VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA COMETIDA À MULHER:
RETRATOS DE UM COTIDIANO
Área: SERVIÇO SOCIAL
Categoria: PESQUISA
Hugo Leonardo de Souza
Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana
Rua Quintino Bocaiuva, 235, Vila Santa Lorena, Apucarana, PR – CEP: 86811-000
[email protected]
Drª Latif Antonia Cassab
Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana
Rua: Johann Gutemberg, 456, Londrina, PR – CEP 86.063-390
[email protected]
Resumo
Conhecer a violência doméstica, cometida à mulher, pelo seu cônjuge e/o companheiro, no
âmbito doméstico e, em específico, a violência psicológica, constitui-se em um constante
desafio para os profissionais que atuam na área de gênero, na busca uma vida mais justa e
igualitária para as mulheres. Neste sentido, a pesquisa se reveste de importância por desvelar
sujeitos submetidos à violência doméstica em cenários oclusos. Assim, este trabalho apresenta
o resultado da pesquisa realizada em 2008, a partir de nossa inserção no Projeto de Extensão
Universitária “Identidade: Mulher. A intervenção comunitária para a violência contra a
Mulher”, do Programa Universidade sem Fronteiras, promovido pela Secretaria de Estado da
Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná, onde acompanhamos, através de estudos na
área, a problemática da violência à mulher pelo seu companheiro. O trabalho investigativo
pautou-se na concepção filosófica do materialismo histórico dialético, com a abordagem de
estudo de caso e, tendo como ambiência da pesquisa a Secretaria da Mulher e Assuntos da
Família (SEMAF); a amostra representacional dos sujeitos se constituiu de três mulheres,
vitimas de violência psicológica pelos seus companheiros e com atendimento na SEMAF. A
superação desta mazela social está intrinsecamente vinculada ao enfrentamento do
preconceito, da discriminação, mas, principalmente, a um patamar cultural que insiste em
permanecer, há séculos, e no qual a mulher é tida como secundária, em todos os papéis sociais
que desempenha.
Palavras-chave: Violência de gênero. Violência Psicológica. Saúde da mulher.
Cascavel – PR – 22 a 24 de junho de 2009
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA COMETIDA À MULHER:
RETRATOS DE UM COTIDIANO
Área: SERVIÇO SOCIAL
Categoria: PESQUISA
Resumo
Conhecer a violência doméstica, cometida à mulher, pelo seu cônjuge e/o companheiro, no
âmbito doméstico e, em específico, a violência psicológica, constitui-se em um constante
desafio para os profissionais que atuam na área de gênero, na busca uma vida mais justa e
igualitária para as mulheres. Neste sentido, a pesquisa se reveste de importância por desvelar
sujeitos submetidos à violência doméstica em cenários oclusos. Assim, este trabalho apresenta
o resultado da pesquisa realizada em 2008, a partir de nossa inserção no Projeto de Extensão
Universitária “Identidade: Mulher. A intervenção comunitária para a violência contra a
Mulher”, do Programa Universidade sem Fronteiras, promovido pela Secretaria de Estado da
Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná, onde acompanhamos, através de estudos na
área, a problemática da violência à mulher pelo seu companheiro. O trabalho investigativo
pautou-se na concepção filosófica do materialismo histórico dialético, com a abordagem de
estudo de caso e, tendo como ambiência da pesquisa a Secretaria da Mulher e Assuntos da
Família (SEMAF); a amostra representacional dos sujeitos se constituiu de três mulheres,
vitimas de violência psicológica pelos seus companheiros e com atendimento na SEMAF. A
superação desta mazela social está intrinsecamente vinculada ao enfrentamento do
preconceito, da discriminação, mas, principalmente, a um patamar cultural que insiste em
permanecer, há séculos, e no qual a mulher é tida como secundária, em todos os papéis sociais
que desempenha.
Palavras-chave: Violência de gênero. Violência Psicológica. Saúde da mulher
1. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: FORMAS DE EXPRESSÃO E EXTENSÃO
A violência de um modo geral encontra-se enraizada na sociedade desde os seus
primórdios, em múltiplos aspectos. Podemos percebê-la como um fenômeno cotidiano que se
insere desde o âmbito público adentrando pelo espaço doméstico, que em tese deveria ser o
refúgio das pessoas frente a toda forma de violência.
Embora, tanto a violência de uma forma geral, quanto a violência familiar façam
parte do cotidiano de discussões entre as pessoas e nos meios de comunicação, quase nada
tem sido feito no sentido de combatê-la. O Estado pouco investe em políticas públicas de
prevenção e/ ou combate à violência, o que contribui para a perpetuação do problema.
A violência em suas diferentes manifestações tem suas raízes na discriminação,
estando presente em todas as sociedades e apresentando-se de diferentes maneiras.
Constata-se que as mulheres foram perseguidas e maltratadas pelo fato de
serem mulheres, diferentemente do que ocorreu com os homens, que
também foram reprimidos e subordinados, mas por razões externas e não
simplesmente porque eram homens. Os jovens, enquanto jovens, eram
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reprimidos e subordinados, mas ao se transformarem em velhos, adquiriam
status e passavam a ocupar postos importantes. [...]. O mesmo não sucedia
com as mulheres, que se perpetuavam como seres subordinados. (TELES;
MELO 2002, p.30).
Nem mesmo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada
durante a Revolução Francesa, e considerada como um marco da igualdade entre os homens,
reconheceu a mulher como detentora de direitos. Várias francesas que lutaram por seus
direitos foram reprimidas e, muitas vezes, guilhotinadas por tentarem garantir um mínimo de
igualdade entre os sexos.
Além da situação da discriminação em diversificadas situações, muitas mulheres
são acometidas por outros tipos de violência, e, uma das mais sérias a se considerar é a
violência doméstica, praticada pelo seu parceiro, o qual deveria, participar de sua luta diária
no enfrentamento às discriminações. Pior, em pleno século XXI, as mulheres sofrem
discriminação até mesmo por sofrer a violência, sendo vistas como culpada em qualquer
situação.
Segundo Rocha (2007, p. 91-92),
Em virtude da denominada “sacralidade familiar”, é construído um “muro de
silêncio” em torno dos fatos ocorridos no seio da família. [...] As mulheres se
tornam “culpadas” e seus agressores, homens íntegros, que apenas
desejavam defender a honra e o bom nome da família. Assim, também
acontece com mulheres estupradas, sobre as quais pesa sempre a suspeita de
que foram sedutoras e, portanto, responsáveis pela violência sexual
masculina.
