Anais do XIII Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 21 e 22 de outubro de 2008 ISSN 1982-0178 AFASIA FLUENTE – ANÁLISE DE MECANISMO DE COESÃO E COERÊNCIA TEXTUAL Sarah Coelho Cruz Faculdade de Fonoaudiologia Centro de Ciências da Vida [email protected] Resumo: A coesão e a coerência textual são mecanismos que atribuem (ou não) textualidade aos enunciados. Pessoas com afasia fluente podem apresentar problemas na compreensão da linguagem, na nomeação, na repetição de palavras, na gramaticalidade (tanto na oralidade quanto na escrita) sendo que esse conjunto de dificuldades pode comprometer a coesão e a coerência dos textos produzidos por elas. O objetivo deste estudo foi avaliar a maneira pela qual dez afásicos fluentes fazem o uso da coesão e coerência em enunciados orais e escritos que deveriam ser complementados por eles. Foram estudados dez afásicos fluentes, de 25 a 75 anos, com escolaridade que variou entre ensino fundamental e curso técnico, todos com capacidade de realizar leitura e escrita. Fizeram parte do grupo controle dez pessoas de mesma faixa de idade e escolaridade, todos sem queixa de comprometimentos lingüísticos. Os sujeitos foram convidados a complementar quarenta enunciados sendo vinte com coesão remissiva (dez oralmente e dez por escrito) e vinte com coesão seqüencial (dez oralmente e dez por escrito). Os resultados mostraram que os sujeitos afásicos apresentam alterações principalmente nas respostas por escrito, mas também nas orais, produzindo textos finais com coerência e coesão bastante comprometidas. Conclui-se que os mecanismos de coesão e coerência textual de afásicos fluentes devem ser objeto de atenção do fonoaudiólogo no processo terapêutico. Palavras-chave: afasia, acidente vascular cerebral vascular, linguagem. Área do Conhecimento: Fonoaudiologia INTRODUÇÃO Um acometimento, cada vez mais freqüente, associado em especial aos acidentes vasculares cerebrais é a afasia, que se caracteriza por alterações dos processos lingüísticos de significação de origem articulatória e discursiva produzidas por lesão focal adquirida no sistema nervoso central, em Ivone Panhoca Grupo de Pesquisa “Linguagem – sujeitos cérebrolesados e idosos – LISCLI” Centro de Ciências da Vida [email protected] zonas responsáveis pela linguagem sendo que os quadros afásicos podem ou não estar associados a alterações de outros processos cognitivos. [1] Será enfocada aqui, a afasia fluente, que se caracteriza por problemas na compreensão da linguagem, na nomeação, na repetição de palavras, na gramaticalidade (tanto na oralidade quanto na escrita) sendo que esse conjunto de dificuldades pode comprometer a coesão e a coerência dos textos produzidos por elas. [2] A coesão e a coerência textual são mecanismos que atribuem (ou não) textualidade aos enunciados. [3, 4, 5, 6] A construção da coerência resulta da ação conjunta de uma multiplicidade de fatores lingüísticos (semânticos, sintáticos, estilísticos e pragmáticodiscursivos) cognitivos, culturais e interacionais e, dessa forma, ela tem a ver com a capacidade dos usuários de co-construir o sentido do texto, capacidade essa que pode variar de sujeito para sujeito, dependendo da situação e de fatores como conhecimento do tema, grau de conhecimento de um usuário por outro, conhecimento da língua utilizada e seus recursos, etc. [6] A coesão textual manifesta-se pela presença de marcas lingüísticas que asseguram a continuidade, a seqüência e a unidade de sentidos do texto permitindo (ou não) a interpretação de elementos que mantém, entre si, relações de dependência. Ela é constituída por mecanismos que vão participando da construção da tessitura, do “tecido” do texto, podendo ocorrer de textos do mesmo tipo terem graus de coesão diferentes. [3, 4, 6] A coesão divide-se em duas grandes categorias: coesão referencial e coesão seqüencial, com suas subdivisões. Coesão referencial é aquela em que um elemento da superfície do texto faz