GESTÃO DA SEGURANÇA E
SAÚDE DO TRABALHO NO
SECTOR FINANCEIRO
Mário Rui Mota
Março/2009
Trabalho originalmente elaborado no âmbito
da disciplina de Administração de Pessoal
do mestrado em Ciências do Trabalho e Relações Laborais
no ISCTE (Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa)
ISCTE – Mestrado em Ciências do Trabalho e Relações Laborais – Administração de Pessoal
ÍNDICE
RESUMO ............................................................................................................................................ 2
1.
ENQUADRAMENTO ................................................................................................................. 2
1.1.
CONTEXTO E OBJECTIVO ............................................................................................. 2
1.2.
SIGLAS E ABREVIATURAS UTILIZADAS ....................................................................... 3
1.3.
DEFINIÇÃO DE CONCEITOS .......................................................................................... 3
2.
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 6
3.
A PERCEPÇÃO SOBRE A IMPORTÂNCIA DA SST ............................................................. 10
4.
5.
6.
3.1.
A SST ENQUANTO DIREITO FUNDAMENTAL ............................................................ 10
3.2.
A SST ENQUANTO ÉTICA E RESPONSABILIDADE SOCIAL ..................................... 11
3.3.
A SST ENQUANTO EFICIÊNCIA ECONÓMICA ............................................................ 13
SITUAÇÃO ACTUAL NO SECTOR ......................................................................................... 17
4.1.
O RISCO OPERACIONAL NO SECTOR BANCÁRIO ................................................... 17
4.2.
OS RISCOS EMERGENTES .......................................................................................... 18
4.3.
A ESTRATÉGIA PARA A SST ........................................................................................ 18
SISTEMAS DE GESTÃO DE SST .......................................................................................... 20
5.1.
O CÓDIGO DO TRABALHO ........................................................................................... 20
5.2.
AS ORIENTAÇÕES DA OIT ........................................................................................... 21
5.3.
A NORMA NP 4397 (OSHAS 18001) ............................................................................. 21
5.4.
O SISTEMA ISA 2000 ..................................................................................................... 22
5.5.
O EXEMPLO DA CEMG ................................................................................................. 22
CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 24
FONTES BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................................ 25
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ISCTE – Mestrado em Ciências do Trabalho e Relações Laborais – Administração de Pessoal
RESUMO
Neste trabalho procura-se ensaiar uma análise que desmistifique o conceito de que o
sector financeiro é um sector ‗sem risco‘ no que respeita à segurança e saúde no trabalho
e, ao mesmo tempo, enquadrar os requisitos gerais para um sistema de gestão de
segurança e saúde do trabalho (SST) no sector.
O ensaio começa por caracterizar a segurança e saúde no trabalho enquanto direito
fundamental e medida de ética e responsabilidade social das organizações, sendo depois
demonstrada a falta de racionalidade económica no sector financeiro, derivada às perdas
económicas com as ausências motivadas pelos acidentes de trabalho e pelas doenças
relacionadas com o trabalho, através da exploração e análise das estatísticas nacionais e
comunitárias existentes.
Analisam-se ainda algumas características relacionadas com a SST no sector,
nomeadamente, a questão do risco operacional no subsector bancário, os riscos
emergentes e as forças e fraquezas existentes.
Por fim procede-se à caracterização de várias referências para a gestão da SST, como
sejam, as determinações do Código do Trabalho, as orientações da OIT, a Norma NP
4397 (OHSAS 18001) e o referencial ISA 2000, apresentando-se uma breve descrição
sobre o sistema de gestão da SST no Montepio-CEMG.
1. ENQUADRAMENTO
1.1.
CONTEXTO E OBJECTIVO
Este trabalho é produzido no contexto da avaliação da disciplina de Administração de
Pessoal do Mestrado em Ciências do Trabalho e Relações Laborais no ISCTE, ano
lectivo 2008/2009.
Pretende-se com este trabalho efectuar a caracterização geral dos fundamentos para um
sistema de gestão de saúde e segurança no trabalho no sector dos serviços financeiros,
atendendo a que o autor exerce funções, enquanto representante dos trabalhadores,
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numa comissão de SST de uma instituição bancária e, como tal, inserido no referido
sector.
1.2.
SIGLAS E ABREVIATURAS UTILIZADAS
ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho
AESST – Agência Europeia para a SST (em inglês, EU-OSHA)
APB – Associação Portuguesa de Bancos
BdP – Banco de Portugal
CEMG – Caixa Económica Montepio Geral (Montepio)
CRP – Constituição da República Portuguesa
CT – Código do Trabalho (aprovado pela Lei 99/2003)
DGERT – Direcção-Geral do Emprego e Relações de Trabalho do MTSS
DL – Decreto-Lei
GEP – Gabinete de Estudos e Planeamento do MTSS
HSE-UK – Health and Safety Executive (organismo de SST do Reino Unido)
IGT – Inspecção Geral do Trabalho
ISHST – Instituto para a SHST
LMERT – Lesões Músculo-Esqueléticas Relacionadas com o Trabalho
MTSS – Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social
NP – Norma Portuguesa (de Normalização)
OIT – Organização Internacional do Trabalho (em inglês, ILO)
OMS – Organização Mundial de Saúde (em inglês, WHO)
RCT – Regulamentação do Código do Trabalho (Lei 35/2004)
RSO – Responsabilidade Social das Organizações
RTSHST – Representante(s) dos Trabalhadores para a SHST
SHST – Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho (antiga designação nacional)
SST – Segurança e Saúde no Trabalho (designação europeia actualmente adoptada)
UE – União Europeia (em inglês, EU)
1.3.
