RBMFC
Sumário
EDITORIAL
A RBMFC e a difusão do conhecimento em APS / MFC
Carlos Eduardo Aguilera Campos. .......................................................................................................................... 075
ARTIGOS
Doença de Lyme: diagnóstico e tratamento.
Ivan Maluf Junior, Mariana Ribas Zahdi, Aguinaldo Bonalumi Filho
e Cristina Rodrigues Cruz. .................................................................................................................................... 076
Qualidade de vida e controle da pressão arterial em pacientes
de uma unidade primária do município do Rio de Janeiro.
Vera Lúcia R. C. Halfoun, Denise S. Mattos e Odaleia B. Aguiar. ......................................................................... 082
Custo-efetividade: comparação entre o modelo “tradicional” e
o Programa de Saúde da Família.
Janice Dornelles de Castro, Vanessa da Rocha, Marcia Marinho e Silvia Pinto. .................................................................. 091
Inclusão não-homofóbica: um diálogo entre estudantes de
medicina e travestis.
Valéria Ferreira Romano. ....................................................................................................................................... 099
Uso da rede de serviços de Juiz de Fora: a opinião do usuário.
Célia Regina Machado Saldanha. ............................................................................................................................ 106
Análise da avaliação do PSF em municípios de pequeno porte.
Fábio Aragão Kluthcovsky e Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky. .................................................................. 116
RELATO DE CASO
Angola, ares de transformação.
Camila Giugliani. ................................................................................................................................................ 125
O Programa Integrador: uma experiência na formação profissional.
Juliana Saiddler e Célia Regina Machado Saldanha. ........................................................................................................................ 132
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro v.3 nº 10 p. 073-144
jul / set 2007
RBMFC
Summary
EDITORIAL
The Brazilian Journal of Family Community Medicine and
dissemination of knowledge on Primary Care and Family Health
Carlos Eduardo Aguilera Campos. .......................................................................................................................... 075
ARTICLES
Lyme Disease: diagnosis and treatment
Ivan Maluf Junior, Mariana Ribas Zahdi, Aguinaldo Bonalumi Filho
e Cristina Rodrigues Cruz. .................................................................................................................................... 076
Quality of Life and Blood Pressure Control in Patients of
a Primary Care Unit in Rio de Janeiro
Vera Lúcia R. C. Halfoun, Denise S. Mattos e Odaleia B. Aguiar. ................................................................................ 082
Cost-effectiveness analysis: comparison of traditional primary
health care delivery and the Family Health Program
Janice Dornelles de Castro, Vanessa da Rocha, Marcia Marinho e Silvia Pinto. .................................................................. 091
Non-homophobic inclusion: a dialogue between medicine
students and transvestites
Valéria Ferreira Romano........................................................................................................................................ 099
Use of the health care net work of Juiz de Fora:
the opinion of the user
Célia Regina Machado Saldanha. ............................................................................................................................ 106
Analysis of the evaluation of the FHP small cities
Fábio Aragão Kluthcovsky e Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky. .................................................................. 116
CASE REPORT
Angola, transformations are in the air
Camila Giugliani. ................................................................................................................................................ 125
The Integration Program: an experience in professional education
Juliana Saiddler e Célia Regina Machado Saldanha. ..................................................................................................... 132
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro v.3 nº 10 p. 073-144
jul / sep 2007
RBMFC
Editorial
A RBMFC e a difusão do conhecimento
em APS / MFC
Editorial The Brazilian Journal of Family Community Medicine
and dissemination of knowledge on Primary Care and Family Health
Carlos Eduardo Aguilera Campos*
Nesta oportunidade gostaríamos de destacar alguns fatos relevantes na trajetória da RBMFC. Tem sido muito
positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a edição número 3,
fizemos um esforço de catalogar e enviar exemplares para todas as bibliotecas dos cursos de Medicina. Contamos para
isto com a colaboração da ABEM, que gentilmente nos cedeu a sua lista de seus filiados. Desde então houve um retorno
muito positivo por parte dos cursos. Temos recebido muitas mensagens de incentivo e de agradecimentos, muitas delas
destacando a grande procura por parte de professores e alunos por artigos da RBMFC. Com esta estratégia alcançamos
muitos de nossos potenciais e futuros especialistas, que, normalmente, não tem acesso à informação técnica e científica da
especialidade.
Outra boa notícia refere-se à renovação do apoio à SBMFC por parte da Secretaria de Gestão do Trabalho e da
Educação em Saúde do Ministério da Saúde e da Organização Panamericana de Saúde, para a edição da RBMFC. Sem
este suporte não seria possível constituir a equipe técnica, a impressão e o envio de tiragens cada vez maiores da revista
para os sócios da SBMFC, bibliotecas e outros setores estratégicos para a difusão do conhecimento em APS/MFC. A
presente edição tem a previsão de tiragem de cerca de 3.000 exemplares. Este é um número impressionante quanto
consideramos o tempo de existência da SBMFC e o fato de que as revistas científicas costumam ter uma tiragem média
de 150 exemplares. São, portanto, promissoras as perspectivas da RBMFC, contando para isto com o aumento da
filiação e da produção científica de seus sócios e da comunidade acadêmica.
* Editor RBMFC.
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Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul / set 2007
RBMFC
Doença de Lyme: diagnóstico e tratamento
Lyme Disease: diagnosis and treatment
Ivan Maluf Junior*
Mariana Ribas Zahdi*
Aguinaldo Bonalumi Filho**
Cristina Rodrigues Cruz***
Resumo
A doença de Lyme é uma infecção bacteriana sistêmica causada pela espiroqueta Borrelia burgdoferi e transmitida
por carrapatos do gênero Ixodes e Amblyomma. Ela é doença endêmica em áreas de animais silvestres, carrapatos e
florestas, sendo pouco relatada no Brasil. É a patologia mais comum transmitida por carrapatos. As manifestações
clínicas iniciam-se com aparecimento de eritema migratório no local da picada, seguido de sintomas semelhantes ao da
gripe. Com a evolução da doença, pode ocorrer acometimento dos sistemas nervoso central, cardiovascular, ocular e
articulações. O diagnóstico é feito pelas características clínicas, dados epidemiológicos e exames laboratoriais; já o tratamento
é realizado com administração de antibióticos conforme o estágio da doença.
Abstract
Lyme disease is a multisystem bacterial infection caused by the spirochete Borrelia burgdorferi. It is transmitted by the bite of infected
ticks of the genus Ixodes and Amblyomma. The disease is endemic in wooded, brushy areas, which are habitats for wild animals and ticks. It
is the disease most commonly transmitted by ticks, but rarely reported in Brazil. Early local Lyme Disease often starts with erythema migrans
at the site of the tick bite, followed by flu-like symptoms. In advanced stage the disease may cause symptoms in the joints, eyes, heart and nervous
system. Diagnosis is based on clinical symptoms, epidemiology and laboratory tests. Lyme disease is treated with antibiotics according to the stage
of the disease.
Palavras-chave: Doença de Lyme;
Diagnóstico; Tratamento; Prevenção.
Key Words: Lyme disease; diagnosis;
treatment; prevention.
*Acadêmicos do 6º ano do curso de Medicina da Universidade Positivo, Curitiba, Paraná, Brasil.
**Dermatologista. Pós-graduado no Instituto de Dermatologia Prof. Rubem David Azulay na Sta. Casa de Misericórdia – RJ. Research Fellow pela Harvard
Medical School no Massachusetts General Hospital – EUA.
***Professora, Doutora de Infectologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil.
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Ivan Maluf Junior, Mariana Ribas Zahdi, Aguinaldo Bonalumi Filho
e Cristina Rodrigues Cruz
1. Introdução
A doença de Lyme é uma infecção bacteriana sistêmica causada pela espiroqueta Borrelia burgdofer1,2 e transmitida por carrapatos do genêro Ixodes e Amblyomma2,3,4.
Pode acometer o homem, animais silvestres e domésticos4.
A exposição primária a um carrapato não-contaminado é
um fator de proteção, já que alguns moradores de regiões
endêmicas não desenvolvem a doença. Acredita-se que este
fato é devido a uma hipersensitividade cutânea que desenvolve uma reação imune protetora5. Porém, o organismo não
mantém imunidade natural para a doença, portanto uma
pessoa pode sofrer reinfecção a partir de uma picada
subseqüente pelo carrapato1.
A doença é pouco relatada no Brasil. Neste país, a
etiologia, as manifestações clínicas e laboratoriais são
diferentes daquelas encontradas nos Estados Unidos e na
Europa; por isso, é chamada de doença de Lyme símile4.
Os transmissores na América do Norte são o Ixodes
pacificus e Ixodes “dammini”, e provavelmente Amblyomma
americanum; na Europa, é o Ixodes ricinus e, na Ásia, o
Ixodes persulcatus1. O agente etiológico no Brasil ainda
não foi isolado. O provável transmissor pertence ao gênero
Ixodes e Amblyomma3. Foi descrita pela primeira vez na
cidade de Lyme (Conneticut – EUA) em 19756. A partir
de então, a notificação aumentou. De 1990 a 1998, 112 mil
casos foram notificados nos Estados Unidos, e estima-se
que, se a subnotificação fosse incluída, esse número seria
multiplicado por 141. Esta é doença endêmica em áreas
de animais silvestres, carrapatos e florestas7. As pessoas que
trabalham em áreas de madeira, construção e parques têm
mais chances de adquiri-la. É mais comum em áreas rural e
suburbana do Nordeste e Centro-oeste dos Estados Unidos8,
sendo a doença transmitida por carrapatos mais comum
deste país9. No Brasil, os primeiros relatos foram feitos no
início da década de 19904,6,7. Houve casos em Manaus, nos
estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso4. A
região de Cotia, em São Paulo, é área de risco7.
2. Patogenia
A infecção humana é produzida por meio da saliva
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Doença de Lyme: diagnóstico e tratamento.
do carrapato, que contém a espiroqueta. O período de
incubação varia de 4 a 18 dias. A Borrelia spp. permanece
na corrente sanguínea durante os episódios febris. Com
isso há produção de anticorpos específicos contra a proteína
de membrana da Borrelia spp. O término das manifestações
clínicas atribui a atividade humoral específica de anticorpos
mais que a das células fagocíticas. Não se conhece o mecanismo
completo da elevação da resposta imunitária nas recorrências
de febre. A espiroqueta se dissemina no hospedeiro pela
união ao plasminogênio sem ativadores – a ativação do
complemento e resistência ao soro também. As lipoproteínas
expressadas durante a infecção desencadeiam inflamação,
portanto a doença cursa com remissão e exacerbação das
manifestações clínicas10.
A imunidade patogênica contra Borrelia burgdoferi
desencadeia reações auto-imunes que podem causar lesões
cardíacas e artrite. Este mecanismo auto-imune pode ter
influência na persistência dos sintomas (Lyme crônico)11.
Alguns estudos mostram que o organismo humano
apresenta fatores protetores contra estes anticorpos para
Borrelia burgdoferi, como a decorina (presente na pele,
articulação e, em menor quantidade, no coração), portanto
facilita a concentração da espiroqueta nessas regiões,
favorecendo infecção crônica12.
3. Manifestações Clínicas
As manifestações clínicas podem ser divididas em
três estágios6,13,14. A principal e primeira manifestação é o
eritema migratório, que aparece no local da picada4,8,14. A
lesão se inicia, em média, 3 a 30 dias após a picada4,8,13.
Dos infectados, de 60% a 80% apresentam esta lesão1,13.
Este estágio 1 vem acompanhado de sintomas semelhantes ao
da gripe, como cefaléia, febre, mialgia, fadiga e artralgia1,6,7,8,13.
O rash cutâneo mede ½cm de diâmetro, demonstra
expansão centrífuga e lenta, mas também pode expandirse rapidamente. Possui a região central mais clara ou
avermelhada1,4,8,13. Normalmente, há somente uma lesão quando se inicia em outros lugares, é sinal de doença disseminada1,4.
Nessa situação inicia-se o estágio 2. São manifestações
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Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul / set 2007
Ivan Maluf Junior, Mariana Ribas Zahdi, Aguinaldo Bonalumi Filho
e Cristina Rodrigues Cruz
que podem aparecer após semanas ou meses do início do
eritema migratório. Elas podem durar pouco, ou até meses,
podem ser recorrentes e também tornarem-se crônicas4.
Os sistemas mais acometidos são: neurológico, cardíaco e,
ocasionalmente, ocular1,4,6,13. As principais manifestações de
SNC são acometimento de condução nervosa, perda de
reflexo, parestesia, neuropatia craniana, radiculopatia, me
ningite, cefaléia, fadiga e mudanças comportamentais1,6,13.
Nos Estados Unidos, 15% dos pacientes não tratados
quando há acometimento neurológico evoluem com
alterações neurológicas central ou periférica, com potencial
de produção de seqüelas irreversíveis4. Afecções cardíacas
são raras15. Pode acontecer arritmia, miocardite, angina,
vasculite e bloqueio atrioventricular1. Este último é o mais
comum15. Dos pacientes não tratados, 8% evoluem com
bloqueio atrioventricular com graus variáveis. A lesão é
reversível4. Esta melhora em dias ou semanas, e, algumas
vezes, está associada à miocardite, palpitação e bradicardia13.
Dos pacientes não tratados em dois anos, 60% apresentam
características clínicas de artrite4,14. Se não tratada, 10%
evoluem para artrite crônica com proliferação sinovial e não
respondem mais à antibioticoterapia4. Embora infreqüente,
em alguns casos pode haver manifestações oculares como
alterações visuais, cegueira, lesão de retina, atrofia óptica,
conjuntivite, uveíte, coroidite, ceratite, inflamação, dor,
diplopia e papiledema1,6. Um estudo feito no Brasil descreveu
o primeiro caso de doença de Lyme com manifestação ocular
no Paraná. A paciente apresentou baixa acuidade visual e
presença de papiledema bilateral. O exame oftalmológico
mostrou presença de neurorretinite bilateral associada à
ceratite intersticial de ambas as córneas16. Papiledema ocorre
associado à meningite e à meningoencefalite. Pode ocorrer
também acometimento do nervo óptico com neurite óptica
ou neurorretinite. Embora rara, pode haver paralisia do
abducente, oculomotor e troclear6.
Um estudo no estado do Mato Grosso, Brasil,
analisou 16 pacientes com doença de Lyme e suas manifestações clínicas. Destes, 50% apresentaram eritema
migratório, sendo que cinco deles tiveram eritema anular
secundário. Características incomuns se manifestaram em
078
Doença de Lyme: diagnóstico e tratamento.
31,2%, inclusive com aspecto esclerodérmico. As manifestações musculoesqueléticas que ocorreram foram: mialgia,
em 31,2% dos pacientes; artralgia, em 25%, e artrite, em
25%. Seis (37,5%) apresentaram acometimento neurológico17.
O estágio 3 acontece meses ou anos após a infecção
e, freqüentemente, é caracterizado pela artrite crônica,
acrodermatite, encefalomielite6,13,14.
Lyme congênita já foi descrita1. Se acontecer
transmissão do agente por via transplacentária no 1º trimestre da gestação, há chance de complicações neonatais4. Pode
ocorrer parto prematuro e morte neonatal1. Em crianças,
as manifestações mais comuns são: eritema migratório, artrite, paralisia do nervo facial, meningite asséptica e cardiopatia.
A meningite infantil por Lyme apresenta pouca febre,
porém, há cefaléia e rigidez nucal13. É fundamental pensar
em co-infecção quando o aspecto clínico é diferente da
infecção isolada3. Relata-se que 10% dos pacientes apresentam co-infecção com borrelia, rickettsia, babesia, ehrlichia
e vírus3,13.
4. Diagnóstico
O diagnóstico é feito por meio da associação dos
sintomas clínicos, dados epidemiológicos (áreas de maior
endemicidade) e testes laboratoriais 1. Estudos recentes
demonstraram que, na América Latina, os pacientes com
suspeita da doença de Lyme apresentaram títulos baixos
de anticorpos para os agentes causadores conhecidos (B.
burgdoferi, B. garinii, B. afzelli). No exame Western Blot
(WB) também foram encontrados diferentes resultados
sugerindo diversos agentes etiológicos. Por isso, a doença
nesses países da América Latina possui diferenças clínicas
sutis, sendo chamada de doença de Lyme símile7. Contanto,
os causadores no Brasil diferem daqueles da Europa e dos
Estados Unidos18.
Os exames laboratoriais mais utilizados são ELISA,
WB e Pesquisa de Anticorpos por Imunofluorescência
Indireta11. Para paciente sintomático com até quatro
semanas, deve-se solicitar ELISA e também WB para IgM
e IgG. Após quatro semanas, solicitar somente para IgG, a
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Ivan Maluf Junior, Mariana Ribas Zahdi, Aguinaldo Bonalumi Filho
e Cristina Rodrigues Cruz
fim de evitar IgM falso-positivo. A especificidade das duas
etapas é de 99% a 100%. Quando requisitar os exames,
informar o número de semanas dos sintomas13. O exame
de PCR não é muito utilizado, apesar de ser mais sensível
na fase aguda19. O WB é o melhor método diagnóstico17.
Nos pacientes de alto risco (sintomáticos em área endêmica)
não são necessários exames laboratoriais13.
Anticorpos constitucionais podem demorar a
aparecer, e somente 50% dos infectados apresentam sorologia positiva na fase inicial. IgM aparece de 2 a 4 semanas e
cai depois da quarta semana; IgG aparece de 4 a 6 semanas
após o eritema e permanece mesmo após o tratamento13.
No Brasil, utiliza-se ELISA, seguido pelo WB para
confirmação. Há alto índice de resultados falso-positivos e
falso-negativos4. Exames falso-positivos para Lyme podem
ocorrer na presença de outras infecções por espiroquetas
(sífilis, doença reumatóide, mononucleose infecciosa e
morphea) 13,18. Pacientes que receberam OpsA(vacina
composta por gene derivado de B. burgdoferi), também
apresentam resultados falso-positivos20.
Outra técnica diagnóstica é a biópsia cutânea
(Warthin Starry e Warthin Starry), que, apesar de não ser
tão específica, mostrou-se útil no diagnóstico pelas
características do infiltrado de linfócitos, histiócitos e
eosinófilos na pele, além da disposição em torno de vasos
em forma de manguito e no interstício. A detecção do agente
causador histologicamente torna-se difícil pela escassez de
microorganismos nas lesões ou pela distribuição nãohomogênea, como divergem alguns autores2.
Outras alterações laboratoriais que os pacientes
podem apresentar são: anemia, leucocitose, VHS aumentado, trombocitopenia e aumento das enzimas hepáticas10.
Conforme citado, o diagnóstico de Lyme é feito
pela associação clínico-laboratorial, porém exames
laboratoriais estão sendo pedidos exageradamente, sendo
algumas vezes desnecessários21.
5. Tratamento
O tratamento é iniciado após o diagnóstico, que
deve ser o mais precoce possível. Antibiótico profilático
079
Doença de Lyme: diagnóstico e tratamento.
não é recomendado para quem é picado pelo carrapato e
está assintomático, porém o paciente deve ficar observando
caso sintomas como rash, febre ou artralgia apareçam13.
A terapia é feita com antibiótico oral ou endovenoso,
dependendo do estágio da doença1. O medicamento de
primeira escolha é doxiciclina 100 mg, duas vezes por dia,
via oral, por 14 a 21 dias, seguido por cefuroxima,
amoxicilina com probenecida e macrolídeos. A amoxicilina
é a droga de escolha em crianças e gestantes10. Ceftriaxona
2g uma vez ao dia é usada por 2 a 3 semanas nas complicações cardíacas e neurológicas. No caso de alergia, pode ser
usado doxiciclina10,22. A eficácia do tratamento é verificada
pela melhora dos sintomas e normalização das células pleomórficas do liquor. Não é recomendado medir os anticorpos no liquor pós-tratamento, porque eles costumam persistir22.
Quando há febre recorrente, o tratamento de escolha
é tetraciclina na dose única de 0,5 g. Usar eritromicina, dose
única, na criança e gestante. Na ocorrência de encefalite e
meningite, faz-se uso de penicilina, cefotaxima ou ceftriaxona
endovenoso por 14 dias10.
A síndrome pós-doença de Lyme pode existir. Ela
é caracterizada pela persistência dos sintomas (fadiga,
cefaléia, mialgia, artralgia e sintomas neurocognitivos) após
o tratamento. A patogênese dessa síndrome ainda é
desconhecida. O tratamento recomendado é sintomático,
sem antibiótico, pois se mostrou ineficaz20,22.
6. Prevenção
Evitar áreas onde se concentram os carrapatos é a
melhor profilaxia. Caso isso não seja possível, há vários
cuidados que podem ser tomados:
- Usar camisa de manga comprida e calça. Se possível
prender a calça dentro das meias, além de usar roupas de
cores claras que facilitem a visualização do carrapato.
- Caminhar no centro das trilhas, evitando as margens.
- Aplicar repelentes de insetos à base de DEET (dietiltoluamida) sobre a pele e roupa, ou repelente à base de permethrin
sobre as roupas.
- Verificar, diariamente, se há carrapatos. Os lugares predi-
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Ivan Maluf Junior, Mariana Ribas Zahdi, Aguinaldo Bonalumi Filho
e Cristina Rodrigues Cruz
letos por eles são as pernas, virilhas, axilas, linhas do cabelo
e dentro ou atrás das orelhas.
- Remover os carrapatos imediatamente usando pinça de
ponta fina – não se deve espremer nem torcer o carrapato.
- Conhecer os sintomas da doença de Lyme. Se a pessoa
esteve em algum lugar onde estes carrapatos são comuns,
e aparecerem quaisquer sintomas da doença de Lyme,
especialmente erupção na pele, deve procurar um médico
imediatamente23.
Existe uma vacina para a doença de Lyme. É necessário receber três doses para conseguir uma proteção
de 75%. Visto que a vacina não oferece proteção completa
nem protege contra outras doenças transmitidas por carrapatos, mesmo pessoas vacinadas devem tomar as precauções mencionadas. A vacina é segura para a maioria das
pessoas, mas pode causar vermelhidão, inchaço, dor no
local da injeção, dores musculares, dor ou rigidez nas articulações, febre ou calafrios e até reações alérgicas graves
como efeitos adversos23.
As pessoas de 15 a 70 anos que moram, trabalham
ou brincam por períodos prolongados em áreas onde há
carrapatos infectados têm indicação para receber a vacina.
Devem-se incluir neste grupo pessoas que já tiveram doença
de Lyme sem complicações e que continuam sendo
expostas a carrapatos infectados23.
A vacinação é contra-indicada a: aqueles que não
entram em contato com carrapatos infectados; crianças com
menos de 15 anos; adultos com mais de 70 anos; mulheres
grávidas; pessoas com qualquer deficiência no sistema
080
Doença de Lyme: diagnóstico e tratamento.
imunológico; pessoas com artrite causada por um caso
prévio de doença de Lyme que não respondeu ao tratamento antibiótico e pessoas com qualquer outro tipo de
artrite23.
7. Prognóstico
A recuperação dos pacientes é completa e mais
rápida se o tratamento for realizado na fase inicial da doença. Já nos estágios mais avançados da doença podem ocorrer sintomas recorrentes ou persistentes. Neles, deve-se
realizar um segundo curso de terapia de quatro semanas.
Tratamentos longos com antibióticos mostraram-se ineficazes
e prejudiciais, levando a sérias complicações, incluindo morte24.
O tratamento realizado em mulheres grávidas não
se mostrou prejudicial ao feto24.
8. Referências
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Endereço para correspondência:
Ivan Maluf Junior
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Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007
RBMFC
Qualidade de vida e controle da pressão
arterial em pacientes de uma unidade
primária do município do Rio de Janeiro.
Quality of Life and Blood Pressure Control in
Patients of a Primary Care Unit in Rio de Janeiro
Vera Lúcia R. C. Halfoun*
Denise S. Mattos**
Odaleia B. Aguiar***
Resumo
Estudamos a qualidade de vida (QV) e o controle da pressão arterial (PA) em pacientes hipertensos acompanhados
em dois modelos de atendimento em um Centro Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Foram acompanhados 138
pacientes durante um ano, sendo que: 69 pacientes (grupo A), por um modelo multidisciplinar, e 69 (grupo B), por um
modelo centrado no atendimento médico. A QV foi avaliada por questionário padrão (SF-36). Os escores de cada
grupo e a comparação entre as pressões sistólicas (PS) e diastólicas (PD) pré-tratamento e pós-tratamento foram analisadas
pelo teste de Mann-Whitney. Foram correlacionados os escores das dimensões do SF-36 com: PA pré-tratamento e póstratamento, e as diferenças de pressões pré-tratamento e pós-tratamento ( PS, PD) pelo teste de Spearman (p<0,05
exigido). Os escores relacionados à capacidade funcional foram maiores no grupo A do que no B (p=0,01), mas, para
saúde mental, foram menores (p=0,03). Houve queda mais significativa da PS no grupo A (p=0,0001) do que no B
(p=0,0003). A PD reduziu-se de forma significativa apenas no grupo A (p=0,0001). Concluímos que os pacientes com
hipertensão arterial atendidos pelo modelo interdisciplinar tiveram maior queda dos níveis de pressão arterial, quando
comparados aos atendidos apenas pelos médicos, porém, a relação deste controle com a qualidade de vida não foi
satisfatoriamente comprovada.
Abstract
The quality of life (QL) and the blood pressure (BP) control of patients with arterial hypertension followed by two different models
of health care in a primary care Unit in Rio de Janeiro were studied. A hundred and thirty-eight patients were followed up during 12 months
in a primary care center. Sixty-nine were assisted in a model using an interdisciplinary approach (group A) and 69 in a model focused on
Palavras-chave: Qualidade de Vida;
Hipertensão; Atenção Primária à Saúde.
Key Words: Quality of life; Hypertension;
Primary Health Care.
*Doutora em Medicina, Profª. Adjunta, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
**Mestre em Medicina, Médica do Programa de Atenção Primária à Saúde, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
***Mestre em Nutrição Humana, Nutricionista do PAPS/ Universidade Federal do Rio de Janeiro, Profª. Assistente, Departamento de Nutrição Aplicada do
Instituto de Nutrição da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
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Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007
Vera Lúcia R. C. Halfoun, Denise S. Mattos e Odaleia B. Aguiar
medical consultation (group B). The QL was studied by the shortform health survey (SF-36) questionnaire. The Mann-Whitney test
was applied to compare the scores obtained between groups and the
systolic and diastolic blood pressure pre and post treatment differences
( SBP and DBP respectively) in each group. In group A, the
Spearman test was used to correlate pre and post treatment BP,
?SBP and ?DBP to each QL score (p<0,05 was required). The
functional capacity showed statistically the best result in the patients
of group A (p=0,03), but lower scores with regard to mental health
(p=0,03). The SBP dropped more significantly in group A than in
group B (p<0,0001 X p<0,0003). The DBP dropped significantly
only in group A (p<0,0001) Conclusion: The patients with arterial
hypertension assisted in an interdisciplinary health care model showed
a better response to treatment than those assisted in a conventional
model, however this fact could not be related satisfactorily to a better
QL.
1. Introdução
O conceito de qualidade de vida tem sido aplicado
nos campos da sociologia, psicologia, economia, política,
educação e saúde. Ware1, ao estudar qualidade de vida
aplicada à saúde, propôs um instrumento envolvendo os
componentes físico e mental, relacionado à função social,
ao desempenho ocupacional e à percepção geral de saúde.
Em 1920, segundo Wood-Dauphiness2, a expressão
qualidade de vida foi utilizada pela primeira vez no livro
The Economics of Welfare, por Pigou. No entanto, apenas
em 1987 é que este termo foi incorporado pela comunidade
científica.
Minayo, Hartz e Buss3 consideraram que "qualidade
de vida é uma noção eminentemente humana, que tem sido
aproximada ao grau de satisfação encontrado na vida
familiar, amorosa, social e ambiental e à própria estética
existencial".
