FORMAÇÃO DE PROFESSORES Práticas de escrita e comportamentos de escritor Língua Portuguesa Ensino Fundamental II A área de Educação da Fundação Vale busca contribuir para a melhoria da educação básica, com foco na promoção de uma prática docente pautada nos princípios da pluralidade cultural e do respeito às diferenças. COORDENAÇÃO DO PROGRAMA Equipe de Educação Fundação Vale APOIO EDITORIAL Departamento de Comunicação Corporativa Vale PARCEIRO Comunidade Educativa CEDAC EDIÇÃO E REVISÃO DE TEXTO JVAB Edições Ltda PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Inventum Design selo FSC Este símbolo indica que o papel utilizado neste material foi produzido com madeiras de florestas certificadas. Práticas de escrita e comportamentos de escritor Práticas de escrita e comportamentos de escritor Professor(a) Formar os alunos como escritores é, atualmente, um desafio bem mais amplo do que foi no passado: se escrever bem implicava o domínio de questões ortográficas e gramaticais, hoje sabemos que tais questões representam uma parcela da demanda. Além de conhecimentos linguísticos, escrever envolve outros de ordem textual e o domínio de comportamentos que garantem aos escritores experientes o controle do processo de produção, para que suas intenções comunicativas se concretizem. Neste caderno, daremos destaque aos comportamentos de escritor (planejamento, textualização e revisão), por considerá-los conteúdos necessários para que os alunos se constituam como escritores e para que compreendam o processo de produção de um texto. Nosso foco principal será o ensino da revisão textual, o momento da produção em que, durante ou após a textualização, volta-se ao que foi escrito para se avaliar criticamente se aquilo pode ser reformulado ou transformado no sentido de se buscar formas de expressão mais encantadoras, eficientes ou claras, de acordo com os objetivos que se tem ao escrever (além da correção de eventuais erros formais, de lógica e de informação). Espera-se desenvolver e/ou ampliar as seguintes competências docentes neste bimestre: Trabalhar em equipe, dialogando com colegas sobre a prática docente e sua relação com as aprendizagens. n Planejar situações a serem propostas em aula, com foco no desenvolvimento e/ou na ampliação de competências e habilidades discentes na produção de textos, considerando os aspectos teóricos abordados em momentos de estudo. n Ser agente de sua própria formação, buscando e aproveitando as oportunidades oferecidas para desenvolvimento pessoal e profissional. n Neste caderno, você participará de situações em que abordaremos os seguintes conteúdos: O que é escrever. n Os aspectos notacionais e discursivos. n Os comportamentos de escritor: planejar, textualizar e revisar. n O planejamento de atividades de revisão textual. n 1 Formação de Professores Encontro presencial Duração: 4h Para começo de conversa Duração: 30min Neste momento, será feita a apresentação da devolutiva da Aplicação Prática proposta no encontro anterior. Aproveite para tirar dúvidas suscitadas pela leitura dessa devolutiva e discuta com seus colegas como ela contribui para ampliar a reflexão sobre os conteúdos ali propostos e sobre sua prática. Atividade de contextualização Duração: 40min Nesta seção, abordaremos os diferentes aspectos da língua que podem indicar a qualidade de um texto escrito. Para isso, inicialmente você apresentará ideias a seus colegas e, em seguida, faremos a análise de um texto fictício. Atividade 1 – Discussão Reúna-se em quartetos para discutir a seguinte questão: O que é escrever bem? n Após a elaboração de uma lista coletiva com as reflexões suscitadas pela pergunta acima, leia individualmente o texto a seguir e amplie ou reformule essa lista. Os aspectos notacionais e discursivos Nos Parâmetros Curriculares Nacionais, no volume dedicado à língua portuguesa, lemos o seguinte trecho: “Hoje já se sabe que aprender a escrever envolve dois processos paralelos: compreender a natureza do sistema de escrita da língua – os aspectos notacionais – e o funcionamento da linguagem que se usa para escrever – os aspectos discursivos.” (PCN, Língua Portuguesa, p. 66) Os aspectos notacionais relacionam-se à compreensão do sistema de escrita, especialmente o domínio da escrita alfabética e as restrições ortográficas de nossa língua. Já os discursivos dizem respeito aos diferentes usos da linguagem escrita. Enquanto escreve, todo escritor se depara com inúmeras opções para organizar seu discurso de acordo com a situação específica em que se dá a escrita. Essas escolhas são determinadas pelo conhecimento da língua, pelo gênero que dará corpo ao discurso, pela intencionalidade comunicativa e pelo destinatário. 2 Práticas de escrita e comportamentos de escritor Por muito tempo, compreendeu-se que o ensino da língua deveria se restringir ao domínio das questões ortográficas e gramaticais. Pesquisas recentes apontam para a necessidade de ampliar essa concepção: aprender a escrever também é aprender a usar a linguagem adequada à situação comunicativa, como já foi apresentado no caderno Os Contextos de Produção de Textos. Concebemos, de entrada, que, na escola, as atividades de produção de textos devem ser semelhantes às vivenciadas nos contextos extraescolares. Parece-nos necessário que, nessa instituição, os alunos escrevam em situações que se aproximem dos usos autênticos da escrita na sociedade, já que isso, certamente, dará mais sentido às atividades escolares de escrita de textos. Se, na vida diária, escrevemos com uma finalidade concreta, para um destinatário concreto e adotamos um gênero também concreto, então é interessante que isso aconteça também na escola. Atividade 2 – Análise de texto O texto a seguir foi escrito por uma aluna do 4º ano. Por participar de diferentes situações de leitura de textos literários, inclusive de fábulas, essa criança revela vários conhecimentos sobre a linguagem desses textos. Por outro lado, por ter sido produzido por alguém que está aprendendo a escrever, o texto indica, também, algumas fragilidades em relação a essa mesma linguagem. Em quarteto, leia a fábula e identifique aquilo que a autora revela conhecer e o que precisa aprender sobre os aspectos notacionais. n 3 Formação de Professores Observe, a partir do mesmo texto, aquilo que a autora já domina e suas fragilidades em relação aos aspectos discursivos: n n Marcações de tempo típicas de textos literários imprimem sofisticação à construção. n Uso do discurso direto para representar as falas, o que imprime dinamismo à narrativa, uma vez que o leitor fica com a impressão de estar ouvindo as próprias personagens falando. n Uso exclusivo do E para ligar diferentes partes da história, o que a torna cansativa e não a valoriza esteticamente. n “Queridas formiguinhas” – uso do diminutivo e do vocativo para imprimir um tom íntimo, carinhoso, revelando que a escritora sabe que é preciso que a cigarra se comporte de maneira a aproximar-se e tornar-se simpática às formigas. n Variação no uso dos verbos de fala – falar, perguntar e responder – demonstra que a aluna tem a percepção de que esses verbos anunciam/predizem uma fala. Como podemos notar nas análises acima, o processo de escrita pressupõe dois tipos de conhecimentos: os notacionais e os discursivos. Em relação aos aspectos discursivos, há vários conhecimentos que um es- 4 Práticas de escrita e comportamentos de escritor critor apresenta em seus textos, construídos ao longo de sua vivência com a linguagem escrita principalmente em situações de leitura. Há outros, porém, que é preciso aprender em diferentes situações. Nas próximas seções, ampliaremos nossos estudos sobre a linguagem escrita e sobre os comportamentos que os escritores põem em prática quando produzem um texto. Antes de prosseguir, porém, pense sobre a questão a seguir, que será retomada ao longo deste encontro: O que é preciso ensinar para que os alunos aprendam a escrever bem? n Registre suas primeiras conclusões sobre esse assunto, pois, no final do encontro, voltaremos a ele. A prática em questão Duração: 2h30min Momento 1 - Fundamentação teórica Dando continuidade a nossos estudos, vamos ampliar a discussão abordando os comportamentos escritores. Para isso: 1. Em quarteto, leia o trecho do texto a seguir, retirado do livro Aula de português – Encontro e interação, de Irandé Antunes. 