,7 1 19 39,6 2 10 20,8 ≥3 19 39,6 Nulípara 20 41,6 1 12 25,0 2 8 16,7 ≥3 8 16,7 Sim 8 16,7 Não 40 83,3 Sim 06 12,5 Não 41 85,4 1 2,1 Sim 5 10,4 Não 39 81,3 4 8,3 Ignorado Número de gestações Paridade Antecedente de aborto Antecedente de cesárea Ignorado Antecedente de óbito fetal Ignorado Gestações complicadas por sífilis materna e óbito fetal Tabela 2. Características no momento da admissão hospitalar e da resolução da gestação de 48 casos de sífilis materna e óbito fetal Característica n % 20–27 15 31,2 28–36 32 66,7 1 2,1 Idade gestacional (em semanas) ≥37 Presença de batimento cardíaco fetal Tabela 3. Frequência das titulações do VDRL* no pré-natal e no momento do parto de 48 casos de sífilis materna e óbito fetal n % n % 4 8,3 0 0,0 1:1 – 1:4 2 4,2 11 22,9 1:8 ou 1:16 3 6,2 8 16,7 1 2,1 18 37,5 3 6,2 1:32 ou 1:64 Não 45 93,8 1:128 e mais Sim 25 52,1 Não 23 47,9 2 4,2 9 18,7 Sem exame no pré-natal** 36 75,0 (.) (.) Sem exame na internação (.) (.) 2 4,2 *** VDRL: Venereal Disease Research Laboratory. * Tipo de parto Vaginal 40 83,3 Cesárea 8 16,7 Peso ao nascer (em g) 500–999 Internação Negativo Sim Presença de trabalho de parto Pré-natal Titulação Corresponde a 16 pacientes que não fizeram pré-natal + 8 pacientes que não fizeram VDRL no pré-natal + 12 pacientes com falta de informação. ** Corresponde a 2 pacientes que não fizeram VDRL na internação. *** (.): não aplicável. 8 16,7 1.000–1.499 13 27,1 1.500–1.999 12 25,0 2.000–2.499 7 14,5 ≥2.500 8 16,7 No momento da admissão hospitalar, 68,8% do grupo encontravam-se no terceiro trimestre de gestação (28 semanas ou mais). A idade gestacional variou de 20 a 38 semanas, com média de 29,2 semanas (DP=0,5). Mais da metade do grupo foi internado em franco trabalho de parto e os batimentos cardíacos fetais já estavam ausentes na maioria dos casos. A principal via de parto foi a vaginal (83,3%). O peso do natimorto variou de 775 a 3.010 g, com média de 1.706,4 g (DP=95,2 g), sendo que mais de 50% pesaram 1.500 g ou mais. A caracterização das gestações na admissão e no parto está apresentada na Tabela 2. Apesar do percentual de dados perdidos (12,5%), verificou-se que 54,2% (26/48) das pacientes tiveram algum acompanhamento de pré-natal e que 33,3% (16/48) não tiveram acesso a esse recurso. Entretanto, no grupo com pré-natal, somente 61,5% (16/26) possuíam o cartão de pré-natal no momento da admissão na maternidade. O número de consultas variou de um a cinco, com metade das mulheres tendo comparecido a apenas uma ou duas consultas. Apenas 30,8% (8/26) das pacientes com alguma visita ao pré-natal tiveram a sífilis primeiramente detectada nessa fase de acompanhamento; o teste foi não reativo para 15,4% (4/26) delas e 30,8% (8/26) não realizaram o exame. Essa informação foi perdida para 23% (6/26) dos casos. Nenhuma das pacientes que teve alguma consulta de pré-natal realizou mais de um teste de VDRL no pré-natal. No momento do parto, observou-se que 95,8% (46/48) das pacientes realizaram o VDRL e 91,3% (42/46) apresentou titulações ≥1:4. A Tabela 3 apresenta a frequência das diferentes titulações do VDRL obtidas no acompanhamento pré-natal e no momento do parto. Avaliando-se outras intercorrências na gestação, além da sífilis, detectou-se a presença de causas placentárias (seis casos de descolamento prematuro da placenta e um caso de nó verdadeiro de cordão); de causas maternas (três casos de síndromes hipertensivas); de causas fetais (um caso de malformação congênita). Nos demais (37/48), a única causa clinicamente identificada relacionada ao óbito fetal foi a presença de sífilis. Discussão Embora o diagnóstico e o tratamento da sífilis estejam plenamente acessíveis, a combinação da infecção materna com o óbito fetal é ainda um fenômeno frequente8. O presente estudo delineia uma situação bastante grave, perpassando por falha no acesso, falha na realização de exames e obtenção do diagnóstico da sífilis, tardiamente, na ocasião da internação, quando o feto já se encontrava morto, esbarrando na rotina pré-natal não cumprida e sinalizando para as oportunidades perdidas de controle da doença. A infecção foi encontrada em 11,7% do total de parturientes de natimortos registrados no período de 2005-2008, prevalência semelhante à observada (12,6%) no período de 1978–1984, na cidade de Ribeirão Preto12. No município do Rio de Janeiro, de 1999 a 2002, ocorreram 4.215 óbitos fetais, sendo a sífilis congênita considerada causa básica de morte de 222 (5,3%) fetos, com a distribuição absoluta permanecendo estável ao longo dos quatro anos estudados13. Mas, os autores verificaram que 16,2% dos óbitos fetais registrados no ano de 2002 estavam relacionados à sífilis congênita, assim evidenciando uma piora da situação em relação ao período 1996-1998, naquele município. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):56-62 59 Nascimento MID, Cunha ADA, Guimarães EV, Alvarez FS, Oliveira SRDSM, Villas Boas EL Apesar das diferenças entre as regiões, a sífilis materna permanece impactando, ao longo dos anos, a natimortalidade mostrando a importância da sua inclusão, no ano de 2005, na relação nacional de doenças de notificação compulsória no Brasil14. À semelhança de outros estudos de sífilis e resultados adversos na gestação12,13,15-17, na presente série de casos, as mulheres eram jovens, com média de idade de 22 anos, um padrão etário diferente do que ocorre com outras causas de óbito fetal como, por exemplo, as anomalias congênitas, eventos mais observados em mães com 35 anos ou mais18. Também predominaram a cor da pele não branca e a baixa escolaridade, sugerindo condições socioeconômicas desfavoráveis e dificuldades de acesso a serviços de saúde. Tais circunstâncias não são fatores de risco diretos para resultados adversos na gestação, mas refletem a ausência ou a pobre qualidade do cuidado que as mulheres recebem durante a gravidez e o parto, aumentando o risco de assistência pré-natal inadequada19 e de óbito fetal20. Os antecedentes reprodutivos também são preocupantes, uma vez que uma grande proporção de mulheres era nulípara ou com baixo número de gestações e partos e, ainda assim, houve relatos de abortamento (16,7%) e de cesariana (12,5%) prévios. Além disso, o óbito fetal também foi um fenômeno recorrente, fato observado em 20% da casuística analisada em Ribeirão Preto12. Dependendo da causa, o aumento do risco de recorrência de óbito fetal em gestações subsequentes é de duas a dez vezes21. Na Tanzânia, o antecedente de feto morto em multíparas foi fortemente associado com títulos altos de sífilis ativa, comparando com mulheres soronegativas22. No mundo, 2,2 milhões de óbitos fetais ocorrem no terceiro trimestre, antes de iniciar o trabalho de parto, sendo a sífilis materna uma das causas de óbito, oportunamente manejáveis pelos cuidados pré-natais20. Nesse sentido, as condições de internação mostraram que, na quase totalidade dos casos (47/48), os resultados adversos ocorreram antes da 37ª semana, configurando um fenômeno pré-termo. Um terço dos óbitos ocorreu antes da 28ª semana, ou seja, antes de atingir o momento preconizado para a realização do segundo VDRL em gestações não complicadas. Considerando-se que a detecção e o tratamento da sífilis entre a 24ª e a 28ª semanas pode ser tarde demais para prevenir a ocorrência de óbito fetal e de parto pré-termo3, tais achados sugerem a necessidade de se investir na consulta inicial do prénatal, de modo que ela ocorra ainda no primeiro trimestre, com tempo suficiente para se implementar o protocolo de eliminação da sífilis materna e da transmissão vertical do treponema pallidum, como recomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil5. 60 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):56-62 Embora, 52% das mulheres tenham sido admitidas em trabalho de parto, foi observado que o feto já estava morto, no momento da admissão hospitalar, em mais de 93% dos casos, proporção intermediária à encontrada na cidade de Recife (95,7%)23 e em microrregião de Minas Gerais (86,3%)24, permitindo classificar também os óbitos fetais relacionados à sífilis como um fenômeno anteparto. O peso ao nascer é outro fator de extrema importância na avaliação dos casos de óbito fetal5. Nesse aspecto, nossos resultados se mostram semelhantes aos do município do Rio de Janeiro para o ano de 200213, com maior parte dos natimortos tendo peso inferior a 2.500 g. Avaliando-se a evitabilidade de tais óbitos apenas pelo critério do peso ao nascer, se pode especular que mais da metade deles poderiam ter sido evitados com o rastreamento e tratamento oportunos da sífilis, tendo em vista que 56% dos fetos da nossa casuística pesaram 1.500 g ou mais. A possibilidade de controle da doença foi perdida no pré-natal à medida que um terço das pacientes não recebeu esse acompanhamento. Entre as acompanhadas, o número de consultas foi baixo, sugerindo que cogitar a utilização de outros recursos, como testes rápidos, capazes de agilizar a abordagem da sífilis logo nas primeiras visitas, parece apropriado. Também, a infecção foi detectada, para a maioria delas, no momento do parto. Nos Estados Unidos, dos casos de sífilis congênita registrados em 2008, 29% das mães não receberam cuidados de pré-natal e a infecção foi detectada apenas no momento do parto25. Além disso, 27% dos casos com acesso ao pré-natal tiveram o rastreio da sífilis menos de 30 dias antes do parto, intervalo insuficiente para se implementar uma antibioticoterapia efetiva. Na nossa casuística, nenhuma das pacientes foi submetida a dois testes de VDRL no pré-natal. Há relatos na literatura mostrando que 0,4 a 2,8% das mulheres grávidas tornam-se positivas para sífilis no intervalo entre o primeiro e o segundo teste realizado, em geral no início do terceiro trimestre3. No Brasil, mesmo entre gestantes com seis ou mais consultas de pré-natal, a cobertura de dois testes detectada no Estudo Sentinela26 foi de apenas 26,2%, sendo verificado também que 0,4% das mulheres, com resultado negativo no primeiro teste, tiveram teste positivo no segundo. O estágio da sífilis materna e a titulação sorológica da infecção fornecem indícios das condições fetais27. No presente estudo, mais de 80% dos casos apresentou VDRL maior que 1:4. Em geral, títulos maiores que 1:4 indicam infecção ativa, recentemente adquirida e com maior risco de envolvimento fetal, estando a mortalidade relacionada à intensidade da infecção, à resposta inflamatória e à redução do fluxo sanguíneo Gestações complicadas por sífilis materna e óbito fetal placentário3. Na Tanzânia, mulheres com títulos de VDRL >1:4 apresentaram risco quatro vezes maior de algum resultado adverso quando comparadas com as soronegativas22. Embora apenas 8,3% das nossas gestantes tenham apresentado VDRL com título inferior a 1:4, vale mencionar os achados de Campos et al.28 a respeito de tais valores. Os autores encontraram uma associação significativa entre o VDRL de baixa titulação (1:1, 1:2 e 1:4) e os testes diagnósticos do tipo treponêmico e mostraram que, em gestantes, tais títulos têm grande significado clínico e são bons preditores da sífilis congênita, podendo ser aplicados isoladamente. A análise de causas múltiplas é importante para que se identifique corretamente a cadeia de eventos que causam a morte perinatal na presença de doenças de notificação compulsória13. Assim, buscamos no presente estudo, identificar, além da sífilis, outras possíveis explicações para o óbito fetal, sendo encontradas causas placentárias e maternas, bem como outras fetais (anomalia congênita). Mas, a infecção foi a única causa clinicamente detectada na maioria dos casos (77%) estudados. No estudo realizado na Tanzânia22, 94% dos óbitos fetais de mães com sífilis ativa não tratada foram atribuídos exclusivamente à infecção. A despeito da resolução do parto do feto morto ocorrer preferencialmente por via vaginal, algumas intercorrências maternas acabaram influenciando a indicação da operação cesariana, todavia em proporção inferior à relatada por Sampaio e Souza29. Esses autores verificaram que 27,5% dos partos de pacientes com feto morto registrado entre 2005 e 2008, em unidade de saúde do Recife foram conduzidos por via alta. Tal diferença pode ser atribuída à homogeneidade da população por nós estudada, composta por mulheres com sífilis, condição que isoladamente, não configura indicação de cesariana. Nessas circunstâncias, a operação cesariana foi indicada para resolução de problemas adicionais e, além do descolamento prematuro da placenta, o antecedente de cesariana e a artrodese coxofemoral determinaram a realização da cirurgia. Por outro lado, no estudo realizado no Recife, estiveram presentes várias condições emergenciais, manejáveis invariavelmente pela operação cesariana. O estudo teve algumas limitações. Primeiramente o desenho é descritivo com enfoque em uma população com características contextuais específicas de uma região periférica do estado do Rio de Janeiro, dificultando a generalização dos resultados. Além disso, foi desenvolvido retrospectivamente com revisão de prontuários, não sendo possível analisar questões importantes relacionadas à idade gestacional de início do pré-natal, à data do teste VDRL e do tratamento, se efetuado, no pré-natal. Ainda que a presença do feto morto indique falha da abordagem da sífilis no pré-natal, vale a pena mencionar a importância de se implementar estudos comparativos para adequadamente avaliar tais questões. Também, a caracterização das mulheres a respeito do status marital e do uso de tabaco foi prejudicada pelo alto percentual de dados perdidos. Como forças do estudo, se pode destacar o enfoque na combinação da sífilis materna com o óbito fetal, fenômeno ainda pouco estudado no cenário brasileiro. A adoção da definição de feto morto baseada exclusivamente no peso do concepto conferiu uniformidade à população estudada, facilitando futuras comparações. Também, a relação dos óbitos foi obtida de fonte oficial (Secretaria Municipal de Saúde), sendo as causas relacionadas à morte do concepto revisadas, em uma amostra de prontuários, por dois revisores, em momentos diferentes, proporcionando melhor qualidade da informação coletada. Em suma, a caracterização das gestações que evoluíram na presença de sífilis materna e do óbito fetal mostrou que a infecção foi a principal causa, clinicamente identificada, para a maioria dos casos de decesso fetal. O término das gestações, ainda no pré-termo e na presença de titulações de VDRL altas, deram visibilidade a um fenômeno prioritariamente dirigido com a implementação de melhorias no pré-natal. Estimular e facilitar o acesso precoce ao pré-natal e o cumprimento do protocolo preconizado no Brasil pode contribuir para a redução da transmissão vertical do treponema pallidum e impactar nesse importante componente da mortalidade perinatal. Agradecimentos À Responsável Técnica da Divisão de Dados Vitais da Secretaria Municipal de Saúde de Nova Iguaçu – Isabel Cristina Mendonça – pela colaboração na obtenção dos dados. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):56-62 61 Nascimento MID, Cunha ADA, Guimarães EV, Alvarez FS, Oliveira SRDSM, Villas Boas EL Referências 1. Menezes EV, Yakoob MY, Soomro T, Haws RA, Darmstadt GL, Bhutta ZA. Reducing stillbirths: prevention and management of medical disorders and infections during pregnancy. BMC Pregnancy Childbirth. 2009;9(Suppl 1):S4. 2. Goldenberg RL, McClure EM, Belizán JM. Commentary: reducing the world’s stillbirths. BMC Pregnancy Childbirth. 2009;9 (Suppl 1):S1. 3. Blencowe H, Cousens S, Kamb M, Berman S, Lawn JE. 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Laura Helena França de Barros Bittencourt1 Fabiana Maria Ruiz Lopes-Mori2 Regina Mitsuka-Breganó2 Marivone Valentim-Zabott3 Roberta Lemos Freire4 Simone Benghi Pinto3 Italmar Teodorico Navarro4 Artigo Original Soroepidemiologia da toxoplasmose em gestantes a partir da implantação do Programa de Vigilância da Toxoplasmose Adquirida e Congênita em municípios da região oeste do Paraná Seroepidemiology of toxoplasmosis in pregnant women since the implementation of the Surveillance Program of Toxoplasmosis Acquired in Pregnancy and Congenital in the western region of Paraná, Brazil Resumo Palavras-chave Toxoplasma/isolamento & purificação Toxoplasmose/epidemiologia Toxoplasmose congênita/epidemiologia Soroprevalência de HIV/epidemiologia Complicações parasitárias na gravidez/epidemiologia Keywords Toxoplasma/isolation & purification Toxoplasmosis/epidemiology Toxoplasmosis,congenital/epidmiology HIV seroprevalence/epidemiology Pregnancy complications, parasitic/epidemiology Objetivo: Avaliar a suscetibilidade das gestantes à toxoplasmose em serviço público de saúde de dois municípios da região oeste do Paraná. Métodos: Foram avaliadas 422 gestantes por meio da pesquisa sorológica de anticorpos IgG e IgM anti-Toxoplasma gondii (ELISA e MEIA). As soronegativas repetiram a sorologia no segundo e terceiro trimestre de gestação. Em um dos municípios, também foi realizada a triagem neonatal em 27 recém-nascidos para detecção de IgM anti-Toxoplasma gondii pelo teste de fluorometria. Todas as gestantes responderam a um questionário epidemiológico, para análise dos fatores associados ao risco da infecção pelo Toxoplasma gondii. Para análise estatística, foram consideradas a variável dependente da presença de IgG anti-Toxoplasma gondii e as variáveis independentes contidas no questionário epidemiológico. Resultados: A prevalência de anticorpos IgG anti-Toxoplasma gondii nas gestantes foi de 59,8 e 60,6%. Em um dos municípios, as variáveis associadas à presença de anticorpos IgG foram baixo nível de escolaridade e mais de uma gestação. Não houve associação com os outros fatores investigados, como a ingestão de carnes cruas ou mal cozidas, vegetais crus, salames coloniais, manipulação de terra ou areia, horta em casa e gatos em casa. No outro município, não foi observada associação estatística com nenhuma das variáveis estudadas. Não foi confirmado nenhum caso de infecção aguda nem de soroconversão em ambos os municípios. Nenhuns dos recém-nascidos avaliados apresentou positividade para toxoplasmose. Conclusão: A toxoplasmose é comum nas gestantes atendidas pelo serviço público de saúde da região estudada e há 40% delas suscetíveis à infecção. Esse dado reforça a necessidade de manter o programa implantado nesses municípios. Abstract Purpose: To evaluate the susceptibility to toxoplasmosis in pregnant women in the public health service from two cities in the western region of Paraná, Brazil. Methods: Four thousand twenty-two pregnant women were evaluated for anti-Toxoplasma gondii IgG and IgM by ELISA and MEIA. Seronegative pregnant women repeated the serology in the second and third trimester of pregnancy. Neonatal screening of 27 newborns was also performed in one of the cities to detect IgM anti- Toxoplasma gondii by fluorometry. All pregnant women answered an epidemiological questionnaire to analyze the factors associated with the risk of infection by Toxoplasma gondii. For statistical analysis, the presence of IgG anti-Toxoplasma gondii was considered as the dependent variable and the variables contained in the epidemiological questionnaire as the independent ones. Results: The prevalence of anti-Toxoplasma gondii IgG in pregnant women was 59.8 and 60.6%. In one of the cities, the variables associated with the presence of IgG antibodies were low educational level and more than one pregnancy. There was no association with other factors studied such as consumption of raw or undercooked meat, consumption of raw vegetables, consumption of colonial salami, handling soil or sand, the presence of a home vegetable garden and cats in the household. In the other city there was no statistical association with the variables studied. No case of acute infection and no seroconversion were confirmed in either city. None of the infants evaluated were positive for toxoplasmosis. Conclusion: Toxoplasmosis is common in pregnant women attended by the public health service in the region studied and 40% of them are susceptible to the infection. These data reinforce the need to keep the screening program in these cities. Correspondência Laura Helena França de Barros Bittencourt Centro de Ciências Agrárias do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Universidade Estadual de Londrina Rodovia Celso Garcia Cid, Pr 445 km 380 CEP: 86057-350 Londrina (PR), Brasil Recebido 02/08/2011 Aceito com modificações 19/12/2011 Trabalho realizado na Universidade Estadual de Londrina – UEL – Londrina (PR), Brasil; Universidade Federal do Paraná – UFPR – Palotina (PR), Brasil. 