É nesse contexto, agressivo, inóspito, que muitas mulheres, em uma longa quadra
histórica viveram. Marcadas pela obrigação de manter o casamento em nome da família,
submetendo-se a padrões estabelecidos por meios de comunicação e pela sociedade. Uma
família típica burguesa, sem conflitos a qual incute à mulher a responsabilidades de todas as
tarefas domésticas e da manutenção do casamento e, ainda, a satisfação do marido na relação.
A violência contra a mulher, nos dias atuais, é vista como um problema de saúde
1
pública , mas nem sempre foi assim. Antes da questão de gênero 2 ser compreendida e deter a
importância que o assunto merece, as mulheres sofreram caladas, durante séculos, sem poder
1
2
Segundo Drezett (2007) a violência contra a mulher pode ser considerada como um problema de
saúde pública, pois “[...] isso é resultado da melhor compreensão dos agravos causados para a saúde
física e mental da mulher e da percepção do espaço da saúde como privilegiado para tratar desse
tema” (DREZETT, 2007, p.81).
Para melhor compreensão desta expressão, é preciso, antes, entender os conceitos de sexo, de gênero
e suas diferenças. O conceito de sexo está ligado às diferenças fisiológicas das genitálias da fêmea
(mulheres têm vagina) e do macho (homens têm pênis). Gênero é uma categoria criada para analisar
as relações entre mulheres e homens e como elas são construídas cultural e socialmente. Por meio
desta categoria, foi possível perceber que as mulheres são discriminadas na sociedade e que sofrem
violência apenas por terem nascido mulheres. Elas seriam tidas como “frágeis e dóceis”, enquanto os
homens seriam “viris, fortes e provedores”. O estereótipo vem de longa data, sendo, desde sempre,
mais ou menos presente em cada momento e comunidade. Esta imposição de papéis criou uma
hierarquização de poder, subordinando as mulheres aos homens. A violência de gênero é uma das
expressões dessa divisão de poderes que limita, não só a vida das mulheres, mas também a dos
homens quando, por exemplo, restringe sua possibilidade de manifestar seus sentimentos, através do
choro, da suavidade ou da beleza, de cuidar dos filhos e da casa. (CFEMEA, 2007 p. 13)
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contar com o auxilio e/ou socorro quando violentada, submetendo-se e conformando-se com
seu destino.
Historicamente, e até décadas atrás, muitas mulheres achavam que padecer pela
violência imputada pelo seu cônjuge e/ou companheiro era natural, já que sua mãe também a
sofria pelo marido. Desta forma, a violência se propagava por muitas gerações, de forma
cíclica, através do modelo patriarcal 3 causando opressão e alienação.
A violência sempre foi a principal forma de dominação masculina, visto que o
homem, de uma forma geral, não visava a eliminação da mulher, mas sim, dominá-la a fim de
que a mantivesse sob o controle e restrita ao ambiente doméstico. Nesse sentido, o homem
pratica a violência de uma forma que, segundo Teles e Melo (2002), denominam como um
processo regular, de quatro fases, definido como “tensão relacional, violência aberta,
arrependimento e lua-de-mel”
Questionada sobre tais fases, uma das mulheres, sujeito da pesquisa, relata,
É mais uma situação de lua-de-mel mesmo. Pode se considerar como isso
mesmo. Porque era assim, batia, agredia, e depois queria, por exemplo,
comprar remédio, pra passar nos hematomas, sabe? Ficava com aquele
carinho depois: “eu vou te levar pra almoçar fora, pra você não ter que
fazer nada” não precisa se preocupar com coisas da casa” sabe? É bem
isso mesmo. Só que isso daí não dura muito sabe? Ele dura lá por exemplo,
uma semana, cinco dias, no caso do meu marido, quando ele voltava a
beber, ai ele voltava... porque quando ele ficava sem beber ele ficava
digamos assim... nessa situação de arrependimento, sabe? Juramentos:
“olha, nunca mais vou pôr a mão em você”, “olha, eu te prometo” então,
essas promessas que “eu nunca mais vou pôr a mão em você” isso aí são
coisas que você ouve, sabe? (Margarida).
Mas, assim como os homens não visam “eliminar” sua companheira, as mulheres
também, ao procurarem os recursos a que têm direito, não visam diretamente que o seu
marido seja preso, mas sim dar um “susto”, afim de que ele mude suas atitudes na relação
conjugal, já que a maioria dessas mulheres, em busca de auxílio, são dependentes
economicamente ou não querem que seus filhos cresçam com o pai na cadeia. Isso, sem
contar as diversas pressões que sofrem pela família, sociedade e religião, para que seja
preservada a “sacralidade familiar”. (SAFFIOTI, 1999). Dessa forma, é muito difícil
conduzir um processo de violência doméstica pois, muitas vezes, a mulher retira a queixa,
principalmente quando ocorre a referida fase de lua-de-mel.
As principais formas de violência doméstica contra a mulher definidas na Lei
11,340/2006, a Lei Maria da Penha são as física, sexual, psicológica, moral e patrimonial.
A violência física pode ser compreendida como qualquer tipo de ação que ofenda
a integridade e a saúde corporal da mulher. Este tipo de violência pode se manifestar de
diferentes formas, como por exemplo: tapas, empurrões, socos, mordidas, queimaduras, lesões
por armas ou objetos, cortes, estrangulamento, arrastar, arrancar a roupa, amarrar, etc.
Embora não existam pesquisas oficiais na área, a Secretaria Especial de Políticas
para as Mulheres estima que cerca de 2,1 milhões de mulheres são espancadas por ano, em
3
Em relação ao modelo patriarcal Faleiros (2007) expõe que: “O poder patriarcal estrutura-se, pois,
na desigualdade entre os gêneros masculino e feminino, numa lei do status desigual dos gêneros. [...]
Historicamente, os machos estruturam o poder patriarcal de dominação sobre as fêmeas, ou melhor,
sobre o gênero feminino, exercido diretamente pelo patriarca ou por seus prepostos” (FALEIROS,
2007, p.62).
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todo o território nacional. O que, segundo estimativas, seria uma mulher espancada a cada 15
segundos. Ainda, segundo a referida Secretaria, aproximadamente 20% das mulheres
brasileiras admitiram já ter sofrido algum tipo de violência física, por parte de seu
companheiro e 40% já presenciaram algum tipo de violência cometida contra outras mulheres
(BRASIL, 2008, p.92).
