FA C U LD AD E SETE D E SET EM B R O – FA SETE C U R SO D E LIC ENC IA TU RA EM LETR A S – H AB ILITAÇÃ O PO R TU GU ÊS E IN G LÊS U IA RA DA N TA S D E A LENC AR LITER A LM EN TE VIN IC IU S D E M O RA ES: O R O M AN TISM O N O S SO N ETO S PA U LO A FON SO – B A 2013 U IA RA DA N TA S D E A LENC AR LITER A LM EN TE VIN IC IU S D E M O RA ES: O R O M AN TISM O N O S SO N ETO S Trabalho apresentado à Faculdade Sete de Setembro como requisito para a conclusão do Curso de Letras, com habilitação Português/Inglês, sob a orientação da Profª Msc. Cecília Maria Bezerra de O liveira. PA U LO A FON SO – B A 2013 Dedico este trabalho, de modo especial, a meus pais meus grandes incentivadores da boa leitura na minha vida, onde sempre convivi com boa música e boa leitura. Meus primeiros modelos. Espero me fazer digna da lição de destemor e amor á vida que ambos me legaram. A G RA D EC IM EN TO S Primeiramente agradeço a Deus, pois sem ele não teria conseguido chega r até aqui, aliás, foi ele que me deu forças para eu conseguir atravessar todo o período da minha formação acadêmica que por sinal foi conquistada diante de muitos obstáculos e esforços, a todos que me ajudaram na realização do meu sonho, principalmente a meus pais João Bosco de Alencar e Geraldina D antas de Alencar onde sempre tiveram dispostos a me ajudar em qua lquer situação que me dispus, Aos meus irmãos José Armando Dantas (in memorian), que se tivesse aqui com certeza estaria vibrando por esse momento tão especial na minha vida. A Damião, W endel e Rafaela que sempre torceram por mim, me apoiaram e aconselharam. M eus sobrinhos lindos que tanto amo, são eles: Armando Henrique, Kaio Vinicius, Gabriel, que tiveram que abrir mão do computador enquanto eu digitava. Um carinho especial para minha tia mãe neném, uma das primeiras que acreditou em mim, nunca vou esquecer o apoio que me deu durante tanto tempo . Meus tios e tias. Enfim primos e primas que sempre torceram por mim. M uito grata também ao professor Luiz José, coordenador do curso de Letras da Faculdade Sete de Setembro – FASETE, que me apoiou na escolha do tema desse trabalho monográfico me dando diretrizes para a realização de tal feito. A minha orientadora Maria Cecília que sempre me ajudou nas pesquisas dando orientações de como deveria ser construído esse projeto de pesquisa , além de me incentivar e apoiar relevantemente para a apresentação da minha monografia. Enfim, a todos que eu guardo no coração que não acompanharam minha jornada mais auxiliaram em diversos momentos para que eu tiv esse êxito pessoal. U iara D antas de Alencar R ESU M O Este trabalho analisa os sonetos de composições do poeta Vinicius de Moraes, com o principal objetivo de mostrar o romantismo em suas três fases na obra poética do referido poeta, reconhecendo as suas características marcantes n o que diz respeito ao amor, estado natural do poeta em questão. Também faremos um breve passeio na sua vida onde também Vinicius de Moraes fez história na música popular brasileira com o nascimento da ‘’Bossa Nova ”. Sua paixão e amor pela vida deu uma boa dose de contribuição para o sucesso da Bossa Nova. No último capítulo da pesquisa observou -se que o romantismo presente em Vinicius de Moraes realmente ousou viver sob a influência do amor. Ao final da pesquisa, como ele próprio se definiu, cantou e escreveu o amor de todas as formas, sendo que todo ser humano trata como o maior dos sentimentos. Palavras Chave: Sonetos. Romantismo. M úsica. Amor. Vinicius de Moraes. A B STR AC T This work analyzis the sonnets of compositions of the poet Vinicius de Moraes, with the main goal of showing the romance in their various aspects of his work, recognizing their outstanding characteristics with regard to love, the natural state of our poet in question also we'll take a brief tour in your life where Vinicius de Moraes also made history in Brazilian popular music with the birth of ‘’Bossa Nova''. His passion for life and the love he gave a good deal of contribution to the success of Bossa Nova.No last chapter of the research showed that the ro manticism present in Vinicius de Moraes really dared to live un der the influence of love the end of the research, as he himself set, he sang and wrote love in all forms, and that every human being is like the greatest feelings. Keywords: Sonnets. Romanticism . Music. Love. Vinicius de Moraes SU M Á R IO IN TR OD UÇ A O .............................................................. ..........................07 1 VID A E O BR A D E VIN IC IU S D E M O RA ES......................................09 2 SO N ETO S E PO ESIA S: C O N SID ER AÇ Õ ES..................................13 2.1 SO N ETO ........................................................................................1 4 2.2 PO ESIA..........................................................................................16 3 A S C OR R EN TES LITÉR AR IA S FLU EN TES N O S SON ETO S D E VIN IC IU S D E M OR A ES....................................................................21 3.1 TR O VAD O R ISM O .........................................................................21 3.2 H U M AN ISM O ................................................ ................................22 3.3 C LASSIC ISM O ..............................................................................24 3.4 BAR R O C O ........................................................................ .............25 3.5 AR C AD ISM O .................................................................................27 3.6 R O M AN TISM O ..............................................................................28 3.7 PAR N ASIAN ISM O .........................................................................29 3.8 SIM BO LISM O ................................................................................30 4 O R O MA N TISM O PR ESEN TE N O S SO N ETO S E PO ESIA S ........34 5 C O N SID ER AÇ Õ ES FIN A IS..............................................................40 6 R EFER ÊN C IA S.................................................................................41 7 IN TR OD UÇ Ã O Esse trabalho objetiva relatar a vida do poeta e compositor Vinícius de Moraes, bem como retratar a sua obra poética analisando alguns poemas e letras musicais verificando a presença das características dos diversos períodos literários presentes em toda sua obra poética . Formado em direito e trabalhando muitos anos fora do Brasil nunca se desligou da literatura. Vinicius de Moraes iniciou sua carreira na literatura seguindo correntes neossimbolistas espiritualizado e para correntes um espiritualista s. segundo momento Passando de de sensualismo um momento erótico. O que caracterizaria uma contradição entre o prazer da carne e a formaçã o religiosa. Ao rejeitar a ideia da separação entre corpo e alma e ao buscar fundi -los numa única esfera, o poeta converte -se no grande intérprete da modernidade amorosa brasileira. A sua evolução humana e literária corresponde às mudanças que viri am a ocorrer no país: o fim dos valores patriarcais nas relações afetivas, a destruição dos complexos de culpa em relação ao corpo e ao sexo, a quebra do mito da eternidade dos sentimentos (“... que seja eterno enquanto dure... ‘’) Nesse trabalho de pesqu isa é preciso entender de que maneira mistério, amor, erotismo, sensualidade e romantismo se inter-relacionam . A grande aventura de Vinicius de Moraes foi deslocar o mistério do domínio do dogma espiritual para o território humano o que o torna um grande p oeta por causa da sua percepção desse lado tão escuro do homem e a coragem de enfrentá-lo. Não é por acaso que V inicius de Moraes iniciou seu caminho de poeta pela metafísica afora circunstancia determinante, foi formado por um colégio de padres, ele parecia saber desde o início que o petiço está no instinto, com a sua sexualidade bastante retraída e com esses medos ele apresenta na sua segunda fase o erotismo e a sensualidade como traços marcantes dessa fase de sua vida. 8 Vinicius de Moraes teve a corage m que poucos poetas do seu tempo não tiveram em falar de assuntos tão polêmicos na sua época. Prazer da carne, a mulher vista como as damas da noite. Embora fosse uma realidade não eram vistas como se res humanos que necessitavam de carinho, atenção e amor, sem o romantismo idealizado por todo ser humano. No primeiro capítulo desse trabalho faremos um breve histórico da vida e da obra de Vinícius de Moraes. No segundo capítulo abordaremos sobre a estrutura dos sonetos e poemas de Vinícius fazendo uma breve leitura analítica da sua obra na perspectiva de identificar a presença marcante dos movimentos literários da época. No terceiro capítulo analisaremos alguns sonetos e poesias, verificando a presença do romantismo. 