remissão a outro(s) elemento(s), ou presentes nela ou inferíveis a partir do texto como um todo. E coesão seqüencial diz respeito aos procedimentos lingüísticos por meio dos quais se estabelecem entre segmentos do texto, à medida que o texto progride - relações semânticas e/ou pragmáticas. [4] Anais do XIII Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 21 e 22 de outubro de 2008 ISSN 1982-0178 OBJETIVO O objetivo foi avaliar a maneira pela qual, afásicos fluentes, fazem o uso da coesão e coerência em enunciados orais e escritos. MÉTODO Foram estudados dez sujeitos adultos e idosos, de ambos os sexos, com afasia fluente na faixa de 25 anos a 70 anos, com escolaridade que variou entre ensino fundamental e curso técnico e todos apresentavam capacidade de realizar leitura e escrita e com capacidade de compreensão de vocábulos e frases “simples”. Do grupo controle fizeram parte dez sujeitos adultos e idosos, de ambos os sexos, sem nenhum comprometimento lingüístico ou neuro-cognitivo e de faixa etária e nível de escolaridade equivalentes às dos sujeitos pesquisados. Os dados foram coletados no Setor de neurologia de uma Clínica-Escola de uma universidade particular do interior de São Paulo. Os sujeitos foram convidados em uma única sessão, a complementar quarenta enunciados: • Vinte enunciados regidos por mecanismos de coesão remissiva: dez oralmente e dez por escrito. • Vinte enunciados regidos por mecanismos de coesão seqüencial: dez oralmente e dez por escrito. Foi adotada na analise a classificação de Koch (2005a) que divide a coesão em duas categorias: coesão referencial e coesão seqüencial, com suas subdivisões. As produções finais dos sujeitos foram classificadas em três categorias: • Aceitável: quando o resultado mostrava coerência não se considerando, na escrita, os erros ortográficos. • Não aceitável: quando apresentava coerência o texto final • Não realizou: quando o sujeito complementava o enunciado apresentado. não não RESULTADOS As respostas de maior dificuldade para os sujeitos afásicos foram as relativas à coesão seqüencial por escrito, sendo que nessa categoria 54% (54) das respostas foram consideradas aceitáveis, 20% (20) não aceitáveis e 26% (26) não conseguiram realizar. E a categoria em que foram encontradas menos dificuldades foi a da coesão seqüencial oral com 70% (70) de respostas aceitáveis, 10%(10) não aceitáveis e 20% (20) não conseguiram realizar. Em relação à coesão referencial oral foram obtidas 64% (64) de respostas consideradas aceitáveis, 26% (26) não aceitáveis e 10% (10) não conseguiram realizar. E na coesão referencial por escrito 63% (63) das respostas foram aceitáveis 17% (17) não aceitáveis e 20% (20) não conseguiram realizar. Encontrou-se uma diferença de 2% (2) nas respostas consideradas aceitáveis entre a coesão referencial oral 65% (65) e a coesão referencial por escrito 63% (63). Já na categoria seqüencial oral 70% (70) e seqüencial escrita 54%(54) foi encontrada uma diferença de 16% (16) nas respostas consideradas aceitáveis. Comparando-se os enunciados com coesão referencial com aqueles de coesão seqüencial, ambas apresentadas oralmente, podemos observar que as de maior dificuldade para os afásicos foram as relativas à coesão referencial com 5 % (5) de diferença. E comparando os enunciados da coesão seqüencial 63% (63) com as da coesão referencial 54% (54) ambas apresentadas por escrito, foi encontrada uma diferença de 9 % (9). No total de enunciados com coesão referencial (oral e escrita) foram encontradas 64% (128) de enunciados considerados aceitáveis e no total com coesão seqüencial (oral e escrita) foram encontrados 62% (124) de aceitáveis resultado, portanto, equivalente. Dos quarenta enunciados apresentadas aos afásicos, em oito foram encontrados mais erros que acertos, ou seja, mais enunciados considerados como não aceitáveis ou não realizados do que os aceitáveis, sendo três enunciados com coesão referencial (dois oralmente