1 Curso de Pós-Graduação em Ciência Animal da Universidade Estadual de Londrina – UEL – Londrina (PR), Brasil. 2 Departamento de Ciências Patológicas da Universidade Estadual de Londrina – UEL – Londrina (PR), Brasil. 3 Colegiado de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Paraná – UFPR – Palotina (PR), Brasil. 4 Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Universidade Estadual de Londrina – UEL – Londrina (PR), Brasil. Bittencourt LHFB, Lopes-Mori FMR, Mitsuka-Breganó R, Valentim-Zabott M, Freire RL, Pinto SB, Navarro IT Introdução Cerca de 90% das gestantes que adquirem toxoplasmose durante a gestação são assintomáticas. Assim, testes sorológicos devem ser realizados para detectar anticorpos anti-Toxoplasma gondii e confirmar a presença ou ausência da infecção1. As mulheres que adquirem a primo-infecção da toxoplasmose durante a gestação apresentam parasitemia temporária, podendo desenvolver lesões focais na placenta e cerca de 40 a 50% podem transmitir o parasita ao feto pela via transplacentária2,3. A taxa de transmissão vertical depende da idade gestacional em que a mãe adquire a infecção, variando de 6% com 13ª semanas de gestação e podendo resultar em morte fetal; 40% com 26ª semanas; e 72% com 36ª semanas, podendo ocasionar hidrocefalia, calcificação intracraniana e coriorretinite2. Também tem sido observado déficit auditivo, em torno de 20%, nos casos de crianças não tratadas4. Crianças com infecção congênita podem ser assintomáticas ao nascimento e desenvolver tardiamente lesões oculares5. A transmissão congênita é rara em mulheres imunocompetentes cronicamente infectadas6, mas há relato de transmissão congênita em uma paciente com infecção crônica que sofreu reinfecção com cepa geneticamente diferente da infecção primária7. A prevalência e a incidência da toxoplasmose em gestante variam muito de um país para o outro, e entre as regiões de um mesmo país8. O conhecimento da taxa de gestantes soronegativas e das características epidemiológicas de cada região é muito importante para planejar programas de prevenção e assistência pré-natal e neonatal da toxoplasmose9-11. No Brasil, alguns estudos evidenciaram diferentes prevalências da toxoplasmose em gestantes, como 31,0% em Caxias do Sul (RS), chegando a 91,6% no Mato Grosso do Sul12,13. No Estado do Paraná, em Londrina e Rolândia, a prevalência da toxoplasmose em gestantes foi avaliada em cerca de 50%. Nesses municípios, foi implantada, para as gestantes atendidas pelo sistema público de saúde, a triagem sorológica no pré-natal, com repetição de sorologia a cada trimestre de gestação nas suscetíveis14-16. O presente trabalho teve como objetivo avaliar a suscetibilidade das gestantes à toxoplasmose e a vigilância dos recém-nascidos, além de observar algumas características epidemiológicas dessa zoonose em gestantes atendidas no serviço público de saúde dos municípios da região oeste do Paraná, após a implantação do Programa de Vigilância da Toxoplasmose Adquirida na Gestação e Congênita, em 200917. Métodos Estudo observacional transversal, de Julho de 2009 a Outubro de 2010, realizado em gestantes atendidas pelo 64 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):63-8 serviço público de saúde dos municípios de Palotina e Jesuítas na região oeste do Estado do Paraná. Palotina conta com uma população de 28.609 habitantes18 e, em média, 400 gestantes são atendidas anualmente pelo serviço público de saúde. O município de Jesuítas, com 8.988 habitantes18, tem aproximadamente 60 gestantes atendidas, por ano, pelo mesmo serviço público de saúde. O tamanho da amostra foi calculado pelo programa Epi-Info 3.5.119, com prevalência esperada de 50,0%, erro padrão de 5% e nível de significância de 5%. O tamanho ideal foi de 226 gestantes em Palotina e 52 em Jesuítas. O Programa de Vigilância da Toxoplasmose Adquirida na Gestação e Congênita17 foi implantado em Julho de 2009 no município de Palotina e em Setembro de 2009 no município de Jesuítas. Em março de 2009, foram realizadas oficinas de capacitação para treinamento das equipes das secretarias de saúde dos dois municípios sobre as ações do programa. O programa preconiza a pesquisa de IgG e IgM anti-T. gondii na primeira consulta do pré-natal, orientações sobre a prevenção em todas as consultas, monitoramento sorológico trimestral das gestantes suscetíveis, acompanhamento de gestantes e crianças com infecção aguda, e notificação de casos. No município de Jesuítas, além da triagem sorológica materna, foi implantada, em Janeiro de 2010, a pesquisa de anticorpos IgM em papel filtro em todos recém-nascidos. As amostras foram submetidas ao teste de fluorometria (NeoToxo IgM®, Labsystems FEIA, Helsinki, Finlândia). No município de Palotina, no primeiro e terceiro trimestre de gestação, as avaliações de anticorpos IgG e IgM anti-T. gondii foram realizadas no Laboratório Central (LACEN) por meio das técnicas de ensaio imunoenzimático (ELISA – Dia.Pro®, Diagnostic Bioprobes, Milano, Italy) e ELISA de captura (Dia.Pro®, Diagnostic Bioprobes, Milano, Italy), respectivamente. No segundo trimestre, a avaliação foi realizada em laboratório conveniado ao serviço de saúde pela técnica de enzimaimunoensaio por micropartículas (Meia-Abbott®, Laboratories, Illinois, USA). Em Jesuítas as avaliações sorológicas foram realizadas, em laboratório conveniado ao serviço público de saúde, pela técnica MEIA (Abbott®) para determinar os níveis de anticorpos IgG e IgM nos três trimestres de gestação. No segundo e terceiro trimestre, a sorologia foi repetida para as gestantes soronegativas. Os resultados das sorologias foram analisados e interpretados por médicos e enfermeiros e, quando necessário, era solicitado auxílio de especialistas. As gestantes com soropositividade de anticorpos IgG e IgM anti-T. gondii e ≤16ª semanas de gestação foram submetidas ao teste de avidez de IgG (Vidas Toxo IgG Avidity – Biomerieux®). As gestantes IgG Soroepidemiologia da toxoplasmose em gestantes a partir da implantação do Programa de Vigilância da Toxoplasmose Adquirida e Congênita em municípios da região oeste do Paraná e IgM soropositivas com idade gestacional superior a 16ª semanas foram encaminhadas ao hospital de referência e tratadas conforme preconizado pelo Programa de Vigilância da Toxoplasmose Adquirida na Gestação e Congênita17. Após aceitarem participar da pesquisa e assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido (Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina – UEL, parecer 159/09), as gestantes responderam a um questionário epidemiológico contendo questões relacionadas às variáveis sociodemográficas, como local da residência (zona urbana ou rural), faixa etária, renda per capita, número de gestações, nível de escolaridade e consumo de água tratada; e a hábitos de comportamento e alimentares, como ingestão de carne crua ou mal cozida, salame colonial, e vegetais crus, presença de horta na residência, manuseio de terra e areia, e presença de gatos na residência. Todas as gestantes, no início do pré-natal, receberam orientação sobre a toxoplasmose e as formas de prevenção por enfermeiras das Unidades Básicas de Saúde (UBS). Essas informações foram reforçadas com palestras nas reuniões mensais do grupo de gestantes. Como material de apoio, para prevenção da toxoplasmose, foram utilizados cartazes fixados nas UBS, folhetos usados pelas enfermeiras durante a orientação e, posteriormente, entregue as gestantes; um vídeo animação foi apresentado nas palestras. Para análise estatística, foi considerada a variável dependente IgG anti-T. gondii reagente e as variáveis independentes, contidas no questionário epidemiológico, com a utilização do programa Epi-Info 3.5.119. Foi utilizado o teste do χ2, com correção de Yates ou exato de Fischer. A razão de chances (Odds Ratio – OR) foi utilizada como medida de associação entre a infecção pelo T. gondii e as variáveis pesquisadas, com intervalo de confiança (IC) de 95% e nível de significância de 5%. Resultados Foram incluídas 422 gestantes, 356 em Palotina e 66 em Jesuítas com idade entre 14,4 a 42,8 anos – média de 24,3 anos (±5,8), e de 16,8 a 38,4 anos – média de 25,3 anos (±6,1), respectivamente. A soroprevalência de anticorpos IgG anti-T. gondii nas gestantes de Palotina foi de 59,8% (213/356) e 60,6% (40/66) em Jesuítas. A soroprevalência para IgM anti-T. gondii foi de 1,1% (4/356) no município Palotina e nenhuma gestante em Jesuítas. Das quatro gestantes com IgM anti-T. gondii, duas estavam no primeiro trimestre de gestação e foram submetidas ao teste de avidez-IgG; ambas apresentaram forte avidez, indicando infecção crônica. Dos 27 recém-nascidos avaliados na triagem neonatal, todos apresentaram IgM não reagentes, por isso não foi realizada sorologia dessas crianças. Foi observado que 40,2 e 39,4% das gestantes investigadas eram soronegativas ao T. gondii, municípios de Palotina e Jesuítas respectivamente. Houve associação entre sorologia positiva para toxoplasmose e menor nível de escolaridade das gestantes e maior número de gestações, no município de Palotina. Outras variáveis como, por exemplo, ser gestante residente na área rural e consumo de água tratada não apresentaram associação significativa à toxoplasmose (Tabela 1). Com relação aos hábitos alimentares e manuseio de solo, nenhuma das variáveis investigadas mostrou associação com a soropositividade IgG anti- T. gondii (Tabela 2). Tabela 1. Variáveis sociodemográficas associadas a soropositividade de anticorpos IgG anti-Toxoplasma gondii em gestantes atendidas no serviço público de saúde em municípios do oeste do Paraná Palotina Variáveis % IgG reagente Jesuítas Valor p* OR (IC) % IgG reagente Valor p* OR (IC) Residência Zona urbana 59,8 0,9 64,2 0,3 Zona rural 60,0 0,9 (0,5–1,7) 46,2 2,0 (0,6–7,1) <20 anos** 57,0 1,0 47,1 1,0 20 -|30anos 62,1 0,4 1,2 (0,7–2,0) 67,6 0,2 2,3 (0,6–9,4) >30 anos 58,7 0,9 1,0 (0,5–2,2) 57,1 0,8 1,5 (0,2–7,9) Faixa etária Renda per capita <R$ 350,00 61,8 0,2 68,2 0,1 >R$ 350,00 54,8 1,3 (0,8–2,1) 48,0 2,3 (0,7–7,4) 1° trimestre*** 55,8 1,0 67,3 1,0 2° trimestre 63,0 0,2 1,3 (0,8–2,2) 54,5 0,4 0,5 (0,1–2,6) 3° trimestre 63,9 0,3 1,4 (0,7–2,7) 20,0 0,05 0,12 (0,0–1,3) Início do pré-natal Número de gestações Multíparas 66,7 0,004 68,3 0,168 Primigesta 51,3 1,9 (1,2–2,9) 48,0 2,3 (0,8–6,4) Nível de escolaridade (anos de estudo) ≤8 70,0 0,01 64,3 0,7 ≥9 55,3 1,8 (1,1–3,1) 57,9 1,3 (0,4–4,0) Consumo de água tratada Sim 59,6 0,8 61,1 0,552 Não 63,0 0,8 (0,3–1,9) 58,3 1,1 (0,3–4,0) *χ2 de xYates ou teste exato de Fisher; ** categoria de referência; *** categoria de referência.OR: Odds Ratio; IC: intervalo de confiança (95%). Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):63-8 65 Bittencourt LHFB, Lopes-Mori FMR, Mitsuka-Breganó R, Valentim-Zabott M, Freire RL, Pinto SB, Navarro IT Tabela 2. Variáveis hábitos de comportamento e alimentares associadas a soropositividade de anticorpos IgG anti-Toxoplasma gondii em gestantes atendidas no serviço público de saúde em dois municípios do oeste do Paraná Palotina Variáveis % IgG reagente Jesuítas Valor p* OR (IC) % IgG reagente Valor p* OR (IC) 0,363 Ingestão de carne crua ou mal cozida Sim 66,7 0,939 100,0 Não 59,7 1,34 (0,2–7,4) 59,4 Ingestão de salame colonial Sim 62,7 0,218 62,5 0,574 Não 55,7 1,33 (0,8–2,0) 58,5 1,18 (0,2–5,4) Ingestão de vegetais crus Sim 60,0 0,976 61,2 0,909 Não 57,1 1,12 (0,4–2,7) 58,8 1,10 (0,3–3,4) Presença de horta na residência Sim 59,8 0,920 47,6 0,186 Não 59,9 0,99 (0,6–1,5) 68,2 0,42 (0,1–1,2) Sim 71,4 0,103 62,5 0,612 Não 58,0 1,81 (0,9–3,5) 60,3 1,09 (0,2–5,0) Manuseio de terra e areia Presença de gatos na residência Sim 70,6 0,123 87,5 0,097 Não 58,0 1,73 (0,9–3,3) 56,9 5,3 (0,6–45,9) * χ2 de Yates ou teste exato de Fisher. OR: Odds Ratio; IC: intervalo de confiança (95%). Discussão Os dois municípios onde o estudo foi desenvolvido apresentaram prevalência semelhante de sorologia positiva – em torno de 60,0%. A proximidade entre dois municípios (64 km) e a semelhança nas condições ambientais provavelmente não interferiram na prevalência da toxoplasmose. Com relação às características socioeconômicas e culturais, Palotina possui colonização italiana e alemã, índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,83 (o sétimo melhor do Estado), o produto interno bruto (PIB) é 822.245,310 milhões de reais e o PIB per capita 28.658,65 mil20. No município de Jesuítas, a colonização é de italianos, japoneses, portugueses e espanhóis, o IDH é 0,76 (121o do Estado), o PIB é de 100.331,151 milhões e o PIB per capita é 11.121,69 mil20. As diferenças étnicas, culturais e econômicas dos municípios não interferiram na prevalência da toxoplasmose. No Paraná, foram observadas prevalências semelhantes, como 55,1% em Rolândia14 e 56,6% em Londrina, no norte do Estado21, bem como 56,4% na Bahia22, 67,3% em Porto Alegre (RS)23, 73,5% em Vitória (ES)24, 74,5% em Alto Uruguai (RS)25, 75,1% em Miracema (RJ)26 e 91,6% no Mato Grosso do Sul14. A grande extensão territorial e a diversidade sociocultural de nosso país justificam a observação de taxas diferentes de prevalência da toxoplasmose. 66 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):63-8 Quatro gestantes apresentaram anticorpos IgG e IgM anti-T. gondii. Sendo a prevalência de anticorpos IgM, no estudo, menor que 1,1%, resultado equivalente aos achados no Mato Grosso do Sul13, mas inferior a cidades do Estado do Paraná, Londrina e Rolândia, que apresentaram, em média, 2,0% de imunoglobulina M14,15, bem como no Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2,6%27 e Caxias do Sul 2,8%12. No município de Palotina, duas gestantes que iniciaram o pré-natal após 16 semanas de gestação e apresentaram anticorpos IgG e IgM anti-T. gondii, foram tratadas inicialmente com espiramicina e encaminhadas ao hospital de referência para acompanhamento. A sorologia dos recém-nascidos apresentaram IgG positivo e IgM negativo. As crianças foram monitoradas até a negativação do IgG, para confirmar a exclusão da infecção. Nos municípios de Palotina e Jesuítas, com relação ao local de moradia (zona urbana ou rural), não houve associação com a infecção. Resultado diferente foi encontrado por outros pesquisadores, como Dias14 em Rolândia, Avelino et al.28 em Goiânia (GO), Spalding et al.25 na região do Alto Uruguai (RS). Nesses estudos, as gestantes procedentes da área rural apresentaram maior prevalência da infecção em relação às da área urbana. Embora gestantes com idade superior a 21 anos foram mais expostas à infecção, não foi encontrada diferença com relação à faixa etária das mesmas em ambos os municípios. Em um estudo com 503 mulheres grávidas em Recife29, também não se encontraram diferenças entre idade e prevalência da toxoplasmose. Resultados diferentes foram observados em Rolândia e Caxias do Sul12,14, onde gestantes de faixa etária mais elevada apresentaram maior prevalência da toxoplasmose. Isso pode ser atribuído à maior exposição ao parasita no decorrer dos anos. Um fato importante a ser destacado é que aproximadamente 40% das gestantes eram soronegativas. Isso evidencia a importância em intensificar as medidas de controle, como capacitação dos profissionais de saúde, facilidade de diagnóstico, terapêutica, entre outros, a fim de prevenir infecções congênitas. Em estudo de caso controle, em Goiânia, com 522 grávidas e 592 não grávidas, foi observado que as gestantes tinham 2,2 vezes mais a chance de se infectar com o parasita do que as não grávidas. Os pesquisadores sugeriram que a gestação pode ser considerada um fator de risco para a toxoplasmose. A superior vulnerabilidade ao parasita pelas gestantes pode ser atribuída a alterações imunológicas e hormonais que ocorrem durante a gestação30. Nesse estudo, as gestantes multíparas de Palotina apresentaram maior chance de infecção pelo T. gondii em relação as primigestas. O risco foi calculado em 1,9 vezes mais chance de adquirir a infecção. Soroepidemiologia da toxoplasmose em gestantes a partir da implantação do Programa de Vigilância da Toxoplasmose Adquirida e Congênita em municípios da região oeste do Paraná As gestantes com até 8 anos de escolaridade apresentaram risco 1,8 vezes mais elevado de se infectarem que as demais, evidenciando que maior grau de instrução é um fator de proteção para a infecção pelo T. gondii. Esse dado identifica a importância de investimento em educação, o que é apoiado por outros autores14,24,28,29,31,32, pois se trata de um fator importante para a prevenção da infecção e promoção da saúde. A não ocorrência de soroconversão das gestantes pode ser atribuída às medidas de educação em saúde implantadas e operacionalizadas durante o período gestacional. Não foi encontrada associação entre a toxoplasmose e os diferentes hábitos de comportamento, como ingestão de carnes cruas ou mal cozidas, ingestão de vegetais crus, ingestão de salames coloniais, manipulação de terra ou areia, presença de horta em casa, presença de gatos em casa, provavelmente pela efetividade da implantação do Programa de Vigilância da Toxoplasmose Adquirida na Gestação e Congênita, a partir de 2009, acompanhados por especialistas. Higa et al.33, apesar de terem observado o hábito de ingestão de leite cru pelas gestantes e do contato com gatos durante a fase adulta, também não encontraram associação com carnes cruas ou mal cozidas. No município de Jesuítas também foi implantado o teste do pezinho, sendo um dos poucos municípios brasileiros que realizam a triagem pré-natal e a neonatal. Por se tratar de um estudo de prevalência, os fatores estudados foram associados à presença de anticorpos IgG anti-T. gondii. Como esses anticorpos permanecem presentes anos após a infecção, estas variáveis de comportamento e hábitos podem ter sido alteradas. O estudo ideal para analisar os fatores de risco à infecção é o de coortes; no entanto, pelo fato de se tratar de uma doença de baixa incidência na gestação aliado ao alto custo, esse delineamento foi impossibilitado. Apesar disso, o conhecimento das características epidemiológicas da toxoplasmose, em cada região, é de extrema importância para traçar programas de controle adequados a cada realidade. Os serviços de saúde de Palotina e Jesuítas utilizaram metodologias diferentes para detecção de anticorpos IgG e IgM anti-T. gondii, mas as duas técnicas são utilizadas nos laboratórios de rotina para o diagnóstico da toxoplasmose e apresentam alta sensibilidade e especificidade34. Os resultados permitem concluir que a infecção pelo T. gondii é comum nos municípios avaliados; no entanto, cerca de 40% das gestantes são soronegativas e apresentam risco para transmissão fetal. Assim, as medidas preventivas adotadas no serviço público de saúde devem ser mantidas nesses municípios. Referências 1. Montoya JG, Rosso F. Diagnosis and management of toxoplasmosis. Clin Perinatol. 