PALAVRA DE MULHER Projeto de mediação literária realizado pela equipe da Casa da Leitura Dario Vellozo, pela Fundação Cultural de Curitiba a partir de Abril de 2012. Mediador idealizador: Alisson Freyer Mediadores parceiros: Diamila Medeiros e Iamni Reche Agentes administrativos/ suporte do projeto: Vagner Custódio e João H. Moraes. Gerente dos espaços de leitura: Patrícia Wohlke Coordenadora de Literatura FCC: Mariane Torres “Toda a história das mulheres foi escrita pelos homens” Simone de Beauvoir APRESENTAÇÃO E JUSTIFICATIVA O presente projeto diz respeito a um Ciclo de Leituras – um conjunto de rodas de leitura - cujo repertório abrange obras para públicos jovem e adulto de diversos perfis e é executado junto à comunidade da regional Matriz da cidade de Curitiba em parceria com diversas instituições públicas e privadas na Casa da Leitura Dario Vellozo, biblioteca voltada para a leitura literária, como outros 15 espaços da Fundação Cultural de Curitiba. A seleção de obras para compor este repertório de leituras, objetivava inicialmente traçar um panorama da escrita das mulheres no Brasil do século XX, período fundamental para se compreender a relação e os mecanismos de poder e dominação simbólicos entre os sexos, e como estes se inscrevem na produção literária de nosso país. Posteriormente, o recorte de período foi expandido, em função da própria pesquisa e também das demandas advindas do público leitor que acompanhava as ações, e passamos a ler também as obras de autoras deste início do século XIX. Antes de discorrer sobre o recorte que dá tema ao ciclo, faz-se necessário enfatizar a importância de ações de mediação de textos literários no processo de democratização da leitura em nosso país. Recorrendo a definições de Antônio Candido, toda obra de literatura é um objeto construído, dotado de um profundo poder humanizador, e em função disso, o acesso à literatura é um direito incompressível (irreprimível, incoercível) de todo ser humano. Direito este que não apenas é negligenciado como também é desconhecido para grande parte de nossa população. Nesse contexto a mediação de leitura – o convite à leitura coletiva – cumpre as funções de apresentar e fomentar a prática da leitura, e de possibilitar uma ampliação no repertório e cosmologia do leitor. É, portanto a mediação, um convite à emancipação. Em outras palavras, parafraseando Magda Soares, a literatura precisa ser democratizada por ser democratizante: Ao passo que ela é democratizada para o indivíduo, este o é através dela. “A leitura literária democratiza o ser humano porque mostra o homem e a sociedade em sua diversidade e complexidade(...) porque traz para o seu universo o estrangeiro, o desigual, o excluído, e assim nos torna menos preconceituosos, menos alheios às diferenças(...) o sentido da relatividade e da pequenez do nosso tempo e lugar é condição essencial para a democratização cultural” Magda Soares Podemos considerar, portanto, a produção, a fruição e a mediação de uma obra literária como atos políticos, e adentramos num terreno de discussão bastante delicado: O que diz respeito à literatura e sua natureza ideológica. É importante salientar que o ato de ler ou mediar literatura, independente da posição ideológica desta, já é um ato político por ser transformador da realidade que nos circunda, mas existe também este outro aspecto abordado por Sérgio Paulo Adolfo no trecho transcrito a seguir: “Consideramos o texto literário como um produto social, forjado e caldeado no embate das forças sociais(...) Nenhum texto, ainda que pretenda a neutralidade, constitui-se num vazio ideológico, pois na sua formulação está presente a visão de mundo que o originou(...)” A escolha de um repertório de mediação, assim como a produção de um texto não está isenta de posicionamentos ideológicos e é de extrema necessidade que o mediador tenha consciência disso. Mas, esta afirmação também não está aqui exposta para justificar uma visão utilitarista da literatura, de modo algum. A literatura, assim como todas as demais linguagens artísticas não pode ser reduzida à ferramenta através da qual se atinjam outros objetivos e se propaguem outros discursos. O discurso e objetivo da literatura encerram-se nela mesma. O ponto acima referido tem grande importância para que se compreenda a intenção do projeto que desenvolvemos. Não se trata primordialmente de através da literatura discutir o papel da mulher na sociedade brasileira e suas constantes redefinições (embora em muitas atividades desenvolvidas questões dessa natureza venham à baila e seja, discutidas pelos participantes); o intuito deste Ciclo de Leituras desde o início foi o de dar a conhecer ao público leitor algumas obras de autoras relevantes no panteão literário do país; e através das quais a figura da mulher pode se fazer presente ao lado dos grandes escritores cujo reconhecimento é bastante anterior. Em seu breve relato sobre a presença da mulher na história da literatura brasileira, Luiz Ruffato afirma que o primeiro nome feminino a receber destaque em nosso meio literário foi o de Júlia Lopes de Almeida na virada do século XIX para o século XX. Seu nome foi cogitado para uma das cadeiras da Academia Brasileira de Letras em sua inauguração, mas acabou sendo substituído pelo