2. Considere estas perguntas para guiar a discussão em seu grupo: a. Quais são as etapas implicadas no processo de escrita? b. Como elas se relacionam? c. Qual a função de cada uma delas? Sugestão: grifar as informações que considerar relevantes para refletir sobre os questionamentos propostos acima é uma estratégia de leitura útil para esta situação de estudo. A escrita compreende etapas distintas e integradas de realização (planejamento, operação e revisão), as quais, por sua vez, implicam da parte de quem escreve uma série de decisões. Elaborar um texto escrito é uma tarefa cujo sucesso não se completa, simplesmente, pela codificação das ideias ou das informações, através de sinais gráficos. Ou seja, produzir um texto escrito não é uma tarefa que implica apenas o ato de escrever. Não começa, portanto, quando tomamos nas mãos papel e lápis. Supõe, ao contrário, várias etapas, interdependentes e intercomplementares, que vão desde o planejamento, passando pela escrita propriamente, até o momento posterior da revisão e da reescrita. Cada etapa cumpre, assim, uma função específica, e a condição final do texto vai depender de como se respeitou cada uma destas funções. 5 Formação de Professores À primeira etapa, a etapa do planejamento, corresponde todo o cuidado de quem vai escrever para: a.delimitar o tema de seu texto e aquilo que lhe dará unidade; b.eleger os objetivos; c.escolher o gênero; d.delimitar os critérios de ordenação das ideias; e.prever as condições de seus leitores e a forma linguística (mais formal ou menos formal) que seu texto deve assumir. Na escolha dos critérios de ordenação das ideias, é relevante prever como a informação vai ser distribuída ao longo do texto, isto é, por onde se vai começar, que sequência se vai adotar, como se vão dividir os tópicos em subtópicos e em que ordem eles vão aparecer. É o momento de delinear a planta do edifício que se vai construir. À segunda etapa, a etapa da escrita, corresponde a tarefa de pôr no papel, de registrar o que foi planejado. É a etapa da escrita propriamente dita, do registro, quando concretamente quem escreve vai seguir a planta esboçada e dar forma ao objeto projetado (imagine o que é fazer uma construção sem planejamento!). É quando aquele que escreve toma as decisões de ordem lexical (a escolha das palavras) e de ordem sintático-semântica (a escolha das estruturas das frases), em conformidade com o que foi anteriormente planejado e, evidentemente, em conformidade, ainda, com as condições concretas da situação de comunicação. Sempre atento, sempre em estado de reflexão, para garantir sentido, coerência, relevância. À terceira etapa, a etapa da revisão e da escrita, corresponde o momento de análise do que foi escrito, para aquele que escreve confirmar se os objetivos foram cumpridos, se conseguiu a concentração temática desejada, se há coerência e clareza no desenvolvimento das ideias, se há encadeamento entre os vários segmentos do texto, se há fidelidade às normas da sintaxe e da semântica – conforme preveem as regras de estrutura da língua – se respeitou, enfim, aspectos da superfície do texto, como a ortografia, a pontuação e a divisão do texto em parágrafos. É, como disse, a hora da revisão (da primeira, talvez), para decidir sobre o que fica, o que sai, o que se reformula. Como afirmou Hemingway: “A cesta de papéis é o primeiro móvel na casa de um escritor”.1 A natureza interativa da escrita impõe esses diferentes momentos, esse vaivém de procedimentos, cada um implicando análises e diferentes decisões de alguém que é sujeito, que é autor de um dizer e de um fazer, para outro ou outros sujeitos, também ativos e cooperantes. Carlos Drummond de Andrade parecia bastante consciente das exigências de uma escrita cuidadosa (que supõe tempo e disposição para planejar, fazer e refazer), quando anotou em seu diário: Março 12. Tanto trabalho para redigir a carta de resposta a uma diretora de serviço público que me mandou observações sobre uma crônica que publiquei no Jornal do Brasil. Problema: achar o tom adequado, a palavra justa, a expressão medida e insubstituível, 1 O mesmo Hemingway registrou: “Reescrevi trinta vezes o último parágrafo de Adeus às armas antes de me sentir satisfeito”. A Voltaire é atribuída a seguinte citação: “Perdoe-me, senhora, se escrevi carta tão comprida. Não tive tempo de fazê-la curta”. 6 Práticas de escrita e comportamentos de escritor nem mais nem menos. Chego à conclusão de que escritor é aquele que não sabe escrever, pois quem não sabe escreve sem esforço. Já Manoel Bandeira era de outra opinião: “Se você faz uma coisa com dificuldade, é que não tem jeito para ela.” Duvido. (grifo meu) Carlos Drummond de Andrade, O observador no escritório A realidade de nossas salas de aula mostra exatamente o contrário, pois a falta de esforço, a improvisação e a pressa com que nossos alunos escrevem parecem indicar que lhes sobra competência e arte. Esquecemos, como disse alguém, que “o que é escrito sem esforço é geralmente lido sem prazer”. Para facilitar a compreensão das distintas etapas da produção escrita de um texto, mostradas anteriormente, talvez valha a pena conferir o esquema a seguir. Etapas distintas e intercomplementares implicadas na atividade de escrita 1. Planejar 2. Escrever 3. Reescrever É a etapa para o sujeito: É a etapa para o sujeito: É a etapa para o sujeito: ampliar seu repertório; pôr no papel o que foi planejado; rever o que foi escrito; delimitar o tema e escolher o ponto de vista a ser tratado; realizar a tarefa motora de escrever; confirmar se os objetivos foram cumpridos; eleger o objetivo, a finalidade com que vai escrever; cuidar para que os itens planejados sejam todos cumpridos. avaliar a continuidade temática; escolher os critérios de ordenação das ideias, das informações; observar a concatenação entre os dois períodos, entre os parágrafos; ou entre os blocos superparagráficos; prever as condições dos possíveis leitores; avaliar a clareza do que foi comunicado; avaliar a adequação do texto às condições da situação; considerar a situação em que vai circular; Enfim, essa é uma etapa intermediária, que prevê a atividade anterior de planejar e a outra posterior de rever o que foi escrito. rever aspectos da superfície do texto, tais como a pontuação, a ortografia e a divisão do texto em parágrafos. decidir quanto às estratégias textuais que podem deixar o texto adequado à situação; estar seguro quanto ao que pretende dizer a seu parceiro; enfim, estar seguro quanto ao núcleo de suas ideias e de suas informações. rever a fidelidade de sua formulação linguística às normas da sintaxe e da semântica, conforme prevê a gramática da estrutura da língua; Normalmente, a escola tem concentrado sua atenção na etapa de escrever e tem enfocado apenas a escrita gramaticalmente correta. 7 Formação de Professores Como se vê, não basta o cumprimento da etapa de escrever. É preciso que se providencie uma etapa anterior e uma posterior à escrita propriamente. Cada um tem uma função de grande importância para que nossas produções linguísticas resultem adequadas e relevantes. Possivelmente, a qualidade, por vezes pouco desejável, dos textos escritos por nossos alunos se deva também à falta de oportunidade para que eles planejem e revejam esses textos. A prática das “redações” escolares – normalmente realizada num limite escasso de tempo, frequentemente improvisada e sem objetivos mais amplos que aquele de simplesmente escrever – leva os alunos a produzir textos de qualquer maneira, sem um planejamento prévio e, ainda, sem uma diligente revisão em busca da melhor forma de dizer aquilo que se pretendia comunicar. Essa busca da “melhor forma” fica sinalizada no texto pelas rasuras, que indicam exatamente a outra opção que apareceu mais adequada que a anterior. O professor, normalmente, tem inibido o uso da rasura, deixando passar a falsa ideia de que a palavra certa já se encontra na primeira tentativa. Como lembra Calil (1998: 59): “Para a escola, a rasura é apenas uma marca que deve ser eliminada”, pois suja o texto que, por isso mesmo, deve ser passado a limpo2. Apagam, assim, os sinais de que entre a primeira versão e o texto passado a limpo houve uma leitura avaliativa e se decidiu por uma outra forma considerada mais adequada. A maturidade na atividade de escrever textos adequados e relevantes se faz assim, e é uma conquista inteiramente possível a todos – mas é “uma conquista”, “uma aquisição”, isto é, não acontece gratuitamente, por acaso, sem ensino, sem esforço, sem persistência. Supõe orientação, vontade, determinação, exercício, prática, tentativas (com rasuras, inclusive!), aprendizagem. Exige tempo, afinal. A escrita, enquanto sistema de codificação, é regida por convenções gráficas, oficialmente imposta. ANTUNES, Irandé. Assumindo a dimensão interacional da linguagem. In. Aula de português – Encontro e interação. São Paulo: Parábola: 2010. pp. 54-60. Para saber mais Irandé Antunes é doutora em Linguística pela Universidade Clássica de Lisboa e professora da Universidade Federal do Ceará (UFCE). Tem diversos livros e artigos publicados em revistas especializadas sobre a língua e o seu ensino e trabalha com formação de professores dos níveis fundamental e médio. No livro Aula de português – Encontro e interação, ela se concentra na discussão sobre leitura, escrita e reflexão sobre a língua. 