A violência sexual é qualquer tipo de relação sexual não desejada pela mulher e
sendo intimidada e forçada pelo agressor a realizá-la. Esta violência é muito comum dentro de
uma relação estável, ao contrário do que pensa o senso comum. Muitas vezes as mulheres não
querem ter uma relação sexual com o companheiro naquele momento, mas se vêem obrigadas
a satisfazerem seu desejo com medo de uma reação mais violenta do seu companheiro.
Como os outros tipos de violência, a sexual também não possui estatísticas
oficiais que indiquem a incidência desse tipo de violência. Isso ocorre em virtude de que na
maioria das vezes há um constrangimento das mulheres em denunciar o agressor. Além dos
preconceitos que sofre, também sempre recai sobre as mulheres a culpa de que foram elas
quem os seduziu.
A Lei também preconiza como violência contra a mulher, a violência moral, que
consiste em “[...] qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”; e a violência
patrimonial, que pode ser considerada como “[...] qualquer conduta que configure retenção,
subtração, destruição parcial ou total de seus bens pessoais” (BRASIL, 2006, p.18).
2. A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA NO ÂMBITO DOMÉSTICO COMETIDA PELO
HOMEM À MULHER
Ainda que a mídia refira-se a um modelo de família “tradicional”, idealizada
através de propagandas e novelas, vivendo todos em harmonia, sem brigas ou discussões, não
é esse o modelo de família que realmente existe na sociedade contemporânea. Talvez essa
condição familiar até exista, mas o que prevalece na sociedade, atualmente, são famílias em
situação de abuso constante, em todos os segmentos sociais.
O âmbito doméstico é continuamente considerado pelo senso comum como um
espaço tranqüilo, transmitindo às pessoas um sentimento de segurança, decorrência da
condição histórica da família, enquanto um espaço sagrado e, dessa forma, denotando a
violência familiar como um tabu.
Apesar de a família ter caminhado no sentido da sua sentimentalização, a
violência doméstica não foi imediatamente reconhecida como um
comportamento anômalo e, portanto, como um problema social. Pelo
contrário, permaneceu em silêncio em parte devido à pressão da ideologia
romântica e à expansão de uma nova conceptualização do espaço doméstico
que passou a ser considerado, [...] como um espaço caloroso, de
companheirismo e de realização afetiva. A violência torna-se, então,
inadequada e impensável no quadro da família moderna. (DIAS, 2002,
p.103-104).
Apesar dessa ideologia romântica que se perpetuou no ambiente familiar, muitas
mulheres, que vivenciam a condição de violência, sentem-se angustiadas e amedrontadas
apenas com a possibilidade da volta de seu companheiro, para casa, no final do dia. Isso
ocorre, pois essas mulheres sabem que ao chegarem em casa seu companheiro estará pronto
para atacá-la de alguma maneira, a fim de agredi-la e minimizá-la como pessoa.
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Expostas a todos os tipos de violência, em uma rotina de medo, muitas mulheres
são vitimizadas por seus companheiros, através de insultos, ofensas pessoais. Ou seja,
psicologicamente, a fim de controlá-la para mostrar quem manda na casa e o quanto ela é
inferior. É nesse sentido que buscamos conhecer e entender a violência psicológica. Uma
violência que ocorre em grande parte das famílias brasileiras, que não é vista e estudada mas,
causando feridas invisíveis, que podem ser mais doloridas do que uma agressão física.
Para Miller (1999, p.35),
A mulher vítima do abuso emocional vive num estado de medo: o que o
homem fará a seguir? Sua vida torna-se um inferno, como a de um dissidente
na época de Stalin, imaginando a cada momento quando a KGB irá agarrálo. Com medo de baixar a guarda, ela não pode sequer desfrutar de
momentos tranqüilos com ele – um filme ou uma noite com amigos – sempre
cautelosa, sabendo o que ele pode fazer com um mínimo de provocação.
A violência psicológica pode ser considerada como a violência mais perversa
ocorrida dentro do âmbito doméstico – enquanto que a violência física deixa marcas durante
alguns dias, ou meses, a violência psicológica deixa marcas irremediáveis durante toda uma
vida.
Segundo Margarida,
É como se você ficasse sempre com o pé atrás, você fica com um aqui outro
ali, sabe? É como se você tivesse pronto pra você ver até onde a pessoa
consegue manter aquela aparência de bonzinho. Então, acho que curar,
esquecer, não, você não esquece.
Para Violeta, a violência física se constitui em gravidade, sendo superada, em
intensidade, pela violência psicológica.
Além da física, a psicológica, porque a dor passa, o machucado passa, mas
o que ele fez, o que a pessoa faz, as palavras que são ditas, o que você vê
aquela coisa acontecendo, você não esquece nunca mais na vida. Então, eu
acho que ela é muito maior que a dor física.
Segundo a Lei 11.340/2006 – a Lei Maria da Penha – a violência psicológica pode
ser entendida como:
[...] qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto
estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que
vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões,
mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento,
vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,
ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer
outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
(BRASIL, 2006, p.17).
O fato da violência psicológica, finalmente ser configurada através de uma Lei,
constitui-se um avanço importante no combate a todos os outros tipos de violência. Mas, de
outro lado, a violência psicológica ainda está longe de ser considerada pelos serviços públicos
de saúde e instituições policiais como importante. Muitas pessoas nem mesmo conhecem a
violência psicológica.
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Há mulheres, que apesar de não perceberem que estão sendo vítimas de uma
agressão psicológica, ainda buscam explicações para os abusos do companheiro. Neste
sentido Miller (1999, p.36) expões que,
Se ele fica com ciúmes, é porque a considera desejável; ela se sente
lisonjeada. Se insiste em tomar todas as decisões, é porque deseja protegê-la
e defendê-la; ela se sente protegida. Se não se comunica, é porque é do tipo
silencioso; ela compreende. Se a deixa constrangida ou esbraveja, é só
porque perdeu a cabeça e não queria fazer isso; ela perdoa. Quando percebe
que realmente quer fazer isso e não se sente mais lisonjeada, protegida ou
compreensiva – e, certamente, não generosa – ela se descobre num
relacionamento tão deformado que não consegue enxergar uma saída.
Podemos visualizar essa situação na narrativa de Margarida:
Perceber, a gente até percebe. Mas você não quer enxergar. Mas é uma
coisa que você percebe, mas você não enxerga. [...] e o tempo vai passando.