9 1 VID A E O BR A D E VIN IC IU S D E M O RA ES Nesse primeiro capítulo pretenderemos tecer informações a respeito da biografia do poeta Vinicius de Moraes onde o mesmo apresenta algumas faces , entre elas a mais relevante em sua obra, a face rom ântica. A bordaremos a sua obra poética na perspectiva de mostrar à tessitura e os traços que dão corpo e identidade as composições poéticas do texto literário de Vinicius de Moraes. Vinicius de Moraes n asceu na cidade do Rio de Janeiro, filho de uma família de classe média intelectualizada e com gosto artística. Estudou com os jesuítas, no Colégio Santo Inácio que lhe deixou fortes marcas religiosas. Na adolescência já se interessava por música popular, compondo inclusive algumas canções. Vinicius fez sua primeira comunhão em 1923 na igreja M atriz, também iniciou o curso secundário no colégio Santo Inácio, participava do coral da igreja e fez grandes amizades, Moacyr Cardoso de Oliveira e Renato Pompéia este sobrinho de Raul Pompéia, com os quais escreveu um livro chamado Épico onde teve inspiração nos acadêmicos. Em 1928, compõe Loura ou Morena e Canção da Noite que alcança grande prestígio popular. Em 1930 ingressou na Faculdade de Direito na qual se formaria em 1933. Foi colega de figuras que, mais tarde, seriam importantes na política brasileira. Seu maior amigo Octávio de Faria influenciou-o decisivamente, reforçando -lhe o pensamento católico e direitista. Quando se forma em direito publica seu primeiro livro. Estreou com O caminho para distância , editora Schimidt, obra filiada a uma poétic a mais simbolista do que moderna. Quando conhece Manoel Bandeira e Carlos Drum m ond de Andrade e tornam -se muito amigos. E m 1936, publica o poema’’Ariana, a mulher’’ e assim foi censurado. Em 1938, foi agraciado com uma bolsa do Conselho Britânico para est udar língua e literatura inglesa em Oxford. A estadia na Europa foi de curta duração dada à eclosão da II Guerra Mundial. De volta ao Brasil, acompanhou (1942) o escritor 10 marxista norte-americano W aldo Frank em uma longa viagem pelo Norte e pelo Nordeste, onde constatou a miséria e a indiferença das elites pela pobreza de seu povo. Em função desse contato direto com a realidade brasileira, suas ide ias até certo ponto reacionárias foram substituídas por uma visão de mundo progressista. Em 1940, em São Paulo, nasceu sua primeira filha Suzana fruto do relacionamento com Beatriz Azevedo de Mello,onde conheceu no programa brasileiro da BBC que trabalhava, tornando-se amigo de Augusto Frederico Schimidt e Jayme Ovalle Saiu da Inglaterra por causa da segunda gu erra mundial indo morar em Lisboa onde encontrou seu amigo Oswald de Andrade e volta para o Brasil juntos. Segundo Castello: Vinicius e Tati estão de volta para o Brasil. Continuam mantendo contato com casal Oswald de Andrade. O poeta se encanta com Tati(Beatriz)e a enche de gentilezas.Ao lhe dar,um dia,o exemplar de luxo 247 da edição limitada em 199 exemplares de seu Primeiro caderno de poesia,de 1929,O swald de Andrade,com seu gosto pelo chiste e pelos jogos de palavras,autografa:’’Pra ti,Tati,ta!’’. (1 997: p.110) Em 1943 ingressou na carreira diplomática. Nos anos seguintes, serviu em várias cidades do exterior, sem jamais perder suas ligações com o país, faz mais publicações em 1944, é as Cinco Elegias, mandada fazer por Manoel Bandeira, Anibal Machado e Otávio de Faria. Quando em 1945, sofre um acidente de avião e passa cinco anos em Los Angeles como vice-cônsul, pública em edição luxo Poemas, Sonetos e Baladas. João Cabral de Melo em Barcelona em edição de cinquenta exemplares o poema ‘’Pátria Minha’’. Produz em 1954, quando estava em Paris e onde conheceu seu traduto r francês Jean Georges Ruell com quem trabalhou na tradução do seu livro Cinco Elegias nasce seu novo livro Antologia Poética, a revista Anhembi pública sua peça Orfeu da Conceição, m erecida mente premiada no concurso de teatro d e IV centenário do estado de São Paulo. 11 Vinicius de Moraes retorna ao Brasil para produzir seu filme trabalhando junto no roteiro com o maestro Cláudio Santoro, Orfeu Negro e na peça Orfe u da Conceição. No ano de 1955 participou do grupo fundador da Bossa Nova ao lado de Tom Jobim, João Gilberto e outros. A partir de então a música popular ocuparia cada vez mais espaço no seu trabalho de criação e publica a primeira edição de seu Livro de Sonetos, também com edição em Portugal. Casou pela terceira vez com Maria Lúcia Proença, lançou o disco Canção do Amor Demais, as músicas de maiores sucessos são frutos de sua ligação com Tom Jobim e Badem Powell e Carlos Lyra foram Chega de Saudade, Berimbau e Canção de Ossanha , Podre menina rica, Garota de Ipanema, Samba da benção, Au bom Gourmet. Quando casa sua filha Suzana lança Novos Poemas II. Durante as décadas de 1960 e 1970 – no embalo do crescimento da indústria cultural que se espalhava por todo o país – o nome de Vinícius, sobremodo junto ao público jovem, tornou -se uma espécie ícone da liberação amorosa e da qualificação poética da canção popular. Segundo Carlos D rum m ond de Andrade, Vinicius de Moraes foi o único brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão. E também um dia confessou; “eu queria ter sido Vinicius de Moraes”. Viveu e amou seus amo res por assim dizer de maneira ímpar, ilimitada sabendo quais das suas nove mulheres era seu grande amor. Em 1964 faz show de grande sucesso ao lado de Dorival Caymmi seu grande amigo lançando assim o Quarteto e Cy, desse show ele lança um LP na sua primeira edição chamado “para viver um grande amor’’ do seu livro de crônicas e poemas. Mas o seu romantismo ressalta o mistério dos seus amores e causa comentários a respeito. Castello afirma que: “Ex – ou futuras mulheres de Vinicius de terminarão por reconhecer, mais tarde, que Lucinda Proença foi, de fato, seu grande amor”. A prova talvez esteja-nos próprios escritos de Vinicius de Moraes. (1997, p.233) De acordo com a citação do autor sobre a obra d e Vinicius de Moraes e toda sua trajetória podemos concordar com essa citação, poemas e a opinião de suas 12 declarações feitas a Lucinha ele a vê como sua musa inspiradora e amor imortalizado que carrega até o último dia de sua existência. Seu romantismo presente nos seus poemas, sonetos e música com a revolução musical no Brasil lhe renderam um primeiro e segundo prêmio no festival de música popular em São Paulo feita pela TV Record, suas parcerias com Edu Lobo e Baden Powell. Logo mais partiu para Paris e foi escrever o roteiro do seu filme “Arrastão” com temperamento forte que tinha, discutiu com o seu diretor e tirou sua música do então roteiro do filme. Voa de Paris para Los Angeles com interesse de se encontrar antes de voltar ao Rio de Janeiro com seu p arceiro e amigo Tom Jobim para juntos trabalhar no roteiro do filme Garota de Ipanema. Como o romantismo de Vinicius de Moraes estava em alta e ainda está, em 1966 foi homenageado pelas redes de televisões internacionais, e ntre elas, Americanas, Alemã, Italiana e Francesa sobre sua vida. Aproveitando esse momento tão especial de sua vida lança seu livro de crônicas “Para uma menina com uma flor, Samba de Benção”. Depois que sua mãe falece por volta de 1969, é exonerado do Itamarati. Passaram se dois anos conhece a linda baiana por quem se apaixona e encanta -se por Gesse Gessy e casa-se pela sétima vez, com quem tem uma filha chamada Maria. Nesse mesmo período começa uma parceria com seu amigo Toquinho. Depois de mudar para B ahia em 1971 e passar alguns dias a trabalho pela Itália e grava seu disco na companhia de seu amigo Toquinho “Per vivere um grande amoré ”. Quando faz uma turnê pela Europa Vinicius se casa em 1975 pela oitava vez com Marta Rodrigues e faz parceria na letra Deus lhe pague, com Edu lobo. Vinicius de Moraes morre no dia 09 de junho junto de sua nona e última companheira e seu fiel escoteiro parceiro de longas datas Toquinho. O Brasil perde o seu poeta que viveu inte nsamente sobe o signo da paixão, romântico como sempre sabia que o sofrimento era apenas uma pausa para a felicidade e como ele mesmo fala, numa de suas letras de músicas, ninguém consegue ser feliz sozinho. 