2 Vale a pena a leitura do livro de Eduardo Calil, intitulado Autoria: a criança e a escrita de histórias inventadas. Nesse trabalho, o autor faz uma análise bastante interessante acerca do que podem significar as rasuras que as crianças fazem na produção de seus textos. De fato, seria proveitoso que o professor de português procurasse não desperdiçar o sentido que as rasuras podem ter. São indícios, são sinais. Muitas ideias poderiam nascer daí. 8 Práticas de escrita e comportamentos de escritor Algumas contribuições sobre as ações de planejar, textualizar e revisar um texto A autora do texto chama de etapas os comportamentos de planejar, textualizar e revisar um texto. Como partes de um processo recursivo, é importante que não se tenha a impressão de que um suceda ao outro rigidamente ou que sejam processos totalmente separados. Nesse sentido, vale ler as contribuições de outras autoras: “As etapas não devem ser enumeradas porque não são fixas e sucessivas. Elas constituem um processo de vai e vem.” Entrevista com Mirta Torres publicada na revista Nova Escola. Disponível em http:// revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/entrevista-mirta-torresespecialista-didatica-leitura-escrita-562077.shtml?page=2. Acesso em: 21.jun.2013. Ou “Os bons escritores adultos (...) são pessoas que pensam sobre o que vão escrever, colocam em palavras e voltam sobre o já produzido para julgar sua adequação. Mas, acima de tudo, não realizam as três ações (planejar, escrever e revisar) de maneira sucessiva: vão e voltam de umas a outras, desenvolvendo um complexo processo de transformação de seus conhecimentos em um texto.” Citação de Mirta Castedo em reportagem de Thais Gurgel publicada na revista Nova Escola. Disponível em http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/fundamentos/escreververdade-427139.shtml?page=2. Acesso em: 21.jun.2013. Delia Lerner aponta para a importância de considerar os comportamentos escritores na sala de aula: É POSSÍVEL SE ENSINAR COMPORTAMENTOS DE ESCRITOR? Segundo Delia Lerner, “os comportamentos do leitor e do escritor são conteúdos – e não tarefas, como se poderia acreditar – porque são aspectos do que se espera que os alunos aprendam, porque se fazem presentes na sala de aula precisamente para que os alunos se apropriem deles e possam pô-los em ação no futuro, como praticantes da leitura e da escrita”. Trecho do livro Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário (Artmed, 2002). Momento 2 – Estudo de caso Valdirene, professora do 7º ano, está realizando um projeto em que seus alunos vão criar fábulas para compor uma coletânea. O livro será doado à biblioteca escolar quando pronto. Para que sua turma enfrente o desafio de elaborar textos com as próprias ideias, mantendo as ca9 Formação de Professores racterísticas do gênero, seriam necessárias atividades prévias que incluíssem ler fábulas e refletir sobre elas. Valdirene sabia que situações em que os alunos conhecem uma história e precisam recontá-la com as próprias palavras favorecem o percurso de autoria, por isso escolheu uma fábula e propôs aos alunos que a reescrevessem. Feita a atividade, Valdirene iniciou a análise das produções para planejar a revisão com os alunos. Observou que os textos revelavam uma série de conquistas importantes em relação à escrita de narrativas, bem como diversas questões a serem resolvidas, tanto discursivas quanto notacionais. Para que os alunos pudessem se ocupar melhor de cada uma, pensou inicialmente em trabalhar com as questões discursivas. Alguns dos problemas que antecipava que os alunos poderiam apresentar em suas produções eram: - textos incoerentes; - textos com problemas de coesão; - textos muito marcados pela oralidade. Antes de continuar a leitura sobre os dilemas enfrentados por Valdirene ao planejar a revisão do texto, é importante retomar alguns conceitos da linguística textual. Sobre coerência, coesão e marcas de oralidade na escrita A coerência e a coesão são dois mecanismos que exercem funções específicas no texto, colaborando para torná-lo eficiente, ou seja, para aumentar a possibilidade de o leitor a quem esse texto se destina atribuir sentido a ele. A coerência manifesta-se no nível das ideias, está presente quando, além de haver continuidade de sentido entre elementos do texto, este é capaz de se constituir como unidade significativa global. A coerência se estabelece numa situação comunicativa de interlocução, portanto pressupõe o processo de construção – em que o escritor busca garantir a inteligibilidade pelo interlocutor, e o processo de recepção – em que o leitor lança mão da sua competência buscando construir sentido para o que lê, incluindo seus conhecimentos linguísticos, sua familiaridade com o tema tratado e com as características da situação comunicativa em que o texto está inserido. Exemplo: Leia o texto a seguir. É difícil recuperar seu sentido, ou seja, não sabemos o que o escritor quis expressar. Já fui. Os homens entregam amanhã. O voo sai às 15h00. Ele só vai ligar no dia seguinte. 1 10 KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 2006. p.16. (citando Beaugrande e Dressler). Práticas de escrita e comportamentos de escritor No entanto, ao saber que é um bilhete escrito por uma garota para sua mãe, avisando-a sobre compras que seriam entregues no dia seguinte e sobre a viagem de seu irmão mais velho, ele passa a fazer sentido. “A coesão concerne ao modo como os componentes da superfície textual – isto é, as palavras e frases que compõem um texto – encontram-se conectadas entre si numa sequência linear, por meio de dependências de ordem gramatical” 1. “Pode haver textos destituídos de elementos de coesão, mas cuja textualidade se dá no nível da coerência, como em: Olhar fito no horizonte. Apenas o mar imenso. Nenhum sinal de vida humana. Tentativa desesperada de recordar alguma coisa. Nada. Por outro lado, podem ocorrer sequenciamentos coesivos de enunciados que, porém, não chegam a constituir textos, por faltar-lhes coerência. É o caso de: O dia está bonito, pois ontem encontrei seu irmão no cinema. Não gosto de ir ao cinema. Lá passam muitos filmes divertidos. Se é verdade que a coesão não constitui condição necessária nem suficiente para que um texto seja um texto, não é menos verdade, também, que o uso de elementos coesivos dá ao texto maior legibilidade, explicitando os tipos de relações estabelecidas entre os elementos linguísticos que o compõem.” Marcas de oralidade na escrita: a fala e a escrita representam realidades diferentes da língua; na fala cotidiana, em situação de convívio familiar e entre amigos, a linguagem é empregada com informalidade. Em geral, na linguagem escrita há uma preocupação maior com as regras determinadas pela norma culta, portanto, a língua é empregada com formalidade. Crianças e jovens e também adultos pouco familiarizados com a linguagem escrita utilizam muitas marcas de oralidade em situações de escrita, como representar palavras escritas do modo que se fala – “nois” (nós) / “vô” (vou); não realizar concordâncias – “eles vai” (vão) / “os home” (homens); empregar expressões informais do tipo “a gente” em vez de “nós”; empregar marcadores conversacionais como “né”, “aí”, “daí”; repetir pronomes, substantivos e outros termos de forma desnecessária. Exemplo de texto escrito com alto índice de marcas orais: Era uma vez uma menina linda que foi andar na floresta para chegar na casa da vovó, daí que a mãe dela tinha falado para ela ir pelo caminho mais curto, né, mas ela desobedeceu. Aí ela viu o lobo, daí ele perguntou para onde ela ia, ela falou, ele era mais esperto. Aí ele correu e a menina linda nem tava desconfiada nem nada, ela ia ter era uma surpresona lá na casa da vovó. 11 Formação de Professores Valdirene volta à cena: A professora selecionou uma fábula escrita por uma dupla de alunos. Reúna-se com um colega e analise essa produção, buscando identificar os problemas que ela apresenta: A assembleia dos ratos Certa vez, aqueles ratinhos se reuniram na casa onde viviam com um gato inimigo deles. Eles tinham um problema e queriam resolver. Eles falaram que falaram, por muito tempo numa assembleia, aí um ratinho se levantou, aí ele falou: “E eu tenho uma ideia para o gato, vamos esperar o gato chegar”, aí outro rato disse “Quero ver quem vai colocar o sino nele”. Aí os ratos se olharam e daí ficaram na mesma! Para esse texto com diferentes questões discursivas, Valdirene pensou algumas alternativas para encaminhar a revisão e considerou diferentes possibilidades de agrupar os alunos. Antes de realizar a análise da produção textual de sua turma e de conhecer algumas propostas de como planejar uma revisão, reflita sobre as questões abaixo: 1.Como você costuma encaminhar intervenções nos textos de seus alunos? 2.É comum propor que discutam as questões que surgem em seus textos com os colegas? 