DEFINIÇÃO DE CONCEITOS
Importa definir alguns conceitos utilizados no âmbito da Saúde e Segurança no Trabalho
e que poderão, eventualmente, aparecer ao longo deste trabalho:
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ACIDENTE DE TRABALHO: Acidente que se verifique no local e no tempo de trabalho e
produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de
que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte (Lei 100/1997 e
NP 4397:2001).
ACIDENTE: Acontecimento não planeado no qual a acção ou reacção de um indivíduo,
objecto, substância ou radiação, resulta num dano.
ACONTECIMENTO PERIGOSO: Todo o evento que, sendo facilmente reconhecido,
possa constituir risco de acidente ou de doença para os trabalhadores, no decurso do
trabalho, ou para a população em geral (DL 503/1999). O mesmo que ‗situação‘ em
‗FACTOR DE RISCO‘.
AVALIAÇÃO DO RISCO: Processo global de estimativa da grandeza do risco e de
decisão sobre a sua aceitabilidade (NP 4397:2001).
COMPONENTES MATERIAIS DO TRABALHO: O local de trabalho, o ambiente de
trabalho, as ferramentas, as máquinas e materiais, as substâncias e agentes químicos,
físicos e biológicos, os processos de trabalho e a organização do trabalho (Lei 35/2004).
DANO ou CONSEQUÊNCIA: Lesão ou ferimento para o ser humano ou prejuízo para a
sua saúde, para o património ou para o ambiente do local de trabalho. O dano pode ser
classificado, nomeadamente, quanto ao tipo de dano, quanto à gravidade e quanto à
duração.
DOENÇA PROFISSIONAL: Lesão corporal, perturbação funcional ou doença que seja
consequência necessária e directa da actividade exercida pelo trabalhador e não
represente normal desgaste do organismo, e que, pelas evidências clínicas existentes da
sua relação com o contexto do trabalho, consta em lista especifica publicada em diploma
legal e confere o direito a indemnização pela Segurança Social.
DOENÇA RELACIONADA COM O TRABALHO: Doença que de alguma forma pode ser
relacionada com a prática da actividade profissional, quer porque foi causada pela
actividade laboral desenvolvida, quer porque pré-existente e agravada em contexto de
trabalho.
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FACTOR DE RISCO ou PERIGO: Fonte ou situação com um potencial para o dano, em
termos de lesões ou ferimentos para o corpo humano ou de danos para a saúde, para o
património, para o ambiente do local de trabalho, ou uma combinação destes (NP
4397:2001).
IDENTIFICAÇÃO DO PERIGO: Processo de reconhecer a existência de um perigo e de
definir as suas características (NP 4397:2001).
INCIDENTE ou ‘QUASE ACIDENTE’: Acidente do qual não resultaram quaisquer tipo de
danos, mas onde existia potencial para o efeito.
NÃO CONFORMIDADE: Qualquer desvio das normas de trabalho, das práticas, dos
procedimentos, dos regulamentos, do desempenho do sistema de gestão, etc., que
possa, directa ou indirectamente, conduzir a lesões ou doenças, a danos para a
propriedade, a danos para o ambiente do local de trabalho, ou a uma combinação destes
(NP 4397:2001).
PREVENÇÃO: Conjunto de actividades ou medidas adoptadas ou previstas no
licenciamento e em todas as fases de actividade da empresa, do estabelecimento ou do
serviço, com o fim de evitar, eliminar ou diminuir os riscos profissionais (Lei 35/2004).
REPRESENTANTE DOS TRABALHADORES: Trabalhador eleito para exercer funções
de representação dos trabalhadores nos domínios da segurança, higiene e saúde no
trabalho (Lei 35/2004).
RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS ORGANIZAÇÕES: É um conceito segundo o qual
as empresas decidem, numa base voluntária, contribuir para uma sociedade mais justa e
para um ambiente mais limpo (Livro Verde da Comissão Europeia, 2001).
RISCO: Combinação da probabilidade e da(s) consequência(s) da ocorrência de um
determinado acontecimento perigoso (NP 4397:2001).
SAÚDE: Estado geral de bem-estar físico, psíquico e social e não apenas a ausência de
doença ou lesão (OMS, 1946).
SST/SHST: Neste trabalho designar-se-á ‗segurança, higiene e saúde no trabalho‘
(SHST), denominação ainda constante em vários manuais técnicos e diplomas legais,
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apenas por ‗segurança e saúde no trabalho‘ (SST), dado que esta última forma é a
normalmente adoptada na União Europeia e, mais recentemente, pela Autoridade para as
Condições do Trabalho. Por outro lado, entende o autor que ‗saúde‘ inclui o conceito de
‗higiene‘ – actos técnicos não médicos de promoção da saúde ocupacional – e o conceito
de ‗medicina do trabalho‘ – actos médicos de promoção da mesma saúde ocupacional.
2. INTRODUÇÃO
A gestão da segurança e saúde no trabalho (SST) é, não raras vezes, considerada como
o ‗parente pobre‘ dos sistemas de ‗gestão de pessoal‘
[1]
nas organizações nacionais. A
confirmar esta afirmação encontram-se os números oficiais sobre a sinistralidade laboral
no nosso país (Figuras 1 e 2).
Figura 1
Fonte: ACT
1
Preferir-se-á a expressão ‗gestão de pessoal‘ à expressão ‗gestão de recursos humanos‘. Com efeito,
embora seja comum encontrar quase em exclusivo a última, entende o autor que as pessoas estão muito
para além de um recurso, pelo que não partilha do uso da expressão.
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Figura 2
PRINCIPAIS INDICADORES DE ACIDENTES DE TRABALHO DE 2004 A 2006
Fonte: GEP-MTSS
Mais preocupante que os números anteriormente apresentados, são os valores quando
comparados com as médias dos 15 da União Europeia (Figura 3).