13 2 SO N ETO S E PO ESIA S: C O N SID ER AÇ Õ ES Como já falado no trabalho, a pretensão é observar nas obras de Vinicius de Moraes o gosto belo pelo soneto e pela poesia. O escritor que sempre apre sentou uma forte tendência íntima ao derramamento verbal, ao verso longo e excessivo, Vinícius de Moraes obtém seus melhores resultados quando esta falação i ncontida é podada pela rigidez formal do soneto e pelo enquadramento da letra nos limites de uma melodia. Aliás, a regeneração do soneto, depois das arremetidas libertárias de 1922, deve -se a ele. Como nenhum outro lírico moderno, soube explorar as possi bilidades de junção do espírito do nosso tempo com uma antiga forma fixa de versificação que parecia relegada ao esquecimento. Este sabor simultaneamente contemporâneo e arcaico de seus sonetos e o caráter recitativo dos mesmos, oriundo tanto dos versos alexandrinos quanto da musicalidade inata da linguagem do poeta explica -lhes o sucesso. De acordo com Alfredo Bosi: “Vinicius de Moraes será talvez, depois de Bandeira, o mais intenso e poeta erótico da poesia brasileira moderna”. Alguns de seus sonetos deram vida nova à antiga forma e povoaram de ecos camonianos (referindo-se a camões) o estilo de não poucos jovens estreados depois da guerra.” (1994, p.459) Seguindo a linha de pensamento de Alfredo Bos i que o ‘’poetinha’’ falava das diversas faces do amo r e erotismo de forma moderna, contemporânea a frente do seu tempo. Ousou com sonetos esquecidos de outrora de forma criativa e romântica. Era quase inadmissível a sua época, mais como ousou viver a frente do seu tempo com segmentos outrora esquecidos,sone tos. 14 2.1 SONETO Afrânio Coutinho afirma que: “... as experiências formais se fazem numerosas – no soneto, no verso curto, no redondilho, no decassílabo, até no alexandrino – e evapora-se o tom merencório, a dicção etereamente grave da Primeira Fase, para dar lugar a uma expressão colorida com os sestros do local, do transitório, do compactuante com a realidade em torno”. (1992, p. 152) O soneto é um poema lírico composto na maioria das vezes de catorze versos distribuídos em dois quartetos e dois tercetos, obedecendo a regras restritas quanto à disposição das rimas. Sua forma regular, simétrica e restritiva favorece a precisão, a concisão. Por causa da forma restritiv a, a ideia faz-se mais intensa, ela impede o poeta de ceder às liberdades do lirismo. A rima e o movimento das estrofes permitem jogos de antíteses e de metáforas que exprimem as tensões – a complexidade da vida interior do poeta. O soneto é então caracterizado por uma forte coerência interna. Em outras palavras, ele permite uma co ncordância perfeita entre forma e conteúdo. A estrutura básica do soneto é geralmente composta por dois quartetos e dois tercetos com métrica, devendo possuir em cada verso o mesmo número de sílabas poéticas e rima Outra característica importante de um so neto é a ordem em que os versos rimam, ou posicionamento de rimas. Para os quartetos, existem três formas principais de posicionamento: Rimas entrelaçadas ou opostas – abba (o primeiro verso rima com o quarto, o segundo rima com o terceiro). O soneto de Orfeu de Vinicius de Moraes mais abaixo exemplifica as características clássicas do soneto : São demais os perigos dessa vida Para quem tem paixão, principalmente Quando uma lua surge de repente E se deixa no céu, como esquecida. E se ao luar, que atua d esvairado 15 Vem unir-se uma música qualquer Aí então é preciso ter cuidado Porque deve andar perto uma mulher, Uma mulher que é feita de música Luar e sentimento, e que a vida Não quer, de tão perfeita . Uma mulher que é como a própria lua Tão linda que só espalha so frimento Tão cheia de pudor que vive nua . Nesta poesia, em especifico, Vinicius usa do Soneto italiano ou petrarquiano, o qual apresenta duas estrofes de 4 versos (quartetos) e duas de 3 versos (tercetos). É também um soneto formado por versos decassílabos, como se comprovará n o verso a seguir: ‘’São/ de/mais/ os/ pe/ri/gos/ dês/as/ vi/da.’’ Lembrando que a contagem em tal versificação se considera até a última síl aba tônica do verso, que, neste caso, é “vi”. Essa estrutura poética pode -se dizer que Vinicius de Moraes retoma com um teor clássico, porém popular, a estética parnasiana, que visa a arte pela arte, a perfeição métrica. E stabelecendo um acordo entre as aspirações primordiais e a tradição literária. Com seus sonetos, pode -se dizer que há certo rompimento com a ideologia moderna. Inclusive, não obstante o talento alcançado – sobretudo popularmente – Vinicius sofre algumas críticas por parte de alguns autores modernistas e críticos literários. Dentre estas, destacam -se as críticas e Afrânio Coutinho (1992, p. 157), que seguem abaixo: (...) não chegou Vinicius de Moraes a cristalizar sua poesia em expressão irredutivelmente própria. Assim, cai freqüentemente sob a égide de influências e de modos [...] Até como sonetista Vinicius d e Moraes não descobriu o seu modo imperativo de dizer, sendo que boa parte de seus sonetos, com efeito, são pastiches quinhentistas; outros revelam -se incolores”. Influenciado, plagiador ou não, é preciso se admitir que Vinicius foi um mestre dos sonetos. A musicalidade e as temáticas que costumava inserir em suas poesias que atingiam em cheio o leitor. Segundo o professor Douglas Tufano (1998, p. 265) 16 Depois de uma fase inicial (seus dois primeiros livros – A caminho da distancia e Forma e exegese), em que sua poesia manifesta claros acentos bíblicos e uma visão idealizante do amor, Vinicius de Moraes passa a desenvolver, cada vez mais intensamente, um lirismo que faz das sensações do amor físico sua fonte temática constante [...] Numa linguagem comunicativa, em que o popular está presente, mas sem descer ao vulgar, compôs alguns dos mais belos poe mas de amor da nossa literatura. Podemos dizer que Vinicius de Moraes teve que passar por vários momentos até achar a sua forma de escrever seus sonetos,até cair definitivamente no gosto popular e enfim ser chamado de mestre dos sonetos. 2.2 POESIA A literatura é a forma mais representativa da oralidade do s povos das antigas civilizações, pois a literatura era o instrumento de comunicação bem como de transmissão de conhecimentos e experiências vividas pelos mais velhos passadas dos mais velhos aos mais novos, de pai para filho, de geração a geração através da fala. A essa forma de comunicação de cunho inicialmente oral era acrescentada o ritmo para que os ensinamentos fossem mais bem transmitidos e assimilados pelo povo. Antônio Saraiva, dá respaldo teórico a essa fala inicial quando afirma que: [...] nas civilizações do passado, a mais corrente forma de comunicação e de transmissão da obra literária não é escrita, mas oral. Antes de se fixarem no bronze, na pedra, no papiro, no papel ou no pergaminho, as histórias, as narrativas, e até os códigos morais e jurídicos gravavam-se na memória dos ouvintes; [...] (SARAIVA, 2005, p. 45) Como se pode observar nas palavras de Saraiva as civilizações de outrora utilizavam uma literatura oral para uma comunicação e transmissão de conhecimentos de forma eficaz, ou seja, que de fato fosse entendida e memorizada pelo próprio. 