A partir dos anos 1970, começaram a surgir, em
algumas áreas da Medicina, ensaios clínicos com a preocupação de avaliar, além dos aspectos biológicos, as dimensões subjetivas que interferem no bem estar do indivíduo,
considerando a percepção do próprio paciente. Trabalhos
083
Qualidade de vida e controle da pressão arterial em pacientes
de uma unidade primária do município do Rio de Janeiro
nas áreas de oncologia, reumatologia e psiquiatria foram
pioneiros na utilização de instrumentos de avaliação de qualidade de vida em saúde.
O aumento da expectativa de vida impõe uma
reflexão sobre a qualidade de vida na população idosa,
obrigando a um planejamento de saúde cada vez mais
voltado para o controle e prevenção das doenças crônicodegenerativas em geral.
No Brasil, assim como na população mundial, a
hipertensão arterial sistêmica (HAS) tem-se destacado como
afecção crônico-degenerativa mais prevalente e com maior
morbidade e mortalidade. Na cidade do Rio de Janeiro
estudos demonstraram uma prevalência de 24,9% para a
HAS na população acima de 20 anos4.
Diante dessa realidade, considerando a necessidade
de promover um aumento de expectativa de vida associado
a uma melhor qualidade de vida, decidimos propor um
projeto assistencial e multidisciplinar de atendimento aos
pacientes com HAS, em um Centro Municipal de Saúde
da Cidade (CMS) do Rio de Janeiro. Este modelo, desenvolvido desde 1999 pela equipe do Programa de Atenção
Primária à Saúde (PAPS) da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (FM/UFRJ), estabeleceu-se paralelamente ao modelo institucional adotado
pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do Rio de Janeiro.
Assim, constituíram-se dois grupos de estudo com o objetivo de acompanhar, a princípio, a qualidade de vida dos
pacientes em cada grupo5.
Foi nossa hipótese que os pacientes acompanhados
por uma equipe interdisciplinar pudessem ter, em relação
às dimensões avaliadas pelo questionário SF-36, melhor
desempenho associado e relacionado a uma melhor
resposta ao tratamento do que aqueles acompanhados pelo
modelo proposto pela SMS/RJ. O atual trabalho refere-se
a uma primeira avaliação, após um ano de acompanhamento.
Este projeto foi submetido ao Comitê de Ética
em Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga
Filho do Centro de Ciências da Saúde da UFRJ, tendo
parecer favorável no dia 06 de maio de 1999, sendo
registrado no protocolo de pesquisa número 36/99.
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2. Casuística e Método
O modelo inicialmente proposto, no âmbito da
assistência interdisciplinar, foi iniciado pela captação do
paciente que procura o CMS para atendimento em qualquer
especialidade. Uma triagem foi realizada com avaliação de
fatores de risco para hipertensão arterial em todos os
pacientes na porta de entrada, sendo a pressão arterial
verificada por pessoal capacitado após treinamento. Os
indivíduos que apresentavam medida de pressão arterial
acima dos limites preconizados pelo Programa Nacional
de Controle da Hipertensão Arterial (PNCHA) foram
selecionados para a segunda verificação da pressão em um
prazo de sete dias6. Os que permaneciam com níveis acima
dos preconizados foram inscritos no programa de
hipertensão arterial do CMS. De forma alternada, os pacientes
foram encaminhados para atendimento no presente projeto
(grupo A) ou no ambulatório de clínica médica do CMS
(grupo B), não sendo permitida a migração de doentes
que já se encontravam em acompanhamento na unidade
de saúde.
Constituíram nossa casuística os pacientes que
preencheram os critérios de inclusão nos programas de
hipertensão arterial de acordo com as normas da SMS do
Rio de Janeiro, que são moradores e/ou trabalhadores da
área de planejamento do CMS e que assinaram o termo de
consentimento livre e por escrito.
Os critérios de inclusão no Programa de Hipertensão
Arterial foram ser adulto, morador, trabalhador ou
estudante da área programática do CMS, com níveis de
pressão sistólica > 140 mmHg e/ou diastólica > 90 mmHg
em duas aferições em datas diferentes ou com diagnóstico
prévio de HAS em uso de medicação anti-hipertensiva.
O modelo proposto para estudo consiste no
atendimento mensal ao paciente hipertenso por equipes
interdisciplinares formadas por um médico, um nutricionista
e um enfermeiro, em sistema de rodízio, e de um profissional
de dança, com atividade semanal. Todos atendem de forma
integral os pacientes, ou seja, analisam suas queixas, verificam
a pressão arterial e exames complementares, avaliam efeitos
colaterais do tratamento e prescrevem as receitas e orienta-
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Qualidade de vida e controle da pressão arterial em pacientes
de uma unidade primária do município do Rio de Janeiro
ções gerais. O médico é responsável pelo primeiro atendimento, pelo diagnóstico, pela orientação terapêutica e pelos
cuidados gerais. O segundo atendimento cabe ao nutricionista,
que, além do atendimento integral, orienta o controle
dietético. O enfermeiro, na terceira consulta do paciente,
promove as atividades educacionais e de cuidados gerais.
O atendimento se faz em salas contíguas, favorecendo o
contato mais próximo entre os profissionais, a troca de
experiências nos casos de dúvidas ou mudança de conduta
e uma maior participação do doente no seu tratamento.
Foram incluídos no atual estudo todos os indivíduos em
acompanhamento no modelo proposto, na época da aplicação do questionário, constituindo o grupo A.
Os profissionais do CMS fazem o atendimento
na forma preconizada pela SMS do Rio de Janeiro por
meio de consultas médicas e encaminhamento ocasional à
nutrição por decisão do médico. O setor de enfermagem
organiza grupos de atendimento coletivo, dirigidos aos
pacientes inscritos nos programas. O número máximo de
pacientes atendidos por turno de 4 horas é de 16 pacientes.
Uma amostra, escolhida ao acaso na sala de espera,
constituiu o grupo B, excluindo-se aqueles em tratamento
por mais de um ano. Esta amostra foi escolhida com objetivo
de poder ser comparada ao grupo-alvo, não havendo a
preocupação de torná-la representativa dos pacientes
atendidos no CMS ou da população do Rio de Janeiro.
Ambos os grupos foram orientados quanto à terapêutica medicamentosa, disponível na rede de saúde e
distribuída gratuitamente. Os critérios de referência e contrareferência também foram idênticos.
Além do atendimento ambulatorial, foi oferecida
aos pacientes de ambos os grupos uma atividade física
semanal, que visava à motivação para a prática de exercícios
físicos e à valorização da corporeidade. Esta atividade foi
desenvolvida pelos professores do Departamento de Arte
Corporal da Escola de Educação Física e Desporto da
UFRJ, sendo denominada “Movimento e Saúde”.
Foram coletadas informações, em fichas próprias,
contendo a idade, o sexo, a naturalidade e a escolaridade.
Dados sobre complicações (consideradas como evidências
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clínicas de doença cardiovascular e/ou alterações
eletrocardiográficas) e presença de co-morbidades também
foram levantados nos prontuários.
Em nosso trabalho, optamos pela utilização do
Short Form Health Survey (SF-36), questionário genérico
criado por Ware e Sherbourne 7 em 1992 e Ware e
colaboradores8 em 1993, a partir do Medical Outcomes
Study (MOS) norte-americano, para avaliar estado de saúde.
O SF-36, traduzido e validado para o português por
Ciconelli9, é um instrumento de verificação de característica
genérica, ou seja, pode ser utilizado em qualquer situação
de agravo à saúde. Prevê escores de 0 a 100 para cada
dimensão.
O questionário de qualidade de vida SF36 foi
aplicado na sala de espera dos consultórios aos pacientes
dos grupos A e B que aceitaram participar do presente
estudo por meio da assinatura no for mulário de
consentimento informado livre e esclarecido para
participação em pesquisa clínica, de acordo com as
orientações da Comissão de Ética da UFRJ.
As dimensões do SF-36 têm por objetivo avaliar
oito aspectos:
1- Dor - avalia a presença, a extensão e a limitação
provocadas pela dor.
2- A capacidade funcional - avalia o desempenho físico,
considerando a presença e a extensão das limitações em
diversos tipos de atividades físicas em uma escala de resposta
de três níveis.
3- O aspecto físico - avalia as dificuldades, na realização
do trabalho e nas atividades diárias, decorrentes dos
problemas de saúde.
4- O estado geral de saúde - reflete a avaliação do paciente
sobre sua saúde e suas perspectivas sobre ela.
5- Aspectos sociais - avalia a influência da doença na
integração social do indivíduo, considerando os aspectos
físicos e emocionais.
6- Aspectos emocionais - avalia as dificuldades relacionadas
ao trabalho ou outras atividades diárias decorrentes de
problemas emocionais.
7- Saúde mental - é um índice do humor em geral e avalia
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Qualidade de vida e controle da pressão arterial em pacientes
de uma unidade primária do município do Rio de Janeiro
as quatro maiores dimensões da saúde mental: ansiedade,
depressão, perda do controle emocional, distúrbios do
comportamento e bem-estar psicológico.
8- Vitalidade - avalia o nível de disposição e de fadiga.
Os pacientes dos dois grupos responderam ao
questionário por entrevista realizada por profissional
contratado e treinado exclusivamente para este fim, e que
não pertencia às equipes de assistência. A opção pelo
entrevistador, e não pela forma auto-aplicada do
questionário, foi feita tendo em vista a possibilidade da
existência de analfabetos no universo estudado.
O controle da pressão arterial foi avaliado
comparando-se os níveis registrados pré-tratamento
(consulta 1) e pós-tratamento (última consulta do primeiro
ano de acompanhamento), pelo teste de Mann Whitney.
Foi realizada uma análise para avaliar a qualidade
de vida pelos escores do SF-36, para as comparações entre
os dois grupos, pelo teste de Mann Whitney.
Foram também feitos testes de correlação de
Spearman entre as pressões pré-tratamento, pós-tratamento
e as diferenças entre elas ( PS e PD), comparando cada
uma delas com os escores de desempenho de cada
dimensão do questionário SF-36. O nível de significância
mínimo adotado foi de 5% para toda a análise estatística.
3. Resultados
A tabela 1 ilustra os dados sociodemográficos das
populações estudadas, homogêneas em relação ao sexo, à
idade, à escolaridade e à naturalidade. A presença de
complicações da hipertensão e de co-morbidades está
ilustrada na tabela 2. Embora em maior freqüência no
grupo A do que no B, as diferenças entre complicações
encontradas não foi significativa, mesmo excluindo-se
aquelas que evoluem sem sintomas. As co-morbidades
ocorreram em número maior no grupo A. A diferença
não foi significativa, porém mostrou uma tendência com
valor de p=0,06.
A tabela 3 mostra que os níveis de pressões, tanto
sistólicas quanto diastólicas, pré-tratamento, foram
significativamente mais altos no grupo A, e não diferiram
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Qualidade de vida e controle da pressão arterial em pacientes
de uma unidade primária do município do Rio de Janeiro
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entre os grupos após o tratamento. No entanto, houve queda
de níveis tensionais apenas no grupo A, refletindo uma
reposta clínica, o que não ocorreu no grupo B - neste não
houve modificação importante na resposta ao tratamento.
Na tabela 4, houve melhores resultados no grupo
A em todas as dimensões referentes ao componente físico
do questionário de qualidade de vida, mas a diferença foi
significativa apenas para a capacidade funcional. Em relação
ao componente mental, houve melhor desempenho das
dimensões do SF-36 que avaliaram aspectos emocionais e
vitalidade no grupo A e saúde mental e aspectos sociais no
grupo B, sendo a diferença significativa para a saúde mental.
No grupo A, não houve correlação importante entre
os escores de qualidade de vida, as pressões arteriais prétratamento e pós-tratamento e o grau de resposta ao tratamento
(tabela 5).
Tabela 1: Características demográficas dos pacientes
*Resultados expressos em números absolutos; p>0,05 para todas as comparações.
1º, 2º, 3º graus: foram considerados os graus completos ou incompletos.
Tabela 2: Complicações e co-morbidades mais encontradas
* Pacientes com achados eletrocardiográficos não necessariamente conseqüentes à H.A. ** Achados clínicos:
Grupo A: • não comprometiam a qualidade de vida: leucopenia, hepatomegalia, hipertrofia benigna da
próstata – total de 3 casos–; • comprometiam a qualidade de vida: dengue, erisipela, tricomoníase vaginal
e labirintite – 5 casos –; surdez, insônia, bronquite crônica; – 3 casos. Grupo B: • não comprometiam a
qualidade de vida: hepatite B e histerectomia - 2 casos -; • comprometiam a qualidade de vida: claudicação
intermitente, catarata, glaucoma, doença de Chron, bronquite crônica - 5 casos -; • labirintite – 1 caso.
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Qualidade de vida e controle da pressão arterial em pacientes
de uma unidade primária do município do Rio de Janeiro
Tabela 3: Resposta clínica ao tratamento:
Resultados expressos em mm Hg; os valores de p referem-se às comparações entre os grupos A e B.
Tabela 4: Medianas dos escores obtidos no questionário de Qualidade de Vida:
Resultados expressos em medianas. Os escores para todas as variáveis podem ser de 0 a 100. Quanto maior o escore obtido
para a variável, melhor o desempenho.
4. Discussão
Nas últimas décadas, os resultados da atenção à
saúde têm sido medidos, valorizando, cada vez mais, a ótica do paciente. Os benefícios de tratamentos específicos e
dos sistemas de assistência à saúde em geral vêm sendo
avaliados considerando a extensão da mudança provocada
no estado funcional e no bem-estar do indivíduo, à luz de
suas necessidades e expectativas.
Em nosso trabalho, aplicamos o questionário de
qualidade de vida SF-36 em dois grupos, procurando
compará-los após diferentes modos de intervenção. As variáveis sociodemográficas foram semelhantes em ambos
os grupos, não interferindo nos achados. No entanto, apesar da maior freqüência de pacientes com complicações da
hipertensão arterial no grupo A em relação ao B, esta diferença não foi significativa, provavelmente não interferindo
087
na qualidade de vida dos pacientes.
Por outro lado, as co-morbidades ocorreram em
freqüência maior no grupo A, provavelmente influenciando a comparação dos resultados de qualidade de vida
obtidos. Um outro fato importante é que as pressões prétratamento dos pacientes do grupo A eram significativamente mais altas do que no B. Estes dados, analisados em
conjunto, permitem afirmar que os pacientes do grupo A
tinham maior comprometimento de sua saúde do que os
do outro grupo, apesar dos critérios randômicos de seleção utilizados.
Houve melhor resposta clínica ao tratamento da
hipertensão arterial no grupo A, evidenciada pela diferença
significativa na comparação entre a variação de pressões
obtidas por este grupo, em relação ao grupo B. Esta melhor resposta foi obtida a despeito dos maiores agravos
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de uma unidade primária do município do Rio de Janeiro
Tabela 5: Correlações entre qualidade de vida e níveis tensionais:
Teste de correlação de Spearman
existentes nas condições pré-tratamento do grupo A. Tendo em vista que as condições demográficas entre os grupos eram as mesmas, este fato sugere que o modelo de
atendimento possa ter tido uma função importante. É necessário ressaltar que o modelo proposto para os pacientes do grupo A inclui atendimento com hora marcada,
avaliação laboratorial descentralizada, consultas mensais
individuais, interação direta com a equipe de suporte
operacional e a adesão voluntária dos doentes a um novo
modelo de assistência, fatos que podem interferir, ao menos em parte, nas respostas obtidas no tratamento da hipertensão arterial. Ademais, a satisfação dos usuários no
modelo multidisciplinar proposto foi maior do que no
088
grupo B10.
Considerando a faixa etária dos pacientes de ambos os grupos, os escores para QV não foram superiores
a 75% em qualquer das dimensões estudadas, o que pode
refletir a baixa condição de escolaridade e, conseqüentemente, de renda e condições de vida em geral. É importante esclarecer que a maioria dos pacientes atendida nos
dois grupos residia em duas grandes favelas urbanas próximas ao CMS, submetidas a um estado de violência constante. Esta hipótese é compatível com o achado de escores
mais baixos no componente mental (aspecto social, aspecto emocional, saúde mental e vitalidade) do que no físico
(dor, capacidade funcional, aspecto físico e estado geral de
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saúde) no grupo A. No componente físico, a dimensão dor
foi a que teve menores escores, sendo habitualmente mais
influenciada pelas condições sociais e emocionais. Causa
surpresa o achado de 75% no escore de aspecto social e
33% no aspecto emocional encontrado no grupo B, resultados discrepantes entre si e com os demais, sem explicação que possa justificá-los.
A diferença entre os dois grupos foi estatisticamente significativa na capacidade funcional, que foi melhor no grupo A. Embora a hipertensão arterial evolua
com poucos sintomas, sobretudo em pacientes com graus
leves a moderados, como a capacidade funcional é avaliada no questionário pelos sintomas de cansaço aos esforços, provavelmente ela foi melhor no grupo A pelo melhor controle da pressão arterial, que reduz em muito estes
sintomas. A capacidade funcional do questionário SF-36 é
a dimensão mais sensível de pequenos descontroles da pressão arterial pela taquicardia decorrente de esforços físicos
de mínima intensidade. No entanto, não houve correlação
significativa entre os escores de capacidade funcional e os
níveis de PS e PD pós-tratamento, assim como com a diferença entre ambos.
Em relação ao componente mental (aspectos sociais, aspecto emocional, saúde mental e vitalidade), espera-se que a saúde mental e estado emocional sejam afetados, particularmente em estágios avançados de doenças
que levem a limitações físicas que provoquem depressão e
perda do controle emocional, o que não é a realidade dos
pacientes estudados. Os resultados foram controversos, já
que houve melhor desempenho da saúde mental no grupo
B e do estado emocional no A. A violência urbana na área
de residência dos pacientes pode ter influenciado estes escores, porém não justifica as diferenças encontradas na saúde mental, já que ambos os grupos são da mesma comunidade.
Finalmente, é importante questionarmos se o instrumento utilizado foi adequado para esclarecimento da
hipótese, e ainda se o tempo de acompanhamento dos
pacientes foi suficiente para este tipo de análise. Seria, portanto, de grande interesse a reavaliação destes pacientes em
089
Qualidade de vida e controle da pressão arterial em pacientes
de uma unidade primária do município do Rio de Janeiro
um tempo mais prolongado, utilizando-se simultaneamente um questionário voltado especificamente para avaliação
de QV de indivíduos com hipertensão arterial.
5. Conclusões
Pacientes com hipertensão arterial atendidos pelo
modelo interdisciplinar em uma unidade básica de saúde
durante um ano tiveram maior queda nos níveis de pressão arterial, quando comparado aos atendidos apenas pelos médicos; porém, a relação da resposta ao tratamento
com a qualidade de vida não pode ser, satisfatoriamente,
comprovada utilizando-se o questionário SF-36.
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Trabalho realizado pelo Programa de Atenção Primária à Saúde da Faculdade de Medicina da UFRJ. Fonte
de auxílio: Fundação Universitária José Bonifácio/ UFRJ.
Endereço para correspondência:
Programa de Atenção Primária à Saúde / FM-UFRJ
Rua Laura de Araújo, 36 – 2o andar
Cidade Nova – Rio de Janeiro
CEP: 20211-170
Endereço eletrônico:
[email protected]
090
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RBMFC
Custo-efetividade: comparação entre o modelo
“tradicional” e o Programa de Saúde da Família.
Cost-effectiveness analysis: comparison of traditional
primary health care delivery and the Family Health Program.
Janice Dornelles de Castro*
Vanessa da Rocha**
Marcia Marinho***
Silvia Pinto****
Resumo
Este é um estudo de custo-efetividade da provisão da Atenção Básica por meio de duas alternativas de modelos
de Atenção Básica – o modelo “tradicional” e o Programa de Saúde da Família. Em um primeiro momento, é feita a
discussão teórica sobre avaliação econômica, explicitando toda a sua complexidade e, em um segundo, é realizado um
estudo de caso no município de Porto Alegre. Os dados demonstram que o Programa de Saúde da Família foi mais
custo-efetivo.
Abstract
This study analyses the cost-effectiveness of primary health care on the basis of two alternative models of health care delivery - the
“traditional” model and the Family Health Program of the Unified Health System. Firstly we make a theoretical approach to health
economics assessment in all its complexity, and then we carry out a cost-effectiveness analysis based on a case study in the city of Porto Alegre.
The data showed the Family Health Program to be more cost effective.
Palavras-chave: Custos de Cuidados de
Saúde; Economia da Saúde; Cuidados
Primários de Saúde.
Key Words: Health Care Cost; Health Economics;
Primay Health Care.
*Economista, Mestre Health Planning and Financing – London Scholl of Economics, Doutora em Saúde Coletiva - UNICAMPI; Professora da Faculdade
de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
**Administradora hospitalar, UNISINOS, Brasil.
***Mestre em Administração (UFRGS), analista de Sistemas, Datasus, Ministério da Saúde, Brasília, Distrito Federal, Brasil.
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Janice Dornelles de Castro, Vanessa da Rocha, Marcia Marinho e Silvia Pinto
1. Introdução
A implantação do Sistema Único de Saúde (SUS)
criou a necessidade de reorganização dos serviços de saúde. Neste contexto, o principal desafio, principalmente para
os municípios, tem sido a garantia dos princípios básicos
da universalidade, da integralidade e da eqüidade. O aumento de custos do sistema – conseqüência tanto do aumento e envelhecimento da população coberta, como de inovações tecnológicas – criou a necessidade da realização de avaliações dos serviços, com o objetivo de melhor utilizar os
recursos escassos. Ou seja, é necessário priorizar o uso dos
recursos, buscando não reduzir a oferta e a qualidade dos
serviços, e é nesta medida que os estudos de avaliação econômica são importantes, pois colocam à disposição do
planejamento os instrumentos necessários para o estabelecimento dessas prioridades.
Este trabalho se propõe a fazer uma avaliação de
dois modelos de Atenção Básica – aquele que chamamos de
“tradicional” e o Programa de Saúde da Família –, com o
intuito de verificar os custos e a efetividade em cada um deles.
2. A avaliação econômica
Para Drumond & Stoddart1, a visão dos economistas sobre a avaliação de custos dos programas de saúde não deve ser apenas aquela dos gastos realizados, mas a
do potencial benefício que irão produzir para a sociedade.
No entanto, para realizar as avaliações econômicas é inevitável que se trabalhe com a noção de custos de oportunidade, ou do sacrifício, ou escolha entre diferentes alternativas. A noção de custo de oportunidade decorre de uma
questão fundamental para a economia: o problema econômico fundamental, ou seja, as necessidades humanas são
ilimitadas e os recursos disponíveis são escassos, nesta medida é necessário fazer escolhas sobre o que, para quem,
como e quanto produzir. Para tentar responder a essas
questões os economistas utilizam a avaliação econômica.
A discussão teórica encontrada na literatura sobre
este tema é bastante ambígua, especialmente quando debatem o significado dos diferentes tipos de avaliação econômica: custo-benefício (ACB), custo-utilidade (ACU), cus-
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Custo-efetividade: comparação entre o modelo “tradicional”
e o Programa de Saúde da Família.
to-efetividade (ACE) e custo-mínimo (ACM). Drumond
& Stoddart, em seu artigo Principles of economic evaluation
of healh programmes1, colocam pontos importantes que
devem ser considerados, ao proporem estes tipos de estudos, sugestão corroborada por inúmeros autores2,3,4,5,6,7.
O primeiro ponto levantado diz que uma avaliação econômica sempre é uma comparação entre mais de
uma alternativa de possibilidades de ação – não se esquecendo de que uma das alternativas pode ser “o não fazer
nada”. Os estudos em que não são realizadas as comparações, não são de avaliação econômica e podem ser chamados de descrição de custos ou de descrição de resultados.
O segundo ponto é o estabelecimento, tecnicamente, da efetividade dos programas ou ações que estão sendo
avaliados, uma vez que a falta das evidências clínicas de
efetividade afetam a avaliação econômica. No entanto, sabemos que, quando os programas ou as ações possuem
objetivos amplos, caso da maioria das intervenções de saúde
pública, o estudo fica mais complexo. Para Mills4, o estabelecimento da efetividade pode ser feito por meio de
ensaios clínicos controlados, no entanto, afirma que este
tipo de estudo é muito caro, e muitas vezes os resultados
são inconclusivos, pois é muito difícil estabelecer a relação
entre as atividades de saúde e suas conseqüências. Portanto,
sugere que sejam utilizadas como medidas de efetividade:
(a) mudanças nas taxas de prevalência ou incidência, numa
determinada população, em um dado período de tempo,
analisando antes e após a intervenção avaliada; (b) definição da efetividade de uma intervenção obtida por consenso dos profissionais após a utilização método Delphi; (c)
revisão das evidências de efetividade por meio de publicações.
Outro ponto levantado é a necessidade de identificação de todos os custos e conseqüências importantes para
o estudo. Devem ser considerados os custos diretos – representados pelo custo de organizar e operar o sistema de
saúde e pelas despesas que os pacientes e suas famílias tiverem com o tratamento –, assim como os custos indiretos,
que são relativos ao tempo de trabalho perdido e os custos físicos, resultantes do sofrimento causado pelo trata-
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Custo-efetividade: comparação entre o modelo “tradicional”
e o Programa de Saúde da Família.
mento. Por fim, devem-se considerar os custos produzidos fora do sistema de saúde, como restrições criadas pelos governos à produção de medicamentos.
Em relação às conseqüências, devem ser consideradas as mudanças físicas, emocionais ou de funcionamento que resultem em poupança de recursos para o sistema e
para os pacientes e suas famílias, assim como a diminuição
no tempo de trabalho perdido, e, por fim, as mudanças
positivas na qualidade de vida dos pacientes e suas famílias1. Para Mills3, poucos estudos em países do terceiro mundo
levam em consideração as conseqüências emocionais e sociais da doença ou as mudanças na qualidade de vida dos
pacientes e suas famílias, no entanto, existem muitos estudos sobre as conseqüências em relação às mudanças físicas.
Além dos pontos discutidos acima, os autores1 sugerem que devem ser utilizadas unidades de medidas de custos
e conseqüências de forma apropriada – por exemplo, se uma
ação é parte de uma atividade maior, como atribuir a proporção correta dos custos e conseqüências a ela?
Segundo Mills3, o maior problema no terceiro mundo é a inexistência rotineira de informações, tanto de custos,
quanto de efetividade que sejam confiáveis, especialmente as
informações sobre os efeitos ou impacto das ações de saúde. Sendo assim, sugere que sejam utilizadas as medidas de
processo ou intermediárias, como número de pacientes tratados, número de vacinas realizadas. Mas é preciso não esquecer que assumir medidas de utilização, enquanto medidas
de efeitos, pode provocar distorções no estudo.
Os autores Drumond & Stoddart1 também sugerem que se devem utilizar medidas adequadas de valoração
de custos e conseqüências. Por exemplo, para avaliar os
custos diretos de uma ação de saúde, poderia ser usado os
preços de mercado desta ação, que, nas economias desenvolvidas, corresponderá aproximadamente aos custos de
produção. Mas isso não ocorre nos países subdesenvolvidos por inúmeras razões, tais como a existência de tarifas,
impostos e subsídios, assim como as altas taxas de desemprego e subemprego que afetam os preços dos bens e
serviços domésticos, em relação aos preços internacionais3.
A sugestão é ajustar os preços para os do mercado inter-
nacional, criando preços novos, que são chamados de preços-sombra.
Outro ponto levantado refere-se ao fato que cada
tipo de avaliação econômica irá considerar as conseqüências de diferentes formas. Na forma mais simples de estudo,
chamada de análise de custos, espera-se, ou se assume, com
base em alguma evidência (estudos anteriores que confirmem a efetividade clínica das diferentes ações), que as conseqüências ou os benefícios serão iguais; por isso, são considerados apenas os custos das diferentes alternativas de
ação. No entanto, é importante observar que este é um
tipo de avaliação econômica incompleta1,2,3,5,6,7.