Figura 3
ACIDENTES DE TRABALHO MORTAIS – TAXA DE INCIDÊNCIA (POR 100.000 PESSOAS EMPREGADAS)
ANO
EU (15)
Belgium
Denmark
Germany
Ireland
Greece
Spain
France
Italy
Luxembourg
Netherlands
Austria
Portugal
Finland
Sweden
United Kingdom
2003
2.5
2.4
1.8
2.3
3.2
3.0
3.7
2.8
2.8
3.2
2.0
4.8
6.7
1.9
1.2
1.1
2004
2.4
2.9
1.1
2.2
2.2
2.5
3.2
2.7
2.5
1.8
5.4
6.3
2.5
1.1
1.4
2005
2.3
2.6
2.2
1.8
3.1
1.6
3.5
2.0
2.6
2.6
1.6
4.8
6.5
2.0
1.7
1.4
Fonte: Eurostat
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ISCTE – Mestrado em Ciências do Trabalho e Relações Laborais – Administração de Pessoal
Ora, se este é o panorama, em geral, nas nossas empresas, muitas delas inseridas nos
sectores da construção e da indústria, mais se compreenderá que na actividade
financeira (actividades de serviços administrativos), sector considerado pela legislação
vigente de risco não elevado [2], este descurar da gestão da SST seja ainda mais sentido,
até porque à noção legal acresce uma aparente confirmação das estatísticas, pelo menos
no que se refere ao acidente de trabalho (Figuras 4 e 5).
Figura 4
Fonte: ACT
2
De acordo com a Lei 35/2004 (RCT) art.º 213.º n.º 2.
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Figura 5
ACIDENTES DE TRABALHO POR SECTOR DE ACTIVIDADE OCORRIDOS EM 2006
Fonte: GEP-MTSS
Procurar-se-á ao longo deste trabalho demonstrar que a noção de ‗actividade sem risco‘
aplicada ao sector financeiro não tem consistência. Isto porque, se é correcto que quanto
ao acidente de trabalho os indicadores demonstram uma incidência baixa, quando
comparada com outros sectores de actividade
[3]
, já quanto à doença profissional e à
doença relacionada com o trabalho a realidade mostra-se bem diferente de acordo com
os indicadores estatísticos disponíveis no espaço europeu – infelizmente não existem
dados nacionais sobre a incidência e a prevalência das doenças profissionais e doenças
relacionadas com o trabalho, daí que neste trabalho se tenha recorrido aos indicadores
médios europeus.
Por fim, dado que nos encontramos no contexto das relações laborais, diga-se em abono
da verdade que não é só do lado do empregador, e respectivos órgãos de direcção, que
no sector financeiro a gestão da SST é pouco valorizada
[4]
. Também do lado das
estruturas representativas dos trabalhadores a segurança e saúde é deixada, não raras
vezes, para último plano. A asseverar esta afirmação está o número de estruturas de
Representantes dos Trabalhadores para a Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho
(RTSHST) eleitas no sector desde a entrada em vigor da Lei 35/2004 até ao momento –
uma única, no caso em concreto na Caixa Económica Montepio Geral que, por
paradoxo, foi a primeira estrutura nacional de RTSHST a ser eleita em Portugal ao abrigo
do Código do Trabalho
[5]
. Esta situação mostra-se tanto mais insólita quando pensamos
que, no caso do subsector bancário, cabe aos sindicatos gerir o sistema de assistência
3
Ainda assim verificou-se um acidente de trabalho mortal em 2006 (acidente no local de trabalho).
Afirmação também consubstanciada na experiência do autor, enquanto beneficiário desse sistema desde
1991 e actor interveniente no mesmo desde 2004.
5
Informação confirmada telefonicamente junto da DGERT-MTSS em 2009/02/05.
4
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na saúde dos trabalhadores, sistema esse para onde são amiúde ‗despejadas‘ as vitimas
de acidentes e doenças relacionados com o contexto laboral, a expensas desse mesmo
sistema.
3. A PERCEPÇÃO SOBRE A IMPORTÂNCIA DA SST
3.1.
A SST ENQUANTO DIREITO FUNDAMENTAL
Com alguma frequência, ao procurar-se justificar a importância da SST no seio das
organizações, são apresentados logo de início alguns gráficos e quadros sobre o valor
económico das perdas causadas pela ocorrência de acidentes de trabalho e doenças
profissionais. Naturalmente que não se pode subscrever essa abordagem de partida. Isto
porque, na opinião do autor, segurança e saúde no trabalho é um direito fundamental e
uma conquista do ser humano livre, conforme aliás preconizado pela Constituição da
República Portuguesa (CRP):
Artigo 59.º
(Direitos dos trabalhadores)
Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de
origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: […]
b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a
facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a
vida familiar;
c) A prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde; […]
Ao texto da CRP poderíamos desde logo acrescentar a Declaração de Filadélfia da OIT
de 10 de Maio de 1944
[6]
, bem como as várias Convenções da mesma OIT sobre a
matéria, ratificadas pelo Estado Português [7].
Com a adesão à CEE, agora União Europeia (UE), Portugal foi também abrangido por
várias disposições Comunitárias sobre segurança e saúde. Desde logo pela Carta Social
Europeia Revista [8] que preconiza, na sua Parte I, alínea 3), que ―Todos os trabalhadores
têm direito à segurança e à higiene no trabalho‖, especificando, na Parte II, artigo 3.º, sob
6
DOCUMENTOS FUNDAMENTAIS DA OIT (MTSS, 2007)
CONVENÇÕES DA OIT RATIFICADAS POR PORTUGAL (OIT/ILO)
8
Citada por Abílio Neto em «CÓDIGO DO TRABALHO E LEGISLAÇÃO…» (EDIFORUM, 2005)
7
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o título ―Direito à segurança e à higiene no trabalho‖, as condições em concreto do
exercício desse direito. Depois através da bastante conhecida Directiva 89/391/CEE,
transposta para o direito nacional pelo DL 441/91, do qual não se resiste a transcrever o
seu preâmbulo:
Por fim o Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, secunda, como não poderia
deixar de ser, as disposições constantes na CRP, no Direito Internacional e no Direito
Comunitário, estabelecendo no artigo 272.º, e seguintes, os princípios fundamentais a
que deve obedecer a salvaguarda das condições de SHST.