2005;32(3):705-26. 2. Dunn D, Wallon M, Peyron F, Petersen E, Peckham C, Gilbert R. Mother-to-child transmission of toxoplasmosis: risk estimates for clinical counselling. Lancet. 1999;353(9167):1829-33. 3. Desmonts G, Couvreur J. Congenital toxoplasmosis. A prospective study of 378 pregnancies. N Engl J Med. 1974;290(20):1110-6. 4. Andrade GMQ, Resende LM, Goulart EMA, Siqueira AL, Vitor RWA, Januario JN. Deficiência auditiva na toxoplasmose congênita detectada pela triagem neonatal. Rev Bras Otorrinolaringol. 2008;74(1):21-8. 5. 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Gláucia Rosana Guerra Benute1 Daniele Nonnenmacher2 Roseli Mieko Yamamoto Nomura3 Mara Cristina Souza de Lucia4 Marcelo Zugaib5 Influência da percepção dos profissionais quanto ao aborto provocado na atenção à saúde da mulher Perception influence of professionals regarding unsafe in attention to women’s health Artigo Original Resumo Palavras-chave Aborto induzido Saúde da mulher Aborto/legislação & jurisprudência Atenção à saúde Keywords Abortion, induced Women’s health Abortion/legislation & jurisprudence Health care (Public Health) Objetivo: Identificar o conhecimento e a percepção dos profissionais da saúde em relação à legislação brasileira sobre o aborto provocado. Métodos: Envelopes selados não identificados contendo os questionários foram enviados a todos os profissionais (n=149) que trabalham no Departamento de Obstetrícia de hospital universitário e de hospital público da periferia de São Paulo. Responderam ao questionário 119 profissionais. Para análise dos dados, utilizou-se intervalo de confiança de 0,05 e os testes exatos de Fischer e c2. Resultados: Dos profissionais entrevistados, 48,7% eram médicos, 33,6% profissionais da área de enfermagem e 17,6% eram profissionais de outras áreas (psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, administrativos e técnicos de laboratórios). Constatou-se diferença significativa (p=0,01) na proporção de profissionais que acreditam que o aborto por malformação fetal não letal e no aborto decorrente de gestações não planejadas deveriam ser incluídos na legislação brasileira. Observou-se que o conhecimento da legislação e da descrição das situações permitidas por lei acerca do aborto foi significativamente diferente na comparação entre os profissionais de saúde (p=0,01). Quando questionados sobre as situações em que a legislação brasileira permite o aborto, observou-se que 32,7% dos médicos, 97,5% profissionais da área de enfermagem e 90,5% dos demais profissionais desconhecem a legislação vigente. Conclusão: Neste estudo, evidenciou-se o desconhecimento dos profissionais de saúde com relação à legislação brasileira, em menor proporção entre obstetras e em maior proporção entre os profissionais da área de enfermagem. Foram constatadas atitudes de discriminação, julgamento e preconceito na assistência prestada às mulheres que provocam o aborto. Abstract Purpose: To identify the knowledge and awareness of health professionals regarding the Brazilian legislation on induced abortion. Methods: Unidentified sealed envelopes containing the questionnaires were sent to all professionals (n=149) working in the Obstetrics Department of a university hospital and public hospital at the periphery of São Paulo (SP), Brazil. A total of 119 professionals responded to the questionnaire. The 0.05 confidence interval and the Fisher exact test and χ2 test were used for data analysis. Results: Of the respondents, 48.7% were physicians, 33.6% were nursing professionals and 17.6% were professionals from other fields (psychologists, nutritionists, physiotherapists, laboratory technicians and administrators). There was a significant difference (p=0.01) in the proportion of professionals who believe that abortion for non-lethal fetal malformation and due to unplanned pregnancies should be included in the Brazilian legislation. It was observed that the knowledge about the law and the description of the circumstances allowed by law on abortion was significantly different when comparing health professionals (p=0.01). When asked about the situations in which Brazilian law allows abortion, 32.7% of physicians, 97.5% of nursing professionals and 90.5% of other professionals were unaware of the law. Conclusion: This study demonstrated the lack of of knowledge of Brazilian law among health professionals, to a lesser extent among obstetricians and a to a greater extent among nursing professionals. Attitudes of discrimination and prejudice were observed regarding the care provided to women who induce an abortion. Correspondência Gláucia Rosana Guerra Benute Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 155 – PAMB – andar térreo CEP: 05403-000 São Paulo (SP), Brasil Recebido 26/08/2011 Aceito com modificações 13/12/2011 Trabalho realizado na Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil. 1 Serviço de Saúde da Divisão de Psicologia do Instituto Central da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil. 2 Divisão de Psicologia e Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil. 3 Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil. 4 Divisão de Psicologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil. 5 Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil. Benute GRG, Nonnenmacher D, Nomura RMY, Lucia MCS, Zugaib M Introdução O aborto provocado é reconhecido como um problema de saúde pública em todo o mundo, decorrente do alto índice de mortalidade materna associada à sua realização1,2. Dos 20 milhões de abortos inseguros que anualmente ocorrem no mundo com complicações ou sequelas irreversíveis, 97% acontecem em países em desenvolvimento3. Apesar das restrições legais, das condenações sociais, morais e religiosas e da alta mortalidade materna, o aborto continua existindo, ocasionando 15% do total das mortes maternas que ocorrem no mundo, por ano4-7. No Brasil, o aborto é responsável por 11,4% do total de mortes maternas e 17% das causas obstétricas diretas, com parcela significativa decorrente do aborto provocado6. Esse índice pode ser ainda maior, pois não existem estatísticas oficiais e nem estudos com base populacional, dificultando a avaliação da magnitude do problema no país. O aborto é um tema que está vinculado à vivência reprodutiva da mulher, incluído nas políticas públicas de saúde, nos programas de atenção à saúde da mulher para atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS). Está também incluído na formação acadêmica dos profissionais da área da saúde, em especial da medicina e da enfermagem. No entanto, embora faça parte da preparação profissional, a abordagem ainda é influenciada por questões morais, sociais e religiosas que trazem dificuldades para a aceitação do tema e, consequentemente, para a assistência prestada, que acaba sendo norteada pela concepção de que o aborto é um crime, sem referenciar os direitos reprodutivos ou as questões sociais que incluem a problemática da clandestinidade8,9. No Brasil, a legislação acerca do aborto é contemplada no Artigo 128 do Código Penal10 de 1940 e exime da condição de crime à interrupção da gravidez quando resultante de estupro (e o aborto é precedido do consentimento da gestante, ou, quando incapaz, de seu representante legal) e em casos de risco de vida à gestante. Nos casos de anomalia fetal incompatível com a vida, embora não esteja contemplado na legislação como aborto legal, a interrupção da gravidez pode ser solicitada caso haja interesse da gestante, mediante autorização judicial. Considerando que a atitude dos médicos pode ser obstáculo importante para que as mulheres que cumprem os requisitos legais obtenham um aborto em hospital público, Faúndes et al.11 realizaram estudo com objetivo de avaliar a opinião e o conhecimento dos médicos sobre o aborto. Concluíram que, de modo geral, tem havido maior reflexão sobre a problemática do aborto, mas evidenciaram a necessidade de informar 70 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):69-73 corretamente os ginecologistas e obstetras sobre as leis e normas que regulamentam a prática do aborto legal no país, visando assegurar que as mulheres tenham, de fato, acesso a esse direito. Considera-se que a ampliação desse conhecimento para todos os profissionais que atuam em obstetrícia e que lidam de modo direto ou indireto com as mulheres que provocaram o aborto permitirá a adequação do atendimento voltado para a assistência integral à saúde da mulher. Desse modo, este estudo teve como objetivo verificar o conhecimento acerca da legislação brasileira e da percepção dos profissionais que atuam em obstetrícia relacionadas ao aborto provocado. Métodos Trata-se de estudo prospectivo e transversal. Todos os profissionais que atuam no Departamento de Obstetrícia de um hospital universitário e de um hospital público da periferia de São Paulo (SP) foram convidados a participar. O estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa das instituições envolvidas. Para a coleta dos dados, foi utilizado um questionário, entregue em envelope fechado. Foi solicitado que os profissionais preenchessem o questionário e depositassem o envelope lacrado em urna específica para tal fim, colocada nos departamentos dos hospitais. Foram entregues, ao todo, 149 questionários, tendo retornado 119 deles. Para garantir a participação voluntária e anônima, os participantes foram informados de que a devolutiva do questionário respondido seria compreendida como consentimento na participação do estudo. O questionário continha dados de identificação (idade; profissão; tempo de formação e tempo de trabalho em Obstetrícia), seis perguntas fechadas e uma questão aberta, comum para todos os profissionais entrevistados, além de uma questão fechada específica para médicos. Dos 119 profissionais entrevistados, 48,7% eram médicos; 33,6% eram profissionais da área de enfermagem (auxiliares, técnicos e enfermeiros) e 17,6% eram profissionais de outras áreas (psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, administrativos e técnicos de laboratórios). A média do tempo de formação foi de 139 meses (DP=119) e a média do tempo de trabalho em Obstetrícia foi de 104 meses (DP=111). A questão aberta da entrevista foi analisada por meio da Técnica de Análise de Conteúdo12. Todos os resultados obtidos com a categorização foram, posteriormente, analisados com técnicas quantitativas por meio do programa Statistical Package for the social Science for Windows (versão 16.0). As variáveis foram analisadas descritivamente, calculando-se médias e desvios padrão, frequências absolutas e relativas. Os dados categóricos e quantitativos Influência da percepção dos profissionais quanto ao aborto provocado na atenção à saúde da mulher foram avaliados pelo teste do c2, sendo adotado nível de significância de 0,05. Os resultados foram expostos de acordo com a categoria do profissional, dividindo-se entre médicos, profissionais da área de enfermagem e demais profissionais (psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, administrativos e técnicos de laboratórios). Resultados Quando questionados sobre o que representaria para a sociedade a liberalização do aborto no Brasil, 72,4% dos médicos, 57,5% dos profissionais de enfermagem (auxiliares, técnicos e enfermeiros) e 68,4% dos demais profissionais (psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, administrativos e técnicos de laboratórios) consideraram um avanço para a sociedade. A Tabela 1 apresenta os resultados relativos à opinião acerca de em quais situações o profissional acredita que o aborto deveria ser permitido por lei. Constatou-se diferença significativa na proporção de profissionais que acreditam que o aborto por malformação fetal não letal e no aborto decorrente de gestações não planejadas deveriam ser incluídos na legislação brasileira. O conhecimento autorreferido acerca da legislação brasileira sobre o aborto e a existência de possibilidades de interrupção da gravidez incluídas na lei encontram-se apresentadas na Tabela 2. Observou-se que a distribuição acerca do conhecimento da legislação e a descrição das situações permitidas por lei acerca do aborto foi significativamente diferente na comparação entre os profissionais de saúde. Quando questionados sobre as situações em que a legislação brasileira permite o aborto, considerou-se como respostas adequadas aquelas que incluíram risco materno e estupro, assim como aquelas que acrescentavam a solicitação de autorização judicial para os casos de malformação fetal letal. Todas as demais respostas foram consideradas como desconhecimento da legislação vigente. Quando questionados se acreditam que as pessoas de seu trabalho tratavam as mulheres que provocaram aborto com discriminação, 50% dos médicos, 7,5% dos profissionais da enfermagem e 14,3% dos demais profissionais acreditam que as mulheres que provocaram aborto são tratadas com discriminação. No entanto, a maior parte dos profissionais da enfermagem e dos demais profissionais entregaram o questionário sem responder a essa questão (75 e 80,9%, respectivamente). Com relação ao profissional que observaram a discriminação com relação à mulher que provocou o aborto, tem-se que 88,6% indicou a categoria médica, 80% os profissionais da enfermagem e 5,7% demais profissionais da área de saúde. Foi solicitado que os médicos apontassem em quais situações eles realizariam, pessoalmente, o aborto, caso a legislação brasileira autorizasse sua realização independentemente do motivo. Foram referidas as situações de estupro (51,7%), malformação fetal letal (62,1%) e risco materno (65,5%). Tabela 1. Opinião pessoal sobre em quais situações o aborto deveria ser permitido por lei. Comparação entre profissionais médicos e não médicos Situações de aborto Médico Enfermagem Demais profissionais n % n % n % Sim 52 89,7 34 85,0 20 95,2 Não 6 10,3 6 15,0 1 4,8 Sim 36 62,0 8 20,0 5 23,8 Não 22 37,9 32 80,0 16 76,2 Sim 51 87,9 34 85,0 20 95,2 Não 7 12,1 6 15,0 1 4,8 Sim 31 53,4 34 85,0 7 33,3 Não 27 46,5 6 15,0 14 66,7 Sim 55 94,8 32 80,0 18 85,7 Não 3 05,2 8 20,0 3 14,2 Valor p Estupro 0,4 Malformação fetal 0,01 Malformação fetal letal 0,4 Gestação não desejada 0,01 Risco materno 0,07 Teste do χ2. Tabela 2. Conhecimento da legislação brasileira sobre o aborto: autoavaliação e especificação em quais situações o aborto é permitido por lei. Avaliação da pertinência das respostas e comparação dos dados entre profissionais da saúde Médico Enfermagem n % n % Sim 44 75,9 17 Não 14 24,1 23 Sim 55 94,8 Não 3 5,2 Risco materno e estupro 37 Risco materno, estupro e autorização judicial quando MFL 2 Desconhece a legislação vigente 19 Demais profissionais Valor p n % 42,5 4 19,0 57,5 17 80,9 33 82,5 21 100,0 7 17,5 0 - 63,8 1 02,5 02 9,5 0,01 3,4 0 00,0 0 - 0,34 32,7 39 97,5 19 90,5 0,01 Acredita ter pleno conhecimento da legislação? 0,01 A legislação brasileira permite a legalização do aborto em alguma situação específica? 0,01 Em que situações a legislação brasileira permite o aborto? Teste do χ2. MFL: malformação fetal letal. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):69-73 71 Benute GRG, Nonnenmacher D, Nomura RMY, Lucia MCS, Zugaib M Discussão Os elevados índices de morte materna decorrente do aborto ilegal13 fazem necessário que profissionais atuantes na área da saúde se atualizem e repensem constantemente as questões referentes ao aborto. Os profissionais que atuam em Obstetrícia muitas vezes não conseguem esconder a contrariedade diante da situação do aborto, propiciando assistência pautada no julgamento, na punição, na raiva e na discriminação. Ao se analisar a percepção de profissionais de enfermagem de uma maternidade pública de Salvador (BA) sobre a assistência prestada à mulher em processo de aborto provocado, constatou-se que esses profissionais entendem o aborto como crime e que a assistência prestada é discriminatória, mesmo nos casos de aborto previstos em lei14. Faúndes et al.11 apontam que, em 1996, foram evidenciadas as dificuldades enfrentadas por entidades públicas para a implementação de programas de assistência às vítimas de violência sexual, particularmente no que diz respeito à interrupção legal da gestação, por dificuldade de aceitação dos profissionais de saúde. Em relação à liberalização do aborto, o estudo aponta que a maior parte dos profissionais considerou que o aborto também deveria ser realizado em situações de malformações fetais letais. Nesse estudo, constatou-se que apenas os profissionais médicos consideraram o aborto viável em circunstâncias nas quais a gestação não é planejada ou mesmo em casos de malformações fetais não letais. No entanto, médicos, quando questionados em que situações eles realizariam o aborto, mencionaram as situações já previstas na legislação, incluindo apenas os casos de malformações fetais incompatíveis com a vida extrauterina. Faúndes et al. 13 observaram que, quando questionados sobre a realização do aborto, 40% dos médicos mencionaram que ajudariam uma paciente (indicariam um médico de confiança ou ensinariam a usar o misoprostol) que solicitasse o aborto por não desejar a gestação, mas apenas 2% desse médicos declararam que o realizariam. Entretanto, ressalta-se que quando a questão foi dirigida a situações em que a própria mulher (médica) ou a parceira do homem (médico) estivesse na situação de uma gravidez indesejada, a porcentagem que praticaria o aborto foi de 77,6 e 79,9%, respectivamente. Nos atendimentos decorrentes do aborto inseguro, o preparo da equipe 72 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):69-73 deve ir além do preparo técnico, estando vinculado às reações emocionais e à maneira de abordá-las. Lunardi e Simões 15, ao investigarem as reações da equipe de enfermagem frente à possibilidade de participação em aborto legal evidenciaram ausência de conhecimento da legislação diante dos trâmites necessários para sua realização. A avaliação do conhecimento, da opinião e da conduta de obstetras e ginecologistas sobre o aborto induzido e a legislação constatou que 93% dos médicos responderam corretamente que a lei brasileira não pune o aborto quando a gravidez é resultado de estupro, sendo que 90% também mencionou os casos de risco de vida materno; porém cerca de um terço respondeu inadequadamente, afirmando que a legislação não penalizava o aborto quando o feto fosse acometido por malformações graves13. Esse estudo constatou deficiência inegável por parte dos profissionais da saúde quanto ao conhecimento dos preceitos legais que regulam o aborto no Brasil, dificultando o cumprimento da lei em hospitais e serviços de saúde e interferindo na qualidade do atendimento prestado às pacientes que abortam. A competência técnica dos profissionais é ameaçada quando existe dificuldade de interação com as pacientes, principalmente quando os problemas de saúde são estigmatizados dentro da sociedade16. Assim, o preconceito e a interferência de crenças pessoais no tratamento das pacientes possibilitam que o atendimento seja realizado em função das necessidades físicas, negligenciando o suporte emocional ou mesmo orientações educativas17,18. Nery et al.19 aponta que, nas situações de aborto, são relevantes para as mulheres que o vivenciaram a afetividade e o interesse dos profissionais vinculados aos procedimentos técnicos16, pois tal conduta tem repercussões positivas no estado emocional das pacientes. Para que a assistência integral à saúde da mulher, tal como proposta no SUS, possa ocorrer, torna-se de fundamental relevância que os profissionais estejam integrados tanto com os aspectos técnicos, éticos e jurídicos do aborto, quanto com seus aspectos subjetivos, evitando o julgamento, o preconceito e propiciando mais do que a técnica, a interação, a afetividade, o acolhimento. Neste estudo, evidenciou-se o desconhecimento dos profissionais de saúde com relação à legislação brasileira, em proporção inferior entre obstetras e em proporção superior entre os profissionais da área de enfermagem. Influência da percepção dos profissionais quanto ao aborto provocado na atenção à saúde da mulher Referências 1. 