Existem outras três formas de avaliação econômica completa, ou seja, aquelas que comparam custos e
resultados, e que têm em comum o fato de que os custos
são expressos em unidades monetárias e os benéficos em
unidades de conseqüência. Essas análises são comumente
classificadas sob o genérico título de análises de custoefetividade1, no entanto, existem algumas diferenças importantes entre elas.
O tipo mais simples é chamado de análise de custo-mínimo, neste caso, as conseqüências dos diferentes tipos de ações são avaliadas por estudos clínicos controlados, não são assumidos como dados, e, normalmente, a
avaliação econômica é realizada ao mesmo tempo. Se os
resultados forem equivalentes para todas as conseqüências,
então se realiza a análise de custos. No entanto, é incomum
que existam, pelo menos, dois tipos de intervenção que
possuam exatamente as mesmas conseqüências1,8.
Outro tipo são os estudos de custo-efetividade propriamente1,2,3,5,7,8,9, cuja característica é ter, pelo menos, uma
dimensão importante das conseqüências dos diferentes tipos de ação em que a comparação pode ser feita. A extensão da vida é uma conseqüência importante, assim as diferentes alternativas de ação podem ser medidas pelo “custo
por ano de vida ganho”, por exemplo. Em alguns casos, é
aceitável a utilização de medidas de resultado intermediárias, ou de processo, como são mais conhecidas, como o
“número de casos diagnosticados corretamente”, pois é
possível inferir a relação entre esta conseqüência com os
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Custo-efetividade: comparação entre o modelo “tradicional”
e o Programa de Saúde da Família.
benefícios ou resultados de impacto, para o paciente1,3,7,8.
Podemos dizer que o custo-efetividade procura
avaliar se os objetivos foram alcançados de forma eficiente
e eficaz. Um projeto pode ser eficiente quando opera com
custos mínimos; por outro lado, ele pode não ser eficaz,
pois não atinge aqueles grupos selecionados inicialmente.
Sendo assim, é preciso medir a eficácia para conhecer o seu
impacto no grupo selecionado, e, neste caso, os custos serão
expressos em unidades monetárias e a efetividade, pelo número de “’vidas salvas’ ou qualquer outro objetivo relevante” alcançado1,3,7,8.
Uma característica importante da análise de custoefetividade é a possibilidade de hierarquizar as diferentes
opções de ações para se alcançar os objetivos do projeto,
analisando os custos de cada uma para obter uma unidade
de produto. Na análise de custo-efetividade, os objetivos
do projeto não são avaliados, pois são consideradas questões do campo político, “são os fins procurados pela sociedade e expressos por aqueles que assumem sua representação”1 e, portanto, estão dados.
Sendo assim, estabelecidos determinados objetivos para um projeto social, a análise de custo-efetividade
busca avaliar as diferentes alternativas possíveis para alcançálos, que devem ser comparáveis entre si, e, nesta medida, é
fundamental que as alternativas tenham a mesma população-alvo.
Cohen e Franco7 afirmam que as análises de custo-efetividade são vinculadas à eficiência operacional, e, neste
caso, são avaliações de processo, e não de impacto, bastando selecionar a alternativa que minimiza os custos, pois os
objetivos finais do projeto e a unidade de produto se confundem. Esta discussão traz à tona duas questões importantes: (a) a maioria dos projetos sociais possui múltiplos
objetivos e existem fatores externos à eficiência operacional
que podem afetar o seu alcance; (b) os objetivos são determinados politicamente, e pressupõe-se que tenham sido
bem selecionados.
Sobre este tema, Mills. & Gilson8 afirmam que,
normalmente, os programas de Atenção Primária em Saúde, possuem objetivos amplos e com efeitos que não po-
derão ser medidos por apenas uma unidade de efeito. Para
superar este problema podem ser usadas unidades de resultado intermediário ou de processo, como número de
crianças imunizadas ou proporção de mulheres grávidas
que tiveram acesso a consultas de pré-natal. Essas medidas
são de acesso, cobertura e de realização de metas, e isso
poderá avaliar a capacidade do programa de saúde, aumentar a provisão dos serviços. Não informarão se este
programa é a melhor escolha, mas a melhor maneira de
prestar um serviço que foi anteriormente escolhido como
adequado8.
O terceiro e último tipo de estudo em que os custos são expressos em unidades monetárias e os benéficos
em unidades de conseqüência são as análises de custo-utilidade considera a qualidade ou utilidade “por ano de vida
ganho” após a intervenção e leva em consideração a
morbidade associada à extensão da vida. As alternativas de
ação são comparadas em termos de custo por qualidadeajustada por ano de vida, mais conhecida por QALYS1,3,7,8.
Por fim, existe outro tipo de estudo de avaliação
econômica em que os custos e conseqüências são expressos em unidades monetárias, são os estudos de custo-benefício, que permitem comparar diferentes alternativas que
possuam diferentes objetivos, como, por exemplo, programas da área da saúde com programas da área de transportes.
No entanto, é difícil atribuir um valor monetário
às conseqüências de um programa de saúde; por isso, a
utilização deste método fica restrita. Serve aos estudos em
que pode ser atribuído, facilmente, um valor monetário às
conseqüências, como, por exemplo, o aumento da produtividade ou a volta ao trabalho decorrente da cura de um
paciente, ou, ainda, o aumento do período de vida produtiva, e, também, os estudos em que se avalia a poupança
para o sistema de saúde decorrente da cura ou melhora
nas condições de saúde do paciente1,7,8.
A avaliação social de projetos ou atividades em
seu sentido mais amplo pretende medir o impacto do projeto sobre o nível de bem-estar socioeconômico do país1.
A eficiência é uma relação entre os produtos e seus custos;
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no entanto, os projetos, tanto econômicos como sociais,
são extremamente complexos, pois buscam alcançar mais
de um objetivo, por meio da execução de inúmeras atividades que consomem diversos tipos de insumos, e todas
essas questões devem ser levadas em consideração no momento da avaliação da eficiência de um projeto. A discussão teórica metodológica sobre a avaliação econômica,
especialmente na área da saúde, ainda tem muitos caminhos a percorrer. Esperamos, aqui, contribuir para a melhor compreensão do significado e da importância destes
estudos.
3. Indicadores de efetividade
Para a avaliação da efetividade é necessário definir
os indicadores que vão medir o sucesso dos objetivos. Os
indicadores devem ser confiáveis, ou seja, diferentes avaliadores devem poder obter os mesmos resultados e devem medir precisamente aquilo que se deseja – preferencialmente, devem medir mudanças específicas que possam
ser atribuídas ao projeto, e não a outras variáveis1,10.
Alguns indicadores têm sido muito utilizados na
área da saúde e formam algumas grandes categorias, tais
como: os indicadores de oferta, de acesso e utilização de
serviços de saúde, de qualidade da atenção, da situação da
saúde e das condições de saúde, e, ainda, os de financiamento. Para cada uma dessas grandes categorias, podem
ser utilizados diferentes indicadores11. Neste estudo trabalhamos com três categorias de indicadores: oferta, qualidade e acesso/utilização.
4. O sistema de cálculo dos custos
Existem diferentes formas de calcular os custos
das atividades10: são os sistemas de custeio total e parcial,
por absorção ou tradicional, o variável ou direto ou marginal, por atividade, por taxas, por procedimento, por patologia ou ainda o custo padrão. O sistema de custeio por
absorção é considerado um sistema de custeio integral, pois
ele apropria todos os custos incorridos para a produção
de um bem ou serviço; ou seja, considera os custos diretos, indiretos, fixos e variáveis, sem considerar, no entanto,
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Custo-efetividade: comparação entre o modelo “tradicional”
e o Programa de Saúde da Família.
os custos para os pacientes. A primeira condição para a
utilização deste sistema de custeio é a setorização ou divisão da instituição em centros de custos que devem corresponder
ao conjunto de atividades necessárias para que ocorra a produção do bem ou serviço que está sendo avaliado. Os centros de custos expressam a despesa e a sua relação com o
bem ou serviço que está sendo avaliado; por isso, são classificados como diretos ou produtivos aqueles que possuem uma relação direta com a produção do bem ou serviço, e como indiretos, administrativos ou de apoio aqueles
que realizam despesas para a produção do bem e serviço
analisado, mas também para a produção de outros bens e
serviços. Os custos indiretos devem ser rateados com base
no plano de centros de custos da instituição, assim os custos dos centros de custos de apoio e administrativos serão
rateados entre todos os centros de custos, utilizando critérios arbitrários e apropriados ao custo final do produto
ou serviço. A principal desvantagem deste sistema é a realização dos rateios usando critérios arbitrários, o que pode
implicar na avaliação incorreta dos custos finais12,13.
Escolhemos esta metodologia, pois sabemos que
os custos indiretos não são a parcela mais importante dos
custos para a Atenção Básica da saúde em Porto Alegre, o
que foi constatado em estudos anteriores10,14. Além disso,
existe a facilidade de adaptar o formato de centros de custos à estrutura do orçamento da Secretaria Municipal de
Saúde de Porto Alegre, o que simplifica a coleta das informações.
5. Objetivo geral
Fazer uma análise de custo-efetividade da Atenção Básica, comparando duas alternativas de provisão de
serviços de Atenção Básica – modelo “tradicional” e Programa de Saúde da Família – a partir do estudo de caso de
duas unidades de Atenção Básica de saúde em Porto Alegre, no ano de 2002.
6. Aspectos metodológicos
Os estudos de custo-efetividade são mais adequados para comparar duas políticas que buscam o mesmo
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objetivo, analisando os custos das diferentes alternativas; neste
caso, o objetivo é a provisão de serviços de Atenção Básica
e as alternativas são os dois modelos de Atenção Básica:
Programa de Saúde da Família (PSF) e tradicional. Qual
deles será o mais custo-efetivo? Qual deveria ser escolhido
por ser capaz de atingir o objetivo a um menor custo1,7,10,15?
Este estudo de caso pretende responder a essas questões, avaliando duas unidades básicas, uma do PSF e outra do
modelo tradicional, em Porto Alegre, no ano de 2002.
Os serviços públicos de saúde do município estão
divididos em duas áreas principais: a vigilância da saúde e a
assistência à saúde, que abriga os serviços de atenção
ambulatorial básica, em que estão vinculadas as unidades
de saúde e as unidades do Programa de Saúde da Família.
A cidade está dividida em distritos de saúde, cada
qual com uma gerência responsável pela organização dos
serviços na região. As unidades básicas de saúde devem ser
a porta de entrada no sistema. Nas unidades, com modelo
de atenção que estamos chamando de tradicional, são oferecidos os serviços de uma equipe multidisciplinar composta por médicos (clínico geral, ginecologista e pediatra),
enfermeiros, auxiliares de enfermagem e nutricionistas. E,
nas unidades de saúde do PSF, a equipe é composta por
médico generalista, enfermeiros, auxiliares de enfermagem
e agentes comunitários. Além disso, é definida a área de
abrangência, e as famílias da região são cadastradas. O tipo
de atenção à saúde prestado nas duas formas de organização das unidades básicas são similares10.
Para o levantamento dos dados de custos foi utilizada a metodologia de apropriação de custos por absorção10,12,14 adaptada para este estudo. Os dados de despesa
com Serviços de Terceiros foram obtidos na execução
orçamentária, e, então, foi calculado o rateio, com base no
número de funcionários, para cada centro de custos. O
gasto com material de consumo foi obtido nos relatórios
do Almoxarifado, considerando os itens entregues em cada
unidade de saúde, e os dados com despesas de pessoal
foram obtidos no setor de recursos humanos, não havendo necessidade de realizar rateios para esses itens.
Foram estudados os diferentes indicadores de
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Custo-efetividade: comparação entre o modelo “tradicional”
e o Programa de Saúde da Família.
efetividade das políticas públicas 7,11,15,16 e selecionados aqueles que poderiam melhor demonstrar a efetividade dos dois
modelos de atenção. Como indicador de oferta usamos o
total de atendimentos (procedimentos e consultas médicas) per capita; como indicador da qualidade da atenção
foi utilizado o total de atendimentos pré-natal por gestante
e, enquanto indicador de acesso/utilização dos serviços,
usamos a cobertura vacinal1,3,7,8.
O período definido para este estudo foi do ano
de 2002 e a escolha das duas unidades básicas foi feita
pelos pesquisadores em conjunto com a equipe da Secretaria Municipal de Saúde, usando como critério a semelhança nas suas características.
7. Resultados
A população das duas unidades eram bastante parecida em termos numéricos (7.062 e 7.093 pessoas), assim
como as características epidemiológicas e socioeconômicas.
Além disso, as unidades selecionadas prestavam o mesmo
tipo de assistência à população: atenção básica. No entanto,
em relação à composição de suas equipes, elas diferiam um
pouco, uma delas, a unidade do PSF, trabalhava com dois
médicos, dois enfermeiros, quatro auxiliares de enfermagem, oito agentes comunitários e um estagiário; a outra, a
unidade tradicional, possuia na sua equipe: cinco médicos,
um enfermeiro, seis técnicos de enfermagem.
Observamos que, para o PSF, o custo total foi de
733.170,43 reais e, para a unidade tradicional, foi de
852.046,06 reais. O custo per capita foi de 103,82 reais e
120,12 reais, respectivamente (Tabela 1).
Podemos observar que o PSF apresentava os custos menores nas categorias analisadas. Os custos diretos
eram menores: essa não é uma surpresa, pois a maior parcela dos custos diretos é representada pelos custos de pessoal, e, apesar de no PSF os salários serem maiores, a unidade tradicional possui um número de trabalhadores muito maior. Mas será que esses trabalhadores conseguem ter
um trabalho de melhor qualidade e em maior quantidade?
Para avaliar a efetividade dos modelos de atenção
utilizamos indicadores de oferta, de qualidade e de acesso
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Custo-efetividade: comparação entre o modelo “tradicional”
e o Programa de Saúde da Família.
ou utilização. Na tabela 2 apresentamos os dados para a
análise do custo-efetividade dos dois modelos de atenção
básica.
Os dados desta tabela nos informam que o indicador
de oferta, usando o “total de atendimentos (procedimentos e
indicador é maior para a unidade tradicional para todas as
vacinas, exceto a tetravalente. Devemos ainda considerar
que o custo total per capita do PSF foi de 103,82 reais ao
ano e, para a unidade tradicional, foi de 120, 12 reais ao
ano.
Tabela 1: Custos das unidades básicas de saúde: USF e UBS - Porto Alegre 2002:
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, 2002.
Tabela 2: Comparação de indicadores de efetividade e do custo per capta, USF e UBS - Porto Alegre, 2002:
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, 2002.
consultas médicas) per capita” é maior para o PSF, ou seja,
foram feitos 3,75 atendimentos per capita no ano, enquanto que, para a unidade tradicional, foram realizados 2,3
atendimentos per capita no ano. Com relação ao indicador
de qualidade, usando o “atendimento pré-natal por gestante”, ocorre o mesmo, o PSF registra um número maior
que a unidade tradicional. São 33,5 atendimentos por gestantes contra 20,5. Por fim, analisamos o indicador de acesso/utilização, usando a “cobertura vacinal”. Neste caso, o
097
Sendo assim, podemos afirmar com base neste
estudo que o modelo de atenção do PSF foi mais custoefetivo, ou seja, a um custo menor, realizou um número
maior de atividades, e com maior qualidade destes atendimentos, tanto quando observamos do ponto de vista do
indicador de oferta, quanto do indicador de qualidade.
Apenas em relação ao acesso e utilização os dois modelos
têm comportamento semelhante.
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8. Conclusões
Os resultados parecem indicar que o modelo de
atenção do Programa da Saúde da Família está garantindo
a prestação de serviços com menor custo e maior efetividade.
No entanto, esses são resultados de uma pesquisa piloto,
que avaliou apenas duas unidades, durante um ano, e utilizou três indicadores de efetividade.
Sabemos que, dentre os custos da atenção básica
em Porto Alegre10,14, os custos com Pessoal representam
os maiores gastos. Também sabemos que os salários dos
profissionais do PSF são maiores que dos profissionais da
unidade tradicional – nesse sentido, era de se esperar que
os custos do PSF fossem mais elevados. No entanto, esse
fator é compensado pelo maior número de profissionais
na unidade tradicional, que, mesmo assim, realizaram um
número menor de atendimentos per capita e também um
número menor de atendimentos pré-natal por gestante,
apenas em relação à cobertura vacinal o comportamento
foi similar para os dois modelos estudados.
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Endereço para correspondência:
Rua Furriel Luis Antonio Vargas 106/404
Porto Alegre – RS
CEP: 90.470-130
Endereço eletrônico:
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RBMFC
Inclusão não-homofóbica: um diálogo entre
estudantes de medicina e travestis.
Non-homophobic inclusion: a dialogue
between medicine students and transvestites.
Valéria Ferreira Romano*
Resumo
Trabalhar habilidades de comunicação com estudantes de Medicina tem sido um desafio constante e, mais ainda,
tem sido lidar com questões relacionadas ao preconceito, à homofobia, à discriminação em serviços de saúde. Desde
2001, o Programa Saúde da Família Lapa, integrante do currículo do curso de Medicina da UNESA, tem enfrentado
esse desafio, promovendo o encontro entre os estudantes e os travestis, a partir do foco na visita domiciliar, atividades de
educação em saúde e atendimento ambulatorial. O objetivo é refletir sobre as habilidades de comunicação de estudantes
de Medicina, a partir da inclusão dos travestis em serviços de Atenção Básica freqüentados por estes estudantes. Como
metodologia, foram adotados: registro de observação direta; entrevistas com perguntas abertas com estudantes e travestis
de uma área adscrita. Como resultado, tivemos melhor desempenho na comunicação dos estudantes diante de situações
relacionadas à homofobia e ao acesso dos travestis aos serviços de saúde, garantindo integralidade, eqüidade e universalidade
ao SUS de todos nós. Tanto os estudantes quanto os travestis desejam uma aproximação que estimule um encontro
humanizado e inclusivo, colocando em questão velhos preconceitos valorizando formas de atendimento na sintonia do
acolhimento.
Abstract
Introduction: Teaching communication skills to medical students is a constant challenge, mainly when it comes to issues such as
prejudice, homophobia and discrimination in the health services. Since 2001, the Family Health Program Lapa, part of the curriculum of the
medical course of UNESA, has faced this challenge by promoting a dialogue between medical students and transvestites in the course household visits,
health education activities and outpatient care. Objective: Reflect about the communication skills of medical students providing basic health care
services to transvestites. Methodology: Direct observation; interviews using open questions with students and transvestites of an area covered by
the program. Results: Better communication of students in situations related to homophobia and to the access of transvestites to the health services,
thus contributing to the integrality, equity and universality of the Unified Health System. Conclusion: Both students and transvestites want to
reach a humanized and inclusive relationship, based on refuting old prejudice and valuing dialogue and healthcare delivery in a supportive environment.
Palavras-chave: Comunicação; Eqüidade
em Saúde; Saúde da Família; Preconceito.
Key Words: Communication; Equity in Health;
Family Health; Prejudice.
*Doutora em Saúde Coletiva, Docente do Mestrado Profissional em Saúde da Família, Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, Brasil.
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Inclusão não-homofóbica: um diálogo entre
estudantes de medicina e travestis.
Valéria Ferreira Romano
1. Introdução
O curso de Medicina da UNESA-RJ tem como
eixo curricular a Saúde da Família. Na prática, isso imprime um diálogo constante com a comunidade, especificamente quando os alunos da graduação de Medicina inauguram do nono ao décimo primeiro períodos um contato
semanal com as famílias adscritas ao Programa Saúde da
Família Lapa (PSF-Lapa), sob supervisão docente.
O PSF-Lapa é, portanto, parte integrante da estrutura curricular do curso de Medicina da UNESA, tendo
iniciado suas atividades em 2001, a partir de um convênio
firmado entre a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de
Janeiro e a Universidade.
Situado na região central do município do Rio de
Janeiro, na Lapa, o PSF-Lapa pertence à Coordenação de
Área Programática 1.0 e tem como referência imediata,
em sua proximidade, um grande hospital de emergência,
dois PAMs, uma Maternidade, além de dois hospitais
especializados. A rede social no entorno é composta por
igrejas católicas e evangélicas, algumas ONGs, duas escolas públicas de Ensino Fundamental e Médio, além de poucas creches. O lazer é basicamente vivenciado por meio
dos inúmeros bares e casas de shows, onde se ouve de
tudo: samba, forró, reagge, música eletrônica, MPB, rock,
hip hop, funk, dentre outros estilos.
A comunidade adscrita é majoritariamente de adultos jovens (sem filhos) e idosos, possuindo, em média,
Ensino Fundamental incompleto, com renda familiar entre
dois a cinco salários mínimos, sendo o trabalho informal
prevalente – são empregadas domésticas, cozinheiras, vendedores ambulantes, camelôs, caixas de supermercado,
artesãos, trabalhadores da construção civil, manicuras, cabeleireiras, vigias, entregadores de panfletos, “biscateiros”
etc. Muitos moram em prédios com 20 apartamentos por
andar, perfazendo um espaço de três a quatro cômodos
cada. Alguns vivem em prédios ocupados semi-construídos,
onde a população vive com ligação ilegal de luz, sem segurança interna, sem elevadores (para subir até mesmo ao
12º andar).
Existem inúmeros casarões centenários na região,
100
chamados também de cortiços, originalmente construídos
pelos patrões para alojar seus empregados. Dentro desses
cortiços (a maioria em estado precário de conservação),
moram várias famílias dividindo o mesmo espaço entre si.
Lá, os banheiros são coletivos, assim como as cozinhas, as
salas e varais. Os moradores são expostos a corte de luz,
ameaça de despejo, exploração de pessoas que se
autodenominam donas do local – cobrando taxas, muitas
vezes, irregulares –, além de conviverem com baratas, ratos, sujeira e pobreza.
Os travestis do território delimitado moram principalmente nesses cortiços.
As atividades do PSF-Lapa englobam: atendimento
ambulatorial, atividades de educação em saúde e visitas
domiciliares. Isso não difere das esperadas pelo modelo
de atenção da integralidade; no entanto, algumas adaptações mereceram destaque no trabalho específico com os
travestis.
2. Com os travestis é diferente?
Optamos por utilizar visitas domiciliares semanais,
já que os travestis pouco freqüentavam, espontaneamente,
o ambulatório do PSF-Lapa, apesar de possuírem algumas doenças já instaladas e muitos problemas a serem enfrentados.
Começamos a manter uma sistemática de visitas
domiciliares: chegávamos sempre no final da tarde, quando eles estavam começando a acordar, já que trabalhavam
a noite inteira na prostituição. Levávamos camisinha, gel
lubrificante, aparelho de pressão, papéis de encaminhamento, receituário, alguns remédios e, mais do que tudo: disposição em escutar, paciência, bom humor e tempo. Tempo
para ouvir suas histórias, desarmar suas defesas, compartilhar seu sofrimento, nada diferente do de qualquer ser humano.
As agentes comunitárias de saúde, fundamentais
na interlocução entre a equipe e a comunidade, iam aos
poucos “traduzindo” as inúmeras perplexidades e os muitos abismos existentes entre o mundo médico oriundo da
Academia, repleto de teorias, e a vida que eles levavam na
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Inclusão não-homofóbica: um diálogo entre
estudantes de medicina e travestis.
Valéria Ferreira Romano
lógica das ruas.
Inúmeras vezes, repeti para os alunos: “Chamemnas pelo artigo feminino”, “Perguntem como desejam ser
chamadas”, “Escrevam no prontuário o nome do registro
de nascimento, mas coloquem entre parênteses o nome
feminino”.
Aos poucos, fomos conquistando um espaço, fazendo diferença. Conseguimos resolver muitas situações
pendentes, realizamos vários diagnósticos de HIV, marcação de consultas para especialistas, para fisioterapia, para
odontologia, para fonoaudiologia. Tratamos diversas patologias: dermatológicas, AIDS, DSTs, hepatites, toxoplasmose, pneumonia, tuberculose, fissuras anais, ansiedade,
problemas psiquiátricos. Assim, como no território do PSFLapa residem cerca de 50 travestis, podemos afirmar que
todos são acompanhados pelos alunos e pela equipe.
3. E os alunos nisto?
Os estudantes de Medicina, principalmente do gênero masculino, de início, mantinham uma postura reativa,
e não queriam atender os travestis. Percebendo que esta
comunicação era inevitável e que não poderia estar pautada por preconceito, intolerância e exclusão, decidimos
problematizar com eles a existência de uma questão a ser
resolvida: Como lidar com uma população adscrita que
tinha suas necessidades de saúde definidas? Como negar
atendimento diante da Constituição que preconiza a saúde
como direito de todos e dever do Estado? Como seria
possível tornar-se um médico virando o rosto para a universalidade, a integralidade e a equidade? Dar um passo a
trás do SUS? Fechar em um discurso intolerante? Manter a
exclusão social dos travestis?
Os alunos são, em sua maioria, de classe média,
pagantes de uma Universidade privada e criados em um
ambiente protegido. Muitos sequer conheciam o centro da
cidade, mesmo tendo sido nascidos e criados no Rio de
Janeiro. Era natural o estranhamento de uma realidade social tão diversa da deles. Mas estavam ali se preparando
para se tornarem jovens médicos; e eu, enquanto educadora, procurava mobilizar neles o que possuíam de mais
101
instigante: a curiosidade, o despojamento, o desejo de ver
o mundo com os próprios olhos.
4. A Biomedicina e a formação médica
Seria desejável que, de fato, todos os profissionais
da saúde, independente de seu local de trabalho, trabalhassem na prevalência de um “compromisso e a preocupação de se fazer a melhor escuta possível das necessidades
de saúde trazidas por aquela pessoa que busca o serviço”
(p.116)1. Mas esta, infelizmente não é uma realidade. O que
observamos são inúmeros relatos de dissabores e desencontros
envolvendo os pacientes que, de uma maneira geral, procuram um hospital público ou um posto de saúde. Não
que isso não ocorra no PSF, mas como aí a lógica do trabalho envolve necessariamente um vínculo efetivo entre o
profissional e o usuário, esta possibilidade torna-se ainda
mais indesejável. O PSF busca como saída, na oferta do
vínculo entre os profissionais e os usuários, construir de
fato uma relação transformadora entre ambos.
Mas, se os médicos do posto, do PSF, ou do hospital, tiveram uma formação com base na Biomedicina ou
Medicina Ocidental Contemporânea na concepção de Luz2,
podemos refletir que, na perspectiva da construção de mudanças na prática médica, tanto o modelo assistencial, quanto
a educação médica, necessitam ser urgentemente revistas.
Indo um pouco além, a Biomedicina, entranhada
na formação médica ocidental, promove a composição
de um profissional, dentro de uma cultura médica, que, de
maneira geral, desvaloriza o trabalho na Atenção Básica.
Assim, a Biomedicina caracteriza-se por:
- pouca consideração da relação médico-paciente
como elemento fundamental da terapêutica;
- busca de meios terapêuticos complexos com uso
de tecnologia cara,
- pouco investimento na autonomia do paciente;
- afirmação de uma medicina que tenha como categoria central de seu paradigma a categoria de doença, e
não de Saúde2.
A prática do Médico de Família exige, portanto, a
incorporação de valores dissonantes aos adotados pela
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Inclusão não-homofóbica: um diálogo entre
estudantes de medicina e travestis.
Valéria Ferreira Romano
Biomedicina, provocando uma contradição: como um
médico formado na lógica da Biomedicina pode conciliar,
negociar internamente com uma prática (Saúde da Família)
que questiona seus valores de referência? E mais, como
dar novo significado à lógica de atuação deste profissional
e torná-lo convicto de outros valores?
A Biomedicina vincula Biologia e Medicina, legitimando “o conhecimento produzido por disciplinas científicas do campo da Biologia”3 e estruturando uma prática
médica que, na tentativa de ser “científica”, distancia-se
do ser humano.
Muitos médicos e educadores procuram inovar e
transformar saberes e práticas na direção do envolvimento
do ser humano como totalidade4. Mas também a sociedade provoca novas atitudes nas instituições e, hoje, há um
movimento de releitura da assistência médica que inclui a
Saúde da Família na busca de uma Medicina que se aproxima de uma mudança de paradigma como a concebe Luz2.