3.2.
A SST ENQUANTO ÉTICA E RESPONSABILIDADE SOCIAL
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Sérgio Miguel, no seu conhecidíssimo ‗Manual de Higiene e Segurança do Trabalho‘,
inicia o 1.º capítulo fazendo referência aos aspectos ético-sociais da segurança
[9]
. E,
efectivamente, subscreve-se a sua abordagem. Isto porque, interiorizado que seja que
SST é um direito fundamental e inalienável do ser humano e, como tal, de cumprimento
obrigatório e mesmo, se necessário, coercivo, há que ir um pouco mais além, e
compreender que se espera também, por uma questão de ética e responsabilidade
social, a sua promoção por todos os actores do mercado de trabalho e da sua
envolvente.
Com efeito, em tempos em que tanto se fala nos meios de comunicação e promoção
comercial, de forma tão viva, de ética e responsabilidade social das organizações (RSO)
é de esperar que da letra do ‗marketing‘ resultem investimentos reais na prevenção e
promoção da saúde e segurança no trabalho.
Ora, segundo a definição da Comissão Europeia, a responsabilidade social surge quando
as empresas decidem, numa base voluntária, contribuir para uma sociedade mais justa e
para um ambiente mais limpo
[10]
. Ser socialmente responsável não se restringe ao
cumprimento de todas as obrigações legais – implica ir mais além, através de um maior
investimento em capital humano, no ambiente e nas relações com outras partes
interessadas e comunidades locais.
A este propósito veja-se o artigo de Isabel Cordovil, sobre ‗A Responsabilidade Social
das Empresas – A perspectiva e o contributo do ISHST‘ [11], bem como o ‗Questionário de
Auto-Diagnóstico‘ da IGT sobre RSO
[12]
, para compreender a posição oficial destas duas
entidades públicas (agora fundidas sob a égide da ACT) sobre a estreita relação entre a
dimensão social interna da RSO e a segurança e saúde no trabalho. Idêntica posição
perfilha a Agência Europeia para a SST (AESST), conforme se pode verificar na sua folha
periódica ‗FACTS 54‘ [13].
Aliás, não deixa de ser curioso que a única Norma reconhecida em Portugal para
certificação de sistemas de gestão de responsabilidade social, a SA 8000, tenha como
único espectro de avaliação a dimensão social interna da RSO onde se inclui, logo nos
9
MIGUEL, Alberto Sérgio (Porto Editora, 2005).
Livro Verde ‗Promover um quadro europeu para a responsabilidade social das empresas‘ da Comissão
Europeia (Julho, 2001).
11
Ver antigo ISHST em www.ishst.pt/downloads/bolsa_textos/Bolsa_Artigos_SHST_12.pdf
12
Ver antiga IGT em www.igt.gov.pt/DownLoads/content/RSO_quest_20060215.pdf
13
Ver AESST em http://osha.europa.eu/pt/publications/factsheets/54/view
10
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12
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primeiros itens, a segurança e saúde no trabalho
[14]
, aliás na linha de um outro ‗standard‘
para a elaboração de relatórios de sustentabilidade social, o GRI – Global Report
Initiative
[15]
, que também se ocupa, como não poderia deixar de ser, com a SST em
particular.
3.3.
A SST ENQUANTO EFICIÊNCIA ECONÓMICA
Uma vez analisada a importância da SST na óptica de um direito fundamental e
inalienável, para além de corresponder a padrões elevados de ética e RSO, vamos então
olhar a questão do ponto de vista da racionalidade económica, em específico no contexto
do sector financeiro.
Todos aqueles que trabalham, ou já trabalharam, na gestão da SST, conhecem a ‗teoria
do icebergue‘ sobre os acidentes de trabalho, proposta por Frank Bird nos anos 60,
segundo a qual para cada unidade monetária de custos visíveis teremos entre 3 a 25
unidades monetárias de custos invisíveis [16] (Figura 6):
Figura 6
PROPORÇÃO DOS CUSTOS INVISÍVEIS EM RELAÇÃO AOS VISÍVEIS NOS ACIDENTES DE TRABALHO
CUSTOS VISÍVEIS
1€
3 € a 25 €
CUSTOS INVISÍVEIS
Ora, fazer algumas contas sobre o custo económico dos dias perdidos por acidente e por
doenças relacionadas com o trabalho poderá dar-nos uma percepção, ainda que
14
Ver APCER em www.apcer.pt/index.php?cat=64&item=258&hrq
Ver GRI em www.globalreporting.org/ReportingFramework/G3Online/LanguageSpecific/Portuguese.htm
16
Conforme citada em Gestão de Sistemas de SHST: ISA 2000 (Monitor, 2003).
15
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imperfeita e incompleta, da racionalidade económica que representa o investimento na
prevenção e promoção da SST.
