Alhos com Bugalhos - Comparações indevidas sobre juros e spreads
Com uma certa freqüência, o departamento de Tecnologia e Competitividade da FIESP
divulga um estudo no qual faz comparações entre os spreads bancários (brutos)
praticados no Brasil e em diversos outros países, tendo como fonte primária dados do
Fundo Monetário Internacional (FMI).
Em editorial da quinta-feira, dia 10, o Estadão menciona mais uma vez estes dados,
comparando os spreads praticados no Brasil com os de uma lista de países. A conclusão
da FIESP é que o spread médio no Brasil é seis vezes superior à média de 42 países
analisados a partir da tabela do FMI. Não é necessário ser versado em questões
econômicas ou ter alguma experiência nos negócios para desconfiar de colocações
bombásticas como essa, que tratam o Brasil como um lugar no qual as regras de
mercado não funcionam minimamente. Se isto fosse verdade, seria razoável esperar
que:
a-) a rentabilidade do nosso setor financeiro também fosse
dos outros países, o que não é o caso;
muitas vezes superior à
b-) nosso setor financeiro atraísse uma quantidade bem maior de bancos estrangeiros,
dispostos a usufruir de taxa e rentabilidade tão elevadas.Também não tem sido o caso;
c-) essas taxas de juros tão elevadas colocassem o setor financeiro como o mais
rentável do País, com grande vantagem sobre o demais setores. Mas esse também não
tem sido o caso. Dados compilados pelo anuário Valor 1000, do Jornal Valor
Econômico, por exemplo, mostram que o setor financeiro não foi o mais rentável ao
longo dos últimos anos. Em 2007 ficou em quinto e no ano passado ocupou a 10ª
posição, com base no critério de retorno sobre o patrimônio líquido.
Por que então os dados apresentados pelo FMI e compilados pela FIESP são tão
discrepantes? Por que mostram taxas tão mais altas para o Brasil? Porque, como temos
advertido com freqüência, os dados apresentados não são comparáveis. É como se
estivéssemos comparando preços de um veículo de luxo com os de um popular. Ou de
computador básico com um Apple de última geração. Basta olhar o apêndice
metodológico apresentado pelo próprio FMI, explicando o que representam as taxas
coletadas nos diversos países. Na Argentina, por exemplo, é uma média aritmética das
taxas cobradas por um grupo de bancos em operações de 30 dias para os seus clientes
preferenciais. No México, o cálculo é feito com base nas taxas dos títulos emitidos por
empresas de primeira linha. O equivalente disso no Brasil seriam as taxas de juros dos
títulos de empresas como Petrobrás, Vale, Gerdau, etc. Na Rússia, são computados
apenas os empréstimos para empresas não financeiras em operações de até um ano. Os
dados da Índia consideram as taxas que o Banco Central fixa no repasse dos seus
recursos aos bancos comerciais. No Brasil, a taxa equivalente seria um pouco superior à
Selic. Na China são consideradas as operações de capital de giro (pessoas jurídicas)
pelo prazo de um ano. Como se nota, os dados apresentados pelo FMI correspondem em
sua quase totalidade ao crédito para pessoas jurídicas e, dentro desses, ao crédito de
primeira linha, aquele destinado às grandes empresas e normalmente em operações de
curto prazo. E qual é a taxa referente ao Brasil que aparece nesta tabela e que recebe
grande destaque por parte da FIESP? É a divulgada pelo BC para o segmento de crédito
livre, envolvendo todas as operações, de pessoas físicas e jurídicas. Certamente, a
informação do Brasil é a mais completa e transparente entre as que constam da tabela do
FMI. Mas ela não é de modo algum comparável com as demais lá apresentadas e que
servem de base para o estudo da FIESP. A título de ilustração, se fosse considerado o
critério adotado pelo México, o spread aqui no Brasil seria provavelmente menor do
que os 5,7% a.a calculados pela FIESP para o próprio México.
Como se sabe, o primeiro passo para encontrar a solução de qualquer problema é ter um
diagnóstico correto, com base em dados confiáveis. Estamos de acordo que o spread
(bruto) é alto no Brasil. Mas os dados apresentados pela FIESP fazem uma comparação
totalmente equivocada e que só obscurecem o debate sobre esta questão. Como sempre,
estamos abertos ao diálogo e ao debate, mas vamos fazê-lo a partir de dados corretos e
de uma abordagem técnica, e não preconceituosa.
Rubens Sardenberg é economista-chefe da Febraban. Foi diretor de Finanças e de
Relações com Investidores do Banco Nossa Caixa ( 2003/2007) e secretário adjunto
do Tesouro Nacional, de 2000 a 2002.
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Praticamente não se passa um mês sem que o Depto de