Assim, vários Cursos de Medicina do país introduziram a Saúde da Família na Graduação5 e já contam
com esta experiência, ainda que pontual e em construção, a
exemplo da Universidade Estadual de Londrina, Faculdade de Medicina de Marília, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP), Universidade Estácio de Sá (Rio de
Janeiro), dentre outras.
Se considerarmos a pós-graduação em prospecção
de crescimento para além das 37 instituições que mantém
uma Residência em Medicina de Família e Comunidade e
a condição de especialidade reconhecida pela AMB tendo
o título de especialização como parâmetro de excelência,
inferimos que, nos próximos anos, médicos mais bem preparados e com outras possibilidades na atenção ao usuário
estarão influenciando uma nova geração de médicos. No entanto, teríamos um processo com resultados concretos para a
mudança do paradigma médico apenas para médio e longo
prazo.
Diante de um mercado de trabalho na Saúde da
Família com muitas ofertas por todo o país, principalmente para o médico, e, em geral, sem exigência de qualquer
qualificação prévia em Saúde da Família, o que pensar da
102
qualidade destes muitos médicos que estão e estarão trabalhando no PSF sem um preparo devido?
Por isso a importância de refletir sobre a qualidade dos médicos de família como resposta à fundamental
reestruturação do modelo de atenção à saúde, frente à expansão do PSF, em uma ótica de discussões propositivas
na implementação de ações específicas frente a tantas mudanças estruturais necessárias6.
Mudanças estruturais são implementadas por “pessoas, ou sujeitos sociais, atuando nas relações que estabelecem entre si a partir do impacto que atribuem na abertura
de caminho para a produção de fatos e processos” (p.13)7.
Assim são as pessoas que, responsáveis por mudanças pretendidas, determinam, por meio de atitudes e ações, a
intencionalidade de suas concepções e crenças diante de
outras pessoas. São elas, portanto, que devem ser transformadas se a pretensão é de mudanças e inovações.
Posto que grande parte dos médicos que trabalham na Saúde da Família é oriunda das Escolas Públicas
do país8, seja em nível de graduação ou de pós-graduação,
há de se considerar as prioridades da formação médica
em geral, nestas e em outras escolas, na pretensão de uma
certificação futura, caracterizando o compromisso do
Governo Federal junto às Instituições de ensino médico.
Mas a formação médica e as políticas públicas não
se entrecruzam, muito embora estratégias para minorar este
hiato tenham sido implementadas, a exemplo da instituição dos Pólos de Educação Permanente em Saúde que
endereçou linhas de apoio à Saúde da Família e aos profissionais do SUS, tanto em instâncias educacionais quanto de
serviços.
5. Alguma metodologia
A opção metodológica deste trabalho envolveu
uma pesquisa qualitativa, já que o objetivo da proposta era
o de descrever o observado, o discutido, o percebido. Um
grau de identidade entre o sujeito e o objeto da investigação justifica antes uma situação de conforto e intimidade
com o tema do que uma transgressão metodológica insuperável.
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Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007
Inclusão não-homofóbica: um diálogo entre
estudantes de medicina e travestis.
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Sendo docente, observando e entrevistando os alunos e os travestis que pertenciam ao meu círculo de convivência, freqüentemente me via surpreendida com as respostas obtidas no sentido de sua aparente independência e
descolamento de uma possível influência nas mesmas, a partir
do simples fato de eu estar presente. Na verdade, pesquisei
com a vantagem de ser ao mesmo tempo interlocutora e
expectadora do processo que se construía.
Desta maneira, o registro da observação direta e
as entrevistas com questões abertas realizadas com os estudantes de Medicina e com os travestis justificaram-se na
medida em que puderam sustentar e legitimar todo o trabalho em ação. Assim, Thiollent9 destaca que o que ocorre
em relação ao pesquisador é uma “aparente identificação
com os valores e os comportamentos que são necessários
para a sua aceitação pelo grupo considerado” (p. 15)9.
A Sociologia Compreensiva como a concebe Max
Weber foi nossa opção como referencial analítico, já que se
contrapõe aos princípios do positivismo, que supõe do
pesquisador uma neutralidade, objetividade, uma distinção
entre o valor e o fato, entendendo a realidade a partir apenas daquilo que os sentidos podem perceber. Positivismo
que busca estabelecer um mesmo fundamento lógico e
metodológico entre as Ciências Sociais e as Ciências Naturais10.
Weber valoriza o significado da ação social, o significado das relações entre o indivíduo e a sociedade, entendendo a sociedade como “fruto de uma inter-relação
de atores sociais, onde as ações de uns são reciprocamente
orientadas em direção às ações dos outros” (p.51)10. Entende, assim, que as realidades sociais só podem ser apreendidas enquanto significados percebidos na interação social, não separando, em essência, as práticas, as linguagens,
as coisas e os acontecimentos.
“Não existe uma análise da cultura absolutamente
objetiva dos fenômenos sociais, independente dos pontos
de vista especiais e parciais, segundo os quais, de forma
explícita ou tática, consciente ou subconsciente, aqueles são
selecionados e organizados para propósitos expositivos.
Todo conhecimento da realidade cultural, como pode ser
103
visto, é sempre conhecimento a partir de pontos de vista
específicos” (p.52)10.
Como essa pesquisa pretendeu ouvir os pontos
de vista específicos, enfoca questões que envolvem valores
e o conhecimento tácito, entendendo que a realidade humana está imbricada e vinculada à realidade do concreto
cotidiano11. Desta forma, dentro das Ciências Sociais optei
pela Fenomenologia, considerada a Sociologia da vida
Cotidiana por estudiosos do assunto, para embasar a construção do trabalho de campo.
A vida cotidiana pode ser entendida como estando no centro do acontecer histórico, como a verdadeira
essência da substância social. E o indivíduo, como “um ser
genérico, já que é produto e expressão de suas relações sociais, herdeiro e preservador do desenvolvimento humano;
mas o representante do humano-genérico não é jamais um
homem sozinho, mas sempre a integração” (p.21)12.
A vida cotidiana é a vida do ser humano inteiro,
que dela participa com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. O ser humano já nasce inserido em sua cotidianidade e torna-se maduro quando é
capaz de viver por si mesmo esse dia-a-dia. Essa maturidade é assimilada a partir da manipulação das coisas envolvendo a mediação social. Assim, o ser humano estará
maduro quando, a partir do que aprendeu em grupo (família, escola, comunidade), puder manter-se “autonomamente no mundo das integrações maiores, de orientar-se
em situações que já não possuem a dimensão do grupo
humano, comunitário, de mover-se no ambiente da sociedade em geral e, além disso, de mover por sua vez esse
mesmo ambiente” (p. 19)12.
Pesquisamos, assim, a vida cotidiana dos travestis
e dos estudantes de Medicina, considerando-os maduros
no conceito explicitado acima.
6. Resultados
A partir do crescimento dos encontros com os
travestis, sua estabilidade e constância, foram surgindo os
primeiros resultados. Os alunos de medicina aos poucos
foram concordando com o trabalho que se impunha, com
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Inclusão não-homofóbica: um diálogo entre
estudantes de medicina e travestis.
Valéria Ferreira Romano
as reivindicações legítimas dos travestis por um atendimento
digno, respeitoso e igualitário.
Dessa maneira, os estudantes, surpreendentemente, começaram a mudar de postura: pediam-me para atender os travestis, perguntavam sobre suas vidas, pactuavam
resolução de referências e contra-referências na preocupação de qualificar a atenção oferecida. Muitos (rapazes e
moças) escolhiam minha supervisão docente porque desejavam trabalhar diretamente com os travestis.
Começamos a discutir, a debater temas inusitados
para a Medicina: a homofobia, a violência contra os travestis, o uso abusivo de drogas ilícitas, a utilização muitas
vezes inadequada de silicone líquido, as cirurgias para colocação de silicone nas mamas, de diminuição do diâmetro
do nariz, o absenteísmo nas consultas de acompanhamento da soropositividade, a freqüente não-utilização de camisinha, apesar da farta oferta.
Assim, fomos aprimorando as competências de
comunicação no desafio da educação médica, sinalizando
para a importância essencial da relação médico-paciente
com todas as pessoas, sem exceção.
Hoje, essa mudança de postura é a regra, exemplificada
aqui por meio do relato de um egresso de nosso curso de
Medicina:
“Pois é, agora que estou formado é que estou vendo
o quanto aprendi a lidar com os travestis e homossexuais.
Meus colegas negam atendimento, ou querem só chamar
os travestis pelo nome masculino, só de implicância. Eu
não, vou lá e pergunto como querem ser chamados, batalho para conseguir internação quando precisam, mostro
aos colegas médicos que respeito é tudo!”.
7. Conclusão
Tanto os estudantes quanto os travestis realizaram
um movimento de aproximação, pautado pelo esgotamento do modelo de atenção centrado na doença e na biomedicina
e pela necessidade de negociação com a sociedade de maneira
menos marginal e excludente.
Vários relatos dos travestis apontaram para uma
indignação ao fato de serem “aceitos à noite e mal pode-
104
rem sair de casa durante o dia”, já que ficam expostos a
chacotas e olhares: “[...] mesmo que esteja vestida assim,
bem discreta, eles olham, eles notam que a gente é diferente, e eles só gostam disso quando chega a noite”.
Os alunos de medicina dizem “Hoje eu respeito
muito mais um travesti. Cada um sabe de si, se eles querem
ser assim, qual é o problema?”.
Em um mundo no qual a informação circula com
rapidez, onde os modelos de comportamento e padrões
culturais são menos monocórdios e mais fundamentados
em experiências, cria-se um clima contrário à intolerância e
à exclusão. As pessoas, se oportunamente estimuladas, querem dialogar, trocar saberes e superar barreiras sociais impostas.
O compromisso do docente com sua prática é,
por isso, de suma importância. O docente serve de exemplo para o aluno, o qual nele se inspira na formatação de
seu ideal de profissão. Um médico que sabe lidar com a
competência de comunicação de maneira democrática, inclusiva, respeitosa das diferenças, trabalha a favor da construção de um SUS melhor e está maduro para influenciar
positivamente toda uma geração de futuros médicos que
nele se espelham.
Lidar com travestis é desafiar temas de difícil manejo para toda a área da saúde, mas, nem por isso, menos
preciosos diante da realidade que se impõe: abuso de drogas lícitas e ilícitas, cirurgias estéticas de resolução ruim, violências, solidão, abandono, desconfiança, baixa auto-estima, afastamento do contato familiar, falta de acesso aos
serviços de saúde, falta de acesso à medicação oferecida
pelo SUS, discriminação, preconceito, exclusão social, riqueza a partir da exploração do trabalho alheio. Mas também: bom humor, alegria, busca da beleza, franqueza e
solidariedade.
Não esgotando as perguntas, nem se satisfazendo
com as respostas, esta pesquisa se movimenta: “Como lidar com tantas variáveis junto ao estudante de medicina?;
Como imprimir neste aluno uma visão não-homofóbica
na relação com o outro?; Como lidar com os preconceitos
já estabelecidos e solidificados?; Um futuro profissional
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Inclusão não-homofóbica: um diálogo entre
estudantes de medicina e travestis.
Valéria Ferreira Romano
que aprende a respeitar a dignidade do outro a partir da
diferença, e não da semelhança, estará melhor preparado
para as surpresas da profissão?”.
A existência humana se impõe e estabelece seus
sinais: somos todos iguais, sendo diferentes...
A esperança é que, mais e mais, os profissionais da
saúde e a população admirem encontrarem-se na inclusão,
colocando em questão velhos preconceitos para que possamos, enfim, valorizar maneiras de atendimento na sintonia
do acolhimento, no compromisso com o cuidado e no respeito à vida.
9.Thiollent M. Metodologia da Pesquisa-ação. 10 ed. São
Paulo: Cortez. Autores Associados, 2000. Thiolent M.
Metodologia da Pesquisa-ação. 10 ed. São Paulo: Cortez.
Autores Associados; 2000.
10.Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa
qualitativa em saúde. 8 ed. São Paulo: HUCITEC; 2004.
11.Tedesco JC. Paradigmas do cotidiano: introdução à
constituição de um campo de análise social. Santa Cruz do
Sul: EDUNISC; 1999.
12.Heller A. O Cotidiano e a História. 6 ed. São Paulo: Paz
e Terra; 2000.
8. Referências
1.Cecílio LCO. As Necessidades de Saúde como conceito
estruturante na luta pela integralidade e equidade na atenção à saúde. In: Mattos RA, Pinheiro R. org. Os Sentidos
da Integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de
Janeiro: UERJ, IMS: ABRASCO; 2001.
2.Luz MT. Cultura Contemporânea e Medicinas Alternativas: Novos Paradigmas em Saúde no Fim do Século XX.
Physis: revista de saúde coletiva 1997; (7): 1.
3.Camargo KRJ. A Biomedicina. Physis: revista de saúde
coletiva 1997; 7(1).
4.Perestrelo D. A Medicina da Pessoa. 3 ed. Rio de Janeiro,
São Paulo: ATHENEU; 1982.
5.Feuerwerker L. Além do Discurso de Mudança na Educação Médica Processos e Resultados. São Paulo; Londrina; Rio de Janeiro: HUCITEC; Rede UNIDA; Associação
Brasileira de Educação Médica; 2002.
6.Romano VF. Certificação por Competência para o Médico de Família: uma proposta em construção. [Tese] Rio
de Janeiro, UERJ. Instituto de Medicina Social, 2006.
7.Almeida MJ. Educação Médica e Saúde – possibilidades
de mudança. Londrina; Rio de Janeiro: UEL, Associação
Brasileira de Educação Médica; 1999.
8.Machado MH; SOUZA HM.; SOUSA MF. Perfil dos
Médicos e Enfermeiros do Programa Saúde da Família
no Brasil – relatório final. Brasília (DF): FIOCRUZ, Ministério da Saúde: Departamento Atenção Básica / Secretaria
de Políticas de Saúde; 2000.
Endereço para correspondência:
Rua Assis Brasil 70/1002 – Copacabana
Rio de Janeiro, RJ.
CEP: 22230-010
105
Endereço eletrônico:
[email protected]
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RBMFC
Uso da rede de serviços de Juiz de Fora:
a opinião do usuário.
Use of the health care net work of Juiz de Fora:
the opinion of the user.
Celia Regina Machado Saldanha*
Resumo
As mudanças no perfil demográfico e epidemiológico ocorridas nas últimas décadas adquirem características
particulares no Brasil e impõem a redefinição das políticas públicas, em especial da saúde, o que culmina com a implantação
da Estratégia de Saúde da Família (ESF) em 1994. Espera-se com essa estratégia uma mudança de paradigma, em que se
faça valer os princípios do SUS de universalidade, eqüidade e integralidade por meio do cuidado continuado, da prevenção
de agravos e da promoção da saúde, principalmente nas populações mais vulneráveis. Para funcionar dessa forma,
porém, é necessária a existência de uma rede de serviços que garanta a assistência nos casos onde a ESF não consiga
resolver, estabelecendo-se um fluxo de referência e contra-referência. Usando como método a entrevista não-estruturada
aplicada em quatro unidades básicas de saúde funcionando com a ESF em regiões distintas de Juiz de Fora, nós nos
propomos a discutir, a partir das percepções dos usuários inscritos no PSF, o funcionamento desta rede de serviços, em
uma tentativa de encontrar alguns pontos de gargalo e propor estratégias que possibilitem melhorias no acesso do
usuário.
Abstract
The demographic and epidemiological changes occurred over the last decades assume particular characteristics in Brazil and demand for a
redefinition of public policies, in special as refers to the health policies. In 1994, this process culminates in the implantation of the Family Health
Strategy (FHS) as a new paradigm following the basic principles of the Unified Health System, integrality, equity and universality, by means of
continued care, disease prevention and health promotion principally for the more vulnerable populations. For meeting this demand, the strategy
depends on a service network capable of delivering care in cases the FHS cannot resolve, establishing a reference and counter-reference system. Data
were collected by means of semi-structured interviews in four basic healthcare units of the Family Health Program. Based on the view of the users
enrolled in the Family Health Program we discuss the performance of this service network in an attempt to identify some bottlenecks and suggest
strategies for granting better access to the users.
Palavras-chave: Saúde da família; Assistência
à Saúde; Atenção Integral à Saúde.
Key Words: Family Health; Delivery of
Health Care; Comprehensive Health Care.
*Mestre em Saúde da Família, Professora de Saúde Coletiva e Semiologia, Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Minas
Gerais, Brasil.
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Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007
Celia Regina Machado Saldanha
Uso da rede de serviços de Juiz de Fora: a opinião do usuário.
1. Introdução
Mesmo os analistas mais pessimistas, ao analisar o
desempenho do SUS (Sistema Único de Saúde), nas últimas
décadas, admitem que houve avanços. Pudemos acompanhar as melhorias em relação à estrutura física, à incorporação de tecnologias aos diagnósticos e ao aumento importante dos serviços de Atenção Primária, na última década,
com a implantação do Programa de Saúde de Família (PSF),
mas há muito ainda por fazer pela saúde local.
O PSF permitiu, como estratégia estruturante do
SUS, a oferta de serviços de saúde para segmentos da população que até bem pouco tempo não tinham acesso a
quase nada, porém, ao se permitir a entrada no nível primário, obrigatoriamente, surge a demanda para que outros serviços estejam disponíveis, pois, uma vez feito o
diagnóstico, precisamos continuar oferecendo cuidados para
que a assistência se dê de forma completa. Essa demanda
cria a imagem da rede de serviços, introduzindo a idéia da
universalidade com equidade e integralidade1.
Autores renomados, como Starfield2 e Mattos3,
reforçam a idéia de que, sem a integralidade das ações, a
Atenção Primária não será resolutiva, e, embora bastante
discutida e regulamentada por organismos mundiais4 em
leis e portarias federais5,6 – e nas propostas estaduais7 –,
alguns desafios ainda precisam ser vencidos, principalmente nos municípios, para alcançar as metas estabelecidas de
saúde para todos.
Uma dessas portarias federais, o Plano Operacional
de 19946, norteou toda a implantação do PSF em Juiz de
Fora, que, neste período, cresceu substancialmente e oferece hoje uma cobertura de mais de 50% da população de
cerca de 500 mil habitantes, porém, algumas dificuldades
ainda são percebidas na tentativa de reorientação do modelo assistencial local, para que se constitua a rede de serviços7.
O objetivo desse estudo é analisar o quanto essas
mudanças foram percebidas pelos usuários de unidades
básicas com PSF, suas dificuldades na busca por assistência
à saúde e como eles analisam a organização desses serviços.
107
Um dos requisitos para essa organização é a comunicação entre os setores, o que se constituiria uma rede
de serviços, estabelecendo a integralidade. Segundo
Starfield2:
A integralidade exige que a atenção primária reconheça,
adequadamente, a variedade completa de necessidades relacionadas à saúde do paciente e disponibilize os recursos para
abordá-las. A decisão sobre quem deverá prestar cada tipo
de serviço, se a atenção primária ou outro nível de atenção,
variam de lugar para lugar, de época para época, dependendo da natureza dos problemas de saúde de diferentes populações (p. 314).
Para contextualizar a importância da rede nos serviços de saúde, usamos como pano de fundo a transição
demográfica, que é explicada pelo aumento da longevidade
da população, e a transição epidemiológica, que é a diminuição das doenças infecto-contagiosas e aumento das crônico-degenerativas, embora esses processos tenham características especiais em países em desenvolvimento, como o
Brasil – onde o aumento das doenças crônico-degenetativas
ainda convive com muitas infecciosas, tendo inclusive o
recrudescimento de algumas doenças que já eram consideradas sob controle, como a dengue e a febre amarela.
Apesar das doenças, estamos vivendo um momento de crescimento populacional que gera diferentes necessidades sociais e de saúde, o que impõe também “valorização dos diversos saberes e práticas na perspectiva de
uma abordagem integral e resolutiva”, além de “promoção e estímulo à participação da comunidade no controle
social, no planejamento, na execução e avaliação das ações”6.
Tentar enxergar essa realidade sob o ponto de vista do usuário demonstra a necessidade de adequação do
modelo assistencial em uma característica individualizada
e, ao mesmo tempo, tão reprodutível em nosso país.
2. Material e método
Trata-se de um estudo de caso, de caráter qualitativo, realizado em quatro unidades de saúde de Juiz de
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007
Celia Regina Machado Saldanha
Uso da rede de serviços de Juiz de Fora: a opinião do usuário.
Fora, em áreas geográficas distintas, norte, sul, leste e centro,
todas funcionando com o Programa de Saúde da Família.
Foram entrevistados 32 pacientes, cadastrados no
Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), selecionados por sorteio aleatório, e que utilizavam o serviço regularmente.
As entrevistas foram previamente agendadas e realizadas nas unidades de saúde, utilizando-se como instrumento de coleta um roteiro de entrevista não-estruturado,
permitindo que se manifestassem livremente a partir de
perguntas simples usadas como provocação, não havendo
o “cerceamento da fala dos entrevistados”8, e, como critério de suficiência da amostra, usou-se o da saturação, ou
seja, o momento em que as respostas passam a se repetir8.
Todos os entrevistados aceitaram e assinaram um
termo de consentimento livre e esclarecido.
Para análise dos conteúdos das entrevistas, usamos
a leitura compreensiva exaustiva, procurando compreender,
“além dos significados imediatos”, para que pudéssemos ter
a noção do conjunto com a compreensão das particularidades de cada fala, identificação dos temas mais citados, separação em categorias que permitissem agregar os valores referidos e a elaboração de síntese com articulação dos objetivos do estudo com a base teórica consultada9.
Consultamos também os documentos oficiais do
Sistema Único de Saúde (SUS), nos níveis federal e municipal, que se relacionavam à temática em questão para delinear o contexto do município e de suas políticas de saúde.
Antes de iniciarmos a pesquisa, o projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres
humanos da Universidade Estácio de Sá em cumprimento da
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
O foco de nosso estudo se deu nos aspectos subjetivos, considerando “a não-neutralidade do investigador10; a
não-representatividade estatística das amostras selecionadas
e a conseqüente impossibilidade de generalizar os resultados
e replicar os estudos”, mas, antes de tudo, acreditando na
“inexistência de verdades universais e eternas”9. Todas as
entrevistas foram gravadas e transcritas.
108
3. Resultados
O PSF legal
Paim11 define como SUS legal aquele desenhado
pela Constituição Federal, e utilizamos também essa denominação para demonstrar como o PSF foi idealizado nas
leis e portarias do SUS.
O Plano Operacional para 1994 do Ministério da
Saúde identifica o Programa de Saúde da Família como capaz de “restaurar a dignidade dos profissionais de saúde,
confiando que a partir disso se estabeleça o compromisso
ético e que se forme um vínculo de confiança com a comunidade”5, acreditando ser uma estratégia capaz de “tornar
realidade os princípios básicos do SUS” . Para atingir esses
objetivos determina que a unidade básica deva ser a “base
de acesso ao sistema de saúde”5, constituindo o que chama
“porta de entrada”, sendo “essencial que se garanta o sistema de referência e contra-referência”, enfatiza a importância
da preparação de profissionais “capazes no exercício da cidadania, além de tecnicamente competentes”5.
Este plano norteou todo o processo de implantação do PSF de Juiz de Fora.
O Plano Municipal de Saúde (PMS) de 1997 usou
como pano de fundo o diagnóstico realizado pelo Plano
Estratégico de Juiz de Fora e teve dentre os seus focos a
necessidade de ampliação da rede assistencial do SUS a partir da identificação de vazios assistenciais na Atenção Básica
e da necessidade de suporte assistencial para o nível especializado além da adequação quali-quantitativa dos recursos
humanos em saúde e da programação em todos os níveis
do sistema priorizando a referência e contra-referência7.
Na análise do modelo assistencial, constatou-se que
o acesso aos serviços era dificultado, o sistema de referência
era precário, com um “número excessivo de encaminhamentos” para os institutos, e que a contra-referência não
existia, principalmente pela ausência de prontuários nas clínicas especializadas. Também foi detectado e considerado um
problema o fato dos usuários poderem marcar consultas
especializadas sem o encaminhamento da unidade básica de
saúde7, o que descaracterizava a UBS como “porta de entrada” do Sistema de Saúde.
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Celia Regina Machado Saldanha
Uso da rede de serviços de Juiz de Fora: a opinião do usuário.
Uma das propostas do PMS-97 foi a organização
de um sistema de referência e contra-referência suportado
pelo prontuário de cada usuário. Considerava-se também
que as equipes do PSF teriam
[...] supervisão contínua e permanente, sendo treinadas para
utilização correta do sistema e atualização das informações,
além do acompanhamento dos pacientes em nível primário,
no âmbito de sua capacidade, com a orientação de condutas
recomendadas pelo nível secundário7.
A III Conferência Municipal de Saúde (CMS) em
2000 trouxe novamente à baila essas discussões, e entre suas
propostas tinha a criação de um departamento de Atenção
Primária à Saúde, investimento prioritário na UBS e revisão
do organograma adequando-o às “novas necessidades do
modelo assistencial, além de garantir a efetividade das unidades de apoio”12.
A Reforma Administrativa de 2001 modificou o
organograma, criou o Departamento de Atenção Primária
à Saúde e redefiniu responsabilidades, porém, ao dar os primeiros passos na execução de suas reformas, aconteceram
novas mudanças administrativas locais, frustrando os resultados esperados.
O Ministério da Saúde, por meio da Portaria 648/
GM de março 2006, aprovou a Política Nacional de Atenção Básica, estabeleceu diretrizes para o PSF e PACS, definindo responsabilidades de cada esfera de governo, adequando a infra-estrutura e recursos necessários com discriminação das atribuições de cada membro da equipe6.
A partir da análise desses documentos, percebemos
a existência, em nível local e federal, de legislação suficiente
para fazer com que a Saúde da Família funcione e faça valer
os princípios do SUS e procuramos identificar nas falas dos
usuários os desafios a serem vencidos para que isso aconteça.
4. Percepção do usuário
Como a pesquisa foi realizada com aqueles que freqüentavam a unidade com a estratégia de Saúde da Família,
ficam mais evidentes as manifestações de apoio, porém, percebemos também algumas críticas ao atendimento local.
109
Faltam recursos, existem falhas na organização, falta
integração e ainda existe dicotomia entre o SUS e o PSF
Consideramos como recursos os bens e serviços diretamente ligados à saúde e necessários para que se possa realizar um atendimento digno ao usuário, permitindo, não apenas sua inserção no Sistema de Saúde, mas também a
resolubilidade, isto é, a resposta a todas as suas demandas.
Falhas na organização seriam responsáveis pela má distribuição desses recursos nas unidades prestadoras de serviços ao
público, refletindo-se nas falas dos usuários:
Aqui, os médicos são maravilhosos, só deixa a desejar a
falta de remédios. Outra dificuldade da unidade é a falta de
insumos, faltam materiais de curativo.
Em algumas falas percebemos críticas em relação
aos recursos humanos especializados.
... Quando a gente chega pra consulta com o especialista,
estava marcado pra 7 horas, mas ele só chega às 9 horas.
Às vezes demora mesmo quando o médico chega cedo, aí o
que vale é quem chegou primeiro. Acho que o horário deveria
ser reservado.
“Quando precisa tem que vir bem cedinho e esperar”
Outra dificuldade percebida é a fila para a marcação
de consultas, muito acima da capacidade de absorção da equipe,
o que muitas vezes não permite o atendimento naquele horário. Como o paciente percebe que o atendimento do PSF é
diferente, identifica o atendimento nas unidades especializadas
como sendo SUS, criando uma dicotomia entre o SUS e o
PSF.
Se não tivesse aqui, tinha que ir ao SUS. É bem longe e
difícil de marcar.
Quando tenho algum problema venho no posto, mas, se não
conseguir, vou direto ao SUS.
A gente tem que marcar uma consulta com o especialista do
SUS só pra pedir um exame. Tinha que poder pedir aqui
[na própria unidade], isso já adiantava o tratamento.
