ORDEM DOS ADVOGADOS
CNEF / CNA
Comissão Nacional de Estágio e Formação / Comissão Nacional de Avaliação
PROVA ESCRITA NACIONAL DO
EXAME FINAL DE AVALIAÇÃO E
AGREGAÇÃO
(RNE)
GRELHA DE CORREÇÃO
Questões de
Deontologia Profissional
(6 valores)
24 de Abril de 2014
DEONTOLOGIA PROFISSIONAL
(6 valores)
Numa pequena Comarca, a Advogada Ana Luísa foi nomeada oficiosamente no âmbito do apoio judiciário para
representar Miguel e contestar ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge proposta por Maria, a
quem anos atrás patrocinara numa ação decorrente de acidente de viação, já finda.
Maria estava agora a ser patrocinada na ação de divórcio pelo Advogado Carlos.
Após notificação da sua nomeação, que aceitou, mas sem conhecimento de Miguel e de Carlos, Ana Luísa decidiu
contactar diretamente Maria, que já conhecia, convocando-a para uma reunião a fim de tentar a conversão do
processo em divórcio por mútuo consentimento.
Durante esta conferência Maria revelou a Ana Luísa que decidira propor a ação porque Miguel recusava o
divórcio por mútuo consentimento. Desde há muito que era vítima de violência doméstica por parte dele. Por
vergonha, no entanto, apenas teria alegado na ação violação do dever de fidelidade.
Miguel, ouvido depois por Ana Luísa sobre a versão de Maria, tudo negou.
Porém, Ana Luísa, convicta da veracidade da versão de Maria e sentindo-se constrangida, não apresentou a
contestação. Mais tarde pediu escusa do patrocínio para que fora nomeada. Apresentou para o efeito um
requerimento ao Juiz, fundamentando o pedido de escusa com base nos factos que lhe foram revelados por
Maria na reunião que com ela mantivera.
Considerando os dados concedidos pela HIPÓTESE, responda às seguintes QUESTÕES, com recurso
às normas legais e regulamentares que considerar aplicáveis:
1.
Partindo do pressuposto de que entre a ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge onde
Ana Luísa foi nomeada e a ação anterior decorrente de acidente de viação não havia qualquer
conexão factual, podia Ana Luísa aceitar a nomeação oficiosa para patrocinar Miguel? (1 valor)
Grelha:
-Pelos dados fornecidos no enunciado não se verifica a existência de um conflito
de interesses que impusesse a não-aceitação por Ana Luísa do patrocínio oficioso
de Miguel ao abrigo dos nºs 1, 2 e 5 do artigo 94º do EOA, porquanto não existe
conexão entre as duas causas, não estão pendentes simultaneamente e não se
vislumbra que a aceitação do patrocínio de Miguel pusesse em risco a quebra de
segredo profissional relativamente a Maria ou a obtenção para aquele de
vantagens ilegítimas ou injustificadas. (0,8 valores)
-Assim, Ana Luísa só não deveria aceitar a nomeação no caso de sentir diminuída
na sua independência por já conhecer Maria, respeitando os deveres
deontológicos plasmados nos artigos 84º e 78º nº1 do EOA, (0,2 valores), mas tal
não resulta da hipótese pois o constrangimento invocado para justificar o pedido
de escusa ocorreu após a aceitação da nomeação.
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2.
Cometeu Ana Luísa qualquer comportamento deontológico censurável de que o seu Colega Carlos se
pudesse queixar? (1 valor)
Grelha:
-Sim. Ana Luísa não podia ter contactado diretamente Maria para a convocar
para uma reunião e muito menos para com ela conferenciar, sabendo que ela
estava representada pelo seu Colega Carlos, sem prévia autorização deste, assim
cometendo infração disciplinar por violação do dever de lealdade e mais
concretamente do artigo 107º nº1 alínea e) do EOA (1 valor).
3.