Indicadores no sector J – Actividades Financeiras – 2005 [17]:

NÚMERO DE TRABALHADORES A 31/DEZ/2005  58.915, sendo 54.008 em grandes
empresas (+250 trabalhadores)

PRODUTIVIDADE MÉDIA DO TRABALHO (Valor acrescentado bruto  Número médio de
pessoas ao serviço durante o ano)  471.473,
471.473,

00
€  360 = 1.309,
65
00
€
€  Produtividade média / trabalhador / dia
CUSTO MÉDIO ANUAL (TOTAL) POR TRABALHADOR  50.301,
00
50.301,
€  360 = 139,
73
00
€
€  Custo médio (total) diário / trabalhador

ESTRUTURA DO ABSENTISMO TOTAL REMUNERADO  88,4% das ausências

GANHO MÉDIO MENSAL EM OUT/2005
1.974, €  30 = 65,
50
82
[18]
 1.974,
50
€
€  Ganho médio diário em OUT/2005
Figura 7
Acidentes de trabalho não mortais e dias de trabalho perdidos, por actividade económica (2005)
Fonte: GEP-MTSS
17
18
BALANÇO SOCIAL 2005 – Antiga DGEEP-MTSS
Boletim Estatístico GEP-MTSS
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Iremos de seguida fazer alguns cálculos simples:
Dias perdidos por acidente de trabalho  26.918 (Figura 7)
Perdas de produtividade do sector  26.918  1.309,
65
€ = 35.253.158,
70
€ (A)
Se pensarmos que 88,4% dos salários em caso de absentismo foram suportados pelas entidades
empregadoras teremos:
Relativamente ao custo total  26.918  139,
73
€  0,884 = 3.324.946,
Relativamente ao ganho mensal  26.918  65,
82
89
€ (B)
€  0,884 = 1.566.220,
60
€ (C)
Teremos que à perda de produtividade (A) haverá que acrescentar um valor entre (B) e (C).
Ou seja, os custos de perdas de produtividade e os custos em salários suportados pelas
instituições financeiras oscilaram entre 36.819 e 38.578 milhares de Euros.
Estas contas correspondem apenas a ausências exclusivamente derivadas a acidentes
de trabalho, não tendo sido possível encontrar dados nacionais sobre doenças
relacionadas com o trabalho [19].
O HSE-UK tem dados disponíveis relativamente a ausências por doença relacionada com
o trabalho no sector financeiro
[20]
, mas os períodos são calculados de forma diferente.
Ainda assim, apenas a título de exemplo, dados referentes a 2004/2005 referem 1,30 de
média de dias perdidos por trabalhador por doença relacionada com o trabalho (intervalo
no percentil 95 entre 0,72 a 1,89), valores relativamente abaixo das médias europeias (Figura
8). Em 2007/2008 o valor médio tinha descido para 0,75 (intervalo no percentil 95 entre 0,53
a 0,98), o que parece indiciar um forte investimento na promoção da saúde ocupacional.
Mas vamos trabalhar com os dados disponibilizados pelo Eurofound (Figura 8), até pelo
facto de que, quanto aos acidentes de trabalho, eles não diferem significativamente dos
indicadores nacionais (n.º médio de dias de ausência por trabalhador  26.918  58.915
 0,5) pelo que, extrapolando, se considerará idêntica conclusão no que se refere às
ausências por doença relacionada com o trabalho.
19
Aliás, o problema quanto aos dados é recorrente. E.g. o GEP-MTSS refere em 2005, por informação da
OIT e do Eurostat, zero acidentes mortais no sector, no entanto o mesmo MTSS, com base nos Balanços
Sociais de 2005, indica que houve dois acidentes mortais (não de itinere).
20
Health and Safety Executive – United Kingdom (Reino Unido, 2007).
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Figura 8
N.º MÉDIO DE DIAS DE AUSÊNCIA POR MOTIVOS DE SAÚDE POR TRABALHADOR (2005)
Total por razões
de saúde
Por acidente de
trabalho
Por doença
relacionada com
o trabalho
União Europeia a 27
4,6
0,4
1,8
Pequenas Empresas (10~49)
4,6
0,4
1,9
Médias Empresas (50~249)
5,6
0,5
2,0
Grandes Empresas (250+)
7,4
0,7
3,0
Fonte: Eurofound – Fourth European Working Conditions Survey
Temos 58.915 trabalhadores no sector e 1,8 na média de ausência por doença relacionada com o
trabalho.
Dias perdidos por doença relacionada com o trabalho  58.915  1,8 = 106.047
Perdas de produtividade do sector  106.047  1.309,
65
€ = 138.884.453,
55
€ (D)
Se 88,4% dos salários em caso de absentismo são suportados pelas entidades empregadoras
teremos:
Relativamente ao custo total  106.047  139,
73
€  0,884 = 13.099.065,
Relativamente ao ganho mensal  106.047  65,
82
42
€  0,884 = 6.170.331,
€ (E)
97
€ (F)
Teremos que à perda de produtividade (D) haverá que acrescentar um valor entre (E) e (F).
Ou seja, os custos de perdas de produtividade e os custos em salários suportados pelas
instituições financeiras, com ausências derivadas a doenças relacionadas com o trabalho,
terão oscilado entre 145.055 e 151.984 milhares de Euros.
No total das ausências derivadas à SST em 2005, estaremos a falar de números na
ordem de 182 a 191 milhões de Euros, um valor bastante superior à maioria dos
resultados apresentados em 2005 pelas instituições do subsector bancário [21], sendo este
apenas o custo visível que é possível quantificar minimamente, ainda que de forma
imperfeita, não tendo em conta todos os factores. Os custos invisíveis poderiam, de
acordo com a ‗teoria do icebergue‘ ascender a entre 3 a 25 vezes os valores apurados,
números que poderão parecer excessivos, mas que demonstram existir uma dimensão
não quantificada de custos significativos com estas ausências.