17 O período literário do Trovadorismo foi de extrema importância nesse tempo em que a literatura oral era a base e a estrutura da comunicação porque era formado de poemas musicados em cantigas compostas pelos trovadores da época, cantadas pelos menestréis acompanhados pela flauta, viola e alaúde entre outros instrumentos da época. As cantigas trovadorescas eram poemas para serem cantados acompanhados por instrumentos musicais. Essas cantigas eram constituídas pelos gêneros lírico: as cantigas de amor e de amigo e satírico, as cantigas de escá rnio e maldizer. Embora o gênero satírico fosse também composto de versos canta dos pelo trovador as cantigas de amor e amigo foram a representação mais fiel dessa poesia cantada e rimada desse período oral da literatura. As cantigas de amor representava m um eu poético masculino que sofria por um amor impossível, de modo geral, por uma dama da corte, inacessível pela questão da diferença de estirpe social muito acima do que a do trovador. As cantigas de amigo eram feitas pelos mesmos trovadores, mas rep resentavam um eu poético feminino que segundo Massaud Moisés: “surpreendia “momentos” do namoro, desde as primeiras horas da corte até as dores do abandono, ou da ausência, pelo fato de o bem amado estar no fossado ou no bafordo, isto é, no serviço milit ar ou no exercício das armas”. (2001, p. 22) Quando tratamos de poesia como arte dos versos característica de um poeta, de um povo, de uma época, logo podemos fazer associação à poesia de Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, e ntre outros tantos poetas que lemos, também podemos falar da poesia trovadoresca, clássica, moderna, romântica e assim por diante, pois representam a poesia de um povo em uma determinada época. 18 Segundo BARTHES (2002, p. 11) “Todo escritor dirá então: louc o não posso, são não me digno, neurótico sou.” A busca do escritor/poeta pela palavra, a frase perfeita que será capaz de produzir no leitor a fruição o prazer da leitura, torna -se como uma neurose em busca da linguagem perfeita. A poesia também pode ser tratada como a arte de excitar a alma com uma visão do mundo, por meio das melhores palavras em sua melhor ordem, poder criativo; inspiração, o que desperta o sentimento do belo, aquilo que há de elevado ou comovente nas pessoas ou nas coisas. Aos escritores BARTHES (2002, p. 11) adverte : O texto que o senhor escreve tem de me dar prova de que ele me deseja. Essa prova existe: é a escritura. A escritura é isto: a ciência das fruições da linguagem, seu kama-sutra (desta ciência, só há um tratado: a própria escritura.” Em uma de suas crônicas sobre poesia Vinícius de Moraes define o que para ele é poesia; literatura: composição em versos (livres e/ou providos de rima) cujo conteúdo apresenta uma visão emocional e/ou conceitual na abordagem de ideias, estados de alma, sentimentos, impressões subjetivas etc., quase sempre expressos por associações imagéticas , literatura: composição poética de pequena extensão ou característica de um poeta, de um povo, de uma época a Arte de excitar a alma com uma visão do m undo, por meio das melhores palavras em sua melhor ordem , poder criativo; inspiração; o que desperta o sentimento do belo; aquilo que há de elevado ou comovente nas pessoas ou nas coisas. Ao falar de poesia como arte de compor versos, podemos supor que q ualquer sequência ritmada e, especialmente rimada, seja poesia. Mas ao dizermos que poesia é composição em versos (livres e/ou providos de rima) cujo conteúdo apresenta uma visão emocional e/ou conceitual na abordagem de ideias, estados de alma, sentimento s, impressões subjetivas etc., quase sempre expressos por associações imagéticas e composição poética de pequena extensão já não podemos associar ao versinho infantil acima citado, pois se pressupõe que seja algo 19 mais elaborado e pensado para que produza n o leitor o efeito desejado pelo poeta. Para que as imagens sejam criadas e sentimentos sejam produzidos, o poeta realiza um trabalho árduo em busca da linguagem perfeita. Como no exemplo da poesia Uma operária parte de um monte de tijolos sem significação especial senão serem tijolos para – sob a orientação de um construtor que por sua vez segue os cálculos de um engenheiro obediente ao projeto de um arquiteto – levantar uma casa. Um monte de tijolos é um monte de tijolos. Não existe neles beleza específica. Mas uma casa pode ser bela, se o projeto de um bom arquiteto tiver a estruturá-lo os cálculos de um bom engenheiro e a vigilância de um bom construtor no sentido do bom acabamento, por um bom operário, do trabalho em execução. Troquem -se tijolos por palavras, ponha-se o poeta, subjetivamente, na quádrupla função de arquiteto, engenheiro, construtor e operário, e aí tendes o que é poesia. Transcrevendo a reflexão de Vinícius, conforme o sugerido por ele mesmo pode -se dizer então que; o poeta parte de um monte de palavras sem significação especial senão serem palavras, que sob a orientação, construção, cálculos e projeto do poeta, tornam -se poesia. Um monte de palavras é um monte de palavras. Não existe beleza específica. Mas uma poesia pode ser bela se o poeta der um bom acabamento. Vejamos o Soneto da fidelidade : De tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento E assim quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama 20 Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure A simplicidade expressiva de Vinícius, aliada à musicalidade de seus versos e ao gosto pelo soneto (muito fácil de ser lembrado e recitado) garantiram -lhe uma popularidade que nenhum outro poeta moderno teve no país. É difícil encontrar algum brasileiro, medianamente informado, que não conheça o Soneto da fidelidade . 21 3 A S C OR R EN TES LITER Á R IA S FLU EN TES N O S SO NETO S D E VIN IC IU S D E M OR A ES. Neste capítulo veremos o que é poesia para Vinícius de Moraes analisando por meio da história da literatura, e as correntes literárias influentes nos sonetos, quais foram as retomadas de características históricas utilizadas por Vinícius de Moraes. 3.1 TROVADOR ISMO Na história da literatura (luso-brasileira) a primeira escola literária que aparece é o Trovadorismo, com suas cantigas de amor, cantigas de amigo, cantigas de escárnio e de maldizer. Vinícius toma para si o papel de trovador, aquele que é ao mesmo tempo poeta e músico, que canta e recita seus poemas que são feitos para a mulher idealizada e inacessível. Aquela mulher que o homem nunca a terá: Meu Deus, eu quero a mulher que passa. Seu dorso frio é um campo de lírios Tem sete cores nos seus cabe los Sete esperanças na boca fresca! Oh! Como és linda, mulher que passas Que me sacias e suplicas Dentro das noites, dentro dos dias! Teus sentimentos são poesia Teus sofrimentos, melancolia. Teus pelos leves são relva boa Fresca e macia. Teus belos braços são cisnes mansos Longe das vozes da ventania. Meu Deus, eu quero a mulher que passa! Como te adoro, mulher que passas Que vens e passas, que me sacias Dentro das noites, dentro dos dias! Por que me faltas, se te procuro? Por que me odeias quando te juro Que te perdia se me encontravas E me encontrava se te perdias? 22 Por que não voltas, mulher que passa? Por que não enches a minha vida? Por que não voltas, mulher querida Sempre perdida, nunca encontrada? Por que não voltas à minha vida Para o que sofro não ser desgraça? Meu Deus, eu quero, quero depressa Eu quero-a agora, sem mais demora A minha amada mulher que passa! No santo nome do teu martírio Do teu martírio que nunca cessa Meu Deus, eu quero, quero depressa A minha amada mulher que passa! Que fica e passa, que pacifica Que é tanto pura como devassa Que bóia leve como a cortiça E tem raízes como a fumaça. 