Aí quando parte pra agressão física, é como se você acordasse e falasse
assim: “Poxa! Não, o negócio tá feio... precisa ser tomada alguma atitude”
só que essa atitude demora .. .pra você acordar...
Para muitos homens é normal ofender a mulher e tratá-la como propriedade, visto
que, culturalmente subentende que foi criado, para ser o mantenedor da família e,
conseqüentemente, o “dono” da mesma. Já a mulher foi criada para ser a “rainha do lar”, a
eterna “Amélia”4, devendo sempre se ocupar com o cuidado da casa e obedecer ao marido.
Felizmente, essa idéia está mudando, mesmo em um ritmo lento, mas o avanço já
é considerável. Hoje, grande parte das mulheres além de cuidar de todo o serviço doméstico,
ainda enfrenta uma nova jornada de trabalho, buscando conquistar certa independência
financeira – embora essa independência talvez nunca chegue para muitas mulheres que
sofrem abuso psicológico. Muitas mulheres que trabalham em dupla jornada várias vezes têm
que deixar todo seu ganho financeiro com o companheiro, como condição para que ele
permita que ela trabalhe fora do ambiente doméstico. Outra situação muito comum, é que
apesar de ter condições financeiras para deixar o companheiro, nem sempre ela consegue, pois
já está presa na armadilha do abuso psicológico armada, há tempos, pelo seu companheiro.
Na maioria das vezes, muitas mulheres não têm escolhas para enfrentarem a
violência no âmbito doméstico. Muitas situam-se em uma condição tão fragilizada que não
encontram forças para supera-la expressando um sentimento de impotência muito grande. O
homem “[...] que transforma a mulher num robô, com certeza, venceu o jogo mental do abuso
psicológico” (MILLER, 1999, p.45). Normalmente, quando percebem que estão sendo
agredidas psicologicamente muitas já não tem mais como reagir, pois o seu companheiro já
esgotou toda a sua possibilidade de fuga, assim, se conformam em aceitar seu destino, como
ocorreu, quase sempre, com mãe e avós, resignando-se à sina traçada pelo homem.
Mas, o dia de uma mulher que sofre o abuso, nem sempre é todo de sofrimento.
Para as que trabalham, as oito horas que passam no seu trabalho, são maravilhosas, onde pode
pensar no que quiser e distrair-se, ocupando a sua mente com alguma atividade que não seja a
de satisfazer o marido. O mesmo acontece com a mulher que não trabalha. Quando o
companheiro sai para trabalhar, ela tem suas horas de descanso, nas quais sabe que pode fazer
4
“Ai que saudades da Amélia”, letra e música de Mário Lago e Ataulfo Alves Disponível em:
http://cifrantiga3.blogspot.com/2006/05/ai-que-saudades-de-amlia.html. Acesso em: 13 out. 2008.
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o que quiser sem ser criticada, como, desfrutar de um lazer; assistir a seus programas na
televisão, ler seu livro, enfim, para essas mulheres, esses são momentos raros de felicidade e
de alívio onde se sentem alguém. Mas, todos os dias, o inevitável acontece quando chega ao
seu final: a mulher tem que sair de seu local de trabalho e chegar à casa onde seu
companheiro estará pronto para enchê-la de defeitos. Ou, quando o marido está para chegar
em casa e a mulher começa a olhar para o relógio apreensiva, contando os segundos e possa
viver, um pouco mais, como uma pessoa normal. (MILLER, 1999).
No entanto, muitas mulheres não têm nem mesmo essas poucas horas para se
sentirem bem. Mulheres com maridos desempregados ou aposentados, e violentos, por
exemplo, sofrem a cada minuto de seu dia. Por não conseguirem controlar seu estresse e sua
frustração, seja pelo desemprego ou para sustentar seu ego, o homem concentra toda a sua
raiva em sua esposa, que é obrigada a suportar toda grosseria e abusos do companheiro como
se fosse a culpada por sua situação.
Os homens que abusam de suas mulheres conscientemente usam de inúmeros
meios para atingir seus objetivos.
Um dos alvos preferidos para o homem atingir a mulher são os filhos. Ele pode
bater e falar mal dos filhos sabendo que a mulher ficará angustiada vendo-os sofrerem e fará
de tudo para que ele pare. Outro alvo comum, para abusadores, são os animais de estimação
da mulher. Sabendo que ela tem um carinho especial pelos “únicos amigos” que, às vezes, lhe
sobraram, o homem bate e até mata seus animais de estimação, deixando, assim, uma
mensagem no ar de que a próxima a ser agredida poderá ser ela. Mais, seus objetos pessoais
são constantes alvos de ataque por aquele que a quer controlar. Carros são arranhados,
vestidos são rasgados e suas jóias são quebradas, sempre no intuito de fazê-la sofrer e deixá-la
ainda mais arrasada e, conseqüentemente, mais submissa.
Além dos meios de controle citados anteriormente, o homem usa de uma
infinidade de estratégias para controlar a companheira e deixá-la descontrolada
emocionalmente. De acordo com a classificação de Mary Susan Miller em seu livro “Feridas
Invisíveis” (1999), são três as mais usuais estratégias: o cativeiro, o isolamento e a
propaganda.
Os que usam do cativeiro para controlar a mulher geralmente são homens que não
conseguem dominar a mulher com sua violência. As mulheres tentam fugir do comando do
companheiro, mas ele tenta, de todas as formas, segurá-la sob seu domínio. Ele, ao sair para o
trabalho esconde a chave do carro, tranca a casa e leva-a, fura os pneus do carro, ou
simplesmente ameaça que irá espancá-la se ela ousar desobedecê-lo. Assim, as mulheres
sentem-se como um fora-da-lei, condenada à prisão perpétua, só que no lugar de barras de
ferro, a mulher está presa em sua própria casa e, caso tente fugir, poderá ser condenada à
morte.
Rosa sofreu esse tipo de controle na sua relação e narra que:
Quando eu casei com ele, ele me fechava dentro de casa, não deixava eu
sair, ia sair pra trabalhar e deixava eu fechada, não podia pedir socorro pra
ninguém, eu cheguei até a passar fome por causa disso, porque ele saía pra
trabalhar e não vinha almoçar porque era longe do serviço dele, né. Aí já
aconteceu de eu ficar em casa o dia inteiro, acabou o gás da minha casa e
eu não podia sair porque eu tava trancada lá dentro, né, daí quando ele
chegou eu tava ruim com dor de cabeça, tive que ir até para o médico. Ah,
isso aí já é uma violência, né?Eu acho, né.