21
APB – Boletim Informativo n.º 37 – Exercício de 2005 (APB, Abril/2006)
Mário Rui Mota
Março/2009
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ISCTE – Mestrado em Ciências do Trabalho e Relações Laborais – Administração de Pessoal
E quando comparado o ‗peso dos custos com SHST, no total de custos com pessoal‘
((Custos com medicina no trabalho + Custos com prevenção de doenças e acidentes
profissionais)  Total de custos com pessoal) apercebemo-nos da seguinte realidade [22]:
Sector C – INDÚSTRIAS EXTRACTIVAS  2,6 %
Sector D – INDÚSTRIAS TRANSFORMADORAS  1,2 %
Sector F – CONSTRUÇÃO  1,1 %
Sector J – ACTIVIDADES FINANCEIRAS  0,3 %
Sector M – EDUCAÇÃO  0,6 %
Esta comparação permite-nos suspeitar, à partida, de que o investimento em SHST no
sector foi baixo, quando comparado com outros sectores (e.g. o sector da educação,
inserido também no sector dos serviços e de origem maioritariamente pública, apresenta
o dobro do investimento).
Seria interessante comparar todos estes dados com os do subsector bancário em 2005
[23]
, mas deixaremos isso para um outro futuro trabalho.
Em conclusão, ainda que as contas aqui realizadas não possam ser tidas como
absolutamente exactas (para isso seria necessário possuir um sistema estatístico
evoluído) podem no entanto dar-nos uma ordem de grandeza quanto aos valores de
perdas económicas que estão em causa. Quer isto dizer que, ao dever legal e de
cidadania, ao imperativo ético e de RSO, acresce uma obrigação económica para a
existência de sistemas de gestão da SST no sector.
Em complemento recomendamos a leitura das FACTS 77, 76, 28 e 27, produzidas pela
AESST [24], que abordam as questões económicas da SHST.
4. SITUAÇÃO ACTUAL NO SECTOR
4.1.
O RISCO OPERACIONAL NO SECTOR BANCÁRIO
22
BALANÇO SOCIAL 2005 – Antiga DGEEP-MTSS.
APB – Boletim Informativo n.º 37 – Exercício de 2005 (APB, Abril/2006).
24
Ver AESST em http://osha.europa.eu/pt/publications/factsheets/77/view
23
Mário Rui Mota
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ISCTE – Mestrado em Ciências do Trabalho e Relações Laborais – Administração de Pessoal
As determinações derivadas de ‗Basileia II‘, vertidas para a legislação nacional em 2007
[25]
, implicam a necessidade de avaliação dos riscos operacionais no sector bancário e,
nos riscos identificados, a obrigatoriedade de constituição de provisões de capital para os
assegurar. Não detalharemos esta matéria aqui, no entanto diremos que estas novas
obrigações legais vêm, também, contribuir para a necessidade de se acautelarem
sistemas de gestão da SST eficazes e eficientes no sector, até pelos custos económicos
adicionais que representam.
4.2.
OS RISCOS EMERGENTES
Embora não seja nosso objectivo desenvolver aqui este tema, gostaríamos de salientar a
questão dos riscos emergentes em SST, tais como o stresse, o assédio, a dependência
do trabalho e outros problemas psicossociais
[26]
, bem como as lesões músculo-
esqueléticas (LMERT), riscos estes que, não sendo emergentes no sentido de que a sua
identificação já data de há muito, são emergentes no sentido da sua crescente incidência
e prevalência em contexto de trabalho. Segundo o relatório 2007/2008 do HSE-UK as
lesões músculo-esqueléticas (com 43%) e o stresse, depressão e ansiedade (com 35%)
ocupam o topo das estatísticas de prevalência de doenças relacionadas com o trabalho,
quer a fonte seja a auto-comunicação, quer seja por via de relatório médico (sendo neste
caso o valor de 53% e 29% respectivamente) [27]. E salientamos esta questão porque este
tipo de riscos é particularmente sentido no sector financeiro e a sua incidência e evolução
ainda não estudada na nossa realidade nacional.
Em complemento a esta matéria consideramos de leitura obrigatória o ‗Fourth European
Working Conditions Surveys (2005)‘ produzido pela Eurofound
[28]
, bem como um estudo
seu sucedâneo, especificamente acerca do stresse, ―Can ‘good work’ keep employees
healthy? Evidence from across the EU‖ [29].
4.3.
A ESTRATÉGIA PARA A SST
25
Ver BdP: Basileia II em www.bportugal.pt/bank/superv/supervisory_disclosure/BasileiaII_p.htm
Ver ‗FACTS 74‘ da AESST em http://osha.europa.eu/pt/publications/factsheets/74/view
27
Health and safety statistics 2007/08 (HSE-UK, 2008).
28
Fourth European Working Conditions Survey (Eurofound, 2008).
29
Can ‘good work’ keep employees healthy? …across the EU (The Work Foundation, Junho/2008).
26
Mário Rui Mota
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ISCTE – Mestrado em Ciências do Trabalho e Relações Laborais – Administração de Pessoal
O documento da ACT ‗Estratégia Nacional para a Segurança e Saúde no Trabalho 20082012‘
[30]
que tem como referencial melhorar a qualidade e a produtividade do trabalho,
traça um diagnóstico da actual situação nacional, define os vários objectivos a atingir e as
medidas para a sua implementação, não esquecendo o acompanhamento e avaliação. É,
em larga medida, um verdadeiro plano de gestão estratégica da SST nacional.
E quanto ao sector financeiro, poderemos dizer que existe alguma linha coerente de
actuação para a gestão da SST? Na opinião do autor, enquanto interveniente e actor do
sistema, infelizmente ainda estamos longe desse objectivo.
Procuraremos justificar essa afirmação, através de uma breve análise SWOT relativa a
esta matéria, com base numa apresentação realizada pelos Representantes dos
Trabalhadores para a SHST do Montepio-CEMG em JAN/2007 [31].