3.2 HU MANISMO No Humanismo podemos encontrar o teatro de Gil Vicente, as novelas de cavalaria e as poesias palacianas, essas, ao contrário da poesia trovadoresca, eram elaboradas para serem recitadas nas cortes. Segundo Maia (2003, p. 135): “O Humanismo foi um movimento cultural que além do estudo e imitação dos autores greco-latinos, fez do homem objeto conhecimento, reivindicando para ele uma posição de importância contexto do universo, sem , contudo, negar o valor supremo Deus.” da de no de Vinícius de Moraes, Assim como no humanismo, rebusca os autores greco -latinos. Em forma de teatro, ele re conta o Mito de Orfeu com a peça Orfeu da Conceição: Tragédia carioca. Com o subtítulo "Tragédia Carioca", o texto dramático de Vinícius de Morais (mais tarde transposto para a tela - Orfeu Negro — pelo francês Mareei Camus, sucesso internacional) adapta a um morro do Rio de Janeiro o antigo mito de Orfeu: 23 inconsolado com a morte da bem -amada, o poeta e músico desce aos infernos e obtém do Rei das Sombras a prom essa de poder levar Eurídice com ele , desde que não olhasse para trás, para ver se ela o seguia , Orfeu então desobedeceu as condições para ter sua amada de volta, olhou para traz e contemplo u-a por um breve instante, perdendo Eurídice para sempre. O poeta passa o resto de seus dias buscando Eurídice, inutilmente, e acaba sendo esquartejadas pelas Bacantes, invejosas da fidelidade de Orfeu à sua amada. Na adaptação, a descida aos infernos será ambientada num baile de 3 ª feira gorda, no clube "Os Maiorais do Inferno"; a lira será substituída pelo violão; as bacantes, por um bando de prostitutas - e assim por diante , numa série de bem dosados expedientes que imprimem à tragédia forte marca de realismo e atualidade (LAJOLO; CAMPEDELLI, 1980, p. 58). MONÓLOGO DE O RFEU Mulher mais adorada! Agora que não estás, deixa que eu rompa O meu peito em soluços! Te enrustiste Em minha vida; e cada hora que passa É mais por que te amar, a hora derrama O seu óleo de amor, em mim, amada... E sabes de uma coisa...cada vez Que o sofrimento vem, essa saudade De estar perto, se longe, ou estar mais perto Se perto – que é que eu sei! Essa agonia De viver fraco, o peito extravasado O mel correndo; essa incapacidade De me sentir mais eu, O rfeu; tudo isso Que é bem capaz de confundir o espírito De um homem – nada disso tem importância Quando tu chegas com essa harmonia Esse corpo! E me dizes essas coisas Que me dão essa força, essa coragem Esse orgulho de rei. Ah, minha Eurídice Meu verso, meu silêncio, minha música! Nunca fujas de mim! Sem ti sou nada Sou coisa sem razão, jogada, sou Pedra rolada. Orfeu menos Eurídice... Coisa incompreensível! A existência Sem ti é como olhar para um relógio Só com o ponteiro dos minutos. Tu És a hora, és o que dá sentido E direção ao tempo, minha amiga Mais querida! Qual mãe, qual pai, qual nada! 24 A beleza da vida és tu, amada Milhões amada! Ah, criatura, quem Poderia pensar que Orfeu: O rfeu Cujo violão é a vida da cidade E cuja fala, como o vento à flor Despetala as mulheres – que ele, Orfeu Ficasse assim rendido aos teus encantos! Mulata, pele escura, dente branco Vai teu caminho Que eu vou te seguindo No pensamento e aqui me deixo rente Quando voltares, pela lua cheia Para os braços sem fim do teu amigo! Vai tua vida, pássaro contente Vai tua vida que estarei contigo! 3.3 CLASSICISMO Dentre as características C lássicas, estão a inversão dos termos da oração; a preocupação com a forma, métrica, rima, correção gramatical; clareza na expressão do pensamento. Segundo a afirmativa de Maia (2003, p. 143). A concepção estética oriunda do Humanismo e do Renascimento convencionou -se chamar Classicismo, porque clássicos eram os antigos artistas e filósofos greco -latinos dignos de serem estudados nas “classes”. [...] (A) Época Clássica, [...] abrangia não apenas o Renascimento, mas também o Barroco e o Arcadismo (este últi mo conhecido também como Neo-classicismo). Tais características estão presentes na obra de Vinícius de Moraes e podemos percebê-las em seus sonetos. Para exemplificar, temos como exemplo o Soneto de Contrição: Eu te amo, Maria, te amo tanto Que o meu pe ito me dói como em doença E quanto mais me seja a dor intensa Mais cresce na minha alma teu encanto. Como a criança que vagueia o canto Ante o mistério da amplidão suspensa Meu coração é um vago de acalanto Berçando versos de saudade imensa. Não é maior o coração que a alma Nem melhor a presença que a saudade 25 Só te amar é divino, e sentir calma... E é uma calma tão feita de humildade Que tão mais te soubesse pertencida Menos seria eterno em tua vida. 3.4 BARROC O Do Barroco Vinícius de Moraes buscou características tais como: “Culto do contraste. [...] consciência da transitoriedade da vida. [...] Cultismo” (MAIA, 2003, p. 166). A vida feita de momentos e que os puros não a tinha, pela sua subjetividade e a busca de encontrar as respostas ocultas aos olhos meramente humanos. CARTA AOS "PURO S" Ó vós, homens sem sol, que vos dizeis os Puros E em cujos olhos queima um lento fogo frio Vós de nervos de nylon e de músculos duros Capazes de não rir durante anos a fio. Ó vós, homens sem sal, em cujos corpos tensos Corre um sangue incolor, da cor alvar dos lírios Vós que almejais na carne o estigma dos martírios E desejais ser fuzilados sem o lenço. Ó vós, homens iluminados a néon Seres extraordinariamente rarefeitos Vós que vos bem-amais e vos julga is perfeitos E vos ciliciais à ideia do que é bom. Ó vós, a quem os bons amam chamar de os Puros E vos julgais os portadores da verdade Quando nada mais sois, à luz da realidade, Que os súcubos dos sentimentos mais escuros. Ó vós que só viveis nos vórtices da morte E vos enclausurais no instinto que vos ceva Vós que vedes na luz o antônimo da treva E acreditais que o amor é o túmulo do forte. Ó vós que pedis pouco à vida que dá muito E erigis a esperança em bandeira aguerrida Sem saber que a esperança é um simples dom da vida E tanto mais porque é um dom público e gratuito. Ó vós que vos negais à escuridão dos bares Onde o homem que ama oculta o seu segredo 26 Vós que viveis a mastigar os maxilares E temeis a mulher e a noite, e dormis cedo. Ó vós, os curiais; ó vós, os ressentidos Que tudo equacionais em termos de conflito E não sabeis pedir sem ter recurso ao grito E não sabeis vencer se não houver vencidos. Ó vós que vos comprais com a esmola feita aos pobres Que vos dão Deus de graça em troca de alguns restos E maiusculizais os sentimentos nobres E gostais de dizer que sois homens honestos. Ó vós, falsos Catões, chichisbéus de mulheres Que só articulais para emitir conceitos E pensais que o credor tem todos os direitos E o pobre devedor tem todos os deveres. Ó vós que desprezais a mulher e o poeta Em nome de vossa vã sabedoria Vós que tudo comeis mas viveis de dieta E achais que o bem do alheio é a melhor iguaria. Ó vós, homens da sigla; ó vós, homens da cifra Falsos chimangos, calabares, sinecuros Tende cuidado porque a Esfinge vos decifra. E eis que é chegada a vez dos verdadeiros puros. Podemos perceber o contraste no poema quando se coloca palavras semanticamente opostas, como em; fogo versos frio, nervos de nylon verso s músculos duros, sangue incolor versos estima dos martírios.Porque não se entregar as vicissitudes corpóreas e viver a química tipicamente humana. A carne. Podemos observar consciência da transitoriedade da vida pode ser compreendida nos versos “Tende cuidado porque a Esfinge vos decifra... E eis que é chegada a vez dos verdadeiros puros.” Na mitologia grega, no caminho para a cidade de Tebas, havia uma Esfinge. Para passar pelo caminho era necessário que se decifrasse o enigma da Esfinge, era uma questão de vida ou morte, quem não conseguisse