3.Há espaço para refletirem coletivamente sobre aspectos de suas produções escritas? Momento 3 – Planejamento passo a passo Identificando aspectos discursivos a serem revisados na produção textual dos alunos Para que os alunos aprendam o comportamento de revisar seu próprio texto, é importante que situações de revisão variadas sejam realizadas, inclusive as revisões coletivas, em que todos se debruçam sobre o texto de um dos colegas, visando aprimorá-lo. Além disso, é importante que a revisão não aborde todas as questões ao mesmo tempo, pois isso estaria além das possibilidades dos alunos, que se iniciam na escrita e no reconhecimento dos problemas que devem ser considerados e sanados para realizá-la com competência. Por isso, é interessante definir a principal dificuldade que a turma enfrenta e colocá-la em discussão na revisão coletiva. A análise prévia das produções textuais dos alunos é, então, o ponto de partida para que as escolhas didáticas que se venha a fazer sejam mais ajustadas às necessidades de sua turma. Para definir o melhor encaminhamento de revisão para a reescrita da fábula A assembleia dos ratos, tendo como foco um dos aspectos discursivos discutidos anteriormente – coerência, coesão ou uso da linguagem escrita –, será necessário avaliar, no conjunto de produções de seus alunos, qual dessas é a questão mais frequente. 12 Práticas de escrita e comportamentos de escritor 1.Para apoiá-lo na definição dessa questão, acompanhe a análise de três fábulas em que se podem identificar esses problemas: Análise de fábulas e identificação de problemas discursivos A título de exemplo, apresentaremos três reescritas fictícias da mesma fábula proposta. A primeira apresenta questões em relação à coerência textual, a segunda, problemas na coesão e a terceira, uma linguagem muito próxima à fala cotidiana, adequada a uma conversa informal, mas imprópria para a escrita de algumas narrativas literárias como a fábula. Vale ressaltar que se trata de exemplos produzidos com finalidades didáticas, em contexto de formação, e, por isso, distanciam-se dos textos reais, que costumam ser produzidos pelos alunos. Normalmente, os problemas de coerência, coesão textual e uso da linguagem escrita, separados propositadamente em cada um dos exemplos apresentados a seguir, aparecem simultaneamente nos textos dos alunos. Por isso, é necessário que o professor selecione o foco das intervenções que irá propor nos textos, ainda que estes apresentem outros aspectos a serem revistos. A separação de alguns desses aspectos nos exemplos apresentados a seguir pretende ajudar o professor a identificar, com maior precisão, qual deles será o foco de sua intervenção. Essa escolha deve priorizar hierarquicamente as questões relacionadas à construção do sentido global do texto (coerência); em seguida, as questões que se referem ao modo como as diferentes partes que compõem o texto se articulam, facilitando a compreensão (coesão) e, por fim, ao tipo de linguagem utilizada para comunicar de modo adequado o que se pretende (linguagem escrita própria ao gênero e à situação comunicativa). 1º texto – Problemas de coerência A assembleia dos ratos Há muito tempo, os ratos de reuniram para pensar num jeito de se defender do gato que vivia os atacando. Cada um deles tinha uma ideia e a discussão estava bem animada. Um jovem rato levantou a mão e disse: — E se pendurarmos uma fita no pescoço do gato? Todos concordaram com a sugestão quando um rato mais velho observou: — A ideia parece boa. Falta decidir quem vai colocar a fita no pescoço do bicho. Nesse momento, os ratos perceberam que não resolveriam o problema tão facilmente e foram embora disfarçando. O problema de coerência nesse texto se manifesta pela falta de informações suficientes para que o leitor recupere a história. Faltou dizer em que consistia o problema dos ratos (identificar a presença do gato) e por que esse problema ocorria (o gato se aproximava de forma traiçoeira). Além disso, do modo como está escrita a fala do rato, sua ideia se resume a colocar uma fita no pescoço do gato sem mencionar o sino, e isso não contribui para que o leitor relacione essa ação ao fato de que isso permitiria perceber com antecedência a presença do inimigo. 13 Formação de Professores É comum que alunos pouco familiarizados com situações de reescrita de narrativas omitam acontecimentos importantes, responsáveis pela coerência textual. Muitas vezes isso ocorre porque possuem pouca capacidade de autorregular a escrita, ou seja, ainda que tenham memorizado o conteúdo da história, não são capazes, num primeiro momento, de controlar se escreveram todos os acontecimentos importantes, pois estão muito ocupados com a forma como farão o registro escrito da narrativa. Daí a importância das situações de revisão: momentos que garantem a volta do aluno ao texto para, colocando-se como leitor, analisar se é possível recuperar a história que se quis contar. 2º texto – Problema na coesão textual A assembleia dos ratos Um grupo de ratos se reuniu para discutir o que fariam com o seu inimigo mortal, o gato. Um dos ratos se levantou falando ter uma ideia e o rato disse: “Precisamos de algo que sinalize quando o gato está vindo! Podemos colocar um sino no pescoço do gato, escutamos o barulho no pescoço dele e fugimos”. Todos os ratos aplaudiram a ideia do rato. Um velho rato, só observando o que discutiam sobre o gato, disse aos outros ratos: “Sim, é uma ótima ideia, mas afinal, quem colocará o sino no gato?”. Todos se entreolharam e o velho rato disse: “É fácil falar, quero ver quem vai fazer!”. O problema da coesão neste texto se verifica pela repetição excessiva dos nomes das personagens (ratos, rato e gato) ao longo da narrativa. Garantir a coesão textual fazendo uso adequado de substituições pronominais e verificando em quais frases é possível omitir determinados nomes exige que o aluno domine as relações entre diferentes partes do texto, o que nem sempre ocorre de modo satisfatório na escrita de uma primeira versão. Por isso a necessidade de revisitar o texto com focos pontuais, em situações de revisão. 3º texto – Problemas no uso da linguagem escrita A assembleia dos ratos Faz tempo, os ratos se juntaram para pensar num jeito de não deixar o gato comer eles. Esse gato era muito enganador, vinha devagar sem ninguém perceber, aí comia. Aí fizeram uma reunião e todos falaram. Cada um falava uma coisa daí um rato falou assim: — Por que a gente não pendura um sino no pescoço do gato para a gente saber quando ele tá chegando perto? Aí todos os ratos acharam a ideia boa, aí um rato velho falou: — Vocês acharam uma boa ideia, mas quem vai querer pendurar o sino no pescoço do gato? Eu que não. Aí todos viram que não ia ser tão fácil, aí foram embora se sentindo bem sem-graça. 14 Práticas de escrita e comportamentos de escritor A fábula original apresentada aos alunos possui uma linguagem mais formal (própria das fábulas), na qual a escolha intencional das palavras deve provocar certo encantamento no leitor, além de contribuir para a construção de um significado coerente para o texto. Neste exemplo, a linguagem utilizada distancia-se do registro formal. É possível constatar isso pelo emprego repetitivo das expressões “aí” e “daí”, que funcionam como conectivos ao longo do texto. Além disso, o uso da forma contraída do verbo estar (“tá”) e a colocação pronominal “comer eles” são mais comuns em textos coloquiais. Importante frisar que, mesmo não havendo a expectativa de uma reprodução exata das palavras do texto, espera-se que os alunos compreendam, cada vez mais, que deve haver uma adequação da linguagem à situação comunicativa na qual a escrita está inserida. O uso excessivo de marcas de oralidade ao longo de um texto indica um repertório restrito de expressões próprias da linguagem escrita. Tornar isso observável para os alunos, ajudando-os a ampliar esse repertório e propondo que utilizem recursos linguísticos que tornem sua produção mais rica do ponto de vista estético é uma das funções das situações de revisão. Trabalho em grupos Neste momento de nosso encontro presencial faremos uma simulação da análise que você deverá realizar do conjunto de produções de seus alunos. 