Figura 9
2. Análise da SHST nos Serviços Financeiros
Análise SWOT
SECTOR
FORÇAS
• Elevado nível de formação
• Elevada produtividade
• Elevada rendibilidade
FRAQUEZAS
- Falsa ideia de sector “sem risco”
- Falta de visão/perspectiva das empresas
- Baixo interesse dos sindicatos
FACTORES HUMANOS E PRODUTIVIDADE – SECTOR SERVIÇOS
2.
Análise
da SHST
nos Serviços
Financeiros
COMISSÕES
DE SHST
E PRODUTIVIDADE
– O CASO MONTEPIO
(CEMG)
6
Análise SWOT
ENVOLVENTE
OPORTUNIDADES
• Existência vasta legislação recente
• Nova cultura emergente de RSO
• Vantagens tripla certificação
AMEAÇAS
- Reduzida cultura nacional em SST
- Falta empenho dos parceiros sociais
- Baixa intervenção dos organismos oficiais
FACTORES HUMANOS E PRODUTIVIDADE – SECTOR SERVIÇOS
Fonte: RTSHST-CEMG
COMISSÕES DE SHST E PRODUTIVIDADE – O CASO MONTEPIO (CEMG)
30
31
7
ACT e MTSS, 2008.
COMISSÕES DE SHST E PRODUTIVIDADE – FCT-UNL (RTSHST-CEMG, 2007)
Mário Rui Mota
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ISCTE – Mestrado em Ciências do Trabalho e Relações Laborais – Administração de Pessoal
Compartilhamos da análise aqui apresentada considerando, ainda assim, que decorridos
que foram 2 anos existiu algum progresso, eventualmente derivado às imposições de
‗Basileia II‘, conforme referido no Ponto 4.1. deste trabalho.
5. SISTEMAS DE GESTÃO DE SST
5.1.
O CÓDIGO DO TRABALHO
Embora tendo consciência que esta abordagem poderá não ser popular, qualquer
sistema de gestão de SHST terá de ter em linha de conta, em primeiro lugar, as
obrigações estabelecidas no Código do Trabalho (CT) e sua Regulamentação (RCT)
[32]
.
Não indo aqui discriminar em pormenor essas obrigações, diremos que essa matéria se
encontra prevista, nos seus requisitos gerais, nos artigos 272.º a 280.º do Código, donde
salientamos o seu artigo 272.º que, em conjunto com o artigo 273.º, configuram
verdadeiros requisitos de um sistema de gestão:
Artigo 272.º
Princípios gerais
1 — O trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições de segurança,
higiene e saúde asseguradas pelo empregador.
2 — O empregador é obrigado a organizar as actividades de segurança, higiene e
saúde no trabalho que visem a prevenção de riscos profissionais e a promoção da
saúde do trabalhador.
3 — A execução de medidas em todas as fases da actividade da empresa,
destinadas a assegurar a segurança e saúde no trabalho, assenta nos seguintes
princípios de prevenção:
a) Planificação e organização da prevenção de riscos profissionais;
b) Eliminação dos factores de risco e de acidente;
c) Avaliação e controlo dos riscos profissionais;
d) Informação, formação, consulta e participação dos trabalhadores e seus
representantes;
e) Promoção e vigilância da saúde dos trabalhadores.
Salientamos os aspectos da necessidade de organizar as actividades de SHST, da
execução de medidas em todas as fases de actividade da empresa, bem como os
32
À data deste trabalho, ainda o CT aprovado pela Lei 99/2003 e RCT correspondente à Lei 35/2004.
Mário Rui Mota
Março/2009
20
ISCTE – Mestrado em Ciências do Trabalho e Relações Laborais – Administração de Pessoal
requisitos constantes das alíneas a), c) e d) do número 3, designadamente a informação,
formação, consulta e participação dos trabalhadores.
5.2.
AS ORIENTAÇÕES DA OIT
A Organização Internacional do Trabalho (OIT/ILO) produziu em 2001 linhas de
orientação para um sistema de gestão de SST
[33]
, as quais assentam nos seguintes
elementos principais em ciclo de melhoria contínua:

Politica  Organização  Planeamento e implementação  Avaliação  Acções
para melhoramento (Figura 10).
Figura 10
Main elements of the OSH management system
Fonte: OIT (ILO)
O documento encontra-se redigido sob a forma de um código de boas práticas, seguindo
uma lógica de melhoria contínua semelhante à usada nas normas dos sistemas de
gestão ISO [34].
Trata-se de um documento fundamental, que influenciou significativamente a revisão
efectuada em 2007 na Norma OHSAS 18001.
5.3.
33
34
A NORMA NP 4397 (OSHAS 18001)
Guidelines on occupational safety and health management systems (ILO-OSH, 2001).
V. Mântua Carrelhas – Sistemas de Gestão da SST (2008).
Mário Rui Mota
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ISCTE – Mestrado em Ciências do Trabalho e Relações Laborais – Administração de Pessoal
Em 1999, um grupo de organismos internacionais publica o referencial OHSAS 18001, o
qual foi traduzido e adaptado a Portugal integrando-o no sistema nacional de qualidade
através da NP (Norma Portuguesa) 4397 [35].
A especificação OHSAS 18001:1999 sofreu recentemente uma actualização, tendo agora
dado origem à Norma OSHAS 18001:2007, a qual teve em linha de conta as ―Guidelines
on occupational safety and health management systems ILO-OSH‖, ficou mais orientada
aos resultados em detrimento dos procedimentos administrativos e permite maior
compatibilidade com as Normas ISO
[36]
. Nessa sequência o Instituto Português de
Qualidade (IPQ) reformulou a NP 4397 tendo recentemente publicado a sua nova versão,
a NP 4397:2008.
Nessa sequência são cada vez maiores as vantagens para as organizações de
implementarem processos de certificação múltipla em sistemas de gestão, como é o caso
da ISO 9001 (Qualidade), da ISO 14001 (Ambiente), da NP 4397 (SST), da NP 4427
(Recursos Humanos) e da SA 8000 (RSO), dadas as compatibilidades e as sinergias
possíveis de estabelecer.