A marcação pela CMC [Central de Marcação de Consultas] demora bastante, às vezes não dá pra esperar.
Assim, o usuário, muitas vezes, procura direto uma
unidade de urgência e cria uma imagem confusa do PSF.
Não tem facilidade de ser atendido fora do dia. Consulto
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Celia Regina Machado Saldanha
Uso da rede de serviços de Juiz de Fora: a opinião do usuário.
muito na Unidade Regional (Unidade de urgência e emergência).
Para melhorar, acho que precisava ter garantia de consulta
a qualquer hora.
Acho que aqui tinha que ter um Pronto Atendimento ou
Emergência.
Tem gente que não precisa, mas vem consultar-se, tirando a
vez de quem precisa.
A solicitação de exames é uma necessidade em muitas
doenças, principalmente as crônicas, e os próprios pacientes,
hoje, induzidos pela mídia ou por outros tipos de informações, buscam periodicamente as unidades para realizá-los. É
o que chamam de check-up. Em suas falas, percebemos que
há um descontentamento em relação à falta do acesso a exames, principalmente aqueles mais especializados, e também
da falta de alguns equipamentos nas unidades, o que os faz
desvalorizar o atendimento básico.
Aqui não tem nem RX.
Quando vou a Unidade Regional faço tudo o que preciso
inclusive os exames sem ter que esperar. Aqui, além de demorar, temos que remarcar a consulta.
Fui ao endocrinologista, e ele me pediu uns exames, mas não
consigo fazer. A moça ficou com o papel e disse que me ligava
quando fosse marcado, mas isso já faz seis meses.
Muitas vezes, o usuário prefere procurar outros
serviços ou os laboratórios particulares, e muitos laboratórios de bairros fazem “preço especial” para quem leva a
solicitação do SUS, em uma competição positiva, uma vez
que reduz a fila de espera, mas nem sempre isso é possível.
Se for esperar pelos exames, a gente morre. Eu prefiro
pagar. É mais rápido e garantido.
Quanto à organização dos serviços, o usuário percebe que “algo não funciona bem”, que faltam materiais,
que faltam vagas especializadas, que o profissional não tem
boa vontade, e, por isso, existe a demora, mas alguns pacientes deixam claro que possuem alternativas para “furar”
o bloqueio em relação a consultas especializadas, procurando mecanismos para serem atendidos mais rapidamente. O Hospital Universitário é uma das opções, mas seu
acesso depende também de uma indicação. Outra opção é
110
a unidade de urgência que atende sem prontuário e apenas
por demanda. Alguns recorrem ao pronto atendimento
dos Planos de Saúde.
Às vezes, vou ao Regional, quando aqui está fechado, demora, mas consigo me consultar no mesmo dia.
Quando precisei de exames, demorou, tive dificuldade. Não
tinha vaga. Tive que repetir o exame porque o primeiro não
deu certo e aí procurei o HU [Hospital Universitário] e
ficou mais fácil, mas tive que ir ao coordenador pra conseguir
uma vaga.
Tinha um plano do Sindicato, mas passei mal e fui direto ao
Hospital Universitário. Foi de graça e não demorou nada.
Vou direto à Associação dos Cegos. Marca direto e não
demora nada.
Tenho um conhecido que marca direto no HU. Não demora
nada.
Uma outra forma de conseguir o atendimento mais
rápido seria por meio de planos de saúde. Alguns usuários
que não os possuem declaram ser esse seu sonho de consumo, ou se percebe certo descontentamento com o serviço oferecido ou com o custo.
Acho que quem tem um bom plano de saúde não precisa
esperar. Às vezes tem um plano, mas que não cobre exames;
aí, não adianta.
Meu Plano? É um SUS “arrumadinho”, se precisar de um
exame mais sofisticado tenho que pagar ou fazer no SUS.
Tenho o plano da AME. Só dá direito à consulta.
Dá direito a duas consultas por mês e desconto nos exames.
Tenho Plano de Saúde para internação, mas não pra consulta. Tenho que pagar os exames, a não ser quando internada.
Algumas vezes, o relato do usuário demonstra que,
mesmo pagando um plano, ele já viveu a experiência de
precisar e ter de recorrer ao SUS.
Senti-me mal, fui ao Regional Leste, e o cardiologista mandou direto pro hospital, o plano não cobria, fiz tudo pelo
SUS.
Esses relatos demonstram a dificuldade do usuário, mesmo depois de cadastrados na unidade básica, conseguir o atendimento em serviços especializados e, em alguns casos, até mesmo o atendimento básico, uma vez que
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Uso da rede de serviços de Juiz de Fora: a opinião do usuário.
não existe uma comunicação efetiva entre os serviços.
5. Existe uma rede de serviços em Juiz de Fora?
O processo de descentralização tem possibilitado
aos municípios criarem formas de organização das práticas de assistência à saúde com uma diversidade de modelos orientados pela integralidade, resolubilidade e acesso
universal, instrumentalizadas pela saúde coletiva e pela clínica, mais próximas da realidade local13.
A prática, porém, não funciona em sintonia com a
teoria, e, quando observamos a atuação em nível local, percebemos que se “torna urgente avaliar os diferentes impactos e promover a busca de alternativas para a construção de uma agenda que contribua para a equidade nas condições de vida e de saúde, consoante as diretrizes de um
Sistema Único de Saúde”7.
Ao ser implantada, em 1995, a Central de Marcação de Consultas pretendia orientar o usuário, principalmente em relação aos mecanismos de referência e contrareferência, criando um fluxo entre os serviços. No início,
chegou a funcionar, porém, com o crescimento da oferta,
ocorreu uma ampliação do território de abrangência da
saúde de Juiz de Fora, que passou a atuar como Município
Pólo estabelecendo pactos para atendimento de outros municípios em consultas especializadas, por meio da Programação Pactuada Integrada (PPI).
Os territórios são “espaços de responsabilização
sanitária” e, em se cumprindo os princípios da cooperação
gerenciada, com definições claras das ações oferecidas por
cada território às populações adscritas, haveria uma compatibilização na construção de uma rede de atenção à saúde
com responsabilidades inequívocas14.
A ampliação do acesso, porém, sem a devida transparência na definição das competências e responsabilidades, gera um aumento na procura das unidades de atenção
especializada (nível secundário), que atendem à demanda
dos outros municípios e da população de Juiz de Fora das
áreas descobertas pela Atenção Primária, construindo uma
confusa malha de idas e vindas em busca do atendimento
de médio e alto custo/complexidade.
111
Ao encaminhar o paciente para um nível de maior
complexidade tecnológica, o médico entrega o encaminhamento ao paciente, que leva ao telefonista da UBS. Este
entra em contato com a Central de Marcação de Consultas
(CMC), por telefone, e solicita o agendamento da consulta
especializada.
No nível central, o profissional da CMC rastreia
na agenda dos especialistas disponíveis no sistema e, se existe
a vaga, esta é reservada e repassada a informação para a
unidade. A guia é devidamente preenchida com data, hora
e nome do médico especialista de referência e, em seguida,
é devolvida ao paciente. Se não existe a vaga no momento,
a guia fica com a telefonista da UBS, que continua a tentar,
toda manhã, quando abrem as agendas dos especialistas.
Parece simples e deveria ser resolutivo, porém, esta marcação pode demorar meses.
A procura pelo especialista em Juiz de Fora é muito grande, pois os modelos assistenciais existentes até a
década de 1990, que valorizavam as especialidades e as
tecnologias utilizadas para diagnóstico, ainda estão presentes nos ideários dos pacientes e até de muitos profissionais
de saúde. Além disso, para a solicitação dos exames complementares mais complexos, o paciente precisa ser encaminhado ao especialista para que ele faça a solicitação, aumentando a demanda e postergando o tratamento.
Quando ocorre uma situação de urgência, a guia
de referência é entregue ao gerente da unidade, que liga
para a coordenação de turno das unidades especializadas e
marca na agenda do especialista em questão. O coordenador de turno guarda, diariamente, duas vagas, que são oferecidas nessas situações, para cada especialista15.
Em 2005, apenas das consultas para a cardiologia,
3.548 foram agendadas como urgentes, o que representou
13,9% das realizadas; para a endocrinologia, foram 1.983,
representando 13,4% das realizadas e, para oftalmologia,
foram 3.740, 14,2%, porém, na oftalmologia, estão incluídas as consultas de retorno para procedimentos específicos, como curativos e avaliação pós-cirúrgica. Das consultas realizadas, 6.953 foram “urgências”, representando
17,29%15.
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Consideramos nesse cálculo apenas as consultas realizadas de fato, pois, cerca de 20% das agendadas são perdidas, isto é, os pacientes não comparecem nem avisam a
tempo de serem substituídas, o que representa uma perda
importante.
Apesar dos números e das consultas oferecidas e
perdidas, quando tentamos responder a questão sobre se
teríamos ou não uma rede de serviços, a resposta que nos
vem é que não existe. Percebemos claramente uma divisão
na qual, de um lado, temos a Central de Marcação de Consultas ligando a Atenção Primária aos Ambulatórios
Especializados e, de outro lado, temos as Unidades de
Urgência e Emergência ligados ao hospital pela Central de
Vagas, porém, sem haver um relacionamento entre os dois
lados, a não ser informalmente.
Essa falha na comunicação é percebida e utilizada
pelos usuários, o que provoca um custo adicional, pois
aqueles que possuem algumas informações privilegiadas
ou facilidades por terem conhecidos ligados aos serviços,
repetem vários procedimentos, muitas vezes desnecessariamente, onerando o sistema e dificultando a entrada de
outros, menos informados.
6. Discussão
Analisar ações de saúde representa sempre um
desafio, pois não existe um padrão de atendimento ou uma
única maneira para se demonstrar satisfação ao ser atendido. Cada pessoa é única e assim são os seus sentimentos de
aceitação ou negação de um determinado procedimento.
Este sentimento muda também com o passar do tempo e
com as novas experiências vividas.
Assim a abordagem qualitativa apresenta-se como
orientação cada vez mais difundida no campo da atividade
científica em todas as áreas do saber, em particular na saúde,
que, pela sua complexidade e multidimensionalidade pede
um desenvolvimento mais intenso do componente humano, domínio dos estudos qualitativos9.
Procuramos nesta análise muito mais que uma avaliação dos serviços, buscando entender o que os entrevistados diziam, “por trás do discurso aparente”8, conside-
112
rando o impacto da organização dos serviços sobre a doença e os custos de seu manejo, e procurando entender de
que forma são afetados (de forma negativa ou positiva) os
outros aspectos da atenção ao paciente, aqueles de ordem
biológica, psicológica, ambiental e principalmente de ordem social.
7. Organização, integração e dicotomia entre o SUS
e o PSF
Nas respostas dos usuários, percebemos que as
questões do acesso ainda não estão resolvidas, que existe
um hiato na comunicação entre os serviços e falhas nas
informações, o que se reflete nas reivindicações quanto ao
funcionamento das unidades básicas.
Para promover a integração dos saberes, é necessário que essas questões sejam trazidas para as reuniões de
equipe e conselhos e, em vez de se levantar trincheiras, que
se traga esses ítens para o diálogo, oferecendo as informações necessárias aos Conselhos de Saúde e trabalhadores
da ESF, construindo-se, no médio prazo, uma massa de
pessoas esclarecidas trabalhando com um objetivo comum:
o de promover a saúde nos diversos setores de trabalho e
da sociedade, considerando-se que a produção da saúde
local passa pelas relações estabelecidas entre os diversos
atores administrativos, prestadores de serviços e usuários
Particularizando a questão do hipertenso inscrito
nos grupos da ESF, seria interessante que a organização
dos grupos respeitasse os interesses dos usuários e permitisse durante a troca de experiências o esclarecimento dos
mecanismos de acesso aos serviços mais especializados,
bem como o papel de cada serviço dentro do sistema de
saúde, contribuindo para a disseminação da lógica da
integralidade.
Dentre os serviços oferecidos pela ESF temos os
grupos educativos e operativos, os atendimentos individuais com solicitação de exames considerados básicos e os
encaminhamentos às especialidades, quando existe a necessidade de um procedimento mais específico. Se esta informação se fizer presente em todos os espaços do SUS, durante toda e qualquer ação executada, viabilizaria uma in-
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Uso da rede de serviços de Juiz de Fora: a opinião do usuário.
versão do modelo assistencial.
Assim, a transparência na divulgação das informações, associada à organização dos serviços, seria um grande passo na melhoria do acesso do usuário a qualquer nível
de atenção que se fizesse necessário, possibilitando sua inclusão no sistema local.
Percebemos ainda uma grande dúvida entre o que
é SUS e o que é PSF, não apenas por parte dos usuários,
mas também por alguns profissionais. Esse assunto deveria ser exaustivamente discutido, clareando-se a idéia do
PSF como estratégia de reorientação do SUS.
A logística dos serviços, mesmo quando não citada, permeou todos os depoimentos, da falta de vagas à
falta de espaço físico adequado. Acreditamos que a
descentralização da gestão, ocorrida na década de 1990,
não sendo acompanhada de definições claras quanto às
responsabilidades e competências, possa ser responsável
por algumas dessas dificuldades, e percebemos nas entrevistas que existe uma grande distância entre quem recebe
os serviços, quem executa as ações e quem planeja.
A organização dos conselhos contempla alguns destes objetivos, porém, é preciso que haja divulgação das decisões nas reuniões de Conselhos Locais de Saúde, permitindo maior envolvimento de todos os segmentos da sociedade ou que as reuniões do Conselho Municipal sejam
itinerantes, acontecendo cada mês em um bairro, com ampla divulgação, permitindo a inserção social indiscriminada.
A realização do planejamento estratégico onde os
diversos atores sociais têm voz e todos participam das tomadas de decisões, facilita a apropriação do processo, entendendo-se as dificuldades e lutando-se pelas melhorias
com economia na utilização dos recursos disponíveis.
Importante enfatizar que não se pretende responsabilizar o usuário pelas questões ligadas a gestão, apenas
oferecer informações que possibilitem a cobrança daqueles serviços por quem tem direito.
Nas questões ligadas à prática profissional consideramos algumas questões que foram relacionadas às falhas na formação ou no acompanhamento dos serviços.
As instituições de ensino ainda estão, com raras ex-
113
ceções, direcionadas à formação de especialistas. No início
da atividade clínica os médicos têm muitos sonhos. Mesmo
os mais céticos, quando tomam contato com a ideologia da
Medicina, encantam-se. Ao entrarem na rotina, porém, sentem-se, em um primeiro momento, perdidos, e, depois, decepcionados. Pouco se faz, pouco se ganha, sofre-se muito,
com raras exceções. Quando falamos de ESF, fica um pouco pior, pois agregou-se às dificuldades da clínica às dos
setores sociais e, muitas vezes, tem de se decidir sobre o que
não se conhece.
Some-se a isso a demanda crescente e uma diversidade de formulários a serem preenchidos para atender
aos diferentes Sistemas de Informação, e o que é pior, sequer se recebe as análises do preenchido, o que é uma contradição, já que esse material subsidiaria o planejamento
local. Com tudo isso, incorporou-se tanta solicitação ao
médico, que ele constrói sua prática dentro dos padrões
que lhe permitam transitar sem muito sofrimento. É claro
que alguma coisa fica por fazer. Cria-se uma cultura de
exames e encaminhamentos. Ficam desanimados.
A redução do número de famílias da área de
abrangência poderia diminuir demanda e daria uma folga
para o planejamento e o trabalho coletivo como realmente
deve ser no PSF. Atualmente, algumas equipes chegam a cobrir
quatro mil pessoas, o que impede qualquer tipo de planejamento.
A educação continuada por meio da promoção de
encontros entre generalistas e especialistas, em pequenos grupos, para debater problemas comuns que, sem dúvida, seriam de muita ajuda no cotidiano de generalistas e especialistas.
Entendemos também que, para que funcione a educação continuada, precisamos ter uma boa base na formação do profissional. Não se pode aprimorar o que nunca se
teve. Essa é uma discussão que vem acontecendo já há algum tempo. As Diretrizes Curriculares de Curso de Medicina de 2001 enfatizam a necessidade de se formar generalistas
com habilidades diversas e a importância da inserção precoce dos alunos nos cenários de práticas16.
O incentivo à participação em eventos científicos
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Uso da rede de serviços de Juiz de Fora: a opinião do usuário.
também é de grande valia na motivação do profissional,
assim como uma relação mais estreita entre as instituições de
ensino e os serviços básicos de saúde, em uma parceria ensino-serviço.
A prática diária dos serviços também deveria ser
acompanhada mais de perto pelos supervisores, não para
punir, mas para permitir um crescimento profissional e
manter sempre atualizada a capacidade técnica do profissional, facilitando sua participação em cursos, treinamentos e
até utilizando-se suas habilidades para desenvolver encontros de compartilhamento de experiências.
Enfim, as propostas são: estabelecer com as comunidades as parcerias, ouvir o colega em sua verdade,
buscar nos livros as respostas e, principalmente, pensar na
equipe como local de discussão e crescimento dos processos de trabalho e do planejamento de ações.
Assim, ao se orientar o fluxo a partir de propostas
vindas das unidades básicas e de seus usuários, existiria a
oportunidade de compartilhar responsabilidades. E, uma vez
organizado esse fluxo nas unidades com ESF, outras unidades tenderiam a absorver as idéias e colocá-las em prática,
favorecendo a melhorias no atendimento e na organização
dos serviços.
Assim, a proposta desse estudo foi demonstrar,
na opinião de usuários, alguns pontos críticos no funcionamento do PSF/SUS local; porém, não podemos nos furtar de oferecer, com base nas referências dos estudiosos
do assunto, algumas idéias para buscar novos e melhores
resultados.
Esperamos que esses resultados impulsionem outros estudos e que influenciem positivamente a saúde de
Juiz de Fora e de outros municípios com realidades semelhantes.
8. Referências
1.Brasil. Ministério da Saúde. Leis Orgânicas da Saúde. n.
8080/1990 e 8142/1990.
2.Starfield B. Atenção Primária: Equilíbrio entre as necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília (DF):
UNESCO, Ministério da Saúde; 2002.
114
3.Mattos R. A integralidade na prática (ou sobre a prática)
da integralidade. Cadernos de Saúde Pública 2004; 20(5):
1411-1416.
4.Organização Mundial de Saúde. Cuidados inovadores
para condições crônicas: componentes estruturais de ação:
relatório mundial. Disponível em: http://www.opas.org.br/
publicmo>, disponibilidade 12/3/2006
5.Brasil. Ministério da Saúde. Programa de saúde da Família - Plano Operacional para 1994. Brasília (DF): Ministério
da Saúde; fev. 1994.
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Atenção Básica Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2006.
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Saúde, 1997.
8.Minayo MCS. O desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8 ed. São Paulo: Hucitec; 2004. 122p.
9.Bardin L. Análise de Conteúdo. França: Edições 70; 1977.
10.Bosi MLM, Mercado FJ (Orgs.). Pesquisa Qualitativa
de Saúde. Petrópolis (RJ): Vozes; 2004.
11.Paim JS. Políticas de Descentralização e Atenção Primária à Saúde. In Rouquayrol MZ, Almeida Filho N.
Epidemiologia e Saúde. 5 ed. Rio de Janeiro: MEDSI; 1999.
p. 489-503.
12. Juiz de Fora [Prefeitura]. Secretaria de Saúde Saneamento e Desenvolvimento Ambiental. III Conferência
Municipal de Saúde: Relatório. Juiz de Fora: Secretaria de
Saúde, Saneamento e Desenvolvimento; 2000.
13.Mendes EV, Pestana M. Pacto de Gestão: da municipalização
autárquica regionalização cooperativa. Secretaria de Estado
da Saúde de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004 Disponível
em: http:http://www.saude.mg.gov.br/publicacoes/livros
Acesso em: 12/03/2006.
14.Mendes EV. Os grandes dilemas do SUS, tomo II. Salvador (BA): Casa da Qualidade; 2001.
15. Juiz de Fora [Prefeitura]. Secretaria de Saúde Saneamento e Desenvolvimento Ambiental. Seção de Estatística
do Departamento de Clínicas Especializadas, Dados Pri-
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Celia Regina Machado Saldanha
Uso da rede de serviços de Juiz de Fora: a opinião do usuário.
mários sobre o atendimento ambulatorial, 2004- 2006. Juiz
de Fora (MG): Secretaria de Saúde Saneamento e Desenvolvimento Ambiental; 2004.
16.Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de
Educação - Câmara de Educação Superior – Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina – 2001. Brasília (DF): Ministério da Educação; 2001.
Endereço para correspondência:
Avenida Barão do Rio Branco, 3596 – Apto. 2202
Centro - Juiz de Fora – MG
CEP: 36025-020
Endereço eletrônico:
[email protected]
115
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RBMFC
Análise da avaliação do PSF em municípios
de pequeno porte.
Analysis of the evaluation of the FHP small cities.
Fábio Aragão Kluthcovsky*
Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky**
Resumo
No subsistema de saúde público brasileiro o fortalecimento da Atenção Básica teve particular contribuição do
Programa Saúde da Família (PSF). Atualmente, o PSF se desenvolve em cenários heterogêneos nos municípios e regiões
brasileiras, espelhando a diversidade nacional e a grande variação de intensidade e formas de implantação do programa.
A partir de 2005, o Ministério da Saúde (MS) propôs a institucionalização da avaliação do PSF por meio de questionários
específicos. Este estudo objetivou analisar de forma crítica o instrumento de avaliação do PSF, proposto pelo MS. Tratase de um estudo descritivo-reflexivo, com base na literatura especializada. A proposta de avaliação, com desenho
metodológico quantitativo, limita a apreensão dos diferentes contextos municipais. Também se faz sentir a ausência da
avaliação de usuários em relação à qualidade da atenção. Outro fato importante é que a avaliação poderá ser limitada por
ser de livre adesão pelos gestores municipais. Por outro lado, a proposta do MS tem o mérito de ser um processo
específico e sistematizado de auto-avaliação para o PSF, com integração de diferentes atores, em um referencial
metodológico tradicional em qualidade de ações de saúde.
A integração do gestor municipal ao Plano Estadual de Avaliação e Monitoramento tem o benefício de envolver
estados na harmonização de desigualdades regionais, além de suprir eventuais deficiências técnicas e/ou dificuldades
relativas à gestão da estratégia nos municípios. A praticidade e a “resolutividade” da avaliação do PSF proposta pelo MS
certamente terão papel importante para uso do gestor e equipes no direcionamento da estratégia e tomada de decisões.
Abstract
The Family Health Program (FHP) plays an important role in the strengthening of basic care in the Brazilian public health system.
Currently the FHP is spreading over the Brazilian cities and regions, being implemented with different intensity and in different forms, reflecting the
diversity of the country itself. In 2005, the Ministry of Health (MH) proposed evaluating the Family Health Program by means of specific
questionnaires. The aim of this descriptive reflective study is to conduct a critical analysis of the instrument proposed by the Ministry of Health for
Palavras-chave: Programa Saúde da Família;
Avaliação em Saúde; Avaliação de Programas.
Key Words: Family Health Program;
Evaluation in Health; Evaluation in Programs.
*Médico de Família e Comunidade, Mestre em Enfermagem em Saúde Pública, Professor da UNICENTRO e Faculdade Guairacá, Brasil.
**Médica, Mestre em Enfermagem em Saúde Pública, Professora da UNICENTRO, Brasil.
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Fábio Aragão Kluthcovsky e Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky
evaluating the FHP in the light of the specialized literature. The proposed
quantitative evaluation methodology is limiting the comprehension of the
different local contexts. Moreover, there is a lack of user-based evaluation
as refers to the quality of the delivered services. Another important
limitation is that the participation of the municipal administrations in
the evaluation is optional. On the other hand, the proposal of the Ministry
has the merit of representing a specific and systematized self-evaluation
process for the FHP, integrating the opinion of different actors in a
methodological approach traditionally accepted for evaluating the quality
of health actions. The integration of the municipal administrations to
the Evaluation and Monitoring Plan of the states has the advantage of
involving the states in the harmonization of regional inequalities and in
the solution of possible technical deficiencies and/or management difficulties
on municipal level. The functionality and resolutivity of the evaluation
methodology proposed by the Ministry of Health will certainly play an
important role in the strategic decision-making of public managers and
health teams.
1. Introdução
A importância da Atenção Básica no funcionamento
do sistema de saúde como um todo e o importante papel
do Programa Saúde da Família (PSF) na organização da
Atenção Básica em uma significativa parcela de municípios
brasileiros são elementos de análise que justificam plenamente
a adoção de um processo específico e sistematizado de
avaliação1.
A partir de 1999, ocorreu um importante aumento
no número de equipes em pequenos municípios, em função
do aumento de repasse financeiro realizado pelo MS para
aqueles com maiores coberturas populacionais 2,3. Na
seqüência, por meio de financiamentos diferenciados de
custeio e investimento direcionados a municípios com mais
de 100 mil habitantes, o MS buscou a expansão da estratégia
em municípios de médio e grande porte4.
A expansão do PSF em diversos contextos com
variados graus de implantação e diferentes níveis de cobertura
gerou grande diversidade de avaliações, que buscavam
quantificar resultados sob diversos pontos de vista5. Em que
pese a importância das informações produzidas, ainda não
117
Análise da avaliação do PSF em municípios de pequenos porte.
estava disponível um instrumento específico de avaliação
da estratégia.
Como forma de responder a esta necessidade, o
Ministério da Saúde (MS) propôs a utilização de instrumentos
de auto-avaliação1, com integração de respostas de diferentes
atores envolvendo as equipes de gestão e operacionais, em
um referencial sistêmico6, tradicionalmente aceito para
avaliação de qualidade de ações de saúde. A padronização
do referido instrumento busca a confiabilidade e reprodutibilidade das informações obtidas.
A iniciativa do MS em disponibilizar um instrumento
de avaliação continuada é de extrema relevância, pois, com
isso, as informações poderão ficar disponíveis para gestão
interna, possibilitando uma melhora constante da qualidade
das ações, pela importância que o PSF representa no atual
contexto da saúde pública do Brasil, tanto pelo aumento
crescente do número de equipes implantadas nos últimos
anos, como pelos seus resultados.
Considerando a avaliação de serviços ou programas
de saúde um importante e complexo tema, este estudo
objetivou realizar uma análise sobre o processo de avaliação
em saúde, e sobre a utilização do instrumento de autoavaliação do PSF proposto pelo MS, identificando-se suas
vantagens e limitações, especialmente relacionadas às peculiaridades do PSF no contexto de pequenos municípios.
2. O processo de avaliação
Atualmente há consenso a respeito da necessidade de
processos de avaliação nos diferentes setores de organização
da atividade humana7. Por outro lado, há grande controvérsia
a respeito da exata definição da avaliação8. Entende-se que
uma coleta sistematizada de informações para subsidiar o
estabelecimento de um juízo de valor sobre um dado objeto
constitui uma avaliação formal9, com a finalidade de aplicar
padrões que permitam a determinação de valor, qualidade,
utilidade, efetividade ou significância8.
Apesar da importância da avaliação para a tomada
de decisões, há questionamentos no meio acadêmico se
uma avaliação poderia ou não ser considerada ciência.
Pouvourville10 relata que a utilização de métodos científicos
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Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007
Fábio Aragão Kluthcovsky e Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky
para “explorar as ações sobre a população e entender o
respectivo impacto na sociedade parece para mim intimamente ligada à ciência, especialmente quando se considera
que o principal propósito da última é explorar nossa realidade
com métodos controlados”.
Nos diferentes setores de organização das atividades humanas há diversidade no modo e finalidade dos
processos de avaliação. No setor privado, a avaliação é a
ferramenta para ganhos de produtividade e eficiência
organizacional com satisfação do cliente. No terceiro setor,
além dos benefícios anteriormente citados, a avaliação é a
forma de demonstrar excelência e efetividade, no sentido
de obter respaldo junto à sociedade na qual está inserido7.