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Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):69-73 73 Ana Gabriela Pontes1 Marta Francis Benevides Rehme2 Anice Maria Vieira de Camargo Martins1 Maria Thereza Albuquerque Barbosa Cabral Micussi3 Técia Maria de Oliveira Maranhão4 Walkyria de Paula Pimenta5 Anaglória Pontes6 Resistência à insulina em mulheres com síndrome dos ovários policísticos: relação com as variáveis antropométricas e bioquímicas Insulin resistance in women with polycystic ovary syndrome: relationship with anthropometric and biochemical variables Artigo Original Resumo Palavras-chave Síndrome do ovário policístico Resistência à insulina Obesidade Índice de massa corporal Keywords Polycystic ovary syndrome Insulin resistance Obesity Body mass index OBJETIVO: Analisar a prevalência de resistência à insulina de acordo com diferentes medidas antropométricas e bioquímicas em mulheres com síndrome dos ovários policísticos. MÉTODOS: Foram analisadas, retrospectivamente, 189 pacientes com síndrome dos ovários policísticos. O diagnóstico de resistência à insulina foi obtido utilizando-se insulinemia, HOMA-IR, QUICKI, índice de sensibilidade à insulina e relação glicemia/insulina. Foram utilizados o índice de massa corpórea e o lipid accumulation product. Para análise dos resultados, aplicou-se a estatística descritiva, a ANOVA, o pós-teste de Tukey e a correlação de Pearson. RESULTADOS: As pacientes apresentaram média de idade de 24,9±5,2 e de índice de massa corpórea de 31,8±7,6. O percentual de pacientes obesas foi de 57,14%. Dentre os métodos de investigação de resistência à insulina, o índice de sensibilidade à insulina foi a técnica que mais detectou (56,4%) a presença de resistência à insulina nas mulheres com síndrome dos ovários policísticos. Em 87% das pacientes obesas, detectou-se a resistência à insulina. A relação glicemia/insulinemia de jejum e o índice de sensibilidade à insulina apresentaram correlação forte com o lipid accumulation product. CONCLUSÃO: A prevalência de resistência à insulina variou de acordo com o método utilizado e foi maior quanto maior o índice de massa corpórea. O lipid accumulation product também está relacionado à resistência à insulina. Abstract PURPOSE: To analyze the prevalence of insulin resistance, according to different biochemical and anthropometric measurements in women with polycystic ovary syndrome. METHODS: A total of 189 patients with polycystic ovary syndrome were retrospectively analyzed. Insulin resistance diagnosis was performed using fasting insulin, HOMA-IR, QUICKI, insulin sensibility index and glucose/fasting insulin ratio. Body mass index and lipid accumulation product were used. Data were analyzed statistically by descriptive statistics, ANOVA, Tukey post-test, and Pearson’s correlation. RESULTS: The polycystic ovary syndrome patients had a mean age of 24.9±5.2 and a mean body mass index of 31.8±7.6. The percentage of obese patients was 57.14%. Among the methods of insulin resistance investigation, the insulin sensibility index was the technique that most detected (56.4%) the presence of insulin resistance in women with polycystic ovary syndrome. The insulin resistance was detected in 87% of obese patients. The fasting glucose/fasting insulin ratio and insulin sensibility index were strongly correlated with lipid accumulation product. CONCLUSION: The prevalence of insulin resistance varied according to the method used, and it was greater the higher the body mass index. Lipid accumulation product was also related to insulin resistance. Correspondência: Maria Thereza Albuquerque Barbosa Cabral Micussi. Avenida General Gustavo Cordeiro de Farias, s/n – Petropólis CEP: 59010-180 Natal (RN), Brasil Recebido 12/12/2011 Aceito com modificações 16/01/2012 Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP), Brasil. 1 Programa de Pós-graduação da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP), Brasil. 2 Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Paraná – UFPR – Curitiba (PR), Brasil. 3 Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Natal (RN), Brasil. 4 Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Natal (RN), Brasil. 5 Departamento de Clínica Médica da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP), Brasil. 6 Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP), Brasil. Conflito de interesses: não há. Resistência à insulina em mulheres com síndrome dos ovários policísticos: relação com as variáveis antropométricas e bioquímicas Introdução A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é considerada a endocrinopatia mais comum durante a vida reprodutiva da mulher, com prevalência que varia entre 5 a 10% das mulheres em idade fértil1. É caracterizada por anovulação crônica e hiperandrogenismo, apresentando fisiopatogenia complexa de caráter multifatorial2,3. Vários estudos confirmam a hipótese de que a resistência à insulina (RI) e a hiperinsulinemia desenvolvem papel patogênico na SOP e parece ser um importante marcador de doença metabólica, com risco cardiovascular2,3. Os mecanismos envolvidos na RI são complexos, com contribuições genética e ambiental. As anormalidades no metabolismo da insulina identificadas na SOP são específicas e incluem redução na secreção, excreção hepática e na sinalização dos receptores de insulina4. A RI pode ser definida como um estado metabólico, no qual o mecanismo de homeostase da glicose normal falha em funcionar de forma adequada4. Em 1980, Burghen, Givens e Kitabchi5 descreveram pela primeira vez a relação entre RI e SOP, e estudos posteriores demonstraram que a RI é uma característica da SOP com frequência estimada de 50 a 90%4,6-8. Também demonstraram que a presença de RI ocorre independente do índice de massa corpórea (IMC)9-12. A frequência da RI varia de acordo com a população analisada, na SOP, apresenta valores superiores aos da população em geral6,7,9. A prevalência da RI variou de 64% em americanas7 a 79,2%, em italianas6. No Brasil, a prevalência da RI observada em mulheres com SOP variou de 33,0 a 70,5%, de acordo com o método de avaliação à insulina utilizada8,13. Embora o método considerado padrão-ouro para a avaliação da sensibilidade à insulina seja o clamp euglicêmico hiperinsulinêmico, este é muito invasivo, complexo, demorado e dispendioso, não sendo viável para aplicação na prática clínica14. Métodos indiretos de investigação de RI têm sido utilizados para rotina, devido à facilidade de realização e menor custo15. São eles: índice de sensibilidade à insulina (ISI), descrito por Matsuda e DeFronzo16 (que utiliza o teste de tolerância à glicose oral); insulinemia de jejum; relação glicemia/insulinemia de jejum; HOMA-IR (homeostasis model assessment for insulin resistance) e QUICKI (quantitative insulin sensitivity check index), que são baseados na glicemia e/ou insulinemia de jejum. Portanto, o objetivo do presente estudo foi analisar a prevalência da RI de acordo com as diferentes medidas antropométricas e bioquímicas em mulheres com SOP. Métodos Foram incluídas, retrospectivamente, 189 pacientes com o diagnóstico de SOP, acompanhadas no Ambulatório de Ginecologia Endócrina do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, no período de 1997 a 2007. Foram incluídas mulheres com idades compreendidas entre 16 a 40 anos e diagnosticadas com SOP, de acordo com os critérios estabelecidos pelo Consenso de Rotterdam17. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, em 01 de março de 2004. Foram excluídas: pacientes com intolerância à glicose (IG); diabéticas; que apresentassem outras doenças, que cursavam com anovulação crônica e/ou hiperandrogenismo (hiperprolactinemia, distúrbios da tireoide, hiperplasia adrenal congênita de início tardio, Síndrome de Cushing e tumores produtores de androgênios de origem adrenal ou ovariana); e as que estivessem em uso de qualquer medicação que interferisse no eixo hipotálamo-hipófiseovário há menos de 90 dias. Foram analisados: o padrão menstrual, no qual a amenorreia foi definida por ausência de menstruação por, no mínimo, 3 meses, e a oligomenorreia por menstruações com intervalos maiores que 35 e inferiores a 90 dias; o Índice de Ferriman-Gallwey modificado18 (considerada hirsuta quando o somatório das áreas fosse maior ou igual a 8); acantosis nigricans foi pesquisada em regiões de dobras como a nuca, axila, região inframamária e raiz de coxas19 e acne classificada em três graus20. A circunferência da cintura foi obtida considerando como medida da cintura a menor circunferência entre o rebordo costal e a crista ilíaca, com limite de corte de 88 cm21. O IMC foi calculado por meio do índice de Quetelet22, cujo valor é obtido pela razão peso e estatura2, considerando-se peso normal se os valores estivessem entre 18,5 e 24,9, sobrepeso entre 25,01 e 29,9 e obesidade acima de 30 kg/m2. A pressão arterial foi aferida utilizando a técnica recomendada por Perloff et al.23. Foram diagnosticadas como hipertensas as pacientes que apresentaram pressão arterial sistólica maior ou igual a 130 mmHg e/ou pressão arterial diastólica igual ou superior a 85 mmHg, ou as que estivessem em uso de anti-hipertensivos24. Os valores de testosterona total plasmática foram obtidos pelo método de quimioluminescência no equipamento Immulite 2000 (Diagnostic Products Corporation – Los Angeles CA, EUA) e com valor de normalidade de até 80 ng/dL. O teste de tolerância à glicose oral (TTGO) foi realizado administrando-se 75 g de glicose anidra, sem restrição calórica, por via oral, dissolvida em 300 mL de água, entre 8 e 9 horas da manhã, após jejum noturno de 12 horas. O líquido foi ingerido em um tempo máximo de cinco minutos. Amostras de sangue para dosagem de glicemia e insulina foram obtidas, imediatamente, antes Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):74-9 75 Pontes AG, , Rehme MFB, Martins AMVC, , Micussi MTABC, Maranhão TMO, Walkyria de Paula Pimenta WP, Pontes A e após 30, 60, 90 e 120 minutos de ingestão de glicose por via oral. A concentração plasmática de glicose foi determinada pelo teste enzimático calorimétrico da glicose – oxidase no equipamento Vitrus, modelo 950, e o resultado expresso em mg/dL. A insulina foi dosada pelo método de quimioluminescência no aparelho Immulite 2000, em valores expressos em µUI/mL. Foram realizadas dosagens do colesterol total, HDLcolesterol, LDL-colesterol e triglicerídeos, utilizando-se o método de química seca, no equipamento Vitrus, modelo 950, da marca Johnson e Johnson. Considerou-se como valores normais, colesterol total igual ou abaixo a 200 mg/dL, HDL-colesterol maior ou igual a 50 mg/dL, LDL-colesterol abaixo de 100 mg/dL e triglicerídeos abaixo de 150 mg/dL24. Tabela 1. Características clínicas e bioquímicas das pacientes com síndrome dos ovários policísticos Parâmetro Média (±DP) Referência Idade (anos) 24,9±5,2 - Peso (kg) 81,5±21,3 - IMC 31,8±7,6 18,5–24,9 kg/m2 Pressão arterial sistólica 116,3±14,4 <130 mmHg Pressão arterial diastólica 75,1±10,4 <85 mmHg Circunferência da cintura 92,2±16,0 <88 cm Índice de Ferriman-Gallwey 11,0±6,0 <8 Testosterona total 98,4±46,2 <80 ng/dL Colesterol total 182,6±34,8 ≤200 mg/dL LDL-C 111,9±29,7 <100 mg/dL HDL-C 46,7±12,9 ≥50 mg/dL Triglicerídeos 126,7±80,9 <150 mg/dL Glicemia de jejum 87,8±6,8 <100 mg/dL Glicemia aos 120 minutos 99,2±21,3 <140 mg/dL DP: desvio padrão; IMC: índice de massa corpórea; LDL: low-density cholesterol; HDL: high-density cholesterol. Tabela 2. Frequência de resistência à insulina entre as 189 mulheres com síndrome dos ovários policísticos de acordo com os diferentes métodos Métodos SOP n % Insulinemia de jejum (>12 μIU/mL) 93 49,5 G/I (<6,4) 79 42,0 HOMA-IR (>2,71) 87 46,3 QUICKI (<0,333) 87 46,3 106 56,4 ISI (<4,75) G/I: razão entre glicemia de jejum/insulinemia de jejum; HOMA-IR: homeostasis model assessment-insulin resistance; ISI: índice de sensibilidade à insulina; QUICKI: quantitative-insulin-sensitivity check index. 76 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):74-9 Para diagnóstico da RI, foram utilizadas a insulinemia de jejum, relação glicemia de jejum/insulinemia de jejum, índice de HOMA-IR, QUICKI e ISI. Considerou-se RI quando a insulinemia basal era superior a 12 µIU/mL6, e a relação glicemia de jejum/insulinemia de jejum apresentou valores inferiores a 6,4 µIU/mL6. O índice de HOMA-IR foi calculado pelo modelo matemático descrito por Matthews et al.25, aplicando-se a seguinte equação: HOMA-IR=glicemia de jejum (mg/dL) versus insulina (µIU/mL)/405. A RI foi considerada quando os valores de HOMA-IR foram maiores que 2,71, de acordo com a distribuição de valores para a população brasileira normal26. O índice de QUICKI foi determinado pela fórmula: QUICKI=1/ (log insulina(µIU/mL)+log glicemia (mg/dL). Considerou-se RI aqueles valores inferiores a 0,336. O ISI foi obtido pela equação expressa da divisão de 10.000 pela raiz quadrada do produto da glicemia e insulina de jejum, multiplicado pelo produto das médias da glicemia e insulina nos tempos 0, 30, 60, 90, e 120 minutos. A RI foi considerada quando os valores do ISI foram menores que 4,7516. Utilizando uma medida antropométrica (circunferência da cintura) e outra bioquímica (concentração de triglicerídeos), avaliou-se o lipid accumulation product (LAP). Sua determinação em mulheres é dada pela seguinte equação: (circunferência da cintura [cm] - 58) x (triglicerídeos [mmol/L])3, com o objetivo de rastrear os riscos de RI, doença cardiovasculares e diabetes melito do tipo 227. Para a análise dos resultados, foram utilizadas as médias, o desvio padrão e as frequências. Para as variáveis quantitativas, foi utilizada a análise de variância, seguida do método de Tukey. A correlação de Pearson foi utilizada para relacionar a RI com IMC e o LAP. O nível de significância, adotado nos procedimentos estatísticos, foi de 95% de confiança. A análise estatística foi feita utilizando o programa Statistical Analysis System (SAS), for Windows, versão 9.1.3. (SAS, Inc. North-Caroline-Cary). Resultados As características clínicas e bioquímicas das pacientes estudadas podem ser visualizadas na Tabela 1. Em relação ao padrão menstrual, 77,8% apresentaram amenorreia, 20,1% oligomenorreia e 2,1% ciclo menstrual normal. O hirsutismo esteve presente em 72% das pacientes, a acantosis nigricans em 44,7% e a acne em 38,8%. A hiperandrogenemia ocorreu em 65% das pacientes. A frequência de RI variou de 42 a 56,4%, de acordo com os diferentes métodos utilizados. O ISI foi o método que mais detectou a RI entre as pacientes (56,4%), seguido da insulinemia de jejum (49,6%), QUICKI e HOMA-IR (46,3%) e a relação glicemia e insulinemia de jejum (42%), como pode ser visto na Tabela 2. Resistência à insulina em mulheres com síndrome dos ovários policísticos: relação com as variáveis antropométricas e bioquímicas Tabela 3. Frequência de resistência à insulina de acordo com o índice de massa corpórea em mulheres com síndrome dos ovários policísticos Peso normal 37 Métodos indiretos de RI Sobrepeso 44 Obesidade 108 Valor p n % n % n % Insulinemia jejum >12 mµI/mL 7 19b 20 45b 87 80a 0,0001 G/I <6,4 5 c 14 18 41 75 69 <0,0001 HOMA-IR >2,71 5 b 14 QUICKI <0,333 ISI <4,75 b a 16 36 85 78 <0,0001 5 c 14 16 b 36 85 a 78 <0,0001 10 27c 25 57b 95 87a <0,0001 b a RI: resistência à insulina; ANOVA e pós-teste de Tukey: p<0,05 estatisticamente significante; médias com mesma letra não diferem estatisticamente; G/I: razão entre glicemia de jejum/insulina de jejum; HOMA-IR: homeostasis model assessment-insulin resistance; ISI: índice de sensibilidade à insulina; QUICKI: quantitative-insulinsensitivity check index. a,b,c Tabela 4. Correlação entre as medidas antropométricas e bioquímica com os métodos de diagnóstico para resistência à insulina Métodos indiretos de RI LAP CC IMC r valor p r valor p r valor p Insulinemia jejum >12 mµI/mL 0,1 0,05 0,4 <0,001* 0,4 <0,001* G/I <6,4 -0,3 <0,001* -0,3 <0,002* -0,4 <0,001* HOMA-IR >2,71 0,1 0,1 -0,06 0,05 0,3 <0,002* 0,1 -0,06 0,05 0,3 <0,002* 0,05 0, 5 -0,3 <0,0001* QUICKI <0,333 0,1 ISI <4,75 -0,2 <0,001* RI: resistência à insulina; correlação de Pearson (r): p<0,05 estatisticamente significante; G/I: razão entre glicemia de jejum/insulina de jejum; HOMA-IR: homeostasis model assessment-insulin resistance; ISI: índice de sensibilidade à insulina; QUICKI: quantitative-insulin-sensitivity check index. A prevalência de RI nas mulheres com SOP, de acordo com o IMC, pode ser visualizada na Tabela 3. A prevalência de RI nas pacientes obesas foi significativamente maior quando comparada com as com sobrepeso e peso normal. Dentre os métodos de detecção de RI, somente a relação glicemia/insulinemia de jejum e o ISI apresentaram correlação forte com o LAP. A relação glicemia/insulinemia de jejum também apresentou correlação forte com a circunferência da cintura. O IMC apresentou correlação significativa com os métodos de avaliação indireta da RI (Tabela 4). Discussão Os resultados do presente estudo confirmam que a SOP é um distúrbio heterogêneo, com ampla variabilidade clínica e bioquímica e que acomete mulheres em idade reprodutiva6,28. As pacientes apresentaram média etária de 24,9±5,2 anos com IMC de 31,8±7,6 kg/m2, ou seja, muito jovens, como nos estudos prévios que avaliaram a RI na SOP6-8,11,13,29,30. A obesidade isoladamente é caracterizada como um fator de risco para o desenvolvimento da RI. Dunaif31, estudando a sensibilidade e a RI em portadoras da SOP, tanto entre as com peso normal quanto nas obesas, decorre de um defeito intrínseco do receptor insulínico, caracterizado pelo aumento da fosforilação da serina31. O agravamento da RI pela obesidade é explicável pelo fato de o tecido