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Outro meio, utilizado pelo agressor para controlá-la, é posto através do
isolamento. Ele faz uso de todos os meios possíveis para que a mulher não tenha contato
social algum, mantendo-a em suas mãos, sob seu poder, principalmente ela não tendo a quem
recorrer ao ser humilhada e agredida.
Segundo Hirigoyen (2006, p. 31-32),
Para que a violência possa perdurar é preciso isolar progressivamente a
mulher de sua família, de seus amigos, impedi-la de trabalhar, de ter uma
vida social. Isolando sua mulher, o homem faz com que sua vida fique
voltada unicamente para si. Ele precisa que ela se ocupe dele, que só pense
nele. Age de modo a que ela não seja demasiadamente independente, para
que não escape a seu controle. As mulheres dizem muitas vezes que se
sentem prisioneiras.
O homem agressor começa a usar essa estratégia de uma forma “maquiada”,
como, colocando defeitos na família da mulher, desmarcando encontros com amigos do casal
ou dela com pequenas desculpas que se tornam mais freqüentes com o tempo. Tais atitudes
resultam no afastamento do convívio familiar e de seus amigos até que a mesma desista de se
encontrar com os mesmos, saindo apenas com amigos dele, onde o homem, constantemente, a
humilha durante tais companhias.
Margarida expõe sua experiência da seguinte forma:
Porque ele fazia muita chantagem, e eu me afastei do meu irmão, dos meus
pais. Você se afasta de tudo sabe? Por que toda vez que se encontrava em
reunião de família, ele aprontava alguma. Arrumava encrenca com um,
queria brigar com outro. Então, o que você faz? Você se afasta, daí eu me
afastei tanto da minha família quanto da dele .[...], de vez em quando ainda
se ele beber, se por exemplo assim, se eu fosse visitar a minha mãe, visitar
meu irmão, ainda ele faz uns comentários, igual: [...]“ah, se você for não
precisa voltar mais”, “ fica lá com aqueles sem-vergonhas”, umas coisas
assim bem ridículas se você for analisar sabe?
Assim, quando a mulher consegue perceber toda a situação a que se encontra
envolvida, já está presa ao companheiro e afastada de seus amigos e da própria família, além
de não ter para onde fugir, até porque trabalhar e estudar também estão proibidos pelo
agressor. Deste modo, o agressor tem o controle total sobre a companheira, já que a mesma
não detém uma rede social e familiar para se apoiar quando abusada. E, mesmo que a mulher
não “obedeça” às ordens do marido, ele ainda pode usar o recurso da intimidação para que
não tente desobedecê-lo.
A propaganda é um dos meios mais usados neste processo da intimidação, e com
toda certeza o mais mortal para dominar a companheira através da violência psicológica.
O agressor, constantemente, diz que a mulher é estúpida, incompetente, e a ofende
das piores maneiras possíveis, fazendo-a acreditar nisso, tentando sempre melhorar para
deixá-lo satisfeito. E, assim segue-se uma rotina de calúnias e humilhações por parte do
homem, e de medo e uma busca infinita da mulher para satisfazer o companheiro.
Muitos homens nem mesmo chamam sua mulher pelo nome, e sim por adjetivos
como “cadela”, “prostituta”, “vagabunda” e diversas outras denominações que deixariam
qualquer pessoa, fora do ambiente violento, assombrada. Assim, a mulher começa a se ver da
forma que o agressor insistentemente a trata, perdendo seu amor próprio e sua auto estima,
achando-se a pior mulher do mundo e que ninguém seria capaz de gostar de uma pessoa como
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ela. E, ainda, que seu companheiro faz uma caridade ao ficar com ela. E assim sendo, faz de
tudo para tentar agradá-lo sentindo, inclusive, medo de que ele se separe, deixe-a por ser ela
tão incompetente.
Sobre tal situação, Margarida relata,
Mas não é fácil não. É complicado. Coloca a gente numa situação... Você se
sente quando é agredida, a pior coisa do mundo sabe? Eles fazem de tudo
pra derrubar mesmo, pra você se sentir um lixo mesmo.
Por esse motivo, tal “estratégia” – a da propaganda – é a mais cruel de todas, pois
o agressor faz uma verdadeira “lavagem” cerebral na companheira, fazendo-a acreditar que
ele é o melhor homem do mundo e faz um favor ficando ao seu lado e por isso mesmo ela
deve aceitar tudo o que ele provoca, de forma calada, silenciosa, e mais, agradecer por tê-lo
como um marido tão bom e que quer apenas o seu bem.
Muitas pessoas, no uso do senso comum, constantemente se perguntam: – Por que
ela simplesmente não vai embora? Mas, vários são os motivos.
Primeiro, a mulher, como dito anteriormente, na maioria das vezes não sabe que
está envolvida em uma relação de violência.
Os gestos de agressão são tão sutis, que não percebe que está sendo agredida
psicologicamente, como contextualiza Miller (1999, p. 97),
As mulheres presas na escalada do abuso afirmam não conseguir lembrar-se
de quando começaram a compreender que era abuso. Ele ocorre tão regular e
inexoravelmente, que não há tempo para adquirir uma perspectiva. [...] Em
nome da paz, aceitam o isolamento, a culpa e a baixa autoestima e, apesar de
acabarem sem nenhum sistema de apoio, sem ninguém para chamar de
amigo – nem mesmo a si mesmo – acham que a sobrevivência justifica a dor.
Na medida em que os abusos vão se tornando mais freqüentes e mais agressivos, a
mulher vai naturalizando tal relação e acreditando que é ela quem não está cumprindo com
seu papel. E, quando a vítima, finalmente, consegue compreender o que realmente se sucede,
pode ser tarde demais, pois já se encontra com severas seqüelas do abuso sofrido por anos em
sua vida.
O segundo motivo é a questão da dependência econômica. Violeta em seu relato
expõe que,
[...] eu até saí de casa, a primeira vez eu saí de casa, porque você não
agüenta esse tipo de coisa, né? aí saí com uma mão na frente e outra atrás,
tinha um emprego que ganhava um salário mínimo, ou dava pra eu pagar o
aluguel ou pra comer, e eu e meu filho, aí o que eu fiz, tive que voltar
porque você passar necessidade é uma coisa, seu filho é outra. Então, eu
peguei e falei pra ele que tava voltando porque não tinha onde cair morta,
mas que eu não gostava mais dele, e eu precisava voltar, então, foi isso que
aconteceu, então, acho que é assim, quando a gente vê que tá te
prejudicando que não vale mais à pena, aí você dá o seu grito de liberdade.