No setor público, no qual é freqüente a estruturação
de ações sob a forma de programas, com o objetivo de
gestão de resultados, a avaliação é condição imprescindível
para demonstração de resultados, possibilitando a motivação
do staff e orientando futuras intervenções. A pressão do
mercado financeiro externo sobre os governos no sentido
de provar a capacidade de reger o próprio crescimento e
até evitar a transferência de atribuições ao setor privado,
supostamente mais eficiente e efetivo, torna o embate
ideológico e reforça o papel da avaliação na modernização
do setor público10.
A avaliação deveria ser utilizada como cultura no
setor público, como forma de fortalecimento do mesmo e
racionalização de políticas em todo o mundo, tendo como
finalidade o aumento da performance das intervenções10,11.
Constandriopoulos11 considera a institucionalização da
avaliação como uma criação de mecanismos formais de
produção de informação sobre programas e políticas
públicas. Ele enfatiza ainda o desafio da racionalização de
recursos em um contexto de mercado globalizado com
governos locais fragilizados pela necessidade de cortes em
programas sociais, especialmente na área da saúde. Nesta
situação, caracterizada pela tensão redistributiva12, a avaliação
como processo sistemático certamente se constitui em uma
importante ferramenta de gestão e tomada de decisões.
118
Análise da avaliação do PSF em municípios de pequenos porte.
3. A avaliação em saúde no setor público
Apesar de todos os argumentos favoráveis à
utilização da avaliação no setor público, Hartz e Pouvorville13
consideram que a mesma é prática rara no Brasil, apesar do
assunto freqüentemente ocupar a agenda científica, técnica e
legal no país.
Essa diferença entre retórica e prática, na realidade
brasileira, pode ser atribuída a várias razões. Alguns aspectos
pontuados por Travassos14, específicos para a área de saúde,
incluem a falta de uma cultura política orientada por avaliação
e a falta de especialistas, tanto acadêmicos como técnicos,
nas áreas de avaliação de qualidade, gerência de qualidade e
produção e análise de dados de saúde e documentação
médica. Por outro lado, a avaliação divide a responsabilidade
de tomada de decisão com segmentos mobilizados da
sociedade, o que pode explicar a resistência à adoção e
divulgação de resultados, em alguns casos do setor público
brasileiro15.
Novaes16 concorda com a deficiência nacional em
termos de cultura e recursos humanos em avaliação, ao mesmo tempo em que identifica a oportunidade e necessidade
de diversos tipos de avaliação, especificamente na área de
saúde, na qual ocorreram: expansão de atenção à saúde; oferta
de novas tecnologias; novos modelos assistenciais e
crescimento setorial de importância política e econômica.
Tais proposições, em diferentes níveis de atenção, em
geral são estruturadas sob a forma de programas, de modo
que, simultaneamente à proposição, já é prevista alguma forma
de avaliação a ser realizada com a implementação e o desenvolvimento do proposto.
Essa multiplicidade de programas e respectivas
avaliações trazem certa dificuldade de sistematização assumida em informe técnico institucional do MS: “ainda
busca-se clarear as diretrizes de uma política de avaliação,
que, embora em franco processo de implantação, estabelece
como desafio a superação dos obstáculos operacionais e
funcionais para sua execução”17.
Hartz15 define programa como um “Conjunto de
ações visando a favorecer comportamentos adaptativos
requeridos por diferentes áreas ou atividades humanas
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Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007
Fábio Aragão Kluthcovsky e Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky
relacionadas com vida comunitária, escola, trabalho, saúde
e bem-estar”.
Um programa em geral pressupõe a necessidade
de articulação de ações de diferentes atores com
responsabilidades diversas, em geral demandando práticas
intersetoriais. O processo de avaliação é complexo pela
perspectiva integradora das diferentes contribuições10. Esta
necessidade de integração decorre da natureza complexa
do processo de produção saúde-doença, em que interagem
diferentes sistemas e processos, de modo que o resultado
na atenção à saúde não depende exclusivamente de um
determinado serviço de saúde14.
Nesta complexidade, a avaliação de programas públicos se constitui em um desafio metodológico, no qual se
busca identificar a relação interativa de negociação entre
parcerias, e iterativa, na qual se manifesta, ou não, a relação
entre ação e resultados. O grau de implantação dos programas em diferentes contextos é outra importante questão para
não se incorrer no erro das avaliações precoces10.
Para dar conta do desafio metodológico, Hartz18
defende o modelo de avaliação orientado pela teoria
explicativa do respectivo funcionamento. Neste modelo,
denominado theory-driven evaluation, prima-se por uma
construção lógica, com base em pesquisas prévias, teorias
de ciências sociais e experiência de gestores e avaliadores,
nas quais se buscam respostas às questões centrais do
programa: “Qual o problema ou comportamento visado?”,
“Como a população se caracteriza?”, “Quais as condições
do contexto?”, “Quais os ingredientes ativos no
programa?” (Questão relativa ao conteúdo do programa
necessário para produzir os efeitos desejados).
Este modelo teórico diz respeito à lógica de causa
e efeito do programa no sentido plural, a partir da análise
dos subprogramas, em uma articulada e hierárquica relação
do tipo se – então, que compõe o todo19.
Em relação à metodologia utilizada na avaliação de
programas de saúde, pode-se perceber a construção de um
progressivo consenso em torno da utilização combinada de
técnicas de análises qualitativas e quantitativas15,16,18,19,20 em um
enfoque feito sob medida, ou sur mesure para o programa
119
Análise da avaliação do PSF em municípios de pequenos porte.
avaliado, como prefere Hartz15. Esta construção metodológica é diferente dos desenhos experimentais ou quase experimentais tradicionalmente utilizados, sendo freqüente a utilização de estudo de caso para avaliação de programas na área
da saúde15,18,19,21,22.
Independentemente do desenho metodológico, em
todos os tipos de avaliação está presente a idéia de qualidade. Embora a palavra qualidade seja amplamente
utilizada, sua definição não é tarefa simples, e, não obstante,
não pode ficar em termos abstratos. Isto em função de
que, para o avaliador, a qualidade deve se tornar um objeto
mensurável.
Em termos gerais, a qualidade é verificada quando
da atribuição de juízo ao objeto avaliado resulta um valor
positivo. Estabelecer o juízo de valor positivo implica na
utilização de critérios implícitos e explícitos23.
Avedis Donabedian é o autor consensualmente
utilizado como referencial teórico na avaliação de qualidade
em atenção à saúde16,20,24,25,26. Seu mérito residiu, entre outras
razões, na capacidade de sistematizar a apropriação de
qualidade em termos de serviços, ações e programas de
saúde. Desta forma, asseverou que qualidade deve representar um julgamento positivo em relação à técnica envolvida na atenção à saúde e no relacionamento interpessoal
entre cliente e prestador 23.
Nesta perspectiva, o autor reconheceu a existência
de várias definições de qualidade em serviços de saúde6 e
adotou uma forma mais ampliada de entendê-la, incluindo
múltiplos aspectos, tais como: consideração dos potenciais
benefício e dano que uma dada intervenção pode determinar
na saúde do paciente, informação completa ao paciente ou
representante legítimo das considerações anteriores, nãoutilização de práticas de pouca ou nenhuma utilidade, responsabilidade de fazer o melhor pelo paciente em dadas circunstâncias e consideração dos custos envolvidos na atenção ao
paciente.
Outro aspecto do enfoque de qualidade em saúde
é a consideração do papel do consumidor, no caso os usuários
dos serviços de saúde, nos ganhos de qualidade através de:
retroalimentações fornecidas diretamente aos prestadores,
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Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007
Fábio Aragão Kluthcovsky e Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky
ou, indiretamente, por via administrativa, mecanismos de
mercado e ação política. Qualidade é “a medida em que são
utilizadas as circunstâncias mais favoráveis para o alcance de
melhoria na saúde”27.
A riqueza deste referencial para a qualidade das ações
de saúde pode ser verificada na capacidade de unificar
enfoques diferenciados em um conjunto de critérios
complementares denominados de atributos da atenção em
saúde. No clássico artigo denominado Os sete pilares da
qualidade27, os critérios de definição de qualidade em atenção
à saúde foram divididos em eficácia, efetividade, eficiência,
otimização, aceitabilidade, legitimidade e eqüidade.
Em outros trabalhos6,28, retomou-se um modelo
de avaliação derivado da abordagem de análise de sistemas,
no qual é adotado um paradigma com distinção de etapas
denominadas de estrutura, processo e resultado ou impacto.
A abordagem de análise de sistemas traz vantagens em função
da formulação científica, da orientação para gestão, da
objetividade quantitativa e replicabilidade, da ênfase em
relações de causa-efeito entre os componentes do sistema e
sua lógica conceitual29.
Este marco conceitual é largamente utilizado na
avaliação de programas de saúde, sendo inclusive a
fundamentação teórica utilizada pelo MS para avaliação de
programas específicos21,24. Outros autores acrescentaram
ao modelo original outros elementos, conservando o núcleo
central de integração e a interdependência dos itens analisados30. Apesar da divisão em etapas, o modelo proposto
permite flexibilidade, sendo usual a dificuldade em diferenciá-las31.
O MS tem empreendido esforços no sentido de
disponibilizar aos gestores municipais instrumentos de gerência
e avaliação no nível local, com um importante recorte na
atenção básica, de forma especial em relação ao PSF1. A ênfase
no PSF pode ser justificada em função da sua significativa
expansão nos últimos anos e pela importância como porta de
entrada do sistema de saúde como um todo.
4. A avaliação do PSF
O PSF tem como objetivo a reorganização da prática
120
Análise da avaliação do PSF em municípios de pequenos porte.
assistencial em substituição ao modelo tradicional de assistência à saúde. A assistência está centrada na família a partir
de seu ambiente físico e social, em território definido, possibilitando às equipes de Saúde da Família (ESF), de caráter
multiprofissional, melhor compreensão do processo saúdedoença e da necessidade de intervenções que vão além das
práticas curativas. Apresenta-se como uma estratégia que
prioriza ações de promoção, proteção e recuperação da
saúde dos indivíduos, além de reafirmar e incorporar os
princípios básicos do Sistema Único de Saúde (SUS), a universalização, descentralização, integralidade e participação
da comunidade32.
No ano de 2006, havia um total de 26.729 ESF
implantadas em 5.106 municípios brasileiros, representando
91,8% destes, cobrindo 46,2% da população brasileira, o
que corresponde a cerca de 85,7 milhões de pessoas33.
A adesão dos municípios à estratégia Saúde da
Família foi variável conforme o porte dos municípios. Assim,
os municípios menores implantaram a estratégia de modo
mais precoce e com maior facilidade do que os municípios
de grande porte1. A partir de novembro de 1999, com o
incremento no valor dos incentivos repassados pelo MS para
os municípios em direta proporção com as faixas de
cobertura populacional pelo programa34, a lógica financeira
passou a ser o melhor argumento junto à administração de
pequenos municípios para a adoção do PSF. Neste contexto,
um pequeno número de equipes representa 100% de
cobertura do PSF, com alcance do valor máximo de repasse
financeiro por equipe de saúde.
Já os grandes municípios brasileiros apresentam certas
características, como complexidade sociossanitária, existência
de modelos de atenção em saúde estabelecidos, organização
urbana e perfil e formação dos profissionais1, além de concentrarem mais da metade da população do país4.
Em termos de Brasil, a cobertura populacional do
Saúde da Família aumentou 600% no período de 1998 a 2004.
Contudo, quanto menor o município, mais alta a cobertura
do PSF e mais acelerada sua expansão. Em 2004, 65,29% da
população dos municípios com menos de 20 mil habitantes
era atendida pelo programa, e apenas 27,50% da população
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007
Fábio Aragão Kluthcovsky e Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky
dos municípios com 80 mil ou mais habitantes estava coberta
pelo programa35.
A fim de superar as limitações quanto à expansão do
PSF em grandes centros, foi desenvolvido pelo MS o Projeto
de Expansão e Consolidação do Saúde da Família (PROESF),
com apoio do Banco Mundial – BIRD –, estruturado em três
componentes de avaliação: incentivar e ampliar o número de
equipes dirigido aos municípios com mais de 100 mil habitantes;
formar profissionais para o trabalho na estratégia, independente
do porte, e fortalecer os processos de monitoramento e
avaliação, independente do porte4.
Tornar a avaliação como ação sistemática no sistema
público de saúde é assumida pelo MS como passo fundamental para dar qualidade às ações desenvolvidas para o
cumprimento dos princípios basilares do SUS. Por essa razão,
um dos objetivos do PROESF foi criar uma cultura e uma
sistemática de avaliação e monitoramento em saúde, beneficiando municípios que adotaram o PSF3.
Antes do PROESF, o Pacto da Atenção Básica, feito
anualmente, apresentava alguns indicadores relativos à
estratégia do PSF36. A partir de 2005, no entanto, a Coordenação de Avaliação da Atenção Básica passou a propor um
processo de avaliação específico para o PSF, intitulado
Avaliação para Melhoria da Qualidade da Estratégia Saúde
da Família1. Neste processo de avaliação, qualidade em saúde
é definida como “o grau de atendimento a padrões de
qualidade estabelecidos frente às normas e aos protocolos
que organizam as ações e práticas, assim como aos conhecimentos técnicos e científicos atuais, respeitando valores culturalmente aceitos” 29,37.
Utilizando referenciais misto de Donabedian29 e
Uchimura e Bosi37, o MS assume a necessidade de apreender
o impacto da atuação das ESF, nos respectivos contextos.
Esta proposta é de difícil operacionalização, pois
pressupõe um processo de avaliação extremamente complexo,
sugerindo a adoção de uma linha de estudo de caso para
diferentes contextos15,30.
As diretrizes da avaliação proposta pelo MS
caracterizam-se como um processo auto-avaliativo, livre
adesão pelos gestores municipais, ausência de incentivos ou
121
Análise da avaliação do PSF em municípios de pequenos porte.
punições financeiras ou outras relacionadas aos resultados,
utilização de aplicativo digital para alimentação de banco de
dados e emissão de relatórios via internet e integração às
atividades desenvolvidas no âmbito dos Planos Estaduais
de Monitoramento e Avaliação da Atenção Básica1.
A proposta adota a utilização de cinco instrumentos
de auto-avaliação, com ênfase nos processos de trabalho.
Pela inerente possibilidade de pronta intervenção quando da
identificação dos problemas, em uma linha de avaliação para
gestão. Aspectos de estrutura e resultado são tomados como
parâmetros para avaliação da qualidade, a partir de uma visão
dinâmica de estágios de qualidade inter-relacionados, porém
com menor ênfase em relação àqueles indicadores de processo. Vale ressaltar que, na avaliação no nível local, são focados
dois componentes nucleares ou unidades de análise para a
avaliação: a gestão municipal do Saúde da Família e as equipes1.
A gestão municipal da estratégia Saúde da Família é
avaliada prioritariamente pelos instrumentos 1 e 2 preenchidos,
respectivamente, pelo gestor municipal e coordenação da
estratégia. Responsáveis pelas unidades de Saúde da Família,
integrantes das ESF e profissionais de nível superior
respondem os instrumentos 3, 4 e 5, respectivamente,
gerando as principais informações para avaliação das ESF
em relação a 1:
- Infra-estrutura: insumos, equipes, materiais, recursos
humanos e ambiente físico; existência e utilização de manuais
de procedimentos, guias de conduta, sistemas informatizados,
dentre outros.
- Processos relativos a: aspectos organizativos (planejamento
e programação, abrangência das ações e participação comunitária), técnico-científicos (competência técnico-científica e
protocolização do atendimento) e relação interpessoal
(acolhimento e comunicação interpessoal).
- Resultados: diretos (decorrem da ampliação do acesso,
adequação e efetividade das ações desenvolvidas) e de saúde
da população (relacionados a indicadores epidemiológicos
em termos de internações por doenças evitáveis, morbidade e mortalidade e dependem de uma grande proporção
de fatores relacionados à prestação do cuidado nos demais
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007
Fábio Aragão Kluthcovsky e Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky
níveis de atenção do sistema, bem como do envolvimento e
participação de outros setores e atores da área social).
Em que pese a integração dos diferentes níveis de
governo no processo de avaliação proposto, o nível local será
responsável pela concretização, ou não, da referida proposta e
pela viabilização, ou não, das ações de melhoria da qualidade.
O nível local, após análise dos instrumentos, será
qualificado em cinco padrões crescentes de qualidade, variando
entre: padrão E (Qualidade Elementar), padrão D (Qualidade
em Desenvolvimento), padrão C (Qualidade Consolidada),
padrão B (Qualidade Boa) e padrão A (Qualidade Avançada).
Esses estágios devem refletir momentos de um processo de
evolução da qualidade nos serviços1.
Segundo o MS, os principais beneficiários dessa
iniciativa seriam os próprios usuários do sistema de saúde, já
que a melhora contínua na qualidade do Saúde da Família
representará melhoria no acesso, maior resolubilidade e
humanização dos serviços1. Contudo, se faz sentir a ausência
da avaliação de usuários em relação à qualidade da atenção,
considerados por Santos, Uchimura e Lang38 a razão da existência dos serviços de saúde.
Além disso, o desenho metodológico quantitativo
limita a apreensão dos diferentes contextos municipais, já que
os municípios com população igual ou inferior a 20 mil
habitantes apresentam características próprias, de modo que a
avaliação não deveria obedecer ao mesmo padrão que
municípios de diferentes portes10. Como exemplos dessas
características próprias dos pequenos municípios, podem ser
citados, dentre outros, a dificuldade de fixação de profissionais
de saúde integrantes das equipes; dificuldade de entendimento,
por parte do corpo técnico gestor da estratégia, da avaliação
como instrumento para gestão; unidades do PSF cobrindo
grandes áreas rurais com baixa densidade populacional e
dificuldades particulares nas condições de trabalho;
dependência dos municípios pólo para atenção especializada,
dificultando a referência e contra-referência.
Essas limitações poderiam ser identificadas por
estudos específicos, com utilização de técnicas qualitativas e
quantitativas aplicadas em paralelo ao instrumento sistematizado,
naquelas situações singulares, podendo ainda esclarecer
122
Análise da avaliação do PSF em municípios de pequenos porte.
elementos facilitadores e dificultadores da estratégia.
Outra questão importante é que a avaliação proposta
pelo MS poderá ser limitada por uma baixa adesão de
municípios, já que o processo de avaliação depende da livre
adesão do gestor municipal, o que poderia ser minimizado
pela adoção de incentivos para aqueles que apresentassem
evidências da utilização das informações para gestão interna e
melhoria da qualidade das ações.
Por outro lado, a proposta do MS tem o mérito de
ser um processo específico e sistematizado de auto-avaliação
para o PSF, com integração de diferentes atores, em um
referencial metodológico tradicional em qualidade de ações
de saúde.
A integração do gestor municipal ao Plano Estadual
de Avaliação e Monitoramento tem o potencial de desencadear
e incrementar a participação dos estados na proposição e
implementação de ações com vistas à harmonização de
desigualdades regionais nos diferentes níveis de atenção, em
especial na Atenção Básica. A coordenação estadual também
pode suprir eventuais deficiências técnicas e/ou dificuldades
relativas à gestão da estratégia nos municípios. Contudo, o
adequado desempenho do gestor estadual se constitui em nó
crítico neste processo, especialmente para aqueles municípios
com limitado corpo técnico e/ou dificuldades relativas à gestão
da estratégia.
5. Considerações finais
A importância da Atenção Básica na organização
do sistema de saúde como um todo e o incontestável papel
do PSF na organização da Atenção Básica em uma
significativa parcela de municípios brasileiros são elementos
de análise que justificam plenamente a adoção de um processo
específico e sistematizado de avaliação.
O desenho metodológico da proposta do MS,
com técnica quantitativa, não prevê a identificação dos
diferentes contextos em que a estratégia está atuando, bem
como a não-avaliação das expectativas dos usuários em
relação à qualidade da atenção.
Por outro lado, a utilização de instrumentos de autoavaliação, com integração de respostas de diferentes atores,
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007
Fábio Aragão Kluthcovsky e Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky
envolvendo as equipes de gestão e operacionais em um
referencial metodológico tradicionalmente aceito para
avaliação de qualidade de ações de saúde é uma garantia
no sentido da confiabilidade e reprodutibilidade das
informações obtidas. São características que sugerem que a
proposta do MS deverá ser mantida ao longo do tempo.
Apesar das limitações, é extremamente oportuna
a iniciativa do MS quanto à proposta de avaliação
continuada com disponibilização de informações para
gestão interna, possibilitando uma melhora constante da
qualidade das ações. Por outro lado, na medida em que o
sistema produzisse as informações, seria interessante que
tanto gestor municipal quanto equipes pudessem acessar
facilmente os resultados da avaliação e eventuais propostas
de correção, e tomada de decisões e direcionamento das
ações fossem acompanhadas com respaldo pelos demais
níveis de governo.
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local. Cadernos de Saúde Coletiva. 2005; 13(3): 687-704.
Endereço para correspondência:
R. Simeão Varela de Sá, n. 3
Guarapuava – PR
CEP: 85.040-080
Endereço eletrônico:
[email protected]
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Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007
RBMFC
Relato de Caso
Angola, ares de transformação
Case Report
Angola, transformations are in the air
Camila Giugliani*
Resumo
Relato a experiência de trabalhar um ano na zona rural de Angola num projeto de saúde materno-infantil com a
Organização Não-Governamental Médecins Du Monde. Descrevo, de forma pessoal, algumas intervenções do projeto,
assim como alguns resultados alcançados. Por fim, exponho alguns questionamentos e contradições em relação a este
projeto e, mais amplamente, em relação ao trabalho de assistência ao desenvolvimento de países da África subsaariana.
Abstract
In this article I tell about my experience of working one year in a rural area in Angola, in a mother-child health project with the
Non-Governmental Organization Médecins du Monde. I describe, in a personal manner, some of the project’s interventions as well as some of
the results that were achieced. Finally, I address some questions and contradictions in relation to this project, in more general terms, the work in
development assistance in Sub-Saharan Africa.
Palavras-chave: Angola; Altruísmo; Assistência;
Cooperação Internacional; Formação de Recursos
Humanos; Capacitação.
Key Words: Angola; Altruism; Assistance; International
Cooperation; Human Resources Formation; Training.
*Médica de Família e Comunidade, aluna de doutorado do programa de pós-graduação em Epidemiologia, Departamento de Medicina Social,
Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007
Camila Giugliani
Angola, ares de transformação.
1. Introdução
Há tempos, eu andava pensando seriamente nessa
história de missão humanitária. Mas, chegada a hora de
partir de verdade, foi aquele “frio na barriga”, uma sensação forte de grande desafio. Sensação que permaneceu presente a cada dia deste ano em Angola, na província de
Huambo, centro-sul do país. Conheci a Médecins Du
Monde (MDM)1 durante a minha estada de um ano em
Paris, França, onde estava fazendo uma especialização em
Saúde Pública. Originária de alguns dissidentes da Médecins
Sans Frontières2, a Organização Não-Governamental
(ONG) de solidariedade internacional MDM foi fundada
em 1980 e trabalha com missões de ajuda humanitária na
França e em todo o mundo, desenvolvendo projetos sustentáveis junto a populações vulneráveis. Além disso, o dever de testemunhar e denunciar situações de violação de
direitos humanos é um dos pilares da filosofia de trabalho
da organização. O projeto que me foi proposto, em Angola, não foi uma exceção a essa filosofia central de trabalho. O objetivo era apoiar o desenvolvimento e a melhoria
da assistência em saúde materno-infantil na zona norte da
província de Huambo, no interior de Angola. Isso não significava fazer assistência (o que era a minha idéia quando
eu, longinquamente, imaginava este “tipo de trabalho humanitário”), mas, sim, apoiar o desenvolvimento de algo
que fosse viável no contexto real de Angola, junto às pessoas de lá, aos profissionais angolanos, capacitando-os continuamente para desenvolverem determinadas ações de forma sustentada. Grande desafio. Maior ainda porque eu
nunca tivera experiência desse tipo no passado e sabia que
eu seria a única médica da equipe e a coordenadora médica do projeto. Além disso, eu sabia que este cargo estava
vazio na equipe havia um ano e meio, o que tornava a
situação ainda mais difícil para mim, que teria que praticamente reinventar todo o trabalho, que eu não tinha nem
idéia de como era. Depois, eu aprendi, na “vida real”, que
experiência é muito importante, mas que o essencial mesmo é a motivação - e isso eu tinha! O contrato inicial de
seis meses se prolongou para um ano. Seis meses era muito
pouco para compreender aquela realidade tão distante e
126
diferente e para conseguir, junto com meus colegas, trabalhar de forma adaptada e conjunta, em sintonia com os
angolanos.
2. Desenvolvimento
Angola tem aproximadamente 15 milhões de habitantes3. Após uma longa guerra civil, de quase 30 anos,
que só terminou em 2002, esse país passa por um período
de paz e reconstrução. Reconstrução lenta e difícil, com
dificuldades políticas persistentes. As últimas, primeiras e
únicas eleições aconteceram em 1992 e acabaram por intensificar os conflitos de luta armada. Atualmente, no ano
de 2008, o país está concluindo o registro eleitoral da população, para que as próximas eleições possam se realizar,
talvez, em 2009.
A guerra destruiu a infra-estrutura de Angola, suas
estradas, ferrovias, escolas, os postos de saúde, hospitais, a
eletricidade, os sistemas de água e esgoto (Figura 1). Milhões
de pessoas morreram ou se refugiaram, famílias se separaram, crianças ficaram órfãs, milhões de minas terrestres foram colocadas no solo angolano, matando e incapacitando
milhares de pessoas. A guerra ficou marcada na história, na
cultura, na vida e no olhar de cada angolano. Ela acabou
com o sonho de muitos, mas a paz trouxe novamente a
esperança. E é este o momento de Angola: o momento do
sonho, da paz, da efervescência. Será que o país que produz
um milhão e meio de barris de petróleo por dia, fato que é
desconhecido pela maioria dos angolanos, conseguirá vencer desafios como o de combater a segunda maior mortalidade de crianças menores de cinco anos do mundo4? O
momento é de euforia, de crescimento, de reconstrução, mas
as dificuldades são muitas; as marcas da dominação, do
colonialismo, da guerra, da destruição, do autoritarismo e da
submissão são muito fortes e difíceis de serem apagadas. As
pessoas ainda vivem na lógica da sobrevivência; é difícil, com
um passado tão recente de guerra e mortes, construir um
projeto de vida, dar vazão aos sonhos. As marcas do passado são mesmo difíceis de apagar. Mas não se trata de apagar, trata-se de transformar, de construir uma identidade
com cidadania, sem dominação nem guerra. A Angola de
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Camila Giugliani
Angola, ares de transformação.
hoje tem ares de transformação.
A transformação precisa acontecer. É inaceitável
que, em um país tão rico, um quarto das crianças morra
antes de completar cinco anos3,4. A mortalidade materna
também é uma das mais altas do mundo: 1.700 : 100.000.
As principais causas de morte são doenças infecciosas que
podem ser prevenidas, como malária, diarréia e pneumonia. A expectativa de vida ao nascer é de apenas 41 anos. A
desnutrição também é um problema sério; estima-se que
aproximadamente 30% das crianças estejam abaixo do peso
esperado. A assistência à saúde é extremamente deficiente,
principalmente na zona rural. As unidades de saúde estão
em condições muito precárias (Figura 2), faltam medicamentos e profissionais de saúde. Toda a assistência nos
postos de saúde e até em alguns hospitais da zona rural é
feita por técnicos de enfermagem, pois há uma grande
escassez de médicos, e a grande maioria destes se concentra na capital, Luanda, onde existem mais atrativos, melhores possibilidades financeiras e um atraente sistema de saúde privado. A alta taxa de natalidade (aproximadamente
sete filhos por mulher)3,4 e o grande número de partos sem
assistência de um profissional qualificado, somados ao acesso ainda restrito à assistência pré-natal, são alguns dos fatores que contribuem para a excessiva mortalidade materna.