2.Reúna-se com colegas que atuam no mesmo ano, para observar e analisar as fábulas escritas pelos alunos e trazidas ao encontro. Neste conjunto de produções, procure identificar: O que os alunos revelam saber e o que precisam aprender do ponto de vista notacional? n O que os alunos revelam saber e o que precisam aprender do ponto de vista discursivo? n Quais as questões mais problemáticas e as mais frequentes, tomando por base as questões discursivas que apresentamos nos exemplos acima (problemas na coerência do texto, na coesão e no uso da linguagem escrita)? n O objetivo é verificar em qual desses aspectos os alunos apresentaram maior dificuldade para, em seguida, realizar uma revisão coletiva. Após nosso encontro, quando você estiver analisando as fábulas de seus alunos, será necessário que faça o mesmo com o conjunto de produções de sua turma. Planejamento de revisões coletivas Você encontrará, a seguir, três opções de planejamento, cada uma delas propondo a revisão coletiva de um destes aspectos discursivos: coerência, coesão e uso da linguagem escrita. Sugerimos que, neste momento, você leia apenas o planejamento correspondente ao aspecto escolhido por você e seus colegas como mais problemático nas produções que foram analisadas durante o encontro (mais tarde, ao detectar o problema mais recorrente no conjunto das produções de seus alunos, também será necessário escolher uma dentre as possibilidades apresentadas). 15 Formação de Professores 3.Antes de iniciar a leitura do planejamento sugerido, leia o que especialistas em didática da língua dizem sobre a prática da revisão coletiva em sala de aula: A revisão coletiva como comportamento de escritor Delia Lerner refere-se à revisão coletiva como conteúdo próprio do comportamento escritor, uma vez que pressupõe que se aprende a escrever melhor discutindo a escrita com outros leitores: “Evitar ambiguidades ou mal-entendidos – uma atividade envolvida no processo de textualização/revisão – implica ao mesmo tempo uma luta solitária com o texto e um constante desdobramento do escritor, que tenta imaginar o que sabe ou pensa o leitor potencial. As exigências desse desdobramento levam o escritor a pôr em ação outras atividades nas quais se introduz mais claramente a dimensão interpessoal: discutir com os outros qual é o efeito que se aspira produzir nos destinatários por meio do texto e quais são os recursos para consegui-lo; submeter à consideração de alguns leitores o que se escreveu ou se está escrevendo (...)”. Trecho do livro Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário (Artmed, 2002). A revisão coletiva como prática na sala de aula “A revisão dos colegas ganha valor quando o professor propõe revisar conjuntamente o texto, orientando a leitura e sugerindo opções. O texto eleito para ser revisado coletivamente deve representar os obstáculos que a maioria encontra. Uma vez descobertos no texto do companheiro os aspectos que devem ser revistos, o professor pode sugerir que cada um revise sua própria produção.” Entrevista com Mirta Torres publicada na revista Nova Escola. Disponível em http://revistaescola.abril.com.br/ lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/entrevista-mirta-torres-especialista-didatica-leitura-escrita-562077. shtml?page=all. Acesso em: 21.jun.2013. Planejamento 1 – revisão coletiva com foco na coerência textual a. Inicie a aula retomando com os alunos o contexto da produção da reescrita: estão preparando uma fábula para presentear alunos de outra série e, por isso, devem cuidar para que as histórias sejam compreensíveis e os textos bem escritos, de modo a encantar os pequenos leitores. Explicite, em seguida, os objetivos da atividade a ser realizada: analisar coletivamente trechos de um texto que apresenta problemas no modo como foi escrito e pensar, juntos, como torná-lo compreensível para o leitor. b. Releia a fábula original, a partir da qual todos fizeram a reescrita, para que os alunos se lembrem da história. Como o foco desta proposta de revisão coletiva é a coerência textual, é importante que todos tenham clareza da sequência dos acontecimentos, bem como da relação de continuidade que há entre eles. c. Se possível, projete o texto selecionado para revisão coletiva (1º texto – problemas de coerência) ou escreva-o no quadro, de modo que todos os alunos possam acompanhar a leitura e as alterações 16 Práticas de escrita e comportamentos de escritor que serão feitas ao longo da atividade. Explique que ele apresenta um problema semelhante aos que você encontrou na maioria dos textos produzidos por eles e que, juntos, poderão identificar melhor o que precisa ser aperfeiçoado. Combine como funcionará: você fará uma primeira leitura em voz alta do texto e todos deverão acompanhar com atenção, buscando identificar, no modo como foi escrito, o que poderia provocar dúvidas no leitor que não conhece a história. Em seguida, todos poderão dar sugestões de como tornar o texto melhor. d. Leia em voz alta o primeiro texto sugerido acima (problemas de coerência). Em seguida, informe aos alunos que algo não foi bem explicado no texto. Proponha que levantem aquilo que julgam problemático nesse texto. Espera-se que identifiquem a falta de coerência pela omissão de informações. Não é preciso que você faça uma explicação do problema. A revisão coletiva pretende possibilitar que os alunos percebam questões textuais discutindo-as. e. Ao dar início à conversa, peça para quem deseja falar levantar a mão e apontar exatamente em que parte do texto identifica um problema. É importante ter claro que não se espera que um único aluno ofereça rapidamente a resposta ao grupo. Pelo contrário, o importante é ouvir o que os alunos foram capazes de perceber e favorecer que o conhecimento de um complemente o conhecimento do outro. Você pode fomentar isso, relacionando as falas dos alunos ou pedindo que expliquem melhor o incômodo que sentiram apontando o problema no texto, até que boa parte da turma tenha se manifestado. Se alguns alunos indicarem partes que não possuem problemas de coerência, explique isso a eles, assumindo a postura de leitor mais experiente. Mesmo assim, é importante compartilhar tais dúvidas com os demais. f. Depois de identificar as partes do texto que apresentam problemas de coerência, inicia-se a discussão de como torná-lo mais compreensível, ou seja, após diagnosticar o problema, passa-se a buscar formas para resolvê-lo conjuntamente. Cabe, então, propor aos alunos outra pergunta: Já percebemos que faltam trechos na fala do jovem rato para explicar melhor sua ideia e torná-la clara para o leitor. O que faltou dizer? Onde devemos colocar as informações que faltaram? Como podemos dizer isso? Para decidir o que falta inserir no texto e onde colocar tais informações, será necessário reler o trecho com problemas e ouvir as soluções encontradas pelos alunos. É importante que mais de uma opção do que incluir seja discutida e que o grupo eleja a melhor, sempre mediante justificativas apoiadas no texto. Nesse momento, espera-se que, depois de dar voz aos alunos, o professor também opine acerca da melhor solução para aperfeiçoar o texto. g. Inicia-se uma conversa acerca de como incluir as informações que faltaram sem precisar apagar e reescrever todo o texto. Vale ouvir as opiniões dos alunos, mas não há problema em informar sobre o uso de marcas comumente usadas nesses casos: inclusão de asteriscos, chaves ou notas de rodapé para fazer acréscimos ao texto e uso de traços para riscar o que se deseja excluir, por exemplo. Mostre esses procedimentos, utilizando-os no texto. Comente que os alunos poderão fazer uso deles em outras revisões que realizarão em seus textos. Veja abaixo um exemplo de como pode ficar o texto revisado coletivamente. Há muito tempo, os ratos se reuniram para pensar num jeito de se defender do gato que vivia os atacando. *Cada um deles tinha uma ideia e a discussão estava bem animada. Um jovem rato levantou a mão e disse: 17 Formação de Professores — E se pendurarmos uma fita** no pescoço do gato?*** Todos concordaram com a sugestão quando um rato mais velho observou: — A ideia parece boa. Falta decidir quem vai colocar a fita no pescoço do bicho. Nesse momento, os ratos perceberam que não resolveriam o problema tão facilmente e foram embora disfarçando. * Ele sempre conseguia pegá-los porque se aproximava sem fazer ruído. ** com um sino ***Assim, podemos ouvir um sinal e fugir a tempo. h. Finalizadas as modificações, releia o texto em voz alta e pergunte se a nova versão está mais compreensível e por qual razão. Lembre-se de que o objetivo da atividade não é melhorar este texto em particular, mas propiciar que os alunos aprendam conteúdos relacionados aos comportamentos de escritor. Ao realizar revisões coletivas, eles aprendem a revisar: reler um texto para melhorá-lo, identificando trechos confusos ou informações que faltam, tornando-o mais completo (como ocorreu nesta atividade de revisão), mais claro ou mais bem escrito, pelo uso de conhecimentos linguísticos construídos na discussão entre os colegas. Os comportamentos de escritor vivenciados em situações coletivas como essa serão progressivamente colocados em prática com maior autonomia quando os alunos trabalharem em seus próprios textos. i. Após reler o texto junto com os alunos e avaliar que as mudanças permitem que os potenciais leitores compreendam melhor a história, proponha que elaborem uma lista dos aspectos relacionados à coerência. Esse levantamento dará origem a uma pauta de revisão para