Muitas mulheres conseguem visualizar a violência exercida pelo parceiro, no
entanto, ele utiliza de outros artifícios para segurá-la em casa. Infelizmente, as mulheres que
conseguiram perceber a violência, talvez, já o fazem tarde demais, já que as conseqüências
para sua saúde psicológica, provocadas pelas sutilezas, quase imperceptíveis, são quase
irreversíveis, perdendo, desta forma, certas liberdades que lhe concederiam uma saída de casa
tranqüila. Como exemplo, podemos citar a proibição praticada pelo agressor, impedindo a
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mulher de trabalhar e de estudar, para que, caso pense em sair de casa se encontre
desamparada e sem conseguir manter-se financeiramente. Sem uma adequada, ou mínima
qualificação profissional, certamente a mulher terá imensas dificuldades de conseguir um
emprego, uma colocação profissional, já que não possui capacitação ou experiência e até
mesmo uma rede de amizade que lhe possibilite superar tal condição.
Destarte, as mulheres que se vêem numa relação de violência psicológica, pensam
várias vezes antes de sair de casa ou denunciar o agressor, pois é ele quem possui o poder
financeiro na família – e geralmente elas não o fazem. Sobre tal condição Miller (1999, P.73),
esclarece que,
Um homem economicamente abusivo geralmente usa o dinheiro como uma
ameaça. Ele não controla a mulher pelo medo de perder os filhos ou levar
uma surra; ele não precisa. Apenas deixando que ela saiba que, a qualquer
momento, ele pode privá-la de um lar, alimentos e roupas, ele a mantém
submissa como uma alternativa para as ruas.
Hirigoyen (2006) cita a estratégia de lavagem cerebral 5 como outro fator para que
a mulher permaneça em uma situação de violência. Constantemente usada pelo agressor,
como forma de manter a mulher como “escrava”, a lavagem cerebral é uma das formas mais
perversas de manipulação.
Nesse tipo de manipulação, o agressor utiliza das mesmas armas de lavagem
cerebral usados em prisioneiros de guerra. Primeiramente, ele isola a mulher do mundo
exterior, não a deixando trabalhar, estudar e até mesmo ver os amigos ou a família. Assim, ele
a fragiliza psicologicamente, fazendo com que seus pensamentos – bons ou maus – sejam
voltados apenas para ele. O próximo passo é “convencê-la” de que é uma pessoa sem vontade
própria e que pertence apenas ao companheiro, e por isso deve ser submissa. Assim, a mulher
se convence de que a culpa das “explosões” de raiva do companheiro são sempre dela e assim,
ela vive uma rotina de medo e culpa, na tentativa de fazer o companheiro feliz, mesmo que
pessoas postadas fora do relacionamento abusivo tentem convencê-la de que o companheiro a
esta violentando, ela insiste em afirmar que a culpa é dela por não saber cozinhar direito, não
realizar as fantasias dele, não ser inteligente para acompanhá-lo numa conversa, etc. Quando
se chega a este estágio, o companheiro já conseguiu completar o processo de lavagem
cerebral. (HIRIGOYEN, 2006).
Outro fator que contribui para permanência da mulher na situação de violência, e
um dos mais comuns, é denominado por Hirigoyen (2006) como “Síndrome de Estocolmo” 6,
ou seja, o apego emocional da vítima pelo seu algoz.
5
6
“Esse processo foi descrito pela primeira vez por um psiquiatra estadunidense, Robert Jay, falando
de relatos de prisioneiros de guerra americanos na China e na Coréia. A técnica utilizada não era
nova, mas os comunistas chineses lhe tinham dado um caráter mais organizado, mais deliberado, a
fim de provocar nos prisioneiros uma perturbação pessoal decisiva, visando a mudar sua
personalidade e, com isso, modificar sua posição em relação à sociedade”. (HIRIGOYEN, 2006, 95).
“No dia 23 de agosto de 1973, um fugitivo da prisão tentou um hold-up em um banco de Estocolmo.
A intervenção da polícia o obrigou a se entrincheirar no próprio banco, onde tomou como reféns
quatro empregados. Seu companheiro de cela vem juntar-se a ele. Ao serem libertados, os reféns se
interpõem entre seus seqüestradores e as forças da ordem. Durante o julgamento eles assumirãm a
defesa dos seqüestradores. Uma das vítimas, que se apaixonou por seu sequestrador, acabará
casando-se com ele”. (HIRIGOYEN, 2006, p. 102).
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Esse processo ocorre quando a vítima de violência psicológica estabelece um forte
vínculo com o agressor, pois ela está tão fragilizada psicologicamente que não tem em que se
apegar, a não ser na pessoa mais próxima a ela, no caso, o companheiro violento.
Assim, segundo Hirigoyen (2006, p. 103),
Quando uma pessoa se vê em uma situação em que sua vida está em perigo e
não tem qualquer defesa diante do indivíduo, que tem sobre ela poder de
vida e de morte, ela pode vir a identificar-se com ele. [...] No caso de serem
feitos reféns, o sequestro dura apenas algumas semanas ou no máximo
meses. No entanto, ele pode levar a um paradoxal apego ao agressor. Para
uma mulher que vive durante anos com um companheiro violento e que tem
relações íntimas, pode-se, sem grandes dificuldades, imaginar que a situação
ainda é mais grave.
Essa síndrome constitui-se em uma forma de proteção para a vítima, já que não
reage à violência, o que a colocaria em perigo. Mas, também, a Síndrome de Estocolmo
dificulta muito o tratamento das vítimas, já que elas não conseguem se separar do agressor por
terem essa necessidade de ficarem com ele.
A violência psicológica, embora seja a mais perversa entre todos os outros tipos
de violência, pode ser interrompida e por fim tratada.
Quando, finalmente, a mulher consegue romper o ciclo de violência psicológica a
que se encontra submetida, as conseqüências se prolongam por vários anos, no estresse póstraumático. Mesmo que depois de anos, longe da situação de violência, a mulher ainda pode
“voltar no tempo” e sofrer como se estivesse na situação de violência, através de fatos, como,
por exemplo, uma cena de um filme que lembre todo o seu calvário e, assim, novamente
entra em depressão, necessitando de um acompanhamento profissional para trazê-la de volta
à vida real. Ou seja, a mulher que sofre violência psicológica precisa de um tratamento
psicoterapêutico para se livrar definitivamente da “prisão”, do estado psíquico em que se
encontra. Contudo, o tratamento com vítimas de violência psicológica é longo e cheio de
rupturas.