Em muitos lugares da zona rural, a maioria dos partos
ainda é feita no domicílio, pelas parteiras tradicionais, pois
a unidade de saúde fica muito distante e não há transporte
disponível. Nestes lugares, se há necessidade de um parto
cesáreo, as muitas horas de espera por transporte e o próprio trajeto até um hospital na capital da província resultam em muitas mortes de mães e bebês.
Neste contexto tão difícil, trabalhar com um projeto de desenvolvimento foi um desafio constante, com
muitas frustrações e pequenos ganhos a cada dia. Trabalhávamos com várias limitações de estrutura e de segurança. Os deslocamentos de carro eram restritos às estradas
que já haviam sido desminadas, a comunicação era por
rádio, eletricidade, às vezes, havia, e banho era de balde.
No planalto de Bié, onde está localizada a província de
Huambo, as estradas cortam uma linda savana, com mui-
127
tos rios, pedras e colinas, paisagem que lembra o cerrado
brasileiro. A 1.700 metros de altitude, o clima é muito agradável; uma estação seca, de maio a setembro, e uma estação chuvosa, de outubro a abril. Fala-se português oficialmente, mas há 20 línguas nacionais em Angola, e nas zonas
mais isoladas, o português ainda é muito pouco falado. Na
região de Huambo, fala-se umbundo.
A equipe estrangeira de MDM era constituída por
mim, duas enfermeiras, uma parteira, um administrador,
um logístico e um coordenador geral. A maior parte da
equipe era formada por angolanos, contratados no local,
técnicos de enfermagem, pessoal administrativo e de apoio.
Todos falavam umbundo, o que facilitava o trabalho com
as populações das zonas mais isoladas. Trabalhar com os
angolanos foi um grande prazer, pela sua simpatia e alegria, mas também uma grande dificuldade, pela sua passividade, desmotivação e comportamento submisso. A sociedade funciona de maneira altamente hierarquizada e centralizada, tudo depende do chefe, e quem não é chefe não
ousa falar o que pensa. Logo percebi que paciência e persistência seriam essenciais para conseguir desenvolver um
trabalho neste contexto. Trabalhar e conviver com os angolanos, sempre com o objetivo de estimular a sua autonomia e o seu senso de responsabilidade, foi um grande
aprendizado. Aprender a ter paciência para observar e
aprender como as coisas são feitas no seu ritmo, respeitando as diferenças e mantendo a motivação viva, apesar das
dificuldades, que, às vezes, pareciam insuperáveis, foi uma
grande lição para a vida.
Todas as atividades idealizadas e realizadas pela
nossa equipe eram construídas em conjunto com o pessoal
local, em geral, o pessoal ligado ao Ministério da Saúde
(MINSA), nos níveis provincial e municipal. O objetivo
era trabalhar com eles, para que se apropriassem do trabalho, aumentando a probabilidade de uma ação sustentável.
Construir as atividades junto com o pessoal local, estimulando a sua participação ao máximo, nem sempre foi fácil.
Ajudar a combater a corrupção e o clientelismo e melhorar a qualidade da administração eram sempre objetivos
desafiadores. Neste aspecto, foi muito importante o traba-
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Camila Giugliani
Angola, ares de transformação.
lho de advocacia de MDM, para o qual dediquei uma parte significativa do meu tempo. Testemunhar, por meio de
depoimentos e documentos oficiais (fosse por relatórios
mensais da organização, de documentos específicos, artigos em jornais locais, depoimentos na rádio local ou reuniões com as autoridades responsáveis), certas situações,
como falta de condições básicas para assistência, falta de
medicamentos essenciais e falta de qualificação e de pessoal, e buscar das autoridades angolanas mais responsabilidade e comprometimento representaram um trabalho constante e árduo durante todo o ano que fiquei em Angola, já
que o costume era sempre o de esperar que as organizações internacionais fizessem, mais do que as autoridades
de saúde, este “trabalho com as populações carentes”.
O trabalho de campo acontecia nas localidades de
Bailundo e Mungo (população aproximada de 360 mil habitantes), no norte da província de Huambo. Em toda esta
região, havia apenas um médico trabalhando, no hospital
municipal de Bailundo, mas que passava a maior parte do
tempo na capital provincial, Huambo, fazendo trabalhos
administrativos. As ações propostas pelo nosso projeto
eram principalmente voltadas para a supervisão e a formação dos profissionais de saúde locais que trabalhavam
nos postos de saúde da região ou no hospital municipal de
Bailundo, principalmente técnicos de enfermagem (básicos –
com dois anos de curso técnico –, e médios – com quatro
anos de curso técnico). As supervisões eram feitas pela equipe
de MDM juntamente com supervisores locais angolanos ligados ao MINSA. As atividades de formação eram organizadas também em conjunto com o pessoal do MINSA e, sempre que possível, facilitadas por eles. Além do trabalho de
supervisão contínua das atividades dos técnicos de enfermagem, organizávamos seminários e cursos pontuais abordando assuntos identificados como prioritários por MDM, pelos
profissionais ligados ao MINSA e pela população. Foram
trabalhados temas como a sensibilização ao problema da
desnutrição, cuidados pré-natais, assistência ao parto e pósparto, DST/Aids e planejamento familiar. Procurávamos
sempre incluir a participação de líderes comunitários nas
ações propostas, como líderes religiosos, chefes de aldeias
128
(sobas), parteiras tradicionais, mas isso nem sempre era
possível, em virtude da quase inexistente organização da comunidade para ações participativas e do desconhecimento
generalizado das pessoas quanto aos seus direitos de cidadãos.
Outra frente de trabalho importante de MDM era
com as parteiras tradicionais. Elas eram aproximadamente
450 em Mungo e Bailundo e faziam a maioria dos partos,
pois as aldeias ficavam muito distantes dos postos de saúde, às vezes mais de 30 km. Porém, trabalhavam sem nenhum apoio material, nem gratificação oficial, apesar de
serem reconhecidas oficialmente pelo MINSA. Assim, quando possível, recebiam comida ou outra gratificação que
estivesse disponível, das famílias das parturientes, comida
ou outra gratificação que estivesse disponível. Frente a essa
situação, MDM organizou um trabalho de apoio às parteiras tradicionais, realizando, em conjunto com trabalhadores do MINSA, supervisoras locais das parteiras e líderes
comunitários, encontros mensais de reforço de conhecimentos e de reposição de material para realização de parto
limpo (luvas, sabão, solução anti-séptica, lâminas, descartáveis
etc) com as parteiras de cada localidade. Eram reforçados
conhecimentos como: práticas de higiene, alimentação da gestante, detecção de situações de risco na gestação e encaminhamento para unidade de saúde, importância do pré-natal no
posto de saúde para recebimento das práticas preventivas,
amamentação exclusiva, importância do registro dos partos,
dentre outros. Foi um trabalho muito gratificante, pois as parteiras tradicionais sempre se mostraram muito interessadas,
participativas e comprometidas com as suas comunidades.
Depois de um ano de trabalho, viu-se um aumento no registro de consultas pré-natais nos postos de saúde, o que pode
ser devido à maior sensibilização das parteiras tradicionais,
assim como ao aumento do registro das consultas. Resultados positivos puderam ser alcançados, e, o que é mais
importante, com a implicação permanente dos trabalhadores do MINSA. Porém, resta a dúvida do quão sustentável será este trabalho após a saída de MDM.
Em relação às ações direcionadas ao combate à
desnutrição, MDM mantinha um trabalho de assistência às
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Camila Giugliani
Relato de Caso
crianças e gestantes com desnutrição moderada (sem necessidade de internação). Os centros nutricionais suplementares funcionavam identificando
crianças e gestantes com
Case Report
desnutrição, distribuindo alimento especial, provendo assistência básica (antiparasitários, antimaláricos, antibióticos
e tratamento para escabiose, por exemplo) e promovendo
educação para a prevenção da desnutrição. Uma equipe de
oito agentes de nutrição, contratados por MDM, cada um
com uma bicicleta, fazia um trabalho de identificação de
crianças desnutridas em aldeias distantes e isoladas, referindo-as para o centro nutricional. As crianças ou gestantes
que ingressassem no centro ficariam em tratamento durante três meses (ou menos, em caso de aumento persistente
de peso e melhora clínica), com retornos a cada duas semanas para recebimento de alimento e assistência. O problema deste tipo de trabalho em um contexto de reconstrução e desenvolvimento é justamente o seu caráter
assistencial. Os centros nutricionais de MDM funcionaram
durante três anos. Casos agudos foram efetivamente tratados, mas pouco se conseguiu evoluir na prevenção do problema, pois as causas básicas não foram diretamente abordadas. Sabendo-se que a desnutrição é um problema de
causa multifatorial, é absolutamente necessário que a sua
abordagem seja abran- gente, atingindo as suas diferentes
vertentes causais: alimentação insuficiente e inadequada (pouco variada), agricultura precária, condições de moradia insalubres, falta de saneamento básico, consumo de água nãotratada, mães com muitos filhos, práticas de cuidado inadequadas das mães com as crianças, doenças infecciosas
de fácil transmissão (parasitoses, diarréias, malária etc.) e
recorrentes, introdução precoce de líquidos e alimentos aos
bebês e pouco aleitamento materno exclusivo, assistência à
saúde precária em estrutura e em qualificação de profissionais, baixa escolarização. Enfim, um universo de fatores
que requer intervenções de caráter intersetorial, com comprometimento da população, da sociedade civil organizada, das organizações e, principalmente, do governo.
Além do trabalho com centros nutricionais suplementares, MDM trabalhava com a equipe de técnicos de
enfermagem do centro nutricional terapêutico de Bailundo,
129
Angola, ares de transformação.
onde eram internadas as crianças com quadros graves de
desnutrição (marasmo e kwashiorkor). Este trabalho foi
feito por meio da supervisão contínua dos técnicos em seu
local de trabalho, revisão de casos clínicos e formação de
um grupo de estudos para revisar o protocolo da Organização Mundial da Saúde, adotado pelo MINSA, para o
tratamento da desnutrição grave5. Assim, ao longo de um
ano, viu-se um progresso importante nas práticas de rotina
do pessoal do centro, nas suas condutas, no seu relacionamento com as crianças e seus familiares (afeto e dedicação)
e, principalmente, na sua motivação e comprometimento
com o trabalho. Para isso, foi fundamental a ênfase que foi
dada no trabalho de resgate da auto-estima e de valorização dos profissionais. Conforme os registros do centro
nutricional terapêutico, observou-se uma diminuição da
mortalidade de crianças internadas ao longo deste ano de
trabalho. Mais uma vez, resultados positivos foram alcançados. Mais uma gota no oceano! De novo, resta saber o
quanto isso contribui para uma mudança real e sustentável.
Além do trabalho previsto pela nossa equipe, mais
uma força-tarefa surgiu devido a uma violenta epidemia
de cólera que atingiu quase todo o país no período de
fevereiro a julho de 2006 (Figura 3). Neste período, foram
registrados mais de 20 mil casos em toda Angola e mais de
duas mil mortes. A província de Huambo não foi atingida
pela epidemia, apenas alguns casos isolados vindos de outras províncias foram registrados. Uma das províncias mais
atingidas foi a de Benguela, na costa sul do país, onde MDM
também estava presente com outro projeto (trabalho
sócioeducativo com crianças de rua), na cidade de Lobito.
Frente à situação caótica de Lobito (calor, sujeira, falta de
saneamento básico, população sem acesso a água tratada
etc.), diante do surgimento de numerosos casos de cólera e
da falta de preparo em estrutura e pessoal para controlar a
epidemia, MDM apoiou as autoridades de saúde locais
com a vinda de uma equipe (uma médica, uma enfermeira
e um logístico) específica, que trabalhou durante três meses
na gestão da epidemia. Algumas das ações deste projeto
de urgência para controle da cólera foram: instalação de
um centro de tratamento de cólera, supervisão técnica do
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Camila Giugliani
Angola, ares de transformação.
pessoal de saúde (técnicos de enfermagem) no centro de
tratamento, apoio logístico para melhorar a situação de higiene e acesso a água tratada nos centros de tratamento e
nas comunidades, seminários de capacitação sobre manejo
e prevenção da cólera para os profissionais de saúde, atividades educativas nas comunidades (teatro de rua) e supervisão nos postos de saúde dos bairros periféricos. Todas
essas atividades eram realizadas em parceria com a Secretaria de Saúde local. Após três meses, a epidemia estava
controlada. Foram registrados mais de oito mil casos e
500 mortes na província de Benguela. Porém, a base do
problema continua presente. A situação de pobreza, falta
de saneamento básico, lixo, tudo isso permanece e precisa
ser abordado para que uma nova epidemia não surja muito em breve. Fora do período de epidemia, alguns casos
isolados continuam aparecendo. Assim, diante da precariedade de condições sóciosanitárias, poder-se-ia esperar que
um novo surto aparecesse a qualquer momento, especialmente quando começassem as chuvas. Novamente, como
foi colocado em relação à desnutrição, voltamos às causas
básicas dos problemas de saúde e aos seus deter- minantes
sociais, aos direitos mais fundamentais que as pes- soas
devem ter satisfeitos, que devem ser abordados e solucionados de maneira sustentável, para que o problema (a doença) possa ser devidamente tratado e, principalmente, prevenido.
3. Conclusão
Assim, ficam algumas perguntas: será que o projeto de MDM conseguiu fazer uma contribuição positiva
para a melhoria da saúde dos angolanos? E qual a melhor
maneira de intervir e de contribuir para o desenvolvimento de países pobres, recentemente saídos de destrutivos
períodos de guerra após terem vivido longos anos de dominação, como é o caso de Angola e da maioria dos
países da África subsaariana? Eles precisam realmente de
ajuda externa, alguns deles, como Angola, tendo tantas riquezas? Parece que sim, mas que esta contribuição deve ter
o objetivo de estimular e promover a autonomia destes
países, tanto de seus governantes, como de sua população.
130
Para isso, os programas devem integrar a participação local nos seus processos de planejamento e execução. É preciso ter muito cuidado com a perversidade do efeito de
causar uma relação de dependência entre aqueles que provêm a ajuda externa e aqueles que a recebem, e este aspecto
deve sempre ser considerado na idealização dos programas.
A contribuição externa, vinda de países desenvolvidos ou de
outros países em desenvolvimento, também pode ser positiva no combate à corrupção e na denúncia de situações de
violação de direitos humanos que ocorrem nestes países, cujos
governos freqüentemente limitam a participação popular. Qual
a melhor forma de intervir para que haja mudança, transformação? É difícil que exista uma resposta, devem existir várias,
depende do contexto. O que parece claro é que, desde o
início, as pessoas têm de possuir autonomia para se apropriar do problema e poder participar ativamente. É o ponto
de partida para que cada pessoa seja agente da transformação.
Em Angola, a transformação está vindo lentamente. Os ventos da mudança ainda não sopram tão fortemente, mas se pode sentir uma brisa amenizando o calor
sufocante de Luanda. Sente-se que há movimento rumo a
um ca- minho melhor. Recentemente, a província de Luanda, juntamente com UNICEF, lançou o projeto de implantação do programa de agentes comunitários de saúde,
inicialmente apenas nesta província, mas com uma perspectiva de expansão para todo país. Há esperança de que a
população tenha acesso a melhores cuidados de saúde e
que as pessoas sejam ativas nas práticas preventivas em suas
comunidades. Há indícios de que Angola esteja no caminho de fortalecer e priorizar a atenção primária à saúde.
Isto é uma ótima notícia. Há motivos, sim, para ter esperança em uma Angola melhor, em um mundo melhor!
Pelo menos, foi assim que eu “li”, e guardo comigo, o
sorriso de cada criança que cruzou o meu caminho ao longo deste ano transformador.
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2. www.msf.org. Acesso em 17/01/2008.
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Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007
Camila Giugliani
Angola, ares de transformação.
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17/01/2008.
4. UNICEF. http://www.unicef.org/infobycountry/
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5. Organização Mundial da Saúde. Manejo da desnutrição
grave: um manual para profissionais de saúde de nível superior (médicos, enfermeiros, nutricionistas e outros) e suas
equipes auxiliares. Genebra, 2000.
Endereço para correspondência:
Camila Giugliani
Rua Amélia Telles, 629/401
Porto Alegre – RS
CEP.: 90460-070
Foto: Camila Giugliani, agosto de 2006
Prédio administrativo com marcas de tiros na cidade de Huambo.
Endereço eletrônico:
[email protected]
Foto: Camila Giugliani, novembro de 2006
Posto de saúde na Comuna de Bimbe, Município de Bailundo, zona rural
da província de Huambo.
Foto: Camila Giugliani, abril de 2006
Criança com cólera e desidratação grave sendo tratada durante a epidemia
de cólera no Hospital de Benguela, província de Benguela.
131
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007
RBMFC
Relato de Caso
O Programa Integrador: uma experiência na
formação profissional
Case Report
The Integration Program:
an experience in professional education
Juliana Saiddler*
Célia Regina Machado Saldanha**
Resumo
O Programa Integrador (PI), eixo pedagógico estruturante da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz
de Fora, busca inserir o aluno precocemente na realidade através das ações em áreas de atuação das unidades básicas de
saúde, numa parceria ensino-serviço, trabalho realizado em grupos multiprofissionais e que é desenvolvido do segundo
até o sexto período de cada curso. O desenvolvimento desta ação acontece de forma progressiva começando com o
levantamento do território, das famílias, fazendo um diagnóstico de saúde que serve de base para o planejamento das
ações executadas no último período. Este texto é relato de uma aluna que, vivendo nesse cotidiano pôde perceber a
importância desse processo na formação profissional, e essa prática permitiu vencer algumas ansiedades sentidas no
primeiro contato com o paciente, bem como modificar o olhar, geralmente focado na doença para um mais abrangente
que pensa e trabalha em prol da saúde. A descrição dessa experiência pretende contribuir para que outras instituições
possam se beneficiar transformando suas práticas em parcerias exitosas como a nossa.
Abstract
The Integration Program (IP), the pedagogical spinal column of the Medical School of Juiz de Fora,
Brazil, seeks to combine training and service by introducing the students since the beginning to the reality of the work in
primary care units and multi-professional teams. The program is conducted progressively from the second to the sixth
semester of each course and begins with a survey of the territory covered by the Unit, its population and living conditions,
later followed by a diagnosis of the health in this area that will build the basis for a planning of health actions in the last
semester. This text is the report of a student who, through participating in this daily routine, realized the importance of
this process for her professional education, allowing her not only to overcome a certain uneasiness in the first contact with
the patient but also to modify her view - generally focused on disease - into a broader one, focused on thinking and
working to favor and improve health. With this report, we aim to give to other institutions the opportunity to benefit
from this experience, transforming their practices into successful partnerships like the here described.
Palavras-chave: formação médica; integração
ensino-serviço; atenção primária à saúde.
Key Words: medical education; in service training;
primary healthcare.
*Aluna do sétimo período de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora
**Médica de Família, Professora de Saúde Coletiva e do Programa Integrador.
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Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007
O Programa Integrador:
uma experiência na formação profissional.
Juliana Saiddler e Célia Regina Machado Saldanha.
1. Introdução
A Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de
Juiz de Fora (FCMS/JF), possui como proposta trabalhar
na formação do profissional, com uma consciência crítica
reflexiva. O Programa Integrador (PI), eixo pedagógico estruturante da instituição, busca inserir o aluno precocemente
nas comunidades por meio das unidades básicas de saúde,
em uma parceria ensino-serviço, trabalho realizado em grupos multiprofissionais e que é desenvolvido do segundo até
o sexto período de cada curso.
No primeiro módulo, os alunos visitam a área e
apreendem os aspectos físicos e sociais do território, as
barreiras, os recursos e o modo de viver dessa população.
Em seguida conhecem e discutem sobre a família, seus problemas e necessidades e fazem um levantamento das dificuldades em relação à saúde. No terceiro módulo, realizam um
diagnóstico de saúde da área, incorporando as noções de vigilância à saúde, determinantes epidemiológicos, sociais, ambientais e aqueles relacionados ao trabalho, construindo um diagnóstico da área que será usado no quarto módulo para realizar
um planejamento, sendo o plano de intervenção colocado
em prática no quinto módulo, quando analisam as rotinas dos
serviços, acompanham o profissional da unidade, realizam
ações educativas e visitas domiciliares, enfim, aprendem a viver
o dia-a-dia de uma unidade básica de saúde.
Esse trabalho, feito o tempo todo em grupos multiprofissionais incorpora no aluno uma perspectiva do trabalho em equipe e o respeito pelo saber do colega de outras
categorias profissionais rompendo com a cultura do saber
compartimentado e dos preconceitos profissionais.
Ao chegar ao quinto período, quando consigo perceber o Programa Integrador de forma mais ampla, surge a
motivação para esse relato, considerando que poderia melhorar a aceitação e a visibilidade do PI como um todo e
ainda oferecer as outras instituições uma visão da inserção
precoce do aluno em um trabalho em equipe.
2. Objetivo
Relatar a experiência vivida, durante os cinco anos
do curso de Medicina, em um trabalho que prepara o aluno
133
para uma prática profissional mais humanizada.
3. Método
Trata-se de um relato de experiência de característica
descritiva em que o desenvolvimento de habilidades práticas
é incorporado ao aluno, permitindo um olhar crítico reflexivo a respeito das diferenças e necessidades de uma comunidade localizada na periferia de Juiz de Fora.
4. Resultado (Relato da aluna)
O primeiro passo havia sido dado, eu já estava em
uma Universidade. Logo nas apresentações conheci de longe o Programa Integrador (PI) - projeto elaborado pela
Faculdade que tem como objetivo principal colocar os
estudantes da área da saúde em contato direto com a realidade dos problemas da população, de seus futuros pacientes,
além de interagir com alunos de áreas distintas, aprendendo
a respeitar o espaço de cada um e a trabalhar em equipe.
Fomos separados por grupos com alunos de Enfermagem,
Fisioterapia e Medicina (atualmente foram incorporados
os cursos Farmácia e a Odontologia).
Naquele momento, tive a real impressão de que eu
fazia um curso com base na prática da realidade nacional.
Estava ansiosa para ter contato com a população e poder,
de certa forma, contribuir para a assistência à saúde do
Brasil.
O cenário de desenvolvimento do Programa Integrador do meu grupo foi a área de abrangência da Unidade
Básica de Saúde de Santa Efigênia, na cidade de Juiz de
fora, mais precisamente na área 35, microárea 05. A supervisora responsável pela UBS é uma assistente social e o
orientador no trabalho de campo é um agente comunitário.
No primeiro dia, meus colegas e eu conhecemos
toda a área 35 do bairro, para uma visão mais ampla do
território. Observei que os ônibus circulavam somente nas
ruas asfaltadas; algumas ruas não possuíam boca-de-lobo
e inundam quando chovia; observamos muito mato, lixo e
entulho nas ruas e nas calçadas. Esse momento nos permitiu
diagnosticar falha do poder público em relação aos serviços
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O Programa Integrador:
uma experiência na formação profissional.
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prestados a esses moradores, principalmente em relação
ao saneamento básico, a segurança e ao transporte.
De acordo com o relato dos agentes que nos
acompanharam, existem alguns pontos de tráfico de drogas
e de prostituição; esta região possui um alto índice de roubos. Observei também que existem muitos bares e poucas
escolas, sendo estas, em sua maioria, direcionadas ao ensino
fundamental.
Nos outros dias, conhecí a minha microárea. As
ruas são planas, o esgoto é encanado, com exceção de uma
das ruas. A maioria das ruas é asfaltada ou calçada. Todas
possuem coleta de lixo. Esta microárea não possui escolas
nem creches, mas possui uma igreja católica - há predomínio
do catolicismo nessa área. em uma das ruas, percebemos
maior precariedade de condições: não é asfaltada; havia,
nela, lixo acumulado; as casas situadas alí, em sua maioria,
eram inacabadas; além de ter sido percebida maior incidência
de gravidez na adolescência, alcoolismo e uso de drogas
naquela região específica.
Feito o reconhecimento da microárea, e observadas
suas condições sócioeconômicas e geográficas, fizemos uma
ação educativa cujo tema era “lixo”. A apresentação aconteceu
em uma instituição de apoio a crianças de dois a cinco
anos. Foi feita sob forma de dinâmica de grupo com a
participação das crianças que estudavam ali no turno da
manhã - elas participaram com entusiasmo. Foi interessante
e tive um contato próximo com uma realidade diferente
da que estava acostumada. Essa experiência me fez crescer
não só como profissional, mas se tornou mais sensível às
dificuldades daquelas pessoas.
O PI-2 também ocorreu na área de abrangência
da mesma unidade básica de saúde. Em idas quinzenais
recolhemos alguns dados que serviram para construir um
primeiro diagnóstico da área. A população de abrangência
da UBS é de 12.770 habitantes; o número de famílias, 3.775;
a população de abrangência da equipe, 3.914; a população
da microárea de atuação é de 708 habitantes; número de
famílias da microárea: 200. Esta seria a nossa população
de referência. A proposta desse período foi de que cada
aluno “adotasse” três famílias e, durante o período, realizasse
134
trabalhos de conscientização relacionados ao acondicionamento do lixo domiciliar.
Nestas famílias, pudemos observar, dentre outros
aspectos, detalhes não só da casa como também da rotina
dos membros, como, por exemplo, os aspectos ambientais
intradomiciliares, aspectos sociais, comportamentais e biológicos. Esses dados foram discutidos nas concentrações
quinzenais do Programa Integrador, e, ao final do período,
foi apresentado em um seminário, juntamente com os outros grupos, o que permitiu construir um “retrato” das famílias acompanhadas. Nesse período pudemos conhecer
as famílias mais de perto e ter mais contato com a realidade
dessas pessoas que representam o povo brasileiro. Conhecer
as angústias, as dificuldades dessas famílias, ensinou-me a
valorizar ainda mais o ser humano como um todo, e a perceber que o pouco que faço hoje pode ser muito em um
contexto maior.
No período seguinte, trabalhamos as diversas formas de vigilância; esse período iniciou com uma preleção
teórica na qual se deu uma visão geral sobre o que é a Vigilância à Saúde e sua importância na sociedade. Dentro da
vigilância à saúde enfocou-se vigilância epidemiológica,
vigilância sanitária e vigilância à saúde do trabalhador.
Debatemos sobre a eficácia das vigilâncias e todo
o trabalho desenvolvido pelos profissionais nessa área. Aprendi a importância da notificação de doenças para que
haja um maior controle das mesmas. Nas dispersões, na
Unidade Básica de Saúde. O palestrante falou sobre as atividades na área da vigilância sanitária vigilância epidemiológica,
imunização e zoonoses.
Foi falado também sobre as ações desenvolvidas
na UBS na área da saúde da mulher, saúde da criança, saúde
do adolescente, saúde do idoso, saúde mental e saúde do
trabalhador. Foi uma palestra que nos ajudou a entender
melhor o significado dessas expressões tão utilizadas pelos
profissionais de saúde, além de me manter informada sobre
as ações programáticas desenvolvidas na UBS em que atuo.
Desenvolvemos, no trabalho de campo, uma atividade em que levantamos as doenças mais freqüentes referidas pela população, a partir da qual pude me informar
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melhor sobre os problemas que mais afligem a microárea
e, então, desenvolver idéias para a diminuição das doenças
por meio de ações de promoção a saúde, com o intuito de
futuramente poder aplicá-las na prática profissional.
Ao entrevistar pessoas sobre acidentes com cães
ou gatos, foi possível notar o risco de exposição ao vírus
rábico, o que gerou um relatório no qual retratamos a realidade das moradias e a preocupação com a saúde dos
moradores que possuem animais.
Tivemos uma apresentação dos sistemas nacionais
de informações em saúde no Laboratório de Informática
da Faculdade, onde aprendi a utilizar os dados disponíveis
no site do DATASUS sobre a saúde da população e a prevalência de doenças em determinadas áreas. Esse conhecimento foi utilizado para que construíssemos o diagnóstico
de saúde da área.