problemas de coerência que será utilizada para nortear a retomada de suas próprias produções. Espera-se que essa lista inclua as seguintes questões relacionadas à coerência textual: Faltam informações importantes para entender a história? Quais? n Em que parte do texto as partes que faltam serão inseridas? n Há informações que se repetem e podem ser excluídas? Quais? n Há trechos confusos que precisam ser reescritos para garantir a compreensão do leitor? Quais? Como reescrevê-los para que se tornem mais claros? n Planejamento 2 – revisão coletiva com foco na coesão textual a. Inicie a aula retomando com os alunos o contexto da produção da reescrita: estão preparando uma fábula para presentear alunos de outra série e, por isso, devem cuidar para que as histórias sejam compreensíveis e os textos bem escritos, de modo a encantar os pequenos leitores. Explicite, em seguida, os objetivos da atividade a ser realizada: analisar coletivamente um texto que apresenta problemas no modo como foi escrito e pensar, juntos, o que fazer para melhorá-lo. 18 Práticas de escrita e comportamentos de escritor b. Releia a fábula original, a partir da qual todos fizeram a reescrita, para que os alunos se lembrem da história e tenham como referência um texto coeso, já que este será o foco da revisão coletiva. c. Se possível, projete o texto selecionado para revisão coletiva (2º texto – problemas de coesão) ou escreva-o no quadro, de modo que todos os alunos possam acompanhar a leitura e as alterações que serão feitas ao longo da atividade. Explique que ele apresenta um problema semelhante aos que você encontrou na maioria dos textos produzidos por eles e que, juntos, poderão identificar melhor o que precisa ser aperfeiçoado. Combine como funcionará: você fará uma primeira leitura do texto em voz alta e todos deverão acompanhar com atenção, buscando identificar, no modo como foi escrito, o que poderia prejudicar a leitura e a compreensão da história. Em seguida, todos poderão dar sugestões de como tornar o texto melhor. d. Leia em voz alta o 2º texto sugerido anteriormente (problemas de coesão). Em seguida, informe aos alunos que algo na forma como o texto foi escrito o diferencia dos textos literários encontrados nos livros, como a fábula original na qual se basearam para reescrever. Proponha que levantem aquilo que julgam problemático nesse texto. Espera-se que identifiquem que a repetição excessiva dos nomes das personagens torna o texto cansativo – “repete demais” – como muitas vezes dizem os próprios alunos. Não é preciso que você faça uma explicação do problema. A revisão coletiva pretende possibilitar que os alunos percebam questões textuais, discutindo-as. Caso tenham dificuldades em fazer isso, leia trecho por trecho e, se necessário, enfatize as palavras que se repetem no trecho. e. Depois de identificar as partes do texto que apresentam problemas de repetição excessiva, inicia-se a discussão sobre como torná-lo mais coeso, ou seja, após diagnosticar o problema, passa-se a buscar formas para resolvê-lo conjuntamente. Uma maneira de oferecer aos alunos recursos para aperfeiçoar a escrita dos textos é trazendo-lhes bons modelos. Explique aos alunos que você fará a releitura de um trecho da fábula original para que observem como o autor evitou repetições em seu texto. Você pode reler o seguinte trecho: A assembleia dos ratos Há muito tempo, os ratos reuniram-se em conselho para discutir as medidas que poderiam ser tomadas para defendê-los de seu inimigo comum, o gato. Alguns diziam isto, outros, aquilo. Por fim, um jovem rato pediu a palavra dizendo ter uma proposta que, em sua opinião, resolveria o problema. “Todos vocês concordarão”, disse ele, “que nosso principal problema consiste na forma manhosa e traiçoeira como nosso inimigo se aproxima de nós. (...)” Neste trecho inicial é possível identificar substituições usadas para não se repetir os nomes das personagens: Ratos: defendê-los / alguns / outros / todos vocês Gato: nosso inimigo Mostre-as aos alunos, deixando claro que são possibilidades, dentre muitas outras, e diga que o autor utilizou-as justamente para evitar repetir sempre o nome da personagem. 19 Formação de Professores f. A seguir, caberá, então, propor aos alunos a seguinte pergunta: Já percebemos que, no texto, há repetições dos nomes das personagens (ratos, rato, velho rato e gato). Como podemos resolver esse problema? Vamos reler os trechos em que essas palavras se repetem e ver o que podemos fazer? Inicia-se uma conversa acerca de como incluir as substituições ou fazer as exclusões dos termos que se repetem, sem precisar apagar e reescrever todo o texto. Para isso, será preciso reler o texto, verificando a proximidade do uso de tais termos e a melhor opção em cada caso. É importante que as opções sejam discutidas e que o grupo eleja a melhor, sempre mediante justificativas apoiadas no texto. Vale ouvir as opiniões dos alunos, mas não há problema em dar a sua opinião. Também é necessário informar acerca de procedimentos comumente usados nesses casos: inclusão de chaves para fazer acréscimos ao texto e uso de traços para riscar o que se deseja excluir, por exemplo. Mostre esses procedimentos, utilizando-os no texto. Comente que os alunos poderão fazer uso deles em outras revisões que realizarão em seus textos. Veja abaixo um exemplo de como pode ficar o texto revisado coletivamente. A assembleia dos ratos Um grupo de ratos se reuniu para discutir o que fariam com o seu inimigo mortal, o gato. Um dos ratos se levantou falando ter uma ideia e o rato disse: “Precisamos de algo que sinalize quando o gato está vindo! Podemos colocar um sino no pescoço dele do gato, escutamos o barulho no pescoço dele e fugimos”. Todos os ratos aplaudiram a ideia do jovem rato. Um velho rato, só observando o que discutiam sobre o inimigo gato, disse aos outros ratos: “Sim, é uma ótima ideia, mas afinal, quem colocará o sino no gato bichano?”. Todos se entreolharam e o velho mais sábio de todos rato disse: “É fácil falar, quero ver quem vai fazer!”. g. Finalizadas as modificações, releia o texto em voz alta e pergunte se a nova versão está mais compreensível e por qual razão. Lembre-se de que o objetivo da atividade não é melhorar este texto em particular, mas propiciar que os alunos aprendam conteúdos relacionados aos comportamentos de escritor. Ao realizar revisões coletivas, eles aprendem a revisar: reler um texto para melhorá-lo, identificando trechos confusos ou informações que faltam, tornando-o mais completo (como ocorreu nesta atividade de revisão), mais claro ou mais bem escrito pelo uso de conhecimentos linguísticos construídos na discussão entre os colegas. Os comportamentos de escritor vivenciados em situações coletivas como essa serão progressivamente colocados em prática com maior autonomia quando os alunos trabalharem em seus próprios textos. h. Após reler o texto junto com os alunos e avaliar que as mudanças permitem que os potenciais leitores tenham contato com um texto mais bem escrito, pelo uso dos recursos coesivos (as substituições ou omissões realizadas para evitar a repetição excessiva do nome das personagens), proponha que elaborem uma lista de aspectos relacionados à coesão. Esse levantamento dará origem a uma pauta de revisão para problemas desse tipo, que será utilizada para nortear a retomada de suas próprias produções. Espera-se que essa lista inclua as seguintes questões de coesão textual: 20 Práticas de escrita e comportamentos de escritor Os nomes das personagens se repetem muitas vezes ao longo do texto? Em quais trechos? n É possível substituí-los por outras palavras? Quais? n É possível excluir os nomes das personagens que se repetem em algumas frases? Quais? n Além dos nomes das personagens, há outras palavras ou expressões que se repetem muito ao longo do texto? Quais? n É possível substituí-las por outras palavras? Quais? n É necessário excluir alguma palavra que se repete? Qual? n Planejamento 3 – revisão coletiva com foco no uso da linguagem escrita a. Inicie a aula retomando com os alunos o contexto da produção da reescrita: estão preparando uma fábula para presentear alunos de outra série e, por isso, devem cuidar para que as histórias sejam compreensíveis e os textos bem escritos, de modo a encantar os pequenos leitores. Explicite, em seguida, os objetivos da atividade a ser realizada: analisar coletivamente trechos de um texto que apresenta problemas no modo como foi escrito e pensar, juntos, como torná-lo mais compreensível e com uma linguagem que prenda a atenção dos leitores. b. Releia a fábula original, a partir da qual todos fizeram a reescrita, para que os alunos se lembrem da história e tenham como referência um texto bem escrito, já que esse será o foco da revisão coletiva. c. Se possível, projete o texto selecionado para revisão coletiva (3º texto 3 – problemas no uso