adiposo ser um órgão endócrino capaz de secretar diversas substâncias que interferem no metabolismo dos carboidratos e lipídios. A coexistência da SOP com a obesidade exerce um efeito sinérgico e deletério sobre o metabolismo da glicose29-31. Neste estudo foi verificada uma prevalência de RI que variou entre 42 a 56,4%, utilizando-se cinco critérios para estimar a sensibilidade à insulina e baseados nos pontos de corte utilizados por Carmina e Lobo6 para a insulinemia de jejum, relação glicemia de jejum/insulinemia de jejum, QUICKI e ISI e, por Geloneze et al.26, para o HOMA-IR. Os resultados mostram que os cinco critérios utilizados, com maior ou menor acurácia, possibilitam confirmar que a RI é comum em pacientes com SOP. Todavia, ao se correlacionar a RI de acordo com o IMC, observou-se que a frequência de RI aumenta progressivamente com o IMC. O ISI foi o que mais detectou RI (27% entre as com peso normal, 57% entre as com sobrepeso e 87% entre as obesas com SOP). Esse índice é o que melhor representa o padrão de sensibilidade hepática e periférica à insulina, dentre os métodos utilizados, e mostra boa correlação com a técnica do clamp euglicêmico por realizar várias Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):74-9 77 Pontes AG, , Rehme MFB, Martins AMVC, , Micussi MTABC, Maranhão TMO, Walkyria de Paula Pimenta WP, Pontes A medidas e não apenas uma de jejum, as quais podem levar a resultados falso-negativos16. Mulheres obesas com SOP foram as que apresentaram maior RI, independente do método utilizado, com uma variação de 69% pela relação glicemia e insulinemia de jejum a 87% pelo ISI. É importante salientar que a RI detectada pelo HOMA-IR e QUICKI apresentou o mesmo percentual. Neste estudo, mostrou-se que ambos os métodos podem ser utilizados indistintamente para avaliação da RI, independente do IMC. Como neste estudo, Hayashida et al., em 200413, observaram, em 62 pacientes com SOP com média de idade de 25 anos, um aumento significativo na RI com o aumento do IMC e do percentual semelhante de RI detectado pelo HOMA-IR e QUICKI. Em outro estudo8, com 105 mulheres brasileiras com SOP com média etária de 23,8±5,8 anos e média de IMC de 27,8±7,4 kg/m2, observou-se variação na prevalência de RI de 44,8 a 51,4% quando utilizaram, respectivamente, a insulinemia, QUICKI e HOMA-IR. A variação foi de 64,8 a 70,5% quando se utilizou o ISI e a área sob a curva de insulina. Além disso, observou-se boa concordância entre o ISI e os índices de HOMA-IR e QUICKI, reafirmando dados da literatura que consideram estes métodos de avaliação de RI aplicáveis na prática clínica e em estudos populacionais, por serem mais simples e menos dispendiosos14,15,32,33. Algumas críticas são mencionadas ao HOMA-IR e QUICKI para se avaliar a RI. Tais métodos medem os parâmetros basais de jejum e refletem a sensibilidade à insulina no tecido hepático e, somente indiretamente, nos tecidos periféricos26, embora tenha sido verificada correlação significativa com o clamp euglicêmico hiperinsulinêmico25,34. Os pontos de corte para o HOMA-IR variam entre os diferentes estudos30,35. Os resultados do presente trabalho utilizaram o valor de corte de 2,71 baseado na população brasileira34, com média de idade de 40±12 anos e IMC 34±10 kg/m2. Deve-se levar em conta também a falta de padronização entre os laboratórios para a dosagem de insulina. No presente estudo, a insulinemia de jejum mostrou uma prevalência semelhante ao QUICKI e HOMA-IR, utilizando-se o ponto de corte de 12 mUI/mL e não o de 20 mUI/mL padronizado para a população americana36. Mesmo a insulinemia de jejum também sendo alvo de várias críticas quanto à interpretação, devido ao fato de ser um método indireto de avaliação da sensibilidade tecidual e apresentar baixas correlações com a ação da insulina in vivo26. Como o IMC, o LAP também apresenta relação com a RI. É de se esperar que as mulheres com SOP apresentem maior quantidade de gordura abdominal e perfil lipídico desfavorável em relação às hígidas37. Apresentaram, portanto, valores superiores para o LAP. Essa medida representa um importante indicador não só de RI37, mas também de risco cardiovascular, diabetes tipo 2 e mortalidade27. Esses resultados têm particular importância quando se considera que a RI pode ser influenciada por fatores étnicos e raciais e por fatores hormonais e metabólicos, dentre eles a obesidade26,38, sendo este um importante fator para o desencadeamento da RI. Os resultados do presente estudo, em consonância com a literatura, confirmam que a prevalência de RI varia de acordo com o método utilizado, e embora estes sejam de fácil execução, não existe um método indireto ideal para avaliação da RI. Apesar das limitações, o diagnóstico de RI pode ser o primeiro marcador identificável de risco para doença cardiovascular em pacientes com SOP. Desta forma, mulheres com SOP obesas e com RI devem ser orientadas quanto à perda de peso com reeducação alimentar e exercício físico regular, enquanto que aquelas com peso normal seguem de forma precoce essas orientações quanto aos hábitos de vida saudáveis. Referências 1. Whitaker KN. Polycystic ovary syndrome: an overview. 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Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):74-9 79 Winny Hirome Takahashi1 Reginaldo Guedes Coelho Lopes2 Daniella De Batista Depes3 Hosana Karinne de Marathaoan Souza Martins e Castello Branco4 Ablação histeroscópica do endométrio: resultados após seguimento clínico de 5 anos Results of hysteroscopic endometrial ablation after five-year follow-up Artigo Original Resumo Palavras-chave Hemorragia uterina/terapia Hemorragia uterina/complicações Histeroscopia/métodos Resultado de tratamento Keywords Uterine hemorrhage/therapy Uterine hemorrhage/complications Hysteroscopy/methods Treatment outcome OBJETIVO: Avaliar os resultados clínicos, após seguimento mínimo de 5 anos, de pacientes com sangramento uterino anormal de etiologia benigna que realizaram ablação endometrial, analisando a taxa de sucesso do tratamento em relação ao método, compreendida como satisfação da paciente e melhora do sangramento uterino anormal, bem como complicações tardias, fatores associados e recorrência dos sintomas. MÉTODOS: Estudo transversal conduzido após período mínimo de 5 anos de cirurgia em pacientes submetidas ao procedimento entre 1999 e 2004. Foram analisados os seguintes dados: faixa etária quando da realização da cirurgia, complicações imediatas e tardias, e fatores associados. Foi utilizado o modelo de regressão logística com cálculo da respectiva Odds Ratio (OR) para se observarem as possíveis associações existentes entre a taxa de sucesso da cirurgia e as variáveis analisadas. RESULTADOS: Cento e quatorze pacientes foram submetidas à ablação endometrial no período de Março de 1999 a Abril de 2004. O tempo mediano de seguimento foi de 82 meses. O modelo de regressão logística permitiu a predição correta do sucesso da ablação endometrial em 80,6%. A idade relacionou-se diretamente com o sucesso do procedimento (OR=1,2; p=0,003) e a ligadura tubária pregressa mostrou relação inversa com o sucesso da ablação endometrial (OR=0,3; p=0,049). Dentre as pacientes com falha terapêutica, 21 (72,4%) foram tratadas com histerectomia. Em uma das pacientes submetidas à histerectomia foi confirmada a presença de hidro-hematossalpinge ao exame anatomopatológico, caracterizando a síndrome da ligadura tubária pós-ablação. CONCLUSÃO: A ablação endometrial tem se mostrado uma opção de tratamento vantajosa, mantendo altos índices de satisfação das pacientes, mesmo em seguimentos a longo prazo A idade quando da ablação endometrial influenciou no sucesso terapêutico e mais estudos são necessários para avaliar os fatores que poderão futuramente influenciar na indicação do procedimento em casos selecionados. Abstract PURPOSE: To evaluate the clinical outcomes after a minimum period of 5 years of follow-up of patients with abnormal uterine bleeding of benign etiology who underwent endometrial ablation, analyzing the success rate of treatment defined as patient satisfaction and improvement in uterine abnormal bleeding, as well as late complications and factors associated with recurrence of symptoms. METHODS: A cross-sectional survey was conducted after a minimum period of 5 years after surgery in patients who underwent the procedure between 1999 and 2004. We analyzed the following data: age at the time of surgery, immediate and late complications and associated factors. Logistic regression with Odds Ratio (OR) calculation was performed to evaluate possible associations between the success rate of surgery and the analyzed variables. RESULTS: A total of 114 patients underwent endometrial ablation between March 1999 and April 2004. The median follow-up was 82 months. The logistic regression model allowed the correct prediction of the success of endometrial ablation in 80.6% of cases. Age was directly related to the success of the procedure (OR=1.2; p=0.003) and previous tubal ligation showed a negative association with the success of endometrial ablation (OR=0.3; p=0.049). Among the patients with treatment failure, 21 (72.4%) underwent hysterectomy. In one of the hysterectomy cases, hydro/hematosalpinx was confirmed by the anatomopathological exam, characterizing the postablation-tubal sterilization syndrome. CONCLUSION: Endometrial ablation has proven to be a worthwhile treatment option, maintaining high rates of patient satisfaction, even over long-term follow-up. The age at endometrial ablation influenced the therapeutic success. Further studies are needed to evaluate the factors that may influence the future indication for the procedure in selected cases. Correspondência Winny Hirome Takahashi Rua Pedro de Toledo 1.800 – 4° andar – Vila Clementino CEP: 04029-000 São Paulo (SP), Brasil Recebido 21/06/2011 Aceito com modificações 15/12/2011 Trabalho realizado no Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital do Servidor Público Estadual “Francisco Morato de Oliveira” – HSPE-FMO – São Paulo (SP), Brasil. 1 Programa de Pós-graduação (Mestrado), Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual – IAMSPE – São Paulo (SP), Brasil. 2 Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital do Servidor Público Estadual “Francisco Morato de Oliveira” – HSPE-FMO – São Paulo (SP), Brasil. 3 Setor de Endoscopia Ginecológica, Hospital do Servidor Público Estadual “Francisco Morato de Oliveira” – HSPE-FMO – São Paulo (SP), Brasil. 4 Hospital do Servidor Público Estadual “Francisco Morato de Oliveira” – HSPE-FMO – São Paulo (SP), Brasil. Ablação histeroscópica do endométrio: resultados após seguimento clínico de 5 anos Introdução O sangramento uterino anormal é uma queixa comum nas mulheres em idade reprodutiva e sua abordagem é, muitas vezes, um desafio para o ginecologista. O tratamento clínico é a primeira opção, com resultados variáveis e eventualmente transitórios1-3. A histerectomia é a única terapêutica definitiva e uma das cirurgias mais realizadas em todo o mundo. A ablação endometrial surgiu como método alternativo para as pacientes com sangramento uterino anormal de natureza benigna, no qual a histerectomia era anteriormente a única opção. A principal indicação da ablação endometrial é o sangramento uterino anormal de origem benigna em mulheres com prole constituída, que não respondem ao tratamento clínico ou apresentam contraindicações ao mesmo1. A curto e médio prazo, são evidentes seus benefícios em relação aos riscos e complicações da histerectomia, com menor tempo cirúrgico, menos morbidades cirúrgicas, menor tempo de hospitalização, retorno mais rápido às atividades diárias e alto índice de satisfação das pacientes4-6. As técnicas de ablação endometrial são classificadas como histeroscópicas (de primeira geração) ou não histeroscópicas (de segunda geração). As histeroscópicas são realizadas sob visão direta e seus resultados dependem, em parte, da habilidade do cirurgião. Incluem ressecção endometrial com alça, eletrocoagulação com rollerball, combinação de ressecção com eletrocoagulação e destruição com o Nd:YAG laser. As técnicas de segunda geração são menos complexas, requerem uma menor curva de aprendizado, com resultados semelhantes aos métodos histeroscópicos, porém a um custo mais elevado1-3,7. As complicações intra e pós-operatórias precoces da ablação endometrial incluem perfuração uterina, sangramento, infecção pélvica, lesões de vísceras abdominais, embolia gasosa e síndromes de sobrecarga hídrica, sendo a maioria possível de ser evitada com boa técnica e treinamento adequado do cirurgião3,8. A recorrência do sangramento uterino anormal ocorre em 10 a 20% após 1 ano de seguimento, e a incidência de histerectomia chega a 35% em estudos com maior tempo de seguimento1,9. Além disso, complicações a longo prazo têm recentemente sido relatadas. Após a ablação endometrial, o miométrio é exposto e, com a saída do meio distensor, as paredes uterinas se colabam, havendo uma tendência natural a se unirem num processo de cicatrização. Isso causa uma contratura que reduz a cavidade uterina a uma estrutura tubular com frequente obstrução da área cornual. O tecido endometrial remanescente ou regenerado, principalmente nas áreas cornuais e porção tubária intramural, pode sangrar e causar hematometra central, hematometra cornual, menstruação retrógrada ou retardar o diagnóstico de câncer endometrial. Em pacientes submetidas a ligadura tubária prévia, o sangramento retrógrado para a porção proximal da tuba pode resultar em distensão dolorosa, sendo conhecida como síndrome da ligadura tubária pós-ablação10-13. Há relatos de incidência de 10% de hematometra cornual sintomático e síndrome de ligadura tubária pósablação11. Não há dados na literatura brasileira sobre esses aspectos. Há poucos estudos publicados até o momento que apresentam seguimento pós-ablação endometrial maior que 5 anos, com o sucesso sendo avaliado pela taxa de amenorreia e/ou satisfação da paciente com o procedimento. É importante que se conheçam quais os fatores que influenciam o sucesso do tratamento e a recorrência do sangramento uterino anormal, para que se planejem uma melhor terapia e a seleção de pacientes. Assim, este estudo teve como objetivo avaliar os resultados clínicos, após seguimento mínimo de 5 anos, de pacientes com sangramento uterino anormal de etiologia benigna que realizaram ablação endometrial, analisando a taxa de sucesso do tratamento em relação ao método e os fatores que influenciaram nesses resultados, bem como a recorrência dos sintomas e as complicações tardias. Métodos Foi realizado estudo transversal e retrospectivo envolvendo pacientes do Setor de Endoscopia Ginecológica do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo “Francisco Morato de Oliveira” (HSPE-FMO). Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa dessa instituição, foi realizada a análise das características clínico-cirúrgicas registradas em prontuário. Os critérios de inclusão foram: pacientes com sangramento uterino anormal, sem sucesso com o tratamento clínico, na pré-menopausa, com histeroscopia diagnóstica prévia, histerometria ≤12 cm, biópsia endometrial sem atipias citológicas, submissão pregressa à ablação endometrial pela técnica de ressecção endometrial com alça combinada à eletrocoagulação com rollerball e seguimento ambulatorial mínimo de 5 anos. O valor da histerometria foi considerado normal até 10 cm e pouco aumentado até 12 cm. Todo tecido ressecado foi encaminhado para análise histológica, incluindo pólipos endometriais ou miomas submucosos eventualmente presentes à ablação endometrial. A intervenção era considerada bem sucedida quando a paciente permanecia em amenorreia, hipomenorreia ou eumenorreia e referia estar satisfeita com o procedimento. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):80-5 81 Takahashi WH, Lopes RGC, Depes DB, Souza HKM, Branco MC O grau de satisfação foi avaliado durante a última consulta de seguimento ambulatorial de rotina, quando era questionada e anotada em prontuário a satisfação da paciente com o método (satisfeita ou insatisfeita). A necessidade de histerectomia ou nova ablação endometrial foi considerada como falha terapêutica. As análises foram realizadas utilizando-se o pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 16.0. A partir dos dados, foi construída uma tabela contendo características clínico-demográficas das pacientes, sendo os dados apresentados em forma de média ± desvio padrão (DP) ou mediana (mín-máx), conforme a distribuição dos valores (normal ou não), bem como em porcentagens. A determinação da taxa de sucesso das pacientes após a cirurgia foi avaliada utilizando-se do teste de proporção simples com valores expressos em porcentagem. Foi utilizado o modelo de regressão logística, sendo a variável dependente (dicotômica) o sucesso da ablação, com cálculo da respectiva razão de chances (Odds Ratio – OR) para se observarem as possíveis associações existentes entre o sucesso da cirurgia (variável dependente), e as variáveis idade, paridade, tipo de parto, uso de análogo de GnRH no pré-operatório, histerometria normal, cavidade anormal (pólipo ou mioma) e presença de ligadura tubária prévia (variáveis independentes). A análise de correlação entre as variáveis analisadas com o intuito de reconhecer possíveis influências sobre o modelo foi feito por meio do cálculo do r de Pearson (bicaudal). O nível de significância foi estabelecido como 5%. Resultados No período de Março de 1999 a Abril de 2004 foram realizadas 172 ablações endometriais em nosso serviço. Destas, 16 não preencheram os critérios de inclusão (9 foram submetidas à técnica de ablação com balão endotérmico, 6 eram pacientes na pós-menopausa e 1 paciente não apresentava com sangramento uterino anormal) e 42 pacientes perderam seguimento, restando 114 pacientes para o estudo. As pacientes foram acompanhadas por um período mediano de 82 meses (6-126 meses), ou até a realização de histerectomia ou nova ablação endometrial. A descrição das características clínico-demográficas das pacientes está representada na Tabela 1. Após o tratamento cirúrgico inicial, 68 pacientes (59,6%) apresentaram amenorreia e 24 (21,1%) hipomenorreia ou eumenorreia. Do total, 22 pacientes (19,3%) não apresentaram melhora do sangramento uterino anormal. Destas, 17 foram submetidas à 82 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):80-5 histerectomia e uma foi submetida à nova ablação do endométrio. Não foram relatadas complicações intraoperatórias. No pós-operatório precoce, houve um caso de piometra, com necessidade de antibioticoterapia intravenosa. A paciente evoluiu bem, permanecendo em amenorreia e satisfeita com o tratamento. A médio prazo, ocorreram três casos de hematometra, sem resolução após dilatação cervical, sendo realizado histerectomia em duas pacientes. Dentre as pacientes com falha terapêutica, 21 (72,4%) foram tratadas com histerectomia, 6 (20,7%) declararam-se insatisfeitas devido à persistência de sangramento uterino anormal e 2 (6,9%) insatisfeitas devido a outros motivos, como dor pélvica cíclica e distensão abdominal, apesar de se apresentarem em amenorreia. Entre as indicações de histerectomia, 17 (81%) foram resultantes da persistência do sangramento