Em relação à Vigilância Sanitária, aprendemos sobre problemas sanitários enfrentados e gerados pelos estabelecimentos públicos, as atitudes do órgão municipal responsável e sobre medidas necessárias para estar de acordo
com as exigências do Código Municipal. Durante a aula
seguinte foi aplicado o relatório sobre a concentração anterior, em que aprendemos a associar a doença com a qualidade dos serviços oferecidos nos estabelecimentos comerciais do município.
Na concentração sobre Vigilância à Saúde do Trabalhador, debatemos sobre as principais doenças causadas
pelos diversos tipos de trabalho e sobre a importância do
registro e da notificação destes agravos, e, na dispersão seguinte, aplicamos um questionário que permitiu a elaboração de um relatório o qual mostrou a freqüência com que
ocorrem acidentes de trabalho. Levantamos também informações sobre a incidência de desempregados na área, o
que nos permitiu conhecer de perto as dificuldades com
que essas pessoas lidam no dia-a-dia e nos fez pensar como
fazem para comprar medicamentos.
Ainda no PI-3 tivemos uma palestra sobre
prevenção do câncer de próstata e sobre prevenção do
câncer de mama e de colo uterino. Foi uma das aulas mais
significativas do semestre para mim, devido ao grande
135
conhecimento que adquiri, principalmente sobre assuntos
que tanto atingem a população em geral.
Em um último momento, durante a dispersão,
ficamos encarregados de colher dados das famílias da microárea sobre exames preventivos (de colo uterino, mama
e próstata) e convidar os moradores a participarem da palestra desenvolvida pelos alunos da faculdade na semana
seguinte.
Essa palestra tratou sobre promoção da saúde da
mulher e, também, sobre o câncer de próstata. Foram, sem
dúvida, momentos importantes, devido à riqueza de dados
obtidos e uma vez que alertamos a população sobre doenças
e atividades a serem desenvolvidas.
Trabalhar diretamente na promoção de saúde da
população representa um ganho para a população e para
os alunos, pois permite lançar um novo olhar sobre a Medicina, sempre tão focada na doença.
A satisfação de ter promovido diretamente uma
ação de promoção a saúde, foi o mais importante do PI-3.
Neste semestre, aprendi um pouco mais sobre a realidade
dos moradores do bairro e, com isso, não posso deixar de
lembrar que, devido a tantos problemas enfrentados por
essa população carente, é preciso fazer muito mais do que
estamos fazendo. É preciso desenvolver trabalhos que realmente possam mudar a realidade dessa população que tanto
clama por ajuda.
O diagnóstico de saúde da área, elaborado a partir
desses passos permitiu, no PI-4, planejar e preparar a ação
de promoção à saúde. O plano de ação realizado teve como
foco um problema grave de grande prevalência em nossa
microárea. Iniciamos com a definição de uma necessidade
ou um problema de saúde, sendo este prioridade em nossa
microárea de atuação. Para chegarmos a essa definição,
fizemos um consolidado com todas as informações colhidas nos outros PIs e atualizadas da nossa microárea.
Os principais problemas identificados em nossa
microárea foram as doenças sexualmente transmissíveis. Com
isso, nossa prioridade naquele momento era conscientizar a
população dos perigos das doenças sexualmente transmissíveis, mostrando como é possível preveni-las, dando ênfase
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ao uso do preservativo, à prevenção a gravidez na adolescência.
Nossa meta era atingir pelo menos 50 mulheres, o
que correspondia a 20% das mulheres em idade fértil da
área, que corriam o risco de adquirir doenças ou engravidarem
precocemente. O grupo de risco era o formado por mulheres
em idade fértil com vida sexualmente ativa.
Com todas essas informações em mãos, elaboramos
uma ação educativa, que consistia de dinâmicas em grupo,
com participação ativa das usuárias.
Na ação realizada pudemos trocar experiências
com jovens e compartilhar as idéias de sexo seguro e prevenção da gravidez indesejada. Foi um momento rico para
todos, inclusive para os alunos, que aprenderam, convivendo
com as diferentes opiniões, a criar estratégias de um serviço
humanizado e mais próximo da população.
O período destinado ao PI5 foi basicamente para
colocar em prática tudo o que aprendemos nos outros
módulos. Fomos divididos em relação a cinco atividades:
- acompanhamento de consulta, no qual observa- mos a
rotina desta em uma UBS.
- visita domiciliar, que nos deu a oportunidade, novamente,
de estarmos mais próximos da realidade do paciente, como
condições de moradia, saneamento e os fatores de risco a
que o paciente encontra-se exposto; porém, agora, com
maior entendimento dessa problemática e vislumbrando
algumas soluções;
- ação educativa (sala de espera, ação na comunidade, atividades nas escolas), momento em que trabalhamos com a
informação e prevenção de agravos para a população;
- ida aos ambulatórios especializados, como saúde da
mulher, saúde do idoso, do adolescente para acompanhamento do fluxo do paciente nestes serviços;
- ação junto aos idosos em um centro de convivência, onde
abordamos temas da terceira idade.
O contato com a população aumentou módulo a
módulo e permitiu vivenciar momentos que não poderíamos
supor ao entrar no curso.
5. Referencial teórico
No Brasil, a formação geral do médico sempre
136
esteve centrada na rede de assistência médica hospitalar,
com grave prejuízo para a formação do médico, que, como
profissional, deverá atuar muito mais na assistência
ambulatorial1.
Muito se discute hoje sobre a inadequação do profissional ao se formar, quanto às suas habilidades para trabalhar no Sistema Único de saúde, SUS, e atribui-se essa
inadequação, em grande parte, às grades utilizadas pelas
instituições de ensino, muito voltadas para o ensino das
especialidades, usando como cenário de práticas as enfermarias dos hospitais onde pacientes, em geral graves, pouco
reagem às manobras realizadas pelos alunos2.
Em tais instituições, o ambulatório raramente serve
como local para o ensino clínico, ocorrendo este, preponderantemente, nas enfermarias, as quais, por sua vez, internam
pacientes graves e que geralmente requerem tecnologia sofisticada para o diagnóstico3.
Cria-se assim no aluno uma idéia de que o profissional trabalhará sempre em cenários deste porte, desvalorizando-se a prática voltada para a comunidade, na qual
pacientes “impacientes” ficam à mercê de um olhar muitas
vezes equivocado e focado na doença e na tecnologia de
ponta.
Sendo assim, torna-se importante a mudança dessa
cultura, havendo necessidade de um redesenho das grades
curriculares para se produzir uma reforma cultural nas
universidades.
Entende-se que a universidade deveria analisar sua
formação não só em relação à valorização da prática especializada, mas também quanto aos problemas de saúde pública do nosso país, buscando formas de viabilizar a universalização da saúde para toda a população brasileira4.
Essa mudança deveria envolver alunos e, principalmente, professores, pois são estes os responsáveis pela formação da identidade do novo profissional, preparando-o
para um trabalho que procure avaliar os vários aspectos do
fenômeno saúde/doença, principalmente em relação ao
trabalho na Atenção Primária, fugindo daqueles puramente
especializados e individualistas, meramente curativos e
mecanicistas, alicerçados na estrita visão biológica do indi-
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víduo4.
A escola médica deveria ser capaz de ensinar a
técnica, as habilidades, as atitudes e a teoria, porém alguns
atributos não se ensinam, são intrínsecos do indivíduo que
nasceu com o dom do cuidado. A lapidação desse dom
pela educação, os valores e a concepção de vida de cada
acadêmico é que formarão um bom profissional.
A necessidade de profissionais capazes de atender
aos anseios de uma população cada vez mais exigente e a
defasagem dos currículos tradicionais quanto à abordagem
de assuntos importantes, como bioética, são apenas alguns
exemplos que levaram ao surgimento de muitos focos concretos de mudança na educação médica brasileira5.
O aluno ingressa na escola, cheio de questionamentos e curiosidades, e, no decorrer do curso, vai progressivamente se distanciando do caminho da descoberta, vai se
tornando mais frio e percebendo o paciente apenas como
mais um “equipamento” a serviço do seu aprendizado, utiliza o corpo do outro como se ele não possuísse medos,
desejos e como se lhe pertencesse.
Esta relação de poder, estruturada durante a
graduação, promove a incorporação de novos conhecimentos de maneira pouco crítica. Um processo desejável seria
o formativo, que proporcionaria ao aluno a oportunidade
de um aprendizado relevante e, ao mesmo tempo, o domínio do método científico6.
6. Conclusões
Conforme o relatado, vivendo o dia-a-dia dessa
comunidade, em uma parceria entre a escola, a comunidade
e a unidade básica de saúde, pude perceber a importância
desse processo na minha formação profissional, e essa prática me permitiu vencer algumas ansiedades sentidas no primeiro contato com o paciente, bem como modificar o
meu olhar, tão focado na doença, para um mais abrangente,
o qual pensa e trabalha em prol da saúde.
Acreditei muito no Projeto Integrador desde que
fui apresentada a ele, e acredito ainda mais agora, após seus
resultados. Com ele, pude aprender a ser mais humana,
conhecendo um pouco da realidade de um Brasil que tem
137
muitas riquezas, mas, também, tem muita desigualdade, e
exige profissionais preparados para enfrentá-las.
Ao descrever essa experiência pretendo contribuir
para que outras instituições possam se beneficiar e transformar suas práticas, em parcerias bem-sucedidas como a
nossa.
7. Referências
1. Marcondes E, Carazzato JG, Friedmann AA. Iniciação das
atividades Clínico- assistenciais. In: Marcondes E, Gonçalves EL.
coord. Educação Médica. São Paulo: Sarvier; 1998. p.167-173.
2. Wierzchon PM, O Ensino Médio no Brasil Está
Mudando?. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de
Janeiro, v. 26, nº 1, jan/abr. 2002.
3. Bulcão LG, O Ensino Médico e os Novos Cenários de
Ensino-Aprendizagem. Revista Brasileira de Educação Médica.
Rio de Janeiro, v.28, nº 1, jan./abr. 2000.
4. Ronzani TM, Ribeiro MS. Identidade e Formação Profissional
dos Médicos. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de
Janeiro, v.27, nº 3, set./dez. 2003.
5. Padilha RQ, Feuerwerker LCM, Editorial. As Políticas
Públicas e a Formação de Médicos. Revista Brasileira de
Educação Médica. Rio de Janeiro, v. 24, nº 3, ou/dez. 2000.
6. Gonçalves MB, Moraes AMSM. Inserção dos Alunos da
Primeira Série do Curso de Medicina em Serviços de Saúde.
Rev Bras Educ Méd. maio-ago. 2003; 27(2): 83-90.
Endereço para correspondência:
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de Medicina de Família e Comunidade
A Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade
(RBMFC) é uma publicação trimestral da Sociedade Brasileira
de Medicina de Família e Comunidade, que tem por
finalidades: sensibilizar profissionais e autoridades da área
de saúde sobre a área de interesse da Medicina de Família e
Comunidade; estimular e divulgar temas e pesquisas em
Atenção Primária à Saúde (APS); possibilitar o intercâmbio
entre academia, serviço e movimentos sociais organizados;
promover a divulgação da abordagem interdisciplinar e servir
como veículo de educação continuada e permanente no
campo da Medicina de Família e Comunidade, tendo como
eixo temático a APS.
Os trabalhos serão avaliados por editores do Con- selho
Científico e Editorial, como também por pareceristas convidados ad hoc. O processo de avaliação por pares preserva
a identidade dos autores e suas afiliações, sendo estas informadas ao Conselho Editorial somente na fase final de avaliação.
Todos os trabalhos deverão ser escritos em português, com
exceção dos redigidos por autores estrangeiros não-residentes
no Brasil, que poderão fazê-lo em inglês ou espanhol.
Tipos de Trabalho
A revista está estruturada com as seguintes seções:
Editorial
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Diretrizes em Medicina de Família e Comunidade Ensaios
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de pesquisa científica, apresentando dados originais de
descobertas com relação a aspectos experimentais ou de observação, voltados para investigações qualitativas ou quantitativas em áreas de interesse da APS. Artigos originais são
138
trabalhos que desenvolvem crítica e criação sobre a ciência,
tecnologia e arte das ciências da saúde que contribuem para
a evolução do conhecimento sobre o homem, a natureza e a
inserção social e cultural. O texto – contendo introdução,
material ou casuística, métodos, resultados, discussão e conclusão – deve ter até 25 laudas.
A seção Artigos de Revisão é composta por artigos nas
áreas de Gerência, Clínica, Educação em Saúde. Os artigos
de revisão são trabalhos que apresentam síntese atualizada
do conhecimento disponível sobre matérias das ciências da
saúde, buscando esclarecer, organizar, normalizar e simplificar abordagens dos vários problemas que afetam o conhecimento humano sobre o homem e a natureza e sua inserção
social e cultural. Têm por objetivo resumir, analisar, avaliar
ou sintetizar trabalhos de investigação já publicados em revistas
científicas e devem ter até 20 laudas, contendo introdução,
desenvolvimento e conclusão.
A seção Diretrizes em MFC é composta por artigos
estruturados dentro das normas da Associação Médica
Brasileira para diretrizes clínicas, validados pela SBMFC. Sua
confecção, sob orientação da Diretoria Científica da SBMFC,
é uma proposta de organizar e referendar o trabalho dos
MFC no Brasil.
A seção Ensaios visa à divulgação de artigos com as análise
crítica sobre um tema específico relacionado à Medicina de
Família e Comunidade e deve ser apresentada em uma média
de 5 a 10 laudas.
A seção Relatos de Experiência é composta de artigos que
relatam casos ou experiências os quais explorem um método
ou problema por meio do exemplo. Os relatos de caso
apresentam as características do indivíduo estudado – com
indicação de sexo e idade, podendo este ser humano ou
animal –, ressaltam sua importância na atuação prática e
mostram caminhos, condutas e comportamentos para a solução do problema. Essa parte deve ocupar até 8 laudas,
com a seguinte estrutura: introdução, desenvolvimento e conclusão.
A seção Resumos de Tese, que deve ter apenas 1 lauda, tem
como proposta a divulgação da produção científica na
temática do periódico. Nela, devem ser expostos resumos
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com o título oficial da Tese, informando o título conquistado,
o dia e o local da defesa. Devem ser informados, igualmente, o nome do Orientador e o local onde a tese está disponível
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Comunidade ou ao Editor da revista. O padrão de formatação
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linhas 1,5 e numeração seqüencial em todas as páginas. As
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assim como as tabelas e os quadros – que devem ser de
compreensão independente do texto.
Os autores deverão informar seus nomes e endereços completos e quais organizações de fomento à pesquisa
apoiaram os seus trabalhos, fornecendo inclusive o número
de cadastro do projeto.
Os trabalhos que envolverem pesquisas com seres humanos deverão vir acompanhados da devida autorização do
Comitê de Ética da Instituição.
Os trabalhos devem obedecer à seguinte seqüência
de apresentação:
1. Título em português e também em inglês(*).
2. Nome completo – nome(s) seguido(s) do(s)
sobrenome(s) do(s) autor(es) – e, no rodapé, a indicação
da Instituição a qual está vinculado, cargo e titulação.
3. Resumo do trabalho em português, no qual fiquem claros a síntese dos propósitos, os métodos empregados e as principais conclusões do trabalho.
4. Palavras-chave – mínimo de 3 e máximo de 5
palavras-chave ou descritores do conteúdo do trabalho,
139
apresentados em português de acordo com o DeCS –
Descritores em Ciências da Saúde da BIREME - Centro
Latino Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde – URL: <http://decs.bvs.br/>.
5. Abstract – versão do resumo em inglês(*).
6. Key words – palavras-chave em inglês, de
acordo com DeCS(*).
7. Artigo propriamente dito, de acordo com a estrutura recomendada para cada tipo de artigo, citada no
item 2.
8. Figuras (gráficos, desenhos e tabelas) devem ser
enviadas à parte, com indicação na margem do local de
inserção no texto; as fotografias em preto e branco devem
ser apresentadas em papel brilhante.
9. Referências: são de responsabilidade dos autores
e deverão ser limitadas às citações do texto, além de numeradas segundo a ordem de referência, de acordo com as
regras propostas pelo Comitê Internacional de Revistas Médicas (International Committee of Medical Journal Editors).
Requisitos uniformes para manuscritos apresentados a
periódicos biomédicos. Disponível em: <http://
www.icmje.org>.
(*) A versão do título do trabalho, do resumo e das palavras-chave para o idioma inglês ficará a cargo da própria
revista, salvo eventual decisão ao contrário em época futura que, se vier ao caso, será comunicada no Editorial da
revista.
Exemplos:
Periódico
Valla VV. Educação popular e saúde diante das
formas de se lidar com a saúde. Revista APS. 2000; (5): 4653.
Livro
Birman J. Pensamento freudiano. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar; 1994. 204p.
Capítulo de livro
Vasconcelos EM. Atividades coletivas dentro do
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007
RBMFC
Instruções aos autores.
Centro de Saúde. In: ________. Educação popular nos
serviços de saúde. 3. ed. São Paulo: HUCITEC; 1997. p.
65-69.
Dissertação
Caldas CP. Memória dos velhos trabalhadores.
[Dissertação]. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 1993.
Evento
Mauad NM, Campos EM. Avaliação da implantação das ações de assistência integral à saúde da mulher no
PIES/UFJF; 6º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva; 2000,
Salvador. Salvador: Associação Brasileira de Pós-graduação
em Saúde Coletiva; 2000. p.328.
Documento eletrônico
Civitas. Coordenação de Simão Pedro P. Marinho.
Desenvolvido pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, 1995-1998.
Apresenta textos sobre urbanismo e desenvolvimento de cidades. Disponível em:
www.gcsnet.com.br/oamis/civitas.
Acesso em: 27 nov. 1998.
Fluxo dos trabalhos submetidos à publicação.
Os artigos são de total e exclusiva responsabilidade dos autores.
Avaliação por pares: os artigos recebidos são
protocolados na secretaria da revista e encaminhados tanto
ao editor geral quanto aos editores associados, para a
triagem, a avaliação preliminar e a posterior distribuição
ao Conselho Editorial e Científico, em conformidade com
as áreas de atuação e especialização dos membros, bem
como o assunto tratado no artigo. Todos os textos são
submetidos à avaliação de dois consultores – provenientes
de instituição diferente daquela do(s) autor(es) –, em um
processo duplo cego, que os analisam em relação aos
seguintes aspectos: adequação do título ao conteúdo; estrutura da publicação; clareza e pertinência dos objetivos;
140
metodologia; informações inteligíveis; citações e referências adequadas às normas técnicas adotadas pela revista e
pertinência à linha editorial da publicação. Os consultores
preenchem o formulário de parecer, aceitando, recusando
ou recomendando correções e/ou adequações necessárias.
Nestes casos, os artigos serão devolvidos ao(s) autor(es),
para os ajustes e reenvio, e aos consultores para nova
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artigos aprovados ficam disponíveis para publicação em
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modificações após a aprovação.
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Todas as pessoas responsáveis como autores
devem responder pela autoria dos trabalhos, tendo como
justificada a sua participação de forma significativa no
trabalho para assumir responsabilidade pública pelo seu
conteúdo. Deverão, portanto, assinar a seguinte declaração
de autoria e de responsabilidade:
“Declaro que participei de forma significativa na
construção e formação deste estudo ou da análise e interpretação dos dados, como também na redação deste texto,
tendo, enquanto autor, responsabilidade pública pelo conteúdo deste. Revi a versão final deste trabalho e aprovo
para ser submetido à publicação. Declaro que nem o presente trabalho nem outro com conteúdo semelhante de
minha autoria foi publicado ou submetido à apreciação
do Conselho Editorial de outra publicação.”
Artigos com mais de um autor deverão conter uma
exposição sobre a contribuição específica de cada um no
trabalho. Os autores de cada artigo receberão, após a publicação de seu trabalho, três exemplares da revista em que
o seu estudo foi publicado.
Ética em pesquisa
Com relação às pesquisas iniciadas após janeiro de
1997, nas quais exista a participação de seres humanos nos
termos do inciso II.2 da Resolução 196/ 96 do Conselho
Nacional de Saúde (“pesquisa que, individual ou coletivamente, envolva o ser humano de forma direta ou indireta,
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Instruções aos autores.
em sua totalidade ou partes dele, incluindo o manejo de
informações ou materiais”), sempre que pertinente, deve
ser declarado no texto que o trabalho foi aprovado pelo
Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos.
Os trabalhos devem ser enviados para:
Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade - SBMFC
Correspondência
Rua 28 de Setembro, 44 sala 605
Rio de Janeiro - RJ
Cep: 20551-031
Tel: 21 2264-5117 / 21 3259-6934
Fax: 21 3259-6931
Endereço eletrônico:
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Instructions to authors.
Instructions to authors of the Brazilian Journal of
Family and Community Medicine
The Brazilian Journal of Family and Community
Medicine (BJFCM) is a three-monthly publication of the
Brazilian Society of Family and Community Medicine,
aimed at sensitizing professionals and health authorities to
this field of interest, stimulating and disseminating Primary
Health Care (PHC) issues and investigations, and facilitating
interchange between academic institutions, health care
services and organized social movements. The periodical
also aims to promote an interdisciplinary approach to this
area and to serve as a vehicle for continued and permanent
education in the field of Family and Community Health,
with emphasis to the central subject PHC.
Manuscripts will be reviewed by members of the
Scientific and Editorial Board as well as by outside referees.
This peer-review process safeguards the identity of authors
and their institutions of origin, which only will be revealed
to the Editorial Board in the end of the evaluation process.
All manuscripts should be prepared in Portuguese
language. Foreign authors, not living in Brazil, can submit
their papers in English or Spanish.
Categories and formats of papers
The journal is divided into the following sections:
Editorial
Original articles
Review articles
Directives in Family and Community Medicine
Essays
Case reports
These Abstracts
Letters to the Editor
The Editorial is responsibility of the editor of the
journal, but can be prepared by third persons on his request.
The section Original Articles is dedicated to reports
on scientific investigations, presenting original data on
findings from experiments or observation with emphasis
142
to qualitative or quantitative studies in fields of interest for
PHC. Original articles are criticisms or creations on science,
technology and the art of health sciences, contributing to
the evolution of knowledge about Man, nature and social
and cultural inclusion. The papers - including introduction,
material or rationale, methods, results, discussion and
conclusion – should not exceed 25 pages.
The section Reviews is composed by articles about
Health Management, Clinics and Health Education. Review
articles are papers presenting an up-to-date synthesis of
available knowledge on health science subjects, with the
intent to elucidate, organize, normalize and simplify
approaches to the different problems affecting human
knowledge about Man and nature and social and cultural
inclusion. These papers are aimed at summarizing, analyzing,
evaluating and synthesizing investigations already published
in scientific journals and should not exceed 20 pages,
including introduction, rationale and conclusion.
The section Directives in FCM receives articles
prepared according to the norms for Clinical Directives
of the Brazilian Association of Physicians, validated by the
BSFCM. The purpose of these articles - prepared under
the guidance of the Scientific Board of the BSFCM – is to
organize and reference the work of physicians involved in
FMC in Brazil.
The section Essays publishes critical analyses
regarding specific topics related to Family and Community
Medicine. Articles should have 5 to 10 pages.
Case Reports are articles addressing cases or
experiences by exploring a method or problem based on
an example. These articles indicate details such as sex and
age of the studied individual – human or animal –
emphasize their importance in practice and indicate ways,
procedures and conducts for solving the problem. Articles
for this section should not exceed 8 pages and include
introduction, rationale and conclusion.
The section Abstracts of Theses is aimed at
publishing scientific production in the field covered by the
journal in form of abstracts of master’s and doctor’s
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dissertations defended in Brazilian universities or abroad.
Abstracts should not exceed one page, state the official title
of the dissertation, the academic degree achieved, date and
place where the thesis was defended and indicate the name
of the supervisor and where the dissertation is available
for consultation.
In the section Letters to the Editor, readers are
invited to express their opinion and make suggestions to
the journal.
Articles should be submitted by electronic mail,
directed to the Secretariat of the Brazilian Society of Family
and Community Health or to the Editor. Papers should be
typed in word processor Word for Windows – version
0.6 or superior – paper size ISO A4, font Arial, size 11,
space between lines 1,5, and all pages should be numbered
sequentially. References should be kept to the necessary
minimum. The same refers to tables and figures, which
should be understandable independently from the text.
Corresponding authors should inform their full names and
addresses. The funding sources by which the work was
supported should be stated.
Articles describing investigations on human subjects
must include a statement referring institutional ethics
committee clearance.
Manuscripts should be structured as below:
1. Title
2. Complete names – first name(s) followed by
family name(s) of the author(s)
3. Abstract giving a clear synthesis of the purpose,
describing the methods used and main conclusions of the
study.
4. Key words – a minimum of 3 and a maximum
of 5 key words or describers of the contents of the work,
following the norms of DeCS, available at http://
decs.bvs.br/
5. Text of the article, according to the
recommendations for each category given above.
6. Figures (graphs, diagrams and tables) according
143
to the recommendations given above.
7. References: are responsibility of the authors and
should be arranged numerically according to the order in
which they appear in the text, according to the rules of the
International Committee of Medical Journal Editors,
Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to
Biomedical Journals, available at http://www.icmje.org
Examples:
Periodical
Valla VV. Educação popular e saúde diante das
formas de se lidar com a saúde. APS Journal. 2000; (5):
46-53.
Book
Birman J. Pensamento freudiano. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar; 1994. 204p.
Book chapter
Vasconcelos EM. Atividades coletivas dentro do
Centro de Saúde. In: ________. Educação popular nos
serviços de saúde. 3rd. ed. São Paulo: HUCITEC; 1997. p.
65-69.
Dissertation
Caldas CP. Memória dos velhos trabalhadores.
[Dissertation]. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 1993.
Event
Mauad NM, Campos EM. Avaliação da implantação das ações de assistência integral à saúde da mulher no
PIES/UFJF; 6th Brazilian Congress on Collectyive Health;
2000, Salvador. Salvador: Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva; 2000. p.328.
References from the internet
Civitas. Coordinated by: Simão Pedro P. Marinho.
Developed by: Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, 1995-1998. Presents texts on urbanism and city
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development. Available at: <http//www.gcsnet.com.br/
oamis/civitas>. Accessed: Nov 27. 1998.
Review procedures and publication of submitted
manuscripts.
The articles are of the full and exclusive
responsibility of the authors.
Peer-review procedure: received articles are
registered by the Secretariat of the journal and submitted
to the Scientific and Editorial Board for screening,
preliminary evaluation and posterior distribution to ad
hoc referees with specific expertise in the subject addressed
by the article. All manuscripts are submitted to two
referees, coming from institutions different from those
of the author(s) who, in a double-blind review process,
assess them with respect to the following aspects:
pertinence of the title in relation to the content, structure
of the manuscript, pertinence and clearness of objectives,
methodology, intelligible information, conformity of
citations and references with the technical norms and
alignment with the editorial line of the journal. The referees
fill in the review form accepting or rejecting the manuscript
or suggesting improvements and/or necessary corrections.
In this case, the manuscript is returned to the author(s)
for revision and resubmission, followed by a new
evaluation. The result is communicated to the author(s)
and accepted articles will be published following the order
of registry. No additions or modifications in manuscripts
already accepted for publication will be admitted.
elsewhere, nor is it currently under consideration for
publication in another periodical.”
Articles prepared by more than one author should
state the specific contribution of each of them. The authors
of each article will receive three exemplars of the edition
in which their study was published.
Ethics in experimentation
Articles based on investigations involving human
subjects should declare in the text that the investigation has
beencleared by the responsible Ethics Committee on
Human Experimentation.
Manuscripts should be submitted electronically to:
Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade - SBMFC
Contact Address:
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Cep: 20551-031
Tel: 21 2264-5117 / 21 3259-6934
Fax: 21 3259-6931
e-mail:
[email protected]
Responsibility Statement
All individuals named as authors for having
participated substantially in the submitted study have to take
public responsibility for the integrity of their work and
consequently sign the following Responsibility Statement:
“I hereby declare to have participated substantially
in the conception and design of the present work and in
the writing of the manuscript, taking public responsibility
for its integrity. I have read the final version of this work
and agreed to its submission for publication. The work in
its present or a similar form has not been published
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