da linguagem escrita) ou escreva-o no quadro, de modo que todos os alunos possam acompanhar a leitura e as alterações que serão feitas ao longo da atividade. Explique que ele apresenta um problema semelhante aos que você encontrou na maioria dos textos produzidos por eles e que, juntos, poderão identificar melhor o que precisa ser aperfeiçoado. Combine como funcionará: você fará uma primeira leitura em voz alta do texto e todos deverão acompanhar com atenção, buscando identificar, no modo como foi escrito, se o texto está completo (contém todas as informações necessárias) e se está contado de um jeito parecido com aqueles que os escritores costumam usar ao produzir uma fábula. Em seguida, todos poderão dar sugestões para tornar o texto melhor. d. Leia em voz alta o 3º texto sugerido anteriormente (problemas no uso da linguagem escrita). Em seguida, informe aos alunos que a linguagem utilizada no texto o diferencia do modo como as fábulas são escritas porque contém muitas expressões mais comumente usadas quando falamos e não quando escrevemos. Proponha que levantem aquilo que julgam problemático nesse texto. Espera-se que identifiquem a presença excessiva de marcas de oralidade. Não é preciso que você faça uma explicação do problema. A revisão coletiva pretende possibilitar que os alunos percebam questões textuais discutindo-as. e. Ao dar início à conversa, peça para quem deseja falar levantar a mão e apontar exatamente em que parte do texto identifica um problema. É importante ter claro que não se espera que um único aluno ofereça rapidamente a resposta ao grupo. Pelo contrário, o importante é ouvir o que foram capazes de perceber e favorecer que o conhecimento de um complemente o conhecimento do outro. Você pode fomentar isso, relacionando as falas dos alunos ou pedindo que expliquem melhor o incômodo que sentiram apontando o problema no texto, até que boa parte da turma tenha se manifestado. Pode ser 21 Formação de Professores que os alunos não consigam identificar os trechos que apresentam excesso de marcas de oralidade, justamente porque ainda não são capazes de diferenciar a linguagem tipicamente oral da escrita. Neste caso, o professor deve indicar objetivamente esses trechos à turma, fazendo colocações como: “Vocês não acham que o modo como está escrita essa parte está mais parecido com uma conversa? É assim que os escritores costumam se expressar nas fábulas? Eles costumam usar essas palavras?”. f. Depois de identificar as partes do texto que apresentam marcas de oralidade, inicia-se a discussão sobre como tornar a linguagem mais adequada, ou seja, após diagnosticar o problema, passa-se a buscar formas para resolvê-lo conjuntamente. Neste momento, o professor pode ler um texto que sirva como bom modelo para os alunos, chamando a atenção para o uso de conectivos próprios da linguagem escrita. Sugerimos o seguinte texto (observe os marcadores temporais e conectivos, em destaque vermelho, e o uso de um vocabulário mais rebuscado, em destaque verde): O leão e o ratinho Certo dia, estava um leão a dormir a sesta quando um ratinho começou a correr por cima dele. O leão acordou, colocou-lhe a pata em cima, abriu sua enorme boca e preparou-se para o engolir. —Perdoa-me! — gritou o ratinho — Perdoa-me desta vez e eu nunca o esquecerei. Quem sabe se um dia não precisarás de mim? O rei dos animais ficou tão surpreso com esta ideia que levantou a pata e o deixou partir. Dias depois, o leão caiu numa armadilha feita pelos caçadores. Foi quando apareceu o ratinho. Vendo a triste situação em que o leão se encontrava, roeu as cordas que o prendiam e o libertou. E foi assim que um ratinho pequenino salvou o rei dos animais. Moral: Não devemos subestimar os outros. Disponível em http://pensador.uol.com.br/o_leao_e_o_rato/. Acesso em: 23.jun.2013. (Adaptado) Mostre aos alunos os marcadores temporais, os conectivos usados para unir diferentes partes do texto e o vocabulário mais amplo e rico, enfatizando que se trata de características comuns dos textos escritos, diferente do que ocorre com o texto analisado, onde abundam as marcas de oralidade. g. Em seguida, caberá, então, propor aos alunos a seguinte pergunta: Já percebemos que há repetição de palavras como “aí”, “daí”, “tá” e “comer eles”, muito usadas quando falamos, mas que não são comuns em narrativas literárias. Como podemos resolver esses problemas? Vamos reler os trechos em que essas expressões aparecem e ver o que podemos fazer? Inicia-se uma conversa acerca de como incluir as substituições ou fazer as exclusões dos termos que se repetem, sem precisar apagar e reescrever todo o texto. Para isso, será preciso reler o texto, verificando a proximidade do uso de tais termos e a melhor opção em cada caso. É importante que as opções sejam discutidas e que o grupo eleja a melhor, sempre mediante justificativas apoiadas no texto. Vale ouvir as opiniões dos alunos, mas não há problema em dar boas sugestões. Também é necessário informar acerca de procedimentos comumente usados nesses casos: inclusão de chaves para fazer 22 Práticas de escrita e comportamentos de escritor acréscimos ao texto e uso de traços para riscar o que se deseja excluir, por exemplo. Mostre esses procedimentos, utilizando-os no texto. Comente que os alunos poderão fazer uso deles em outras revisões que realizarão em seus textos. Veja abaixo um exemplo de como pode ficar o texto revisado coletivamente. Faz tempo, os ratos se juntaram para pensar num jeito de não deixar o gato comer eles comê-los. Esse gato era muito enganador traiçoeiro, vinha devagar sem ninguém perceber aí e, então, comia. Aí Os ratos fizeram uma reunião e todos falaram. Cada um falava uma coisa daí quando um jovem rato disse falou assim: —Por que a gente não pendura um sino no pescoço do gato para a gente saber quando ele tá estiver chegando perto? Aí Todos os ratos acharam a ideia boa, aí e um sábio rato velho falou: —Vocês acharam uma boa ideia, mas quem vai querer pendurar o sino no pescoço do gato? Eu que não. Aí Foi quando todos viram que não ia ser tão fácil, aí e foram embora se sentindo bem sem-graça. h. Finalizadas as modificações, releia o texto em voz alta e pergunte se a nova versão está mais compreensível e por qual razão. Lembre-se de que o objetivo da atividade não é melhorar este texto em particular, mas propiciar que os alunos aprendam conteúdos relacionados aos comportamentos de escritor. Ao realizar revisões coletivas, eles aprendem a revisar: reler um texto para melhorá-lo, identificando trechos confusos ou informações que faltam, tornando-o mais completo (como ocorreu nesta atividade de revisão), mais claro ou mais bem escrito, pelo uso de conhecimentos linguísticos construídos na discussão entre os colegas. Os comportamentos de escritor vivenciados em situações coletivas como essa serão progressivamente colocados em prática com maior autonomia quando os alunos trabalharem em seus próprios textos. i. Após reler o texto junto com os alunos e avaliar que as mudanças resultaram num texto cuja linguagem é mais adequada à situação (a omissão das marcas de oralidade e sua substituição por expressões mais adequadas a uma situação de escrita mais formal) proponha que elaborem uma lista de aspectos relacionados ao uso da linguagem escrita. Esse levantamento dará origem a uma pauta de revisão para problemas desse tipo que será utilizada para nortear a retomada de suas próprias produções. Espera-se que essa lista inclua as seguintes questões relacionadas ao uso da linguagem escrita: Há palavras ou expressões muito informais, escritas de um jeito mais parecido com o que falamos do que como escrevemos, com uma linguagem muito diferente da que foi usada na fábula original? Quais? n É possível substituí-las? Como? n Há trechos em que faltam palavras ou expressões que possam embelezar o texto, tornando-o mais agradável para o leitor? Quais? Como poderiam ser reescritos? n 23 Formação de Professores Revisão em duplas de alunos Apresentamos até agora alguns aspectos textuais que, por não estarem bem resolvidos, podem comprometer a construção de sentido no momento da leitura. Propusemos que você lesse e discutisse o planejamento de uma revisão coletiva, focando uma dessas questões discursivas. No entanto, a atividade coletiva visa a dar condições para que os alunos retomem o texto que produziram e possam aprimorá-lo com maior autonomia. A importância de definir um foco para a revisão relaciona-se ao fato de lidarmos com escritores em processo de aprendizagem. Ao definir uma questão para a revisão, oferecem-se condições para que os alunos não apenas aprimorem seus textos, mas consigam observar melhor determinada questão discursiva e aprendam sobre ela. O que aconteceria se apontássemos todas as questões ao mesmo tempo? Talvez os alunos finalizassem sua revisão com textos “impecáveis”, porém não aprenderiam sobre a linguagem escrita, porque o número de questões abordadas excederia sua capacidade de compreensão. Daí decorre que, como lidamos com alunos que estão aprendendo a escrever, espera-se que, no processo de revisão de determinado texto, observem um ou outro aspecto (assinalado por você) e que o texto final fique melhor que a primeira versão. Considera-se, porém, esperado que subsistam, no texto revisado, outros problemas, que serão trabalhados em outro momento, ao revisar uma produção diferente. 