Muitas vezes, as mulheres voltam ao convívio do agressor e nem por isso ela pode
ser considerada como “fraca” ou que “gosta de sofrer”’. A cada vez que retorna para o
companheiro, sente a relação de uma outra forma e por isso mesmo, começa a impor limites e
não tolerar mais certas coisas que, para ela, era dado, na época anterior, como normal.
Se o convívio com o companheiro continuar sendo violento ela acabará voltando
por conta própria para o tratamento. Neste sentido, é preciso que os profissionais que a tratam
a compreendam e entendam tal situação, bem como, tenham paciência para fazê-la perceber a
situação em que se encontra. (HIRIGOYEN, 2006).
No caso do tratamento com os homens, Hirigoyen (2006) sugere que o melhor
caminho é o tratamento em grupo, onde todos integrantes expõem sobre suas violências e
discutem entre si melhores formas de lidar com o estresse cotidiano 7. Apesar de muitos
desistirem no decorrer do grupo, os que continuam acabam por reconhecer a violência e
buscam ajuda terapêutica para mudar de atitudes. No entanto, há casos em que o parceiro não
cede, principalmente se for o caso de um agressor narcísico ou paranóico, onde o homem não
tem discernimento necessário para aceitar o outro, e, conseqüentemente, aceitar um
tratamento.
7
Um
exemplo
de
grupo
de
homens
agressores
pode
ser
visto
em:
http://www.consuladodamulher.org.br/novo/cont_noticias.php?id=1133. Acesso em: 15 ago.2008.
Cascavel – PR – 22 a 24 de junho de 2009
Esse tipo de agressor é muito difícil de ser tratado e, em alguns casos, até
impossível. Cabe ao profissional que cuida do caso em particular, e que reconhece este tipo de
agressor, retirar a mulher imediatamente do seu convívio, para sua segurança e de seus filhos.
As psicoterapias de casal são também um meio para tratar a violência psicológica.
No entanto, Hirigoyen (2006) alerta para os riscos desse tipo de terapia,
A psicoterapia de casal não é, ao meu ver, em absoluto adequada para os
casos de violência conjugal. [...] ela permite que o homem encontre
justificativas para sua violência e arrisca a reforçar a culpa da mulher. Além
disso, pode ser perigosa para a mulher, porque o que disser durante a sessão
poderá vir a ser usado pelo homem para aumentar ainda mais sua violência.
[...] essa terapia é, por vezes, possível quando a violência é recente e o
homem se arrepende de seus desvios para nela se envolver completamente.
(HIRIGOYEN, 2006, p.190).
Visto as possibilidades de tratamento da vítima de violência psicológica, ainda
resta saber se é melhor para a mulher, partir ou ficar.
Ainda que o tratamento com a mulher seja longo e doloroso, muitas vezes ela não
deseja sair de casa, e por isso, o profissional não deverá obrigá-la a isso, pois essa atitude
poderá agravar ainda mais sua situação e interromper o tratamento definitivamente.
As mulheres que decidem ficar com o companheiro devem receber uma atenção
especial do profissional, já que poderão correr novos riscos. Assim, não se deve subjugá-la e
pensar que todo o tratamento foi em vão. A mulher que decide ficar vai perceber a relação de
uma outra maneira e irá tentar se impor mais e não aceitar mais a violência de seu
companheiro. Por isso, essa mulher precisa de todo apoio possível para que não volte a se
envolver no jogo psicológico do companheiro.
Margarida foi uma dessas mulheres que decidiram ficar com o companheiro, na
esperança de que ele se torne uma pessoa melhor. Ao ser questionada se o perdoou ela fez a
seguinte explanação:
Olha... É uma pergunta difícil... é aquele negócio...se a gente for analisar
pelo lado cristão da história, você tem que perdoar. Se você for analisar
pelo lado mais racional você fica pensando assim... Puxa vida... O que fica
passando na minha cabeça... O que eu fico tentando entender... É por que
ele fez isso? Eu não consigo às vezes assimilar o porquê...de tudo
isso...(chorando). Mas de uma maneira geral assim, perdoei... Porque se eu
não tivesse perdoado eu não estaria junto com ele, apesar de a gente ter
uma relação fria... mas a gente tá ali...é aquela história... Estamos vivendo
na mesma casa...agora acho que perdoar não...mesmo que eu não vá viver
com ele até o final da vida, hoje eu procuro tentar entender sabe? O porquê
de tudo aquilo.[...] depois de 10 anos que eu consegui voltar para um banco
de sala de aula, fazer uma faculdade, aí depois passaram mais tempo...
Então, foram coisas que foram acontecendo bem devagar. E ele também, de
certa forma foi mudando, porque se não, se ele fosse o que ele era no início
do nosso casamento, com certeza um de nós já estava..., não tinha como
viver juntos.
Para as mulheres que decidem partir, é necessário um preparo para que possa
fazer isso sem que a sua vida se degrade. Segundo Miller (1999), a maioria dos assassinatos e
agressões físicas nos relacionamentos acontece quando há a decisão de deixar o companheiro
Cascavel – PR – 22 a 24 de junho de 2009
(MILLER, 1999). Dessa forma, o preparo dessa mulher e o conhecimento sobre o caso são
essenciais, nessa situação, para que a saída do relacionamento seja segura e sadia.
É necessário, aos profissionais que a atendem, as pessoas que a apóiam, se
munirem de muita paciência, pois vivendo por um determinado tempo sob manipulação, a
saída não se dará do dia para noite. As etapas para o tratamento deverão ser respeitadas e, em
alguns casos, antes que se complete todas as etapas do tratamento, algumas mulheres já estão
decididas a sair – isso ocorre principalmente com mulheres mais jovens que sofrem a
violência por pouco tempo. Mas o que acontece na maioria das vezes é que mesmo decidida a
sair, a mulher não se sente fortalecida nem provida de apoio suficiente para deixar o lar. Por
esse motivo, muitas delas retornam várias vezes para o agressor até romperem,
definitivamente, o laço relacional (HIRIGOYEN, 2006).
Partir não quer dizer que as mulheres estejam decididas a se divorciarem.