uterino anormal, 2 (9,5%) devido à hematometra de repetição e 2 (9,5%) decorrentes da presença de dor pélvica cíclica pós-ablação, sendo que em 1 delas foi confirmada a presença de hidro-hematossalpinge ao exame anatomopatológico. Apenas uma paciente foi submetida à nova ablação endometrial, permanecendo eumenorreica até a conclusão deste estudo. Das histerectomias, 61,9% foram realizadas nos primeiros 2 anos após a ablação endometrial. A idade na época da ablação variou de 29 a 59 anos, com mediana de 45 (29–59) anos entre as pacientes com sucesso terapêutico e (34–50) anos para as que apresentaram insucesso, com diferença significativa entre os dois grupos (p=0,004). A Tabela 2 mostra as variáveis analisadas e suas predições em relação à taxa de sucesso das pacientes Tabela 1. Características clínico-demográficas de pacientes submetidas à ablação endometrial Parâmetros Média±DP ou Mediana (mín-máx) ou n (%) Idade (anos) 44,5±5,5 Número de gestações 2 (0–16) Número de partos 2 (0–12) Parto vaginal 1 (0–11) Parto cesária 1 (0–4) Tempo de seguimento (meses) 81 (6–126) Ligadura tubária prévia 59 (51,8) Histerectomia 21 (18,4) Complicações 4 (3,5) Retratamento 22 (19,3) DP: desvio padrão; mín: mínimo; máx: maximo. Ablação histeroscópica do endométrio: resultados após seguimento clínico de 5 anos Tabela 2. Análise das variáveis analisadas e suas predições em relação à taxa de sucesso das pacientes após ablação endometrial OR (IC95%) Valor p Idade 1,2 1,1–1,3 0,003 Número de gestações 0,7 0,4–1,4 0,4 Parto vaginal 1,8 0,7–5,1 0,2 Parto cesária 1,8 0,6–5,2 0,2 Ligadura tubária prévia 0,3 0,06–0,9 0,04 Análogo de GnRH 2,5 0,5–12,4 0,2 Histerometria normal 0,6 0,1–2,2 0,4 Cavidade normal 0,8 0,3–2,5 0,7 Complicações 0,2 0,01–2,9 0,2 Tabela 3. Resultados clínicos com o tratamento cirúrgico de ablação endometrial após seguimento ambulatorial mínimo de 5 anos Sem melhora Amenorreia Hipo/ eumenorreia Total n 0 63 22 85 % 0,0 74,1 25,9 100,0 5 2 29 Resultados clínicos Sim Sucesso n 22 % 75,9 17,2 n 22 68 24 114 % 19,3 59,6 21,1 100,0 Não Total 6,9 100,0 OR: Odds Ratio, IC95%: intervalo de confiança de 95%. após ablação endometrial. Dentre as variáveis analisadas, a idade relacionou-se diretamente com o sucesso do procedimento (OR=1,2; p=0,003) e a ligadura tubária pregressa mostrou relação inversa com o sucesso da ablação endometrial (OR=0,3; p=0,049). A análise da correlação entre as variáveis analisadas revelou correlação inversa entre uso de análogo de GnRH e idade (r=-0,2; p=0,006), ou seja, quanto maior a idade, menor o uso de análogo de GnRH; correlação inversa entre o uso de análogo de GnRH e complicações pós-operatórias (r=-0,2; p=0,03); relação inversa entre complicações pós-operatórias e sucesso do procedimento (r=-0,2; p=0,02); correlação direta entre ligadura tubária pregressa e complicações pósoperatórias (r=0,2; p=0,05) e correlação direta entre idade e sucesso terapêutico (r=0,2; p=0,007). Houve correlação entre ligadura tubária e paridade (r=0,5; p<0,001). Não foram encontradas correlações significativas entre o número de gestações, paridade, tipo de parto (vaginal ou cesariano), histerometria ou cavidade normal (ausência de mioma ou pólipo) e o sucesso terapêutico. De acordo com os resultados do exame anatomopatológico no pós-operatório, a presença de mioma, pólipo, adenomiose ou hiperplasia glandular simples não apresentou correlação significativa em relação ao sucesso após a cirurgia. Entre os achados do exame anatomopatológico resultantes do produto de histerectomia ou nova ablação endometrial, foram oito casos (38,1%) de miomatose uterina, sete (33,4%) de miomatose com adenomiose, dois (9,5%) de adenomiose e quatro (19%) sem outras particularidades. Dentre as pacientes incluídas, 108 tiveram todos os parâmetros selecionados (94,7%) e somente 6 (5,3%) não tinham os dados completos. Após um seguimento clínico mínimo de 5 anos, a presença de ablações endometriais bem-sucedidas em 82 pacientes inicialmente permitiria uma predição de 75,9% no modelo inicial, dado que o número de ablações bem e mal-sucedidas diferem significativamente (p<0,001) (Tabela 3). O modelo de regressão logística permitiu melhorar a predição correta do sucesso da ablação para 80,6%. Dentre as mal sucedidas, obteve-se predição de 38,5% e, entre as bem-sucedidas, em 93,9% dos casos. Discussão Em vários estudos publicados, a taxa de sucesso da ablação endometrial está em torno de 80 a 90%, com risco de 15 a 35% das pacientes realizarem nova ablação endometrial ou histerectomia nos primeiros 5 anos1,14-17. Já em série e com maior tempo de seguimento (mínimo de 5 anos) publicados até o momento, a taxa de sucesso da ablação endometrial tem variado de 67 a 92%18-24. Fürst et al.18, em 10 anos de seguimento, encontraram satisfação de 84,3 (em uma escala analógica visual em que 0 era “insatisfeita” e 100 era muito satisfeita”), com 94% das pacientes recomendando o tratamento a sua melhor amiga e taxa de histerectomia de 22% ao final do período, sendo que 38% das histerectomias foram realizadas nos primeiros 2 anos18. Comino e Torrejón20, em um período de 6 a 12 anos, realizaram 17,9% de histerectomias pós-ablação, com 81,2% das histerectomias sendo realizadas nos primeiros 2 anos. A taxa de sucesso foi de 81,8% após 5 anos de ablação endometrial, que manteve-se estável após 8 anos de acompanhamento (80%)19. Em um período de seguimento mediano de 82 meses, nosso estudo encontrou grau de satisfação semelhante, de 80,6%. Vinte e uma pacientes realizaram histerectomia e uma nova ablação endometrial, o que representa uma taxa de 19,3% de necessidade de nova abordagem cirúrgica, com 61,9% das histerectomias sendo realizadas nos primeiros 2 anos de seguimento. Em relação à idade, apesar de alguns estudos discordantes15,20,24, mulheres com mais de 45 anos apresentaram melhores resultados cirúrgicos que mulheres mais jovens16,18,23,25. Assim, Fürst et al.18, após 10 anos de acompanhamento, evidenciaram taxa de histerectomia de Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):80-5 83 Takahashi WH, Lopes RGC, Depes DB, Souza HKM, Branco MC 43% em pacientes com menos de 40 anos e de 18% nas com mais de 40 anos. Longinotti et al.23 também encontraram taxa de histerectomia de 12% em mulheres com mais de 50 anos, 19,8% entre 45 e 50 anos, 31% entre 40 e 45 anos e 40,6% em mulheres com menos de 40 anos23. Do mesmo modo, também encontramos correlação direta significativa entre idade e sucesso terapêutico. À medida que aumenta a idade da paciente, também aumenta em 20% a chance de haver sucesso na cirurgia. Em alguns estudos a médio prazo, a presença de ligadura tubária prévia mostrou-se fator de risco para histerectomia e dor pélvica pós-ablação16,26. Em estudos de maior seguimento, tal fato não se repetiu15,20. Encontramos relação inversa entre a ligadura tubária pregressa e o sucesso da ablação endometrial, ou a ligadura tubária pregressa diminui o sucesso terapêutico em quase 70%. Também encontramos correlação direta entre ligadura tubária pregressa e complicações pósoperatórias. Contudo, a síndrome da ligadura tubária pós-ablação (SLTPA) foi por nós comprovada em apenas uma paciente (1,7%), do mesmo modo que em outra série, também com relato de um caso (4,2%)15. Outros autores, no entanto, relatam taxas mais elevadas de SLTPA, com variação entre 6 e 8,4%, respectivamente, todas confirmadas com exame anatomopatológico11,26,27 confirmadas com exame anatomopatológico26,27. El-Nashar et al.25, entre 816 mulheres submetidas à ablação endometrial, encontraram 9 pacientes que se apresentaram com dor pélvica e coleção intracavitária à ultrassonografia: em 3 foram evidenciadas hematometra e no restante não houve comprovação ao exame anatomopatológico. Como não foi solicitado ao patologista cortes seriados da área cornual uterina e segmento tubário proximal para confirmar o diagnóstico da SLTPA ou hematometra cornual, isso pode ter influenciado nossos resultados. Entre as complicações no pós-operatório, tivemos três casos de hematometra (2,4%) diagnosticados clinicamente e confirmados por meio da ultrassonografia. Destes, dois foram submetidos à histerectomia. Números semelhantes foram obtidos em seguimento de 200 pacientes, com 5 casos de hematometra (2,5%), todos após 1 ano de ablação endometrial. Assim relatado por outros autores18,23,25, a persistência do sangramento uterino anormal foi a principal indicação de histerectomia pós-ablação endometrial em nosso estudo, com 81% dos casos, seguido por dor pélvica ou associação de dor pélvica e sangramento uterino anormal. A relação entre mioma uterino ou pólipo endometrial e o sucesso da ablação endometrial tem se mostrado na literatura de formas divergentes. Menor taxa de sucesso quando mioma ou pólipo estivessem presentes19,20 não evidenciou diferença em relação à presença de mioma ou pólipo e a taxa de histerectomia ou amenorreia16,23,25. Também não encontramos diferença significativa em relação ao sucesso do procedimento e a presença de mioma, pólipo, adenomiose ou hiperplasia glandular simples. Já de acordo com o exame anatomopatológico resultante do produto de histerectomia ou de nova ablação endometrial, tivemos predomínio de miomatose uterina seguido de adenomiose, assim como Carey et al.28. Viscomi et al.21 encontraram adenomiose em todas as mulheres que foram submetidas à histerectomia após falha da ablação endometrial. Apesar de serem complicações pouco frequentes, o hematometra e a SLTPA devem ser cogitados sempre que uma paciente se apresente com dor pélvica pós-ablação endometrial juntamente de amenorreia ou hipomenorreia. Também quando possível, deve-se solicitar ao patologista cortes seriados da área cornual uterina e segmento tubário proximal para confirmação diagnóstica. A ablação endometrial tem se mostrado uma opção de tratamento vantajosa, mantendo altos índices de satisfação das pacientes, mesmo em seguimentos a longo prazo. A idade quando da ablação endometrial influenciou no sucesso terapêutico e a presença de ligadura tubária prévia sugere maior atenção às complicações no pós-operatório. O fato deste trabalho ter sido um estudo transversal de caráter histórico pode ter limitado a análise estatística e mais estudos são necessários para avaliar os fatores que poderão futuramente influenciar na indicação do procedimento em casos selecionados. Contudo, a ablação endometrial é método terapêutico valioso, que, sempre que possível, deve ser indicado às pacientes no tratamento de sangramento uterino anormal. Referências 1. Garry R. Evidence and techniques in endometrial ablation: consensus. Gynaecol Endosc. 2002;11(1):5-17. 2. Lethaby A, Shepperd S, Cooke I, Farquhar C. Endometrial resection and ablation versus hysterectomy for heavy menstrual bleeding. Cochrane Database Syst Rev. 2004;(2):CD000329. 84 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):80-5 3. Crispi CP, Panisset KSP, Raymundo TS, Santos HCN, Rainho AFR, Azevedo MCL, et al. Ablação endometrial. In: Crispi CP, Oliveira FMM, Damian Junior JC, editores. 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MÉTODOS: utilizou-se abordagem quantitativa para avaliar a cobertura das ações de rastreamento nas mulheres com 40 anos de idade ou mais. Foi realizada busca ativa das mulheres por agentes comunitários de saúde das nove Equipes de Saúde da Família do município. Os percentuais das mulheres submetidas ao exame clínico das mamas e à mamografia; de exames na faixa etária recomendada pelo Programa; da classificação das lesões mamográficas, de acordo com o BI-RADS®; das mulheres que receberam encaminhamento para diagnóstico e tratamento e o número de casos de câncer de mama detectados foram colhidos por meio de um questionário estruturado, analisados pelo programa EPI-INFO™ e confrontados a padrões previamente fixados. RESULTADOS: foram incluídas 3.608 mulheres, correspondendo a 68,4% da população-alvo inscrita na Estratégia Saúde da Família. As taxas de cobertura do exame clínico das mamas para mulheres de 40 a 49 anos e da mamografia para mulheres de 50 a 69 anos foram de 58,9 e 56,7%, respectivamente. As mulheres com lesões mamográficas altamente suspeitas foram submetidas à punção por agulha fina ou por agulha grossa (100%). Seis casos novos de câncer foram detectados. Foram cumpridos 80% dos padrões analisados. CONCLUSÕES: a avaliação das ações do Programa aponta para sua adequação, considerando-se o grau de cumprimento das exigências previamente definidas. Avaliação em saúde Programas de rastreamento Cobertura de serviços de saúde Neoplasias da mama Fidelidade a diretrizes Keywords Health evaluation Mass screening Health services coverage Breast neoplasms Guideline adherence Abstract PURPOSE: to evaluate the actions of the “Um Beijo Pela Vida” Program developed in a Brazilian Northeast city to increase adherence to breast cancer screening by women registered by the Brazilian Family Health Strategy for breast cancer screening. METHODS: a quantitative approach was used to evaluate the coverage of screening actions for aged 40 years-old or more. Community workers from the nine Family Health Teams of the town carried out an active search. The percentage of eligible women who were screened for breast cancer by clinical breast examination or mammography, mammogram classification according to BI-RADS®, women screened who were referred for further testing and treatment, and the number of breast cancers detected were collected by means of a structured questionnaire, analyzed with the EPI-INFO™ software and compared to previously defined patterns. RESULTS: 3,608 women were included, corresponding to 68.4% of the target population registered in the Brazilian Family Health Strategy. Coverage rates of clinical breast examination for women aged 40 to 49 years-old and of mammograms for women aged 50 to 69 years-old were 58.9 and 56.7%, respectively. All women with highly suspicious mammographic lesions were submitted to fine needle aspiration or core biopsy (100%). Six new cases of cancer were detected and 80% of the standards established for this evaluation were carried out. CONCLUSIONS: the evaluation of the actions of the Program suggests its adequacy considering the degree of fulfillment of the previously defined requirements. Correspondência Marina Ferreira de Medeiros Mendes Grupo de Estudos de Gestão e Avaliação em Saúde – Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira. Rua dos Coelhos, 300 – Boa Vista CEP: 50070-550 Recife (PE), Brasil Recebido 11/08/2011 Aceito com modificações 02/01/2012 Trabalho realizado na Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba – Monteiro (PB), Brasil. Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira – GEAS/IMIP – Recife (PE), Brasil; Coordenadoria de Planejamento e Controle dos Serviços de Saúde – Monteiro (RN), Brasil 2 Grupo de Estudos de Gestão e Avaliação em Saúde do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira – IMIP – Recife (PE), Brasil. 3 Instituto Nacional de Câncer – INCA; Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO – Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Conflito de interesses: não há. 1 Avaliação de uma estratégia para ampliar a adesão ao rastreamento do câncer de mama no Nordeste brasileiro Introdução O câncer de mama representa, no mundo, a neoplasia maligna mais frequentemente diagnosticada em mulheres. As estatísticas indicam o aumento de sua incidência tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento. No Brasil, o câncer de mama é a principal causa de morte por câncer entre mulheres. Em 2012, a estimativa da doença é de 52.680 novos casos diagnosticados e com risco estimado de 52,5 para 100.000 mulheres1. No Estado da Paraíba as taxas de mortalidade por câncer de mama ajustadas por idade vêm crescendo nos últimos anos, passando de 2,8 óbitos por 100.000 mulheres em 1990 para 10,0 óbitos por 100.000, em 2009, o que equivale a uma variação percentual relativa de 257% em 20 anos2. Soma-se às crescentes taxas de incidência e mortalidade a constatação de que, no Brasil, o diagnóstico da doença ocorre quando a mesma já se encontra em nos estádios avançados. Em estudo realizado no Rio de Janeiro, o câncer de mama foi diagnosticado em fase avançada (estádios clínicos II, III e IV) em 51% dos casos analisados; entretanto, apenas 19,2% dos casos assintomáticos, em que a lesão foi detectada por mamografia, apresentavam-se em estádio avançado3. Uma síntese de nove estudos brasileiros baseados em séries de casos hospitalares ou registros de câncer de base populacional, realizados entre 1993 e 2007, mostrou que 45,4% (valor mediano) dos 3.352 casos de câncer de mama estudados encontravam-se em estádio avançado (III ou IV) no momento do diagnóstico4. Há duas décadas, a situação era ainda mais crítica, quando 60 a 70% das mulheres eram diagnosticadas tardiamente5, as possibilidades de cura eram menores e a retirada total da mama se apresentava, muitas vezes, como a única opção de tratamento. Para enfrentamento do câncer de mama no país, o Ministério da Saúde (MS), por meio do Instituto Nacional do Câncer (INCA), desenvolveu o Programa “Viva Mulher”, que tem como objetivo reduzir a mortalidade e as repercussões físicas, psíquicas e sociais do câncer de mama na mulher brasileira, por meio da oferta de serviços para detecção do câncer em estágios iniciais, para tratamento e reabilitação. O INCA recomenda, para as mulheres com idades entre 50 a 69 anos, rastreamento por mamografia, com o máximo de dois anos entre os exames. Já o rastreamento por meio do exame clínico das mamas (ECM) deve ser oferecido anualmente para todas as mulheres a partir dos 40 anos. Mamografia e ECM anuais estão indicados a partir dos 35 anos de idade para as mulheres pertencentes a grupos populacionais com risco elevado de desenvolver câncer de mama. O INCA destaca, ainda, que o exame das mamas realizado pela própria mulher (autoexame) não substitui o físico realizado pelo profissional de saúde, treinado para tal atividade, e que, embora não exista evidência científica de seu impacto sobre a mortalidade pelo câncer de mama, seu estímulo deve fazer parte das ações de educação para a saúde que contemplem o conhecimento do corpo6. Um estudo longitudinal, tendo por base 460 mulheres atendidas em serviços de saúde públicos e privados do município de Taubaté, São Paulo, mostrou que 68% delas referiam rastreamento mamográfico nos dois anos anteriores à pesquisa, sendo maior a proporção (84,2%) entre aquelas que tinham cobertura de planos de saúde privados. Houve maior adesão (repetição da mamografia em intervalos máximos de 24 meses) em serviços privados, em mulheres na menopausa, com consultas ginecológicas ou com o mastologista regulares, com histórico de coleta de citologia oncótica e com rastreamento mamográfico prévio. A escolaridade, o estado marital, a ocupação profissional, a renda familiar, a presença de doenças mamárias e os antecedentes familiares de câncer de mama não apresentaram associação com a adesão ao rastreamento mamográfico7. Outro estudo, envolvendo 3.749 mulheres carentes atendidas no Núcleo Mama Porto Alegre, revelou que ter risco genético elevado, maior escolaridade, história de uso de contraceptivo oral, até dois filhos e ser ex-fumante estão associados de maneira independente à maior adesão (intervalo entre