Considera ter Ana Luisa violado algum dever deontológico perante o seu cliente Miguel? (1,5
Valores)
Grelha:
-Sim. Após ter sido nomeada, Ana Luísa deveria ter convocado de imediato
Miguel para com ele reunir e apurar a sua versão dos factos e só depois poderia,
com autorização deste, tentar converter a ação de divórcio litigioso em ação de
divórcio por mútuo consentimento, auscultando para tal Maria, pelo que desde
logo negligenciou no cumprimento dos deveres deontológicos impostos pelo nº2
do artigo 92º e 95º nº1 a), e c) e agindo à revelia de Miguel, ofendeu de forma
grosseira o valor da confiança que deve pautar as relações dos Advogados com
os seus patrocinados – artigo 92º nº1 – todos do EOA (0,5 valores).
-Ana Luísa deixou-se também influenciar pela versão de Maria em detrimento da
de Miguel, não tendo contestado a ação e lesando assim gravemente os
legítimos interesses deste (0,3 valores), para mais podendo ter pedido escusa no
decurso do prazo da contestação para interromper o prazo legal e assim permitir
uma eventual substituição de patrono para a elaborar e apresentar
tempestivamente a contestação – artigos 34º nºs 2 e 3 e 24º nº 5 da Lei 47/2007
de 28 de Agosto, que alterou e republicou na íntegra o D. Lei 34/2004 de 29 de
Julho (regime de acesso ao direito e aos tribunais), (0,3 valores).
-Assim, Ana Luísa praticou, por omissão, ato violador do dever de patrocínio com
zelo e diligência, com inerente responsabilidade disciplinar - artigos 95º nº1 b) e
110º do EOA, (0,2 valores), responsabilidade civil - artigo 483º C. Civil (0,1
valores) e ainda eventual responsabilidade criminal pelo crime de prevaricação,
p e p. pelo artigo 370º nº 2 do C. Penal, (0,1 valores).
4.
Independentemente das razões que levaram Ana Luísa a pedir escusa do patrocínio oficioso, foi
apropriado o procedimento adotado para o formalizar? Poderia o Juiz tomar alguma iniciativa contra
ela? (1 valor)
Grelha:
-Não. De acordo com o disposto no artigo 34º da citada Lei 47/2007 de 28 de
Agosto (regime de acesso ao direito e aos tribunais), o pedido de escusa pelo
patrono nomeado é feito por requerimento dirigido à Ordem dos Advogados
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com alegação dos motivos respetivos. Assim, o requerimento jamais poderia ter
sido enviado diretamente ao Juiz da causa com a motivação da escusa, com as
consequências abordadas (e cotadas) na questão 5. (0,5 valores).
-O Juiz da causa, ao tomar conhecimento do pedido de escusa e do teor da sua
motivação, poderia ordenar a passagem de certidão para conhecimento dos
factos à Ordem dos Advogados ao abrigo do artigo 116º nº 1 do EOA, (0,3
valores) pois os Advogados apenas estão sujeitos à jurisdição disciplinar exclusiva
dos órgãos da sua Ordem, cf. estipula o artigo 109º nº 1 do EOA. (0,2 valores).
5.
Finalmente, quanto a Maria, tinha esta fundamento para se considerar lesada? Responda apreciando
e qualificando a conduta de Ana Luísa e as consequências do seu comportamento. (1,5 Valores)
Grelha:
-Sim. Ana Luísa ao apresentar ao Juiz a motivação da escusa com revelação do
que Maria lhe havia confidenciado, violou obrigação de segredo profissional,
devassando em prejuízo de Maria factos protegidos pelo sigilo, pois foram por si
conhecidos no exercício da sua profissão e por causa dela, e dados a conhecer
por Maria (parte contrária) no decurso de negociações sobre o objeto da causa,
tudo conforme artigo 87º nº1 e nº1 alínea e) do EOA. (1 valor)
-Acresce que Ana Luísa nunca poderia obter, mesmo que o tivesse tentado,
autorização prévia para e revelação ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 87º
do EOA, pois não se verificaria o requisito legal de se destinar a revelação à
defesa de interesse legítimo de Miguel; pelo contrário, os factos a revelar serlhe-iam eventualmente prejudiciais. (0,3 valores)
-Com tal violação Ana Luísa praticou ilícito disciplinar grave e incorreu em
responsabilidade civil e criminal – artigos 110º do EOA, 483º do C. Civil e 195º do
C. Penal. (0,2 valores).
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