decifrar, era devorado pela Esfinge. No poema, é a Esfinge quem decifra a pessoa, colocando -a, desta forma, entre a vida e a morte . “E eis que é chegada a vez dos verdadeiros puros.” O cultismo, que nada mais é do q ue o jogo de palavras e o estilo trabalhado podem ser observados nos versos a seguir: 27 “Ó “Ó “Ó “Ó “Ó “Ó “Ó “Ó “Ó vós, homens sem sol, que vos dizeis os Puros” vós, homens sem sal, em cujos corpos tensos” vós, homens iluminados a néon” vós, a quem os bons amam chamar de os Puros” vós que só viveis nos vórtices da morte” vós que pedis pouco à vida que dá muito” vós que vos negais à escuridão dos bares” vós, os curiais; ó vós, os ressentidos” vós que vos comprais com a esmola feita aos pobres” 3.5 A RCADISMO O Arcadismo foi uma escola literária também conhecida como Neo -clássica, pois retomava os ideais do classicismo. As características do Arcadismo que podemos encontrar em Vinícius de Moraes são: ”Imitação: [...] retorno aos modelos clássicos renascentistas. Bucolismo: [...] a pureza, a beleza e a espiritualidade residem na natureza.” (MAIA, 2003, p. 185). SONETO DE INTIMIDADE Nas tardes de fazenda há muito azul demais. Eu saio às vezes, sigo pelo pasto, agora Mastigando um capim, o peito nu de fora No pijama irreal de há três anos atrás. Deço o rio no vau dos pequenos canais Para ir beber na fonte a água fria e sonora E se encontro no mato o rubro de uma amora Vou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais. Fico ali respirando o cheiro bom do estrume Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme E quando por acaso uma mijada ferve Seguida de um olhar não sem malícia e verve Nós todos, animais, sem comoção nenhuma Mijamos em comum numa festa de espuma. Assim como no Arcadismo havia a idealização do amor e da mulher e em Vinícius esta também é uma temática marcante, corre -se o risco de pensar que seria também esta uma característica Árcade presente na obra de Vinícius de Moraes, mas no Arcadismo esta idealização do amor e da mulher er am tidos como “fonte de prazer, 28 tranqüilo e não-passional” (MAIA, 2003, p. 186), enquanto que em Vinícius o amor é passional, melancólico e ás vezes até levado ao extremo de morrer por amor ou morrer de amor. SONETO DO AMO R TO TAL Amo-te tanto, meu amor... não cante O humano amor coração com mais verdade... Amo-te como amigo e como amante Numa sempre diversa realidade. Amo-te afim, de um calmo amor prestante, E te amo além, presente na saudade. Amo-te, enfim, com grande liberdade Dentro da eternidade e a cada instante. Amo-te como um bicho, simplesmente De um amor sem mistério e sem virtude Com um desejo maciço e permanente. E de te amar assim, muito e amiúde, é que um dia em teu corpo de repente Hei de morrer de amar mais do que pude. 3.5 R OMANTISMO Para Vinícius de Moraes, o Romantismo foi a estética literária que mais o influenciou, em especial a segunda geração romântica, também conhecida como ultra-romântica. O Romantismo traz como uma de suas caracte rísticas uma linguagem caracterizad a: Evasão ou escapismo, resultante do conflito do eu com a realidade. Saudosismo [..] O sonho [..] A consciência da solidão [..] O exagero [..] somado à instabilidade e à ânsia de evasão [...] caracterizada o estado de espírito de vários românticos que se entregaram a uma excessiva melancolia e solidão. [...] A idealização da mulher e do amor. [...] o poeta romântico reveste a mulher de uma aura angelical, retratando -a como figura poderosa e inacessível. [...] Porém reflete muitas vezes um sensualismo be m material na descrição feminina, Pelo transbordamento de expressão: poemas extensos, repetições inúteis e recursos que revelam o estado emotivo do artista. [...] Os românticos defendiam uma linguagem simples, mais coloquial e livre dos grilhões da sintaxe clássica [...] ‘’(MAIA, 2003, p. 203 -204). 29 Seguindo a linha de raciocínio citado acima, Vinícius de Moraes imprimiu em sua obra tais características românticas, em especial as chamadas de características ultra-românticas (que foi a causa do, que posteri ormente, foi chamado Mal do Século). Tais características são: o lirismo, o subjetivismo, o sonho de um lado, o exagero, a busca pelo exótico e pelo inóspito de outro. Também se destacam o nacionalismo, a idealização do mundo e da mulher, assim como a fuga da realidade e o escapismo. Eventualmente também serão notados o pessimismo e certo gosto pela morte, religiosidade e naturalismo. 3.6 PARNASIANISMO Vinícius buscou no Parnasianismo característica como “Visão carnal da mulher procura da rima rica , retorno aos módulos clássicos greco -latinos e alusão à mitologi, procura da palavra perfeita (mot juste) predileção pelo soneto” (MAIA, 2003, p. 311). SONETO DA MULHER CASUAL Por não seres aquela que eu buscava Nem do meu ontem nada recordares, Por não haver, aquém e além dos mares, Alguém mais relva e seda, avena e lava; Por o efêmero e o vão me revelares Dos ídolos antigos que adorava E por assim sem cânticos chegares Quando de tudo eu já desesperava; E por seres feliz e por quereres A alguém que é feliz, até o resto de mim que é feliz, até o resto De mim, quando talvez nem mais viveres, Serás, inesperada e longe amiga, Presente em todo pensamento, gesto E palavra de amor que tenha e diga. A inspiração nos modelos clássicos ajudaria a combater as emoções e fantasias exageradas dos românticos, garantindo o equilíbrio que desejavam. 30 Neste soneto, podemos perceber que a mulher é vista de uma forma bem carnal, pois ela não é “aquela que eu buscava”. ‘’Quanto às rimas (ABBA, BABA, CDC, EDE), são chamadas de rimas ricas, pois são rimas “que se dá quando a homofonia se estende até a consoante de apoio da última vogal tônica” (D \'O NOFRIO, 2005, p. 15). Para o poeta, o soneto é um desafio e uma brincadeira. Dotar um a composição de quatorze versos de toda a sua ciência emocional, eis uma proposição que convida o poeta, honesto como tal, a meditar seriamente. No entanto , é também uma brincadeira, porque o poeta, vítima das próprias emoções, humilhado pelo mundo, tem o direito de sentir-se maior do que u m soneto e desprezá -lo como jogo indiferente. Vinícius cultivava uma predileção pelos sonetos, assim como os parnasianos. Mas Vinícius de Moraes, no entanto, não despreza o soneto nem o trata com indiferença, mas pelo contrário, segundo Coutinho: “Numa época em que este relegado à mediocridade das antologias escolares, Vinícius de Moraes publicou no seu primeiro livro os sonetos “Revolta”, com acentos românticos e um penúltimo verso apreciável”. ((1986, p. 751) Vinicius de Moraes trouxe de forma ousada a volta do soneto,uma vez que esse modelo de poesia havia sido um pouco esquecido e só lembrado nas escolas poéticas e ousou como um poeta a frente do seu tempo quando lançou no seu primeiro livro com versos românticos e de muito bom gosto. 3.7 SIMBOLISM O Talvez seja da estética Simbolista, que Vinícius tenha buscado a sua segunda maior inspiração poética. 