exames menor ou igual a 18 meses) à mamografia8. Com a finalidade de aumentar a adesão à mamografia e ao exame de Papanicolau de mulheres de 19 cidades da região de Barretos, em São Paulo, ao utilizar-se a distribuição de volantes e panfletos, chamadas por meio de rádio e carros de som e visitas domiciliares por agentes comunitários de saúde (ACS), mostrou-se ser esta última a estratégia mais efetiva9. Em outro estudo envolvendo uma população predominantemente de mulheres afroamericanas, observou-se que o uso de informação dirigida às pacientes, lembretes, reuniões, eventos comunitários, programas em igrejas e meios de comunicação aumentaram significativamente a adesão à mamografia de 31 para 56%10. Neste contexto, este estudo teve por objetivo avaliar as ações do Programa “Um Beijo Pela Vida”, desenvolvido em um município do Nordeste brasileiro. Métodos Foi realizado um estudo de avaliação da cobertura das ações de rastreamento do câncer de mama no Município de Monteiro, localizado na Região do Cariri Ocidental, extremo Sul do Estado da Paraíba, distante 320 km de João Pessoa. Monteiro possui gestão plena de sistema de saúde, população de 28.230 habitantes, entre os quais 13.874 são do sexo masculino e 14.356 do feminino, sendo que 3.883 das mulheres têm idade superior ou igual a 40 anos2. O município é dotado de nove unidades da Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):86-91 87 Barreto ASB, Mendes MFM, Thuler LCS Estratégia de Saúde da Família (ESF), com cobertura de 100% da população, e de um serviço de média complexidade estruturado para a realização dos procedimentos clínicos, cirúrgicos e com finalidade diagnóstica. Os casos de câncer diagnosticados são tratados em centros de referência localizados fora do município. A intensificação das ações de controle do câncer de mama ocorreu por meio de uma estratégia de saúde pública, chamada “Um Beijo Pela Vida”, que teve como objetivo aumentar a adesão das mulheres às ações de detecção precoce do câncer de mama. Desenvolvido pela Secretaria de Estado da Saúde, com o apoio do Instituto Avon e da Cunhã Coletivo Feminista, a ação teve como bases técnicas a publicação do “Controle do Câncer de Mama: Documento de Consenso”6, dos Parâmetros Técnicos para Programação de Ações de Detecção Precoce do Câncer de Mama11 e do Pacto pela Vida12. Este preconiza que os municípios devem comprometer-se a ampliar para 60% a cobertura de rastreamento mamográfico e garantir punção diagnóstica em 100% dos casos, nos quais houver necessidade. Foi elaborado um fluxograma13 das ações a serem desenvolvidas pela Secretaria Municipal de Saúde, de acordo com as recomendações do MS. Para a concretização dessas ações, ACS foram capacitados para captar as mulheres a serem submetidas ao ECM e à mamografia na unidade de saúde da família e orientá-las sobre a adoção de hábitos saudáveis na vida. Foram também capacitados os médicos e enfermeiros das unidades a fim de que realizassem os exames clínicos das mamas e encaminhassem adequadamente os casos ao serviço de referência. O Programa também disponibilizou equipamentos de informática, tais como computador e impressora, para os registros dos dados na unidade secundária, e materiais didáticos produzidos exclusivamente para o Programa a serem utilizados na abordagem das mulheres, tais como folders, cartazes e livretos para agentes de saúde. Também foi utilizado um modelo de silicone para ensinar a técnica de palpação das mamas. Além disso, foram realizadas reuniões de planejamento, redimensionamento da oferta de serviços e identificação de referências para tratamento. Baseando-se nas recomendações do MS, foi possível construir o modelo lógico do Programa. Utilizando um instrumento de coleta de dados estruturado, construído especialmente para esta pesquisa, ocorreram visitas domiciliares, tendo como alvo mulheres na faixa etária de 40 a 69 anos, residentes no município de Monteiro. ACS das equipes de saúde da família, especialmente treinados para este fim, entrevistaram as mulheres entre maio e novembro de 2008. Os dados foram inseridos em um banco de dados criado para este fim, e informações referentes aos exames complementares feitos entre 2001 a 2007 foram colhidas do banco de dados do Centro de Atenção à Saúde da Mulher, que é a única referência da 88 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):86-91 região para os procedimentos diagnósticos do câncer de mama. Os laudos mamográficos foram emitidos de acordo com o sistema BI-RADS® (Breast Imaging Reporting and Data System)13, sendo os laudos classificados em seis categorias: 1 – sem achados, 2 – achados benignos, 3 – achados provavelmente benignos, 4 – achados suspeitos, 5 – achados altamente suspeitos e 0 – achados que necessitam de avaliação adicional. Outras informações relevantes foram colhidas da base de dados existente nos serviços de atenção básica, nas unidades de saúde da família e nos serviços de referência de média e alta complexidade para onde as mulheres foram encaminhadas. Para a análise dos dados, utilizou-se o programa EPIINFO™. Foram descritas as características demográficas e epidemiológicas das mulheres incluídas no estudo. Foram ainda analisados os seguintes indicadores de qualidade do Programa: percentuais de mulheres que foram submetidas ao ECM e à mamografia (cobertura) e de exames na faixa etária prioritária do Programa; classificação das lesões mamográficas de acordo com o BI-RADS®. Ainda, os percentuais de mulheres, que receberam encaminhamento para esclarecimento diagnóstico em serviços de referência secundária e para tratamento em serviços de referência terciária, foram estudados. Para cada pergunta avaliativa foram estabelecidos critérios específicos a fim de se fazer uma apreciação das respostas obtidas. Uma matriz de julgamento foi construída, na qual avaliou-se o grau de cumprimento dos padrões estabelecidos, atribuindo-se os seguintes juízos de valor: 75 a 100% – adequado; 50 a 75% – parcialmente adequado; 25 a 50% – não-adequado e 0 a 25% – crítico. A pesquisa foi conduzida dentro dos padrões regulamentados pela portaria 196/96 e foi aprovada pela Comissão de Ética da Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba em 26 de fevereiro de 2008, recebendo o registro 173.272. Resultados de um universo de 5.278 mulheres inscritas nas nove equipes da ESF do Município de Monteiro, 3.608 (68,4%) foram entrevistadas em seus domicílios. Em apenas uma equipe, situada em zona urbana, obteve-se percentual de inclusão inferior a 50%. As características epidemiológicas e demográficas das mulheres incluídas neste estudo estão descritas na Tabela 1. A média de idade foi de 58,2 anos, sendo que cada mulher teve, em média, 5,8 gestações. Observou-se ainda que 1,3 e 2,3% das mulheres apresentavam história de mãe ou irmã com câncer de mama, respectivamente. As demais características clínicas e referentes à utilização dos serviços estão dispostas na Tabela 2. Vale ressaltar que 70,8% relataram ter sido submetidas ao exame citopatológico do colo do útero pelo Avaliação de uma estratégia para ampliar a adesão ao rastreamento do câncer de mama no Nordeste brasileiro Tabela 1. Características epidemiológicas e demográficas das mulheres inscritas nas equipes da saúde da família incluídas no estudo Média (DP) Mínimo– Máximo Idade em anos (n=3.608) 58,2 (13,3) 40–103 Idade em anos da primeira menstruação (n=3.528) 13,7 (1,6) 8–19 Idade em anos da menopausa (n=2.400) 46,5 (6,0) 20–70 Número de gestações (n=3.605) 5,8 (4,9) 0–30 Número de abortos (n=3.604) 0,7 (1,3) 0–12 Variável Número de cesarianas (n=3.604) 0,2 (0,6) 0–12 Idade da primeira gestação, em anos (n=3.605) 18,9 (8,8) 0–49 Tempo de amamentação, em meses (n=3.589) 30,0 (52,5) 0–240 menos uma vez na vida, e que 58,9 e 49,0% tinham sido submetidas a ECM ou mamografia, respectivamente. Observou-se que 62,1% das mulheres encontravam-se cobertas pelas estratégias de detecção precoce do câncer de mama. Esse percentual foi maior entre mulheres com idades entre 40 e 49 anos (72,2%, sendo 18,4% por ECM, 3,5% por mamografia e 50,3% por ambos) e menor entre aquelas com 70 anos ou mais (34,2%, sendo 8,0% por ECM, 3,1% por mamografia e 23,1% por ambos). Na faixa etária de 50 a 69 anos, a cobertura foi de 68,7%, sendo 11,9% por ECM, 53,7% por mamografia e 3,1% por ambos. Além disso, em 73,6% dos casos, as mulheres foram submetidas aos dois exames (ECM e mamografia), não havendo variação importante conforme a faixa etária. Das mulheres submetidas ao ECM, 88,2% encontravam-se na faixa etária indicada pelo Programa (40 a 69 anos), enquanto entre aquelas submetidas à mamografia, 51,6% encontravam-se na faixa etária recomendada pelo MS (50 a 69 anos). A análise do banco de dados do Centro de Atenção à Saúde da Mulher permitiu identificar que, entre aquelas que referiam terem sido submetidas à mamografia, os laudos foram localizados em 55,7% dos casos. Foram observados os seguintes resultados: 81 casos BIRADS® 0 (7,6%); 6 BIRADS® 1 (58,9%); 3 BIRADS® 2 (30,5%) e 17 BIRADS® 3 (1,6%). Nas categorias suspeitas de malignidade, foram encontrados 15 casos: 10 (0,9%) pacientes com BIRADS® 4 e 5 (0,5%) com BIRADS® 5. Dezessete mulheres (todos os casos de BIRADS® 4 ou 5, e dois casos com lesões palpáveis nos quais o BIRADS® foi 1 ou 2) foram submetidas à punção por agulha fina e/ou por agulha grossa (core biopsy). Uma paciente foi submetida aos dois procedimentos. Das seis pacientes encaminhadas para cirurgia, cinco apresentavam câncer de mama nos estádios II e III e uma apresentava carcinoma in situ. A taxa de detecção de câncer de mama foi de 0,34% (seis casos em 1.767 mamografias analisadas). Na Tabela 3 está apresentado o percentual de mamografias consideradas altamente suspeitas, conforme o número de exames. A periodicidade do exame está associada a uma importante diminuição no percentual Tabela 2. Características clínicas e utilização de serviços de saúde pelas mulheres entrevistadas Variável n (%) História de uso de contraceptivo oral (n=1.445) 530 (36,7) História de uso de terapia de reposição hormonal (n=696) 288 (41,4) História de cirurgia prévia (n=3.606) 34 (0,9) História de mãe com câncer de mama (n=3.608) 46 (1,3) História de irmã com câncer de mama (n=3.608) 84 (2,3) História de inflamação na mama (n=3.608) 3,7 (1,0) História de nódulo na mama (n=3.608) 94 (2,6) Exame citopatológico do colo do útero prévio (n=2.662) 2.553 (95,9) Exame clínico das mamas (n=3.608) 2.126 (58,9) Mamografia (n=3.608) 1.767 (49,0) Ultrassonografia mamária (n=3.608) 214 (5,9) Punção por agulha fina (n=3.608) 13 (0,4) Punção por agulha grossa (core biopsy) (n=3.608) 5 (0,1) Tabela 3. Percentual de mamografias com lesões altamente suspeitas (BIRADS 4 e 5), conforme o ranqueamento do exame no Centro de Atenção à Saúde da Mulher (CASM) Ranqueamento do exame no CASM Mamografias realizadas no CASM BIRADS 4 E 5 (%) 1º exame 2.737 1,2 2º exame 1.219 0,7 3º exame 620 0,5 425 0,5 5.001 0,9 4º exame ou mais TOTAL Fonte: CASM/Monteiro/Paraíba. de exames suspeitos, o que já pode ser observado a partir da segunda mamografia. Por fim, os dados coletados foram inseridos na matriz de julgamento do Programa, comparando-se o observado (coletado pela pesquisa) com o esperado (padrões estabelecidos). De acordo com os valores obtidos, o Programa pode ser considerado como adequado pela análise dos aspectos avaliados por esta pesquisa. Discussão Este estudo objetivou avaliar uma estratégia de saúde pública, desenvolvida com a finalidade de ampliar a adesão das mulheres às ações de rastreamento do câncer de mama no Município de Monteiro – Estado da Paraíba. A avaliação consistiu fundamentalmente em fazer um julgamento de valor sobre uma intervenção. Deve servir para direcionar ou redirecionar a execução de ações, atividades, programas e, por conseguinte, deve ser exercida por aqueles envolvidos no planejamento e na execução de tais ações14,15. O presente estudo se propôs a conhecer a cobertura do ECM e da mamografia na população-alvo do programa de controle do câncer de mama em um município do interior da Paraíba. A avaliação de cobertura mede a proporção da Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):86-91 89 Barreto ASB, Mendes MFM, Thuler LCS população que se beneficia do programa ou da intervenção16 e responde à pergunta formulada por muitos gestores, no que se refere à magnitude da oferta das ações e do serviços, tal como: em que medida os recursos existentes são suficientes para atender à população-alvo. No que diz respeito à cobertura das ações, neste estudo foi identificado que o Programa “Um Beijo Pela Vida” cobriu 68,4% da população feminina com mais de 40 anos de idade cadastrada na ESF. A taxa de participação aproximou-se daquela observada em programa semelhante desenvolvido em Mato Grosso do Sul, no qual houve adesão de 74,9%17. Neste estudo, entre as mulheres entrevistadas, observou-se que, na faixa etária entre 50 e 69 anos, 58,9% haviam sido avaliadas com exame clínico das mamas, enquanto a cobertura do exame mamográfico foi de 56,8%. Embora existam poucas informações da cobertura de rastreamento mamográfico em mulheres atendidas nos serviços públicos de saúde de cidades do interior do país, observou que 53,2% daquelas de 40 a 69 anos atendidas pela ESF no município de Dourados, no Mato Grosso do Sul, referiam ter sido submetidas à mamografia prévia18, valor semelhante ao descrito em Monteiro. Entretanto, em Taubaté, em São Paulo7, observou-se que 61,5% das mulheres atendidas no Sistema Único de Saúde (SUS) referiam exame mamográfico prévio, contra 84,2% daquelas atendidas nos serviços privados. Os valores de cobertura do ECM e do mamográfico, descritos em Monteiro, são superiores ao dobro daqueles encontrados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio19, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que, na Paraíba, mostrou que 24,4% das mulheres com 40 anos ou mais haviam sido submetidas ao ECM realizado por médico ou enfermeiro nos 12 meses anteriores à data da entrevista. 27,8% das mulheres de 50 a 69 anos de idade haviam sido submetidas ao exame mamográfico nos dois anos anteriores à data da entrevista. Em relação a esta última comparação, em geral, espera-se que os percentuais de cobertura nas capitais sejam superiores aos descritos no interior dos estados, já que é onde concentra-se um maior número de profissionais e de serviços de saúde. Portanto, em Monteiro, foram obtidos valores muito próximos daqueles da Capital do Estado, reforçando a ideia de que a intervenção em um município do interior ampliou o acesso das mulheres ao ECM e à mamografia. Neste estudo a taxa de indicação de biópsias foi de 1% entre as mulheres rastreadas por mamografia (17 em 1767), valor inferior ao encontrado em estudo levado a termo em Campinas20, baseado em 35.041 mamografias consecutivas (1,7%). Em Campinas, a taxa de detecção de câncer de mama entre pacientes assintomáticas foi de 0,3%, exatamente o mesmo encontrado no presente 90 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):86-91 estudo. Taxas inferiores foram descritas em Mato Grosso do Sul (0,1 casos por 100 mulheres rastreadas), em que se empregou o ECM como estratégia de rastreamento17. O American College of Radiology21 considera aceitáveis as taxas de detecção que variem entre 0,2 e 1,0%. No que diz respeito à distribuição dos estádios clínicos, enquanto em Campinas20 foram identificados 93% dos cânceres nos estádios 0 e I, em Monteiro esse percentual foi de 20%. Deve ser destacado, no entanto, que, no atual estudo, mais da metade das mulheres (51,0%) nunca tinham sido submetidas à mamografia, diferentemente da população estudada em Campinas, na qual a taxa de exposição prévia à mamografia era superior a 90%. Outro aspecto que deve ser destacado é que foram observadas taxas de detecção de exames descritos como altamente suspeitos (BIRADS® 4 e 5), diferenciadas conforme o ranqueamento do exame, variando de 1,2% quando se tratava do primeiro exame a valores próximos a 0,5%, quando se tratava do terceiro exame ou superior. Esse decaimento nas taxas explica-se pela presença, na primeira rodada, de casos prevalentes (que vêm se desenvolvendo por algum tempo) e de casos incidentes (desenvolvidos recentemente); já as mamografias subsequentes geralmente detectam anomalias incidentes, desenvolvidas recentemente. A análise dos resultados das mamografias de 230.143 mulheres, com mais de 40 anos, inseridas no Programa Norte-americano de Detecção Precoce dos Cânceres de Mama e do Colo do Útero (CDC’s National Breast and Cervical Cancer Early Detection Program)22, mostrou que o percentual de exames altamente sugestivos de malignidade também caía pela metade comparando mulheres que faziam o exame pela primeira vez àquelas em exames subsequentes, passando de 5,5 para 2,7%. Há que se considerar os diferentes riscos para câncer de mama nessas populações. Além disso, a taxa de lesões altamente suspeitas encontrada no primeiro exame (1,2%) aproxima-se daquela referente aos laudos de mamografias (mamografia unilateral – código 02.04.03.003-0 e bilateral para rastreamento – código 02.04.03.018-8), que foram digitados no Sistema de Informação do Câncer de Mama (SISMAMA) e estão disponíveis no site do DATASUS2. Neste, observa-se que, para o Brasil, das 724.628 mamografias efetuadas no SUS entre janeiro e dezembro de 2009, em mulheres entre 40 e 69 anos de idade, 1,9% foram classificadas como altamente suspeitas (BIRADS® 4 e 5). Com base nas informações disponíveis e na análise da matriz de julgamento das ações do Programa “Um Beijo Pela Vida”, conclui-se pela sua adequação no que diz respeito ao cumprimento dos padrões estabelecidos para esta avaliação. Entretanto, os percentuais de mulheres atendidas na ESF, que foram submetidas ao ECM (40 anos ou mais) e à mamografia (50 anos ou mais), mostraram-se aquém do desejado. Avaliação de uma estratégia para ampliar a adesão ao rastreamento do câncer de mama no Nordeste brasileiro Referências 1. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer [Internet]. Estimativa 2012: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2011 [cited 2011 Dez 15]. Available from: http://www. inca.gov.br/estimativa/2012/estimativa20122111.pdf 12. Brasil. 