Elas mantêm durante muito tempo a esperança de que seu companheiro
venha a mudar. Esperam que a ruptura tenha sobre ele uma função de
eletrochoque, que ele venha a se corrigir, e, mesmo depois de afastadas, têm
vontade de ajudá-lo e continuam a ter pena dele ou a desculpá-lo.
(HIRIGOYEN, 2006 p. 204).
A situação da mulher que pretende sair do relacionamento abusivo se agrava se
for , não somente sua dependente financeiramente, mas se não tiver condições para o
trabalho.. Em muitos casos, a mulher já não pode mais trabalhar, nem estudar, pois seu
companheiro a aprisionou em seu jugo há muito tempo, impossibilitando-lhe quaisquer meios
para sobreviver sozinha. Nesse sentido, trata-se de uma mulher que merece uma atenção
especial para que supere os obstáculos construídos no decorrer de uma trajetória de vida e
consiga, novamente, reconstruir sua vida sem violência e de forma digna.
É comum que quando a mulher comunique a sua decisão de ir embora ao
companheiro, ele intensifique os abusos e faça ameaças a ela, aos filhos e à sua família. Por
isso, o profissional deve estar atento a essas ameaças e encaminhar a mulher para um abrigo,
se for o caso.
Violeta, que conseguiu sair do jugo, sofreu ameaças quando decidiu separar-se.
É não...ele assim ameaçou...porque são fases, essa pessoa com esse nível de
problema são fases, primeiro ele fica desesperado e chora,e fala que não vai
fazer isso e mais aquilo e fica bonzinho, aí depois que ele vê que por esse
lado não conseguiu, aí ele começa com ameaça, se você não voltar você não
vai ter nada, que eu não vou te dar nada, piriri pororó...ai...acho que é isso
mesmo.
Violeta é um exemplo de que é possível sair do relacionamento abusivo e
conseguir retomar sua autonomia e sua auto estima. No entanto, isso só foi possível depois de
um atendimento com uma profissional na instituição em que realiza terapia. É evidente que as
marcas psicológicas jamais vão curar, mas no caso de Violeta, muitas já estão superadas.
O que não podemos esquecer é que tais mulheres precisam amar novamente,
redescobrir sua identidade feminina, muitas vezes esquecidas em decorrência da relação
violenta.
É preciso trazer de volta sua auto estima e fazê-las acreditar que podem ser felizes
novamente como qualquer pessoa e que existem sim, homens que não praticam violência
conjugal, e que homens como seu companheiro, violento, felizmente são uma minoria, mas
que, também precisam de ajuda.
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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A violência psicológica, embora ainda seja pouco divulgada e combatida pelo
Estado, já pode ser visualizada por muitas pessoas, principalmente por mulheres que a sofrem.
No entanto, as ações empreendidas na direção de combate e superação desta
problemática são bastante incipientes e mal se aproximam do ideal.
Devemos ter consciência de que esse é um processo demorado, longo e que
necessita de uma mudança radical no plano cultural, de valores, de mentalidade dos
indivíduos e, para os quais, a sociedade caminha a passos lentos. A Lei 11.340/2006 – Lei
Maria da Penha – é um dos poucos mecanismos recentes e disponíveis,para que essa mudança
seja feita.
Infelizmente, no contexto legal brasileiro, a Lei Maria da Penha seja questionada
por algumas categorias profissionais, como alguns juizes, advogados e outros profissionais
que dizem ser essa inconstitucional, como no caso da 2ª Turma Criminal do Tribunal de
Justiça de Mato Grosso do Sul, que julgou, em setembro de 2007, que a Lei é inconstitucional
por ferir o princípio de igualdade da Constituição Federal de 1988. Ora, se a Lei fere este
princípio, a ausência dela fere o Artigo 226 que relata, claramente, que é dever do Estado criar
mecanismos para coibir a violência no âmbito familiar. É fato que nada impede que seja
criada, também, uma Lei que proteja os homens da violência doméstica, mas não devemos
esquecer que a violência conjugal atinge muito mais as mulheres, não apenas na sociedade
contemporânea, mas durante toda a história das relações familiares. Por isso mesmo, fez-se
urgente a criação de uma Lei específica para proteger essas mulheres.
Mais, além do questionamento judicial sobre a legalidade da lei, outras condições
ainda atravessam a efetivação dela, como o medo de retaliação, por parte das mulheres
vítimas, a quase ausência de Delegacias Especializadas, das Casas Abrigo e outros serviços
sociais que precisam ser criados, oferecendo uma rede de proteção social e econômica a esta
mulher, para que somente assim a Lei consiga deixar a condição de cristalizada e se tornar
real no dia-a dia da sociedade.
Tais pareceres revelam um conceito ainda enraizado na sociedade e que precisa
ser revisto, para que homens agressores não se sintam envaidecidos, poderosos, superiores
frente à sua companheira, legitimando, dessa forma, a submissão e a violência à mulher.
Neste sentido, percebeu-se o quanto a violência doméstica é naturalizada pela
própria vítima. Tal situação é extremamente preocupante, pois é no sentido da reprodução da
história cultural, da manutenção de um nível de consciência que se “perpetua” a condição de
submissão da mulher, a qual se rende, aceitando o tapa, os murros, as palavras amargas e
doloridas impostas pelo seu companheiro.
Urge considerar o respeito à diferença. Faz-se necessário, aceitar que a mulher,
como qualquer homem, merece o respeito, a liberdade, a igualdade, para ser e expressar-se
enquanto mulher.
Finalizando, cabe ressaltar que a luta contra a violência à mulher não deve ser
reservada apenas às mulheres, mas também aos homens, que em sua maioria não são
agressores, mas ao se omitirem, tornam-se cúmplices e, conseqüentemente, reprodutores de
uma sociedade referenciada pela violência, pela dor impingida à mulher. Somente quando
todos, homens e mulheres, unirem-se em um propósito de respeito, em todos os sentidos,
estaremos caminhando para uma sociedade mais justa e menos violenta.
Cascavel – PR – 22 a 24 de junho de 2009
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CENTRO FEMINISTA DE ESTUDOS E ACESSORIA. Lei Maria da Penha: do papel para
a vida. Comentários à Lei 11.340/2006 e sua inclusão no ciclo orçamentário. Brasilia:
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São Paulo. Brasiliense, 2002. Coleção Primeiros Passos.
Cascavel – PR – 22 a 24 de junho de 2009
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violência psicológica cometida à mulher: retratos de um