31 “O que os românticos iniciaram os simbolistas terminaram”, comenta Edmund W ilson. [...] Na Alemanha, a tripla constelação constituída por Shopenha uer, Wagner e Nitzsche introdua a preocupação com a música na formulação de sua teoria crítica e metafísica. [...] a tese de Shopenhauer, para quem a música constitui a expressão imediata da vontade. Friedrich Schiller também se interessou pelo caráter mus ical da poesia. Suas considerações envolvem três tópicos: o aspecto meramente sonoro do texto, a questão da música como expressão direta, imediata e exclusiva da emoção, e a ordenação artísitca da sucessão temporal na criação literária e musical (OLIVEIRA, 2003, p. 21). A escola Simbolista é conhecida pela expressão indireta de ideias e emoções, pela sonoridade expressiva e musicalidade, por um grande subjetivismo, misticismos e espiritualismo, e também pela abstração e preocupação com a form a. MAR Na MELANCOLIA de teus olhos Eu sinto a noite se inclinar E ouço as cantigas antigas Do mar. Nos frios espaços de teus braços Eu me perco em carícias de água E durmo escutando em vão O silêncio. E anseio em teu misterioso seio Na atonia das ondas redondas Náufrago entregue ao fluxo forte Da morte. Podemos observar nessa poesia a a tenção exclusiva ao “eu”, explorando -o através de uma linguagem pessimista e musical, de modo que a carga emotiva das palavras é ressaltada. A poesia é aproximada da mús ica pelo uso de aliterações . O efeito de musicalidade produzido pelo poeta no poema é produzido pela escolha lexical. Percorremos as estéticas literárias apontando em cada uma delas o porquê Vinícius pode ser considerado como um poeta que transitou pelas diversas estéticas, 32 retirando delas apenas o que ele considerava o melhor e transformando, reinventando em sua própria poesia. Estudar a poesia de Vinícius de Moraes é a todo o momento , enfrentar uma criação de extraordinária riqueza formal, onde, aos pri meiro versos em geral livres, longos, despojados de rigor, se sucedem os poemas rimados e metrificados, as baladas e sonetos de seus últimos livros que, afinal, parecem ser os de sua predileção (COUT INH O, 1986, p. 749) Vinícius de Moraes pode ser considerado Modernista, não por ter pertencido à estética literária do Modernismo, e sim por ter sido um poeta moderno, que sabe aproveitar o que há de melhor em cada uma das estéticas passadas e recriar, imprimindo assim, suas características e emoções em sua obr a. CHEGA DE SAUDADE Vai, minha tristeza E diz a ela Que sem ela não pode ser Diz-lhe numa prece Que ela regresse Porque eu não posso mais sofrer. Chega de saudade A realidade é que sem ela Não há paz, não há beleza É só tristeza, e a melancolia Que não sai de mim, não sai de mim Não sai. Mas se ela voltar Se ela voltar, que coisa linda Que coisa louca Pois há menos peixinhos a nadar no mar Do que os beijinhos que eu darei Na sua boca. . . Dentro dos meus braços O s abraços hão de ser Milhões de abraços apertado assim Colado assim, calado assim Abraços e beijinhos e carinhos Sem ter fim Que é pra acabar com esse negócio De viver longe de mim. 33 A aliteração e a assonância provocam na música um ar de sensualidade, mas ao mesmo tempo um a tensão. No 1° e no 2° Verso o eu -lírico manda um recado cujo intermediário é a tristeza, vai lá e fala pra ela que eu não sou nada sem ela. Do 3° ao 5° verso é como se o eu -lírico pedisse a tristeza que se ajoelhasse diante do objeto amado (mulher amada) assim como se ajoelha para rezar, roga -lhe, pede pra que ela volte, eu não posso mais sofrer. O amante que perde a amada, assim é o poeta que perde sua poesia. O amante não vive sem sua amada, assim como o poeta não vive sem sua poesia. No 6° verso o eu-lírico dá um Basta, chega eu não quero mais viver de saudade. Do 7° ao 12° verso é como se o eu -lírico caísse em si, e voltasse pra realidade, e esta realidade é que faz com que o amante não viva sem o objeto amado e que o poeta não viva sem a poesia, pois um longe do outro é só tristeza e melancolia. O poeta não existe sem a poesia e segundo Freud (1996, p. 251) “a melancolia é a reação à perda do objeto amado”. A partir do 13° verso a aliteração e a assonância, intensificam -se gerando um aumento da tensã o. Tensão esta que é gerada pela expectativa da volta ou não do objeto amado. Do verso 19 ao 22, dá -se a impressão de que o eu -lírico faz promessas que se assemelham as promessas feitas pelos amantes quando querem a volta de sua amada. O poeta promete tra tar bem sua poesia, se ela voltar. Do verso 23 até o final é como se o eu -lírico fizesse um pedido e uma constatação deixa pra lá, eu não vivo sem você, mas também sei que você não vive sem mim. O poeta não vive sem a poesia, assim como a poesia não exist e sem o poeta. Vinicius de Moraes fala que longe da amada é um homem desesperado que se sente solitário e perdido. Essa última declaração encerra uma das mais belas que produziu ao longo de sua vida.Ser poeta é ser um homem disposto à luta. 34 4 O R O MA N TISM O PR ESEN TE N O S SO N ETO S E POESIA S Neste capítulo trabalharemos a relação do poeta com algumas das tendências verificadas no movimento do Romantismo, como por exemplo, a questão da melancolia, da subjetividade e da idealização da mulher amada. Segundo Löwy, o romantismo é: ‘’Enigma aparentemente indecifrável, [...] Sobretudo por seu caráter fabulosamente contraditório, sua natureza de coincidentia oppositorum: simultânea (ou alternadamente) revolucionário e contra revolucionário, [...] retrógrado e utopista, revoltado e melancólico, democrático e aristocrático, ativista e contemplativo, [...] vermelho e branco, místico e sensual. Tais contradições permeiam não somente o fenômeno romântico no seu conjunto, mas a vida e obra de um único e mesmo autor, e por vezes um único e mesmo texto ‘’(1995, p. 9). O Romantismo, como movimento literário, teve início por volta de 1836 e terminou em 1881. Historicamente, podemos dizer que, por ser um movimento literário que tinha uma visão subjetivista do mundo, dado o momento histórico de independências e surgimento das nações europeias, deu lugar ao realismo, com sua visão do mundo como ele é, sem floreamentos, mostrando as misérias do ser humano e da sociedade em que ele vive. Para o Romantismo, o critério da beleza artística seria histórico, relativo, e dependeria fundamentalmente da ação individual. A realidade, para o romântico, era apenas ponto de partida para a manifestação de suas e moções. No Romantismo, é dada uma grande importância ao eu, devido ao subjetivi smo e ao antropocentrismo, visando sempre à satisfação dos desejos do eu, mesmo que essa satisfação se dê apenas subjetivamente por meio da pena e da mão que escrevem o poema, exteriorizando assim, os seus desejos e sonhos mais secretos. No 35 Romantismo, o amor, a mulher, a pátria são idealizados e o idealizador vive sempre buscando conquistar o idealizado, que parece ser inconquistável. Mas, o Romantismo não teve um tempo limite. Assim como as outras escolas literárias, as datas fixadas são apenas referenciais, pois, podemos observar características Românticas nas novelas de cavalaria e também na atualidade em músicas e poemas, que são tidos como ultra -românticos, ou, podemos chamar de neo-românticos. “A melancolia também pode constituir reação à perda de um objeto amado. Onde as causas existentes se mostram diferentes (do luto) pode -se reconhecer que existe uma perda de natureza mais ideal. O objeto talvez não tenha realmente morrido, mas tenha sido perdido enquanto objeto de amor.” (FREUD , 19 96, p. 251) Esta definição de Freud pode ser associada à relação Poeta -poesia. A poesia faz parte do poeta, e o sentimento de perda do poeta gera a melancolia poética. O poeta é aquele que possui a poesia somente enquanto esta está dentro dele, a partir do momento em que o poeta escreve a poesia já não mais pertence a ele e sim ao papel e ao leitor. Esta perda da poesia pelo poeta gera a melancolia, pois o objeto de amor do poeta, sua poesia, não morreu realmente, mas foi perdido pelo poeta. No âmbito artístico, Blan chot (1987), ao escrever sobre essa relação Poeta -poesia, posiciona o olhar de Orfeu, que é como o olhar do autor, que ao terminar a sua obra, ao mesmo tempo em que a contempla, ele lembra -se de todo o processo de concepção e construção da mesma, daí ele toma consciência de que está perdendo sua obra: O olhar de Orfeu é o dom último de Orfeu à obra, dom que ele a recusa, onde ele se sacrifica, transportando -se pelo movimento exorbitante do desejo, para a origem, e onde se transporta ainda, sem o saber, para a obra, para a origem da obra. (BLANCHO T, 1987 apud JUSTINO , 2006, 1987, p. 77). 