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Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):86-91 91 Ana Carolina Japur de Sá Rosa-e-Silva1 Mariani Mendes Madisson2 Marcos Felipe Silva de-Sá1 Rosana Maria Reis1 Julio Cesar Rosa-e-Silva1 Lucia Alves Silva Lara1 Macroprolactinemia e hiperprolactinemia intermediária: manifestações clínicas e achados radiológicos Macroprolactinemia and intermediate hyperprolactinemia: clinical manifestations and image Artigo Original Resumo Palavras-chave Hiperprolactinemia Galactorréia Prolactina Hipófise Adenoma Keywords Hyperprolactinemia Galactorrhea Prolactin Pituitary gland Adenoma OBJETIVOS: Caracterizar as pacientes com valores indeterminados de hiperprolactinemia (teste de PEG para identificação de macroprolactinemias com recuperação entre 30 e 65%) (PRLi) ou macroprolactinemia (PRLm), quanto às características clínicas, como intensidade e variação dos sintomas e presença ou não de tumores no sistema nervoso central. MÉTODOS: Estudo transversal, retrospectivo, de levantamento de prontuários, no qual foram incluídas 24 pacientes com diagnóstico de hiperprolactinemia (PRL>25 ng/dL), em idade reprodutiva, em seguimento em ambulatório de ginecologia endócrina. Foram incluídas 11 pacientes com PRLm e 13 com PRLi. Dos dois grupos (PRLm e PRLi), foram considerados para a análise registros dos dados relativos à idade, à paridade, ao índice de massa corporal, à presença de galactorreia, à infertilidade e ao tumor do sistema nervoso central. Os dados antropométricos foram expressos em média e desvio padrão e, para a comparação entre os grupos quanto à presença de tumor no sistema nervoso central, galactorreia e infertilidade, utilizou-se o teste t de Student. RESULTADOS: A galactorreia foi mais prevalente nas pacientes com PRLi (p=0,01). Setenta por cento das mulheres com PRLi apresentaram microprolactinoma de hipófise, enquanto que este achado foi evidente em 17% das mulheres com PRLm (p=0,04). Dentre as pacientes com PRLm e PRLi, nove não foram investigadas com imagem do sistema nervoso central por apresentarem níveis pouco elevados de prolactina (cinco portadoras de PRLm e quatro de PRLi). Não houve diferença significativa quanto à ocorrência de infertilidade ou de ciclos menstruais irregulares. CONCLUSÕES: Mulheres com hiperprolactinemia intermediária apresentam mais sintomas de galactorreia e maior incidência de tumores do sistema nervoso central do que aquelas com macroprolactinemia. Abstract Purpose: To characterize patients with indeterminate values of hyperprolactinemia (PEG test for the identification of macroprolactinemias with recovery between 30 and 65%) (PRLi) or macroprolactinemia (PRLm), in relation to clinical characteristics, such as the presence or absence of symptoms, as well as their intensity and variation, and the presence or absence of central nervous system tumors. METHODS: This is a cross-sectional retrospective survey of records of 24 patients with hyperprolactinemia, in reproductive ages, with prolactin >25 ng/dL. Eleven women with PRLm and 13 with PRLi were included. Records from the two groups were extracted for analysis: age, parity, body mass index, presence of galactorrhea, infertility, and central nervous system tumor. Anthropometrics data were expressed as mean and standard deviation. To compare groups regarding the presence of central nervous system tumor, galactorrhea, as well as infertility we used the Student’s t-test. RESULTS: Galactorrhea was more prevalent in patients with PRLi (p=0.01). Seventy percent of women with PRLi presented pituitary tumor (microprolactinoma), whereas this finding was evident in 17% of the PRLm Group (p=0.04). Among the patients with and PRLm PRLi, nine were not investigated with the image of the central nervous system because they have low levels of prolactin (five carriers and four PRLm PRLi). There were no significant differences regarding the occurrence of infertility or irregular menstrual cycles between groups. DISCUSSION: Women with intermediate hyperprolactinemia present more galactorrhea symptoms as well as central nervous system tumors than women with macroprolactinemia. Correspondência Ana Carolina Japur de Sá Rosa-e-Silva Avenida Bandeirantes 3.900 – Monte Alegre CEP: 14049-900 Ribeirão Preto (SP), Brasil Recebido 23/12/2011 Aceito com modificações 16/01/2012 Trabalho realizado no Serviço de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil. 1 Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil. 2 Curso Acadêmico de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil. Conflito de interesses: não há. Macroprolactinemia e hiperprolactinemia intermediária: manifestações clínicas e achados radiológicos Introdução A prolactina é um hormônio proteico produzido pela adeno-hipófise, cuja ação está relacionada ao estímulo do desenvolvimento da mama e à produção do leite, exercendo também um papel importante na função reprodutiva feminina. O fenômeno de maturação do folículo e dos oócitos, bem como a ação fisiológica do corpo lúteo, são dependentes da prolactina que também é responsável por manter o número adequado de receptores do hormônio luteinizante (LH) e estradiol1-2. O valor máximo da prolactina, considerado normal para mulheres adultas na fase folicular, varia de 15 até 30 ng/mL e alguns autores consideram que um valor igual ou superior ao dobro da faixa superior da normalidade poderia ser considerado como francamente anormal3. A hiperprolactinemia interrompe a pulsatilidade do hormônio liberador das gonadotrofinas e, por consequência, influencia negativamente a liberação do LH e FSH, com prejuízo para a esteroidogênese4. Isto resulta em alterações dos ciclos menstruais e infertilidade por anovulação. O excesso de prolactina pode resultar de disfunções hipotalâmicas ou de tumores hipofisários. Entretanto, muitas vezes é secundário ao uso de alguns medicamentos e pode ainda ser fisiológico em situações como amamentação e a gestação. Entre outros sintomas, a galactorreia está presente em aproximadamente 50% das mulheres portadoras de hiperprolactinemia5-6. A prolactina é um hormônio bastante heterogêneo e, do ponto de vista de peso molecular, existem três formas principais em circulação: monômero de 23 kDa (small prolactin), dímero de 45 kDa (big prolactin) e macroprolactina de peso molecular entre 150 e 175 kDa (big-big prolactin)7. A hiperprolactinemia, gerada às custas de prolactina de baixo peso molecular (fração small), tem sido denominada pela maioria dos autores de hiperprolactinemia verdadeira8. Em condições normais ou em pacientes com hiperprolactinemia sintomática, predomina-se em circulação a forma monomérica ou livre, que é a forma ativa do hormônio. A macroprolactina é constituída, na maioria dos casos, por uma associação entre uma molécula de prolactina e uma de IgG, o que leva a uma meia-vida mais longa e a uma atividade biológica menor9. Em pacientes com hiperprolactinemia (valores superiores a 25 ng/dL), o método mais empregado para a pesquisa da existência de quantidades significativas de macroprolactina é o estudo de recuperação pós-precipitação do soro com polietilenoglicol (PEG). Valores recuperados menores que 30% são considerados positivos para macroprolactinemia10, os maiores que 65% são considerados como microprolactinemia e entre 30 e 65% são considerados indeterminados (hiperprolactinemia intermediária)10-12. As causas da presença de amostras com valores intermediários devem-se a fatores como: o predomínio da forma dimérica, que apresenta precipitação não-uniforme; a variação do coeficiente de precipitação do teste; a variação das formas monoméricas e das formas de alto peso molecular, entre outros12. Entre as pacientes com hiperprolactinemia, a frequência de casos com predomínio de macroprolactina é de 23%8-13 ou mais. A importância deste fenômeno se deve ao fato de que estas formas têm menor atividade biológica e estão associadas a casos assintomáticos ou oligossintomáticos14, e à presença de estudos de imagem do sistema nervoso central normais. Desta maneira, em especial em pacientes cujo quadro clínico não seja característico, a pesquisa de macroprolactinemia é fundamental15. Apesar da pouca informação referente à hiperprolactinemia às custas da macroprolactina, o quadro clínico frustro secundário à baixa atividade de tais moléculas faz com que seu tratamento seja muitas vezes desnecessário. Segundo o guideline para tratamento de prolactinomas da Pituitary Society4, as indicações formais de tratamento das hiperprolactinemias se restringem aos casos de pacientes sintomáticos, a macroprolactinomas ou a microprolactinomas assintomáticos com progressão do crescimento. Sendo assim, casos de hiperprolactinemia não-associados a tumor raramente terão indicação de tratamento, já que, na maioria das vezes, são assintomáticos. Não há muita discussão com relação à conduta diante de casos de macroprolactinemia assintomáticos. No entanto, a conduta para os casos com hiperprolactinemia indeterminada, com sintomas que geram pouco desconforto, ou assintomática é, ainda, sujeita a controvérsias, sendo possível que a paciente opte por tratar, ou não, dependendo do desconforto produzido pela doença. Há lacunas no conhecimento quanto à relevância clínica da doença, seja em relação ao comportamento do tumor ou quanto à evolução do quadro. Dessa maneira, este estudo visa caracterizar as pacientes com valores indeterminados de hiperprolactinemia (recuperação entre 30 e 65%) (PRLi) ou macroprolactinemia (PRLm), quanto às características clínicas, tais como intensidade e variação dos sintomas e presença, ou não, de tumores no sistema nervoso central. Métodos Trata-se de um estudo transversal, retrospectivo, de levantamento de prontuários, no qual foram incluídas pacientes em seguimento no Ambulatório de Ginecologia Endócrina do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). As pacientes apresentavam diagnóstico de hiperprolactinemia, mas eram assintomáticas ou apresentavam sintomas clínicos leves (galactorreia somente à expressão da mama e oligomenorreia). Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):92-6 93 Rosa-e-Silva ACJS, Madisson MM, de-Sá MFS, Reis RM, Rosa-e-Silva JC, Lara LAS Este estudo teve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Foram incluídas mulheres em idade reprodutiva, com níveis de prolactina sérica superiores a 25 ng/dL, submetidas à investigação para macroprolactinemia com o uso do pós-teste de PEG16,17. Onze mulheres com diagnóstico de macroprolactinemia e 13 com valores indeterminados de hiperprolactinemia foram incluídas. Foram considerados para a análise os registros dos dados relativos à idade, à paridade, ao índice de massa corporal (IMC), à presença de galactorreia, à infertilidade e à presença de tumor do sistema nervoso central. Nos dois grupos (PRLm e PRLi), as dosagens de PRL foram obtidas pelo método da imunoquimioluminescência, utilizando-se kits comerciais específicos da IMMULITE DPC MED LAB, Los Angeles, USA DPC (Immulite® 2000 immunoassay analyzer, Diagnostic Products Corporation, Los Angeles, CA, USA). Nas pacientes com valores de prolactina sérica superiores a 25 ng/dL, procedeu-se ao tratamento da amostra de soro com solução salina de PEG, a qual não precipita a forma monomérica, mas precipita a macroprolactina possibilitando que esta seja removida. Esta técnica consiste em realizar, inicialmente, a dosagem da prolactina total no soro. A seguir, acrescenta-se o polímero polietilenoglicol à amostra testada. Esta composição é misturada em agitador tipo vórtex durante um minuto e, a seguir, centrifugada por cinco minutos, o que leva à precipitação da macroprolactina. Empregando a mesma técnica para a dosagem inicial da PRL, novamente os níveis são dosados à prolactina no sobrenadante recuperado, que representa a prolactina livre ou sua fração de small12. O cálculo da porcentagem de macroprolactina (PRLm) é dado pela fórmula: PRLm (%)=(PRLm x 2/PRL total)x100. A recuperação da prolactina menor do que 30% significa que há o predomínio de formas de alto peso molecular, sendo considerados positivos para macroprolactinemia (PRLm), valores maiores que 65% significam que a amostra tem predomínio de formas monoméricas (microprolactinemia ou hiperprolactinemia verdadeira) e valores de recuperação entre 30 e 65% são classificados como indeterminados (PRLi). Foram excluídas as mulheres portadoras de hipotireoidismo, acromegalia, insuficiência renal crônica, hepatopatias, condições estas associadas ao incremento da prolactina sérica. Foram também excluídas as usuárias de derivados de haloperidol, fenotiazinas, risperidona, sulpirida e verapamil, os quais exercem efeito antagonista ou reduzem a reserva de dopamina, a qual inibe a secreção de prolactina18. Os resultados foram analisados utilizando-se o programa GraphPad Prism, versão 5.00 (GraphPad Software; Inc-2007). Os dados antropométricos foram expressos em média e desvio padrão e, para a comparação entre os grupos quanto à presença de tumor no sistema nervoso central, galactorreia e infertilidade, utilizou-se o teste t de Student. Valores de p<0.05 foram considerados significantes. 94 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(2):92-6 Resultados Não houve diferença quanto à idade, ao IMC e à paridade entre pacientes com PRLm e aquelas com PRLi (Tabela 1). Na avaliação dos sintomas, houve maior prevalência de galactorreia entre pacientes com hiperprolactinemia intermediária (p=0,01); mas não houve diferença significante com relação à ocorrência de infertilidade ou de ciclos menstruais irregulares (Figura 1). Quanto à etiologia, 16,7% das pacientes com macroprolactinemia eram portadoras de tumor, enquanto que 77,8% das pacientes do grupo com hiperprolactinemia indeterminada apresentavam tumor hipofisário (p=0,04), como pode ser observado na Figura 2. Dentre as pacientes com PRLm e PRLi, nove não realizaram exame de imagem do sistema nervoso central por apresentarem níveis pouco elevados de prolactina, sendo cinco pacientes com PRLm e quatro com PRLi. Tabela 1. Características clínicas, epidemiológicas e antecedentes das mulheres portadoras de hiperprolactinemia PRLm média (DP) PRLi média (DP) Valor p 29,3 (9,8) 31,4 (9,0) 0,6 1,1(1,6) 0,8 (1,2) 0,7 23,4 (3,5) 24,2 (5,1) 0,7 Idade Paridade IMC PRLm: macroprolactinemia; PRLi: indeterminado; DP: desvio padrão; IMC: índice de massa corporal. 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 PRLm PRLi * Galactorreia Infertilidade Ciclos irregulares p=0,01; PRLi: prolactina indeterminada; PRLm: macroprolactina. Figura 1. Sintomas referidos pelas pacientes. 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 PRLm PRLi * Presença de tumor Ausência de tumor *p=0,04; PRLi: prolactina indeterminada; PRLm: macroprolactina. Figura 2. Associação entre presença de imagem no sistema nervoso central e hiperprolactinemia. Macroprolactinemia e hiperprolactinemia intermediária: manifestações clínicas e achados radiológicos Discussão No presente estudo, observou-se maior prevalência de galactorreia entre pacientes com hiperprolactinemia indeterminada quando comparadas àquelas com quadro definido de macroprolactinemia. Há relato de que esse sintoma está presente em 4% das mulheres portadoras da forma intermediária e em 19% das mulheres portadoras da forma monomérica8. Entretanto, a galactorreia associada a distúrbios menstruais é mais prevalente na forma monomérica19. Aproximadamente 40% das mulheres, com sintomas clínicos de hiperprolactinemia e níveis alterados de prolactina, apresentam nódulos na hipófise20. Em uma porcentagem expressiva dos casos de hiperprolactinemia está presente a forma macro, biologicamente menos ativa, passível de recuperação pós-precipitação do soro com polietilenoglicol. Essa técnica é capaz de caracterizar o tipo de hiperprolactinemia em mais de 85% dos casos analisados, a um custo muito baixo, evitando-se encaminhamentos desnecessários de pacientes para estudos de imagens11. Nos casos restantes, fica o diagnóstico de hiperprolactinemia intermediária e persiste a dúvida sobre suas repercussões e a necessidade, ou não, do tratamento. Neste estudo, chama a atenção a alta prevalência de tumores no grupo de mulheres com hiperprolactinemia indeterminada (77,8%), quando comparadas àquelas portadoras de macropolactinemia (16,7%). Altas incidências de tumor também foram descritas por Hauache et al.21, 75% das pacientes com hiperprolactinemia verdadeira e 11% das PRLm apresentavam alterações nos exames de imagem do sistema nervoso central. Entretanto, há outros relatos na literatura que mostram associações menos frequentes entre a presença de tumor e a PRLm. Toldy et al.8 encontraram que o microadenoma estava presente em 9,8% das portadoras de macroprolactinemia e em 31,8% das mulheres com hiperprolactinemia verdadeira. Vilar et al.19, em outro estudo, encontraram uma associação de 11% entre a presença de macroprolactinemia e de microadenoma hipofisário. No entanto, não existem dados na literatura sobre a associação entre hiperprolactinemia indeterminada e a frequência de tumores no sistema nervoso central. A PRLm responde por um terço ou mais dos casos de hiperprolactinemia8,19,22. Já é reconhecido que, nos casos em que há predomínio da macroprolactina, os sintomas são menos comuns (44%) quando comparados àquelas mulheres portadoras da forma monomérica (88,5%)19, e nem sempre que estão associados aos níveis da macroprolactina podem refletir a presença de comorbidades22. A relação da gravidade dos sintomas clínicos com a prolactina monomérica bem como as diretrizes para o tratamento destes casos já estão bem estabelecidos4. Entretanto, ainda faltam evidências na literatura, o significado, o quadro clínico e o manuseio da forma indeterminada da hiperprolactinemia (recuperação >30% e <65%), que está presente em 10 a 12% dos casos10,11. Em relação à função reprodutiva, o presente estudo não detectou diferença relevante entre os grupos quanto à ocorrência de ciclos menstruais irregulares e relatos de infertilidade. Este achado confirma o de outros autores19. Os distúrbios menstruais estão mais associados à forma monomérica19, bem como a infertilidade associada à hiperprolactinemia, que está presente em 17% das mulheres portadoras de macroprolactinemia e em 44% das portadoras da forma monomérica8. A rotina de screening para macroprolactinemia deveria ser realizada para os casos de pacientes com quadro de hiperprolactinemia, o que, além de prevenir contra a mobilização inadequada de recursos com exames laboratoriais e de imagens23, define o tratamento adequado evitando condutas desnecessárias. Ademais, os achados do presente estudo estão em conformidade com aqueles encontrados por outros autores24, os quais também sugerem que, em mulheres com macroprolactinemia, os estudos de imagem deveriam ser realizados somente se houver sintomas clínicos associados. Devido ao fato de que pacientes com hiperprolactinemia intermediária apresentam-se mais sintomáticas, especificamente com relação à presença de galactorreia, e com maior incidência de tumores de hipófise do que pacientes com macroprolactinemia, acredita-se que seja mais prudente que a condução terapêutica deste casos siga os preceitos clínicos semelhantes aos das pacientes com hiperprolactinemia verdadeira, inclusive no que diz respeito à investigação dos tumores do sistema nervoso central. Porém, devido à limitação deste estudo pelo número reduzido de casos, são necessárias mais pesquisas com casuísticas maiores para comprovar esses achados, os quais poderão nortear a elaboração de protocolos específicos para estas pacientes. No presente estudo, evidenciou-se que a hiperprolactinemia intermediária está associada a uma maior incidência de galactorreia e de tumor no sistema nervoso central. Referências 1. Leroy-Martin B, Bouhdiba M, Peyrat JP, Saint PP. Peripheral effects of prolactin in reproductive function. I. Male reproductive function. J Gynecol Obstet Biol Reprod (Paris). 1989;18(1):39-45. 2. Nawroth F. Hyperprolactinaemia and the regular menstrual cycle in asymptomatic women: should it be treated during therapy for infertility? Reprod Biomed Online. 2005;11(5):581-8. 3. Vieira JGH. Macroprolactinemia. Arq Bras Endocrinol Metab. 2002;46(1):45-50. 4. Casanueva FF, Molitch ME, Schlechte JA, Abs R, Bonert V, Bronstein MD, et al. 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