do marido da escritora. Apenas em 1977 uma mulher entra para a Academia, sendo esta Rachel de Queiroz – este fato marca uma lenta recepção da mulher no meio literário, que se intensifica ao longo do século XX, em função da irrefutável qualidade da literatura produzida por estas mulheres, na qual se lê claramente a dominação simbólica de uma sociedade masculina. Este é o motivo pelo qual escolhemos desenvolver e priorizar este projeto frente aos públicos jovem e adulto com os quais dialogamos, sendo que vale apontar o fato de que a Casa da Leitura Dario Vellozo se situa no centro Histórico de Curitiba no Palacete Garibaldi, mesma casa que abriga também a Secretaria da Mulher da Cidade de Curitiba. OBJETIVOS GERAIS DO CICLO DE LEITURA - Incentivar o público à leitura, apresentando-a como prática prazerosa e possibilitadora de autonomia – um terreno de exercício de cidadania e de uma possível liberdade. - Ampliar o repertório de leitura dos participantes das Rodas de Leitura propostas. - Levar ao público significativas obras de escritoras brasileiras - Fomentar a discussão das imagens, personagens, sensações e idéias presentes ou suscitadas pelos textos, dialogando com a realidade da comunidade na qual a atividade está sendo aplicada. - Divulgar o acervo e trabalho da Casa da Leitura ampliando seu diálogo com a comunidade da regional Matriz onde se situa. METODOLOGIA Pode-se começar a falar das escolhas que guiam o trabalho a partir da curadoria de obras, pautada mais especificamente em contos, poemas e peças de dramaturgia; e mesclando nomes consagrados junto ao público (embora até então ainda não lidas por grande parte dos grupos pelos quais passamos), como Cecília Meirelles e Clarice Lispector, Rachel de Queiroz com autoras de grande representatividade mas usualmente não estudadas nos programas escolares e por isso ainda mais distantes de uma possível popularidade (caso de Lívia Garcia-Roza, Sônia Coutinho, Hilda Hilst, Márcia Denser, Luci Collin entre outras). Autoras como Cora Coralina, do início do século XX; e autoras de produção recente entre as quais podemos citar Roza Amanda Strausz, Beatriz Bracher, Índigo, Verônica Stigger, entre tantas. A ação proposta é a da leitura e discussão coletiva das obras, longe de qualquer cunho pedagógico, moralizante ou analítico. Na conversa sobre os textos, abordamos as impressões, lembranças, sensações e pensamentos críticos individuais e compartilhamos estas experiências sempre ressaltando de forma positiva a pluralidade de leituras e posicionamentos advinda das referencias subjetivas. Tomando as palavras da antropóloga francesa, e estudiosa da leitura Michèle Petit, a roda de leitura é “um mecanismo aparentemente muito simples: o intercessor propõe alguns suportes escritos para pessoas que estão habitualmente distantes deles e os lê em voz alta; depois, entre os participantes, surgem histórias, ou algumas vezes alguma discussão; ou ainda o silêncio. O que acontece nesses encontros?” AVALIAÇÃO A resposta para a pergunta “O que acontece nesses encontros” é (em sua essência) imponderável, uma vez que essas ações literárias podem desencadear reações a longo prazo, reações invisíveis, reações impossíveis de se mensurar. Mas, há indicativos e conquistas que este projeto nos propiciou, evidentemente que somado a outros ciclos e ações de leitura, que são passíveis de quantificar. A primeira delas é um aumento no número de freqüentadores e empréstimos de livros no próprio espaço, uma vez que muitos jovens e adultos passam a conhecer a casa da leitura através das rodas de leitura e posteriormente cadastram-se e passam a partilhar do espaço. As parcerias que estabelecemos com Instituições através deste projeto, trazendo seus públicos para participar das ações, ou encaminhando até eles nossos mediadores) é outro legado importante: Instituto Municipal de Administração Pública, Centros de Assistência Psico- social, Grupos de idosos (como o programa Vida Nova), Associações Comunitárias, Instituições de ensino para jovens e adultos, Colégios, Bibliotecas da rede Estadual e Municipal de ensino, Centros Psiquiátricos e profissionais da educação foram atendidos somando-se 2684 pessoas atendidas somente por este projeto até o presente momento, sendo que grande parte dos grupos recebeu posteriormente ações de outros projetos da Coordenação de literatura, ou desenvolveu seus próprios núcleos de ações literárias depois do contato com o projeto “Palavra de Mulher”, no intuito de formar uma rede de pessoas, espaços e instituições pensando a prática da leitura. REFERÊNCIAS ADOLFO, Sérgio Paulo. Literatura e visão de mundo. In “Leitura e visão de mundo: Peças de um Quebra-cabeças”. Lucinea Aparecida de Rezande (org). Londrina: EDUEL. 2007. CANDIDO, Antônio. O direito à literatura. In “O direito à literatura e outros ensaios”. Coimbra:Editora Angelus Novos LTDA, 2004. PETIT, Michèle. A arte de ler. – São Paulo. Ed. 34, 2009. RUFFATO, Luiz.Mulheres: Contribuição para a história literária. In “25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira”. Luiz Ruffato (org.). Rio de Janeiro: Record. 2004 SOARES, Magda. Leitura e democracia Cultural. In “Democratizando a Leitura”. Aparecida Paiva... {et al.}(org.). 1 reimp. – Belo Horizonte; Ceale, Autentica. 2008