e um por escrito) e cinco da coesão seqüencial (dois oralmente e três por escrito). Com base nos resultados (lembrando que no grupo controle foram obtidas 100% de respostas aceitáveis, nas quatro categorias enfocadas acima), analisando-se todos os enunciados em que ocorreram respostas “não aceitáveis” ou “não realizou” encontramos o que segue [4, 5]. As maiores dificuldades encontradas, portanto, foram: • Coesão Referencial Oral: - No enunciado “A mulher criticava duramente o marido. Isto o...” foram obtidas 30% (3) de respostas não aceitáveis e 30% (3) não realizadas. Anais do XIII Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 21 e 22 de outubro de 2008 ISSN 1982-0178 - No enunciado ”Os convidados chegaram atrasados. Tinham...” foram obtidas 30% (3) de respostas não aceitáveis e 30% (3) não realizadas. • Coesão Referencial Escrita: - No enunciado “O marido disse: “Vá embora daqui mulher”. Essa frase...” foram obtidos 50% (5) de respostas não aceitáveis e 40% (4) não realizadas. • Coesão Referencial Oral: - No enunciado “Como se fosse um raio, o cavaleiro...” foram obtidas 10% (1) de respostas não aceitáveis e 50% (5) não realizadas. - No enunciado “A reunião foi um fracasso. Não se chegou a nenhuma conclusão importante, nem...” 80% (8) não foram realizadas. • Coesão Sequencial Escrita: - No enunciado “Não vá ainda, que...” foram obtidos 30% (3) de respostas não aceitáveis e 40% (4) não realizadas. - No enunciado “Fazendo um balanço do que se discutiu até o momento constata-se que...” foram obtidos 20% (2) de respostas não aceitáveis e 60% (6) não realizadas. - No enunciado “Mais além, do lado esquerdo, avistava-se...” foram obtidas 40% (4) de respostas não aceitáveis e 20% (2) não realizadas. E além dos dados já analisados aqui foram observadas, nos enunciados “não aceitáveis” ou “não realizadas”, as seguintes modalidades de respostas: • Respostas incompletas, interpretadas pelos sujeitos como já sendo suficientemente boas. • Apresentação de complementação que não “fazia sentido” naquele enunciado. • Tentar complementar o enunciado, mas desistir, considerando-o ou sem sentido ou muito difícil. • Considerar o enunciado apresentado já completo, não cabendo ali, portanto, nenhuma complementação. CONCLUSÃO Foram encontradas grandes dificuldades relativas aos mecanismos de coesão e coerência textual, por parte dos sujeitos afásicos, como vimos nos resultados aqui apresentados, lembrando que todas as pessoas do grupo controle apresentaram respostas aceitáveis para todos os enunciados que lhes foram apresentados. Os resultados obtidos indicam ser necessário, nas intervenções fonoaudiológicas, voltadas a pessoas com afasia fluente, trabalho dirigido aos mecanismos de coesão e coerência textual, tanto na oralidade quanto na escrita. Além disso, precisam ser desenvolvidos estudos semelhantes a este com número maior de sujeitos. E, finalmente, precisam ser realizados estudos voltados à análise dos erros cometidos pelos afásicos, relativos à coesão e coerência textual, visando desvendar os princípios lingüísticogramaticais dos referidos erros, o que se configuraria como grande auxílio na compreensão dos processos lingüísticos utilizados por afásicos considerados fluentes, nesse aspecto específico. AGRADECIMENTOS A PUC-Campinas pela bolsa FAPIC. REFERÊNCIAS – [1] Coudry, M. I. H. (2001), Diário de Narciso: discurso e afasia: análise discursiva de interlocuções com afásicos, Martins Fontes, São Paulo, SP. [2] Mac-Kay, A. P. M. G.; et al. (1983), Afasias e demências: avaliação e tratamento fonoaudiológico, Santos Livraria e Editora, São Paulo, SP. [3] Fávero, L. L.; et al. (1983), Linguística textual: Introdução. São Paulo. Cortez. a [4] Koch, I. G. V. A (2005a), A coesão textual, 20 . ed., Contexto, São Paulo, SP. [5] Koch, I. G. V.; et al (2005b), A coerência textual, a 16 . ed., Contexto, São Paulo, SP. [6] Koch, I. G. V.; et al (2006), Texto e coerência, a 10 Ed., Cortez, São Paulo, SP.