4. Nossa proposta agora é que você discuta com seus colegas o planejamento da aula seguinte à revisão coletiva: uma atividade de revisão em duplas. Para favorecer esse trabalho por parte dos alunos, é necessário oferecer suportes para direcionar o que devem olhar em seu texto, sempre diante da indicação de priorizar o aspecto mais relevante para imprimir clareza ao texto final. Esse apoio pode ser um bilhete do professor com comentários, perguntas e sugestões ou uma pauta de revisão elaborada conjuntamente com os alunos. Dessa forma, os alunos têm a possibilidade de ir incorporando procedimentos elementares para um escritor: ler, reler, verificar problemas e pensar em possíveis soluções para resolvê-los. Reúna-se com colegas que trabalham no mesmo ano e converse sobre cada uma das questões propostas para compor o planejamento da revisão em duplas. É importante registrar todos os passos do planejamento para que você possa retomá-los no momento de propor a atividade em sua classe e para poder socializar sua produção com os colegas do grupo. Planejamento da aula de revisão em dupla Qual será o tempo previsto para esta aula? n Qual(is) o(s) objetivo(s) didático(s) desta aula? n Qual(is) material(is) será(ão) necessário(s) providenciar para a realização da aula? n Como organizar os alunos para realizarem a proposta de revisão? n O que é preciso que o professor faça antes da aula O que precisa ser feito antes da aula para auxiliar os alunos a identificar problemas discursivos em seu texto? n Que estratégia usar para ajudar os alunos a observar aquilo que será colocado em foco durante a revisão? Além da pauta de revisão elaborada junto com os alunos, haverá outras formas de apoio, n 24 Práticas de escrita e comportamentos de escritor como escrever bilhetes com sugestões ou perguntas para reflexão, ou destacar os trechos que precisam ser reelaborados? Releia a orientação para elaborar uma pauta de revisão no item “Planejamento de revisões coletivas”, neste caderno. Serão fornecidos aos alunos bons exemplos de resolução para os problemas encontrados nos textos dos alunos, como fábulas previamente selecionadas pelo professor por conterem trechos que ajudam a pensar possíveis soluções para aperfeiçoar as produções (substituições pronominais, uso de conectivos que garantem a coesão, presença de palavras e expressões que embelezam o texto)? n Caso a escolha seja somente o uso da pauta de revisão, como hierarquizar os aspectos que serão abordados? Releia a orientação sobre isso no item “Análise de fábulas e identificação de problemas discursivos”, neste caderno. n Etapas da aula para a realização da atividade Quais são as etapas para encaminhar esta aula de revisão em duplas? n Como explicar aos alunos a proposta da aula de revisão? n Como ativar o que os alunos já sabem sobre revisão? n Que material os alunos poderão consultar, caso necessitem? n O que você fará enquanto os alunos estiverem realizando a atividade? n Que dificuldades você supõe que os alunos encontrarão durante o processo? Como intervir para resolvê-las? n Como avaliar a aprendizagem dos alunos ao final desta aula? n O que fazer se... ... alguns alunos terminarem a atividade de revisão antes dos outros? Oriente-os a oferecer ajuda aos colegas que estão no processo de revisão. A escolha dos colegas pode ser indicada por você. ... alguns alunos só conseguirem revisar as questões ortográficas? Você pode indicar trechos em que há questões discursivas e propor que reflitam sobre o ajuste necessário ou, ainda, retomar um momento da revisão coletiva em que o mesmo aspecto tenha surgido. Outra possibilidade é pedir ajuda a um colega que domine as questões enfocadas na revisão. ... a dupla não interagir enquanto realiza a revisão? Instigar o aluno mais passivo a participar, fazendo perguntas direcionadas a ele sobre os trechos do texto revisado que necessitam de uma nova elaboração. Ou ainda determinar funções diferentes para cada um deles, como propor que um aluno leia oralmente o texto enquanto o outro anota os trechos que podem ser melhorados. 25 Formação de Professores Sobre a aprendizagem dos alunos 5. Terminada a atividade de revisão do texto em duplas, é hora de refletir sobre as aprendizagens dos alunos. Não se trata de avaliar seu desempenho, mas analisar, a partir das condições que foram oferecidas, aquilo que foi possível avançar no domínio da revisão como comportamento de escritor. Avaliação da atividade de revisão de uma fábula produzida em duplas Indicadores de habilidades para a escrita Sim Não Parcialmente 1- Os alunos conseguiram aprimorar os textos que haviam produzido, considerando questões indicadas pelo professor? 2 - Os alunos aproveitaram recursos que foram discutidos anteriormente, na atividade de revisão coletiva, para analisar suas produções e realizar mudanças? 3 - Os alunos se apoiaram nas pautas de revisão que foram elaboradas após a atividade de revisão coletiva para revisar seus próprios textos? 4 - Os alunos se dedicaram a reler o texto, identificar problemas e buscar soluções, considerando a revisão um importante momento de sua produção? Sobre sua aprendizagem No início de nosso encontro, você refletiu sobre a questão “O que é preciso ensinar para que os alunos aprendam a escrever bem?” 6. Para finalizar nossos estudos, reúna-se em quartetos: Reformule as colocações iniciais a partir do que estudamos. n Socialize com os outros grupos as estratégias pensadas para garantir qualidade dos textos escritos dos alunos. n 26 Práticas de escrita e comportamentos de escritor Avaliação do encontro Duração: 10min Este é um momento para você avaliar como foi este Encontro Presencial. Você terá acesso a uma avaliação avulsa. Preencha com bastante atenção e empenho, pois o objetivo é melhorar cada vez mais este programa de formação para você. Preparação para o próximo encontro Em nosso próximo encontro, abordaremos a Prova Brasil como instrumento de avaliação nacional. Nessa ocasião, discutiremos também a organização das diferentes modalidades de leitura para favorecer o desenvolvimento de habilidades leitoras dos alunos. Para esse momento, traga o livro didático que você usa com seus alunos. Aplicação Prática Duração: 4h Durante o Encontro Presencial, discutimos a distinção entre aspectos discursivos e notacionais. Além disso, apresentamos os comportamentos de escritor utilizados por escritores experientes. Com foco no comportamento de revisar, discutimos algumas das condições didáticas que favorecem sua aprendizagem pelos alunos. Você analisou textos de alunos para avaliar as principais questões discursivas que apresentavam, leu o planejamento de uma situação de revisão coletiva da fábula com foco num aspecto discursivo (coerência, coesão ou excesso de marcas de oralidade) e, em seguida, elaborou o planejamento de uma atividade de revisão em duplas. Agora chegou a hora de colocar tudo isso em prática com seus alunos. Para isso, fique atento(a) às seguintes orientações: Analise o conjunto de produções de seus alunos para identificar a principal questão discursiva que a turma apresenta. n Identificada a questão discursiva principal, realize a atividade de revisão coletiva correspondente a essa questão. Lembre-se de que o momento de revisão coletiva é fundamental para que os alunos possam debruçar-se, com mais autonomia, sobre seus próprios textos e revisá-los. n 27 Formação de Professores Após a revisão coletiva, providencie aquilo que precisa ser feito antes da aula em que ocorrerá a revisão em duplas: recupere, no planejamento que você elaborou com seus colegas, os recursos que vocês decidiram usar para apoiar os alunos, além das pautas de revisão discutidas após a revisão coletiva (bilhetes, marcas nos textos ou outros). n Releia todo seu planejamento para ter claros os passos necessários para a atividade. n Realize a atividade de revisão em duplas das fábulas, levando em conta o planejamento elaborado no Encontro Presencial. n Procure acompanhar o trabalho das duplas a fim de observar eventuais dúvidas dos alunos e intervir durante o processo de reescrita do texto. n Registrando a prática Depois que tiver realizado a atividade de revisão em duplas com seus alunos, registre-a, seguindo o modelo de registro proposto aqui. Recomenda-se que esse registro seja feito pouco tempo após a realização da aula, a fim de que você possa se recordar bem de alguns