36 O sentimento gerado no autor pela consciência de perda é solitário, doloroso e melancólico, pois durante o processo de concepção da obra, o autor convive com a obra, os personagens fazem parte do seu dia -a-dia e ao terminá-la é como se ele tivesse morrido com a dor causada pela separação e também neste momento há a morte e o renascimento da obra. A cada leitor que a lê, ela renasce e novos significados lhe são atribuídos O tema órfico foi amplamente trabalhado por Vinícius de Moraes. Um exemplo claro é a Valsa de Eurídice, que inscreve todo processo de criação do poeta e correlaciona também à temática daquele que canta em nome da melancolia da perda. VALSA DE EURÍDICE Tantas vezes já partiste Que chego a desesperar Chorei tanto, estou tão triste Que já nem sei mais chorar Oh, meu amado, não parta Não parta de mim Oh, uma partida que não tem fim Não há nada que conforte A falta dos olhos teus Pensa que a saudade Pode matar-me Adeus Podemos observar no poema, que, assim como no mito de Orfeu e Eurídice, Orfeu perde sua amada devido a saudade e a falta que sentia dos olhos da amada, o poeta também perde sua poesia no momento em que a olha, no m omento em que a contempla. No poema Valsa de Eurídice, a musicalidade e a sonoridade intensa presente no poema, a cada verso faz um movimento em espirais, indo e vindo, mas ao mesmo tempo escapando de nós. 37 De acordo com Blanchot, o espaço onde tudo retorna ao ser profundo, onde existe passagem infinita entre dois domínios, onde tudo morre, mas onde a morte é a sábia companheira da vida, onde o pavor é êxtase, onde a celebração se lamenta e a lamentação glorifica, o próprio espaço para o qual “se precipitam todos os mund os como para a sua realidade mais próxima e mais verdadeira”, o do maior círculo e da incessante metamorfose, é o espaço do poema, o espaço órfico ao qual o poeta, sem dúvida, não tem acesso, onde só pode penetrar para desaparecer, que só atinge unido à in timidade da dilaceração que faz dele uma boca sem entendimento, tal como faz daquele que entende o peso do silêncio: é a obra, mas a obra como origem. (1987, p. 140); Vinícius de Moraes, em seu processo de composição, parece ser consciente deste espaço, onde tudo morre, sabe que sua poesia não lhe pertence, mas pertence àquele que o lê no momento em que a leitura é realizada. A obra é a origem, nela tudo se inicia e tudo se finda. MAIS UM ADEUS Mais um adeus Uma separação Outra vez solidão Outra vez sofrimento Mais um adeus Que não pode esperar O amor é agonia Vem de noite, vai de dia É uma alegra E de repente Uma vontade Uma vontade de chorar. O lha benzinho cuidado Com seu resfriado Não pegue sereno Não tome gelado O gim é um veneno Cuidado benzinho Não beba demais. 38 Se guarde para mim A ausência é um sofrimento. E se tiver um momento Me escreva um carinho E mande dinheiro pro apartamento Porque o vencimento Não é como eu Não pode esperar. O amor é uma agonia Vem de noite, vai de dia É uma alegria E de repente Uma vontade de chorar. Ciente de que o poema não lhe pertence, o poeta faz recomendações do tipo cuidado com o resfriado, não beba demais, etc. O poema nasceu do poeta, é obra do poeta, e como pai-criador do poema, o poeta vive seu amor e sua agonia em sua certeza de não posse sobre sua criação. Vinícius de Moraes, apontando características que revelam algumas faces do poeta, principalmente aquelas já explicadas neste trabalho pela linha teórica pela qual optamos é um poeta criticado por muitos, talvez por ser muito lido e pouco compreendido. Segundo Manhães (2005, p. 1,3) dizia que Vinícius foi: “o único poeta que viveu como poeta [...]. Isso porque Vinícius viveu sua ideologia através de suas músicas e de seus p oemas, quebrando protocolos, regras e paradigmas de seu tempo. Vinícius de Moraes definiu o ser poeta com sua poesia, [...] promoveu no meio artístico brasileiro uma retomada da subjetividade humana apelativa das emoções, [...] estruturou uma nova estética na produção da obra de arte, [...] é uma estética de si que traz a representatividade da sua forma de viver e pensar sobre a vida encharcada de paixão e melancolia.” Há na poesia de Vinícius uma equação de extremos: AMOR = DO R “Eu sei que vou te amar” “Eu sei que vou chorar” “Eu sei que vou sofrer” 39 Assim como o amor não existe sem a dor, a poesia também não existe sem a morte. Há uma certeza poética de uma sequ ência lógica, em que o amor provoca o choro e o sofrimento. É como algo pré -determinado, em que o eu-lírico sabe quais são as consequências de amar, mas sabe também, que ele está pré -destinado a amar.Eis o Soneto de Fidelidade. De tudo ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento. Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure. Neste soneto Vinícius de Moraes define o que é ser poeta, o que é poesia e de onde vem sua poesia. É a pré-destinação do poeta, que ama sua poesia, mesmo sabendo que vai perdê-la, nisso podemos notar a nostalgia e a melancolia antecipada pelo pré-sentimento de perda da mulher amada. Ao tomarmos Vinícius como um poeta clássico, no sentido de que ele g osta da forma clássica do soneto, versos decassílabos, redondilhas, etc., podemos ler a palavra estátua como uma referência à Grécia, berço da cultura e da literatura ocidental. Nisto, também, podemos observar que Vinícius é um poeta anacrônico, ou seja, f ora de seu tempo, ele está no tempo do modernismo e utiliza recursos de outros movimentos literários, no entanto, utiliza -se de outros temas, ou até mesmo a mesma temática, com uma linguagem diferente. Ele define separadamente cada amor vivido e suas mulhe res expostas nas entrelinhas dos seus debafos poéticos. 40 C O N SID ER AÇ Õ ES FIN A IS Ao encerrar o presente trabalho, podemos chegar à conclusão de que a obra de Vinícius de Moraes é pouco explorada pelos estudiosos, no sentido de estudos com rigor metodológicos. Ao leitor e ao crítico que buscam em Vinícius de Moraes um poetinha que escreve apenas poeminhas de prazer, deve -se estar ciente de que ao analisar a obra deste grande poeta poderão assustar-se ao deparar com poemas de fruição e não apenas de prazer. Ao leitor que procura na obra de Vinícius algo que vai além da beleza, no sentido de poema bonito ou música bonita, há uma beleza estética que faz da obra de Vinícius ser uma busca intensa pela fruição do texto, pelo amor contemporâneo e atual, amar sem pre e de várias formas, pois o poeta busca a origem de seu poema que está encerrada no próprio poema. O poeta que perde seu poema vive em busca daquele que é a razão de seu ser poeta, sua poesia, pois a arte é “o caminho para si mesmo” (BLANCH OT, 1987, p. 155). Há sempre aqueles interessados em se apegar à árvore das influencias literárias. Isso sem dúvidas existe. Só que não se passa bem assim e que para que esse impulso para a beleza, e não a habitualidade presença de versos e em fazê-lo que dá a marca do poeta. Para Vinicius de Moraes poesia sem paixão podia ser tudo menos poesia. 41 Soube demonstrar cada sentimento nos seus poemas, sonetos e classificar não como o grande amor mais cada amor de maneira impar. Não temos ‘’o soneto’’ nem ‘’o poema’’ ele ape nas colocou nos versos ilustrados a maneira implícita do amor total, a busca incessante do prazer e devoção à mulher amada. Qual mulher não gostaria de ser amada das maneiras que Vinicius de Moraes amou. 42 R EFER ÊN C IA S ABDALA JUNIOR , B.; CAMPEDELLI, S. Y. Tem pos da literatura brasileira . São Paulo: Círculo do livro, 1987. BARTHES, R.; GUINSBURG . J. O prazer do texto. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002. BLANCHOT, M . O espaço literário . Rio de Janeiro: Rocco, 1987. CASTELO, J. Vinícius de Moraes : o poeta da paixão – uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. COUTINHO , A. (org.) Vinícius de Moraes : poesia Completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguiar, 1986. D’ONOFR IO, S. Teoria do texto 2: teoria da lírica e do dra ma. São Paulo: Ática, 1995. FREUD, S. Luto e Melancolia . In : Obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1996. v. 14 . p. 245 -263. HOUAISS, A. 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