5.4.
O SISTEMA ISA 2000
O Sistema ISA 2000 (International Safety Audit 2000 System) não pretende ser uma
norma, mas sim um sistema alternativo de gestão da SST
[37]
. Tem como ponto de partida
as boas práticas e não a legislação, partindo do pressuposto que as boas práticas são
mais abrangentes e mais completas do que a legislação, resultando assim um sistema
mais eficaz de gestão da SST. O Sistema ISA 2000 encontra-se adaptado à OHSAS
18001, dado que foi considerado na elaboração desta última especificação, mostrando-se
assim como um excelente complemento à implementação da NP 4397.
5.5.
O EXEMPLO DA CEMG
Não queremos terminar este trabalho sem fazer referência a um caso prático de
implementação de um sistema de gestão da SST no sector financeiro. Usaremos para o
35
V. Mântua Carrelhas – Sistemas de Gestão da SST (2008).
Teixeira, Ricardo (APCER, 2008)
37
SEAVER, Matt e O‘MAHONY, Liam – Gestão de Sistemas de SHST: ISA 2000 (Monitor, 2003).
36
Mário Rui Mota
Março/2009
22
ISCTE – Mestrado em Ciências do Trabalho e Relações Laborais – Administração de Pessoal
efeito o Montepio-CEMG (Caixa Económica Montepio Geral), em particular derivado ao
facto de ser a única instituição no sector a dispor de todas as estruturas previstas,
designadamente, representantes dos trabalhadores eleitos.
O Montepio definiu em 2005 a sua política de SHST, através de um documento elaborado
pelos Serviços de SHST e aprovado em sede de Comissão de SHST, onde têm assento,
em número paritário com os representantes da empresa, os Representantes dos
Trabalhadores eleitos em 2004. Este documento define as responsabilidades da
Administração, dos vários níveis hierárquicos, dos trabalhadores e dos vários serviços de
SHST.
A organização da SHST nesta instituição encontrava-se, em 2007
[38]
, organizada com as
seguintes estruturas (Figura 11):

C(P)SHST – Comissão (Paritária) de SHST

Gabinete de SHST (serviços internos de SHST)

RTSHST – Representantes dos Trabalhadores para a SHST

GCC – Gabinete de Crise e Contingência (órgão eventual)
Figura 11
ESTRUTURAS DO SISTEMA DE GESTÃO DA CEMG
C(P) SHST
(órgão institucional)
GCC
(órgão institucional)
EVENTUAL
PERMANENTE
Gabinete SHST
RT SHST
(órgão institucional)
(estrutura trabalhadores)
Fonte: RTSHST-CEMG
No entanto, derivado a alterações nas políticas de gestão da SST ao nível do topo, este
sistema foi desmantelado, existindo actualmente alguma indefinição em matéria de
gestão da SST, mantendo-se no entanto o pioneirismo da estrutura representativa dos
38
‗COMISSÕES‘ DE SHST E FACTORES HUMANOS – ISGB (RTSHST-CEMG, JUN/2007).
Mário Rui Mota
Março/2009
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ISCTE – Mestrado em Ciências do Trabalho e Relações Laborais – Administração de Pessoal
trabalhadores, a primeira do género eleita em Portugal ao abrigo da Lei 35/2004, a qual
iniciou um segundo mandato no início de 2008.
6. CONCLUSÃO
Ao contrário do que abordagens mais simplistas poderiam fazer crer o sector financeiro
não é um sector isento de risco em matéria de segurança e saúde no trabalho. Com
efeito, embora as estatísticas existentes sejam muito incompletas, foi possível
demonstrar que existe uma incidência considerável de ausências, principalmente
derivadas a doenças relacionadas com o trabalho, com perdas económicas bastante
expressivas, estimadas em mais de 180 milhões de Euros, quer por perdas de
produtividade, quer por absentismo remunerado. Por outro lado o sector é
particularmente sensível aos problemas derivados às lesões músculo-esqueléticas e aos
riscos psicossociais, os quais neste momento significam, em conjunto, entre 78% a 82%
do absentismo com causa laboral, segundo comparações com o Reino Unido.
Para mitigar este cenário há que implementar sistemas de gestão da SST eficazes e
eficientes, que levem em conta as obrigações legais existentes e estejam alinhados com
as melhores práticas de gestão, nomeadamente, através dos critérios constantes da nova
Norma OHSAS 18001:2007, que se encontra muito mais orientada para a obtenção de
resultados que propriamente para o processo associado. Estes sistemas de gestão da
SST devem ter sempre presente o envolvimento dos trabalhadores, quer directamente,
quer através dos seus representantes eleitos, no que se refere à informação, formação,
consulta e participação na gestão da saúde e segurança. As empresas têm também toda
a vantagem em apostar em sistemas que lhes permitam proceder a processos de
certificação múltipla nas áreas da Qualidade, SST, Recursos Humanos, RSO e Ambiente,
aproveitando sinergias entre estes domínios da gestão.
Acima de tudo há que ter em mente que a gestão da saúde e segurança no trabalho é
uma questão de direitos humanos e de cidadania responsável, onde ―uma pessoa vale
tanto como toda a humanidade‖, pelo que o investimento na promoção da prevenção em
SST é, antes do mais, um dever e uma obrigação ética das organizações, dos seus
gestores e de todos os restantes colaboradores.
Mário Rui Mota
Março/2009
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ISCTE – Mestrado em Ciências do Trabalho e Relações Laborais – Administração de Pessoal
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
As fontes bibliográficas são indicadas pela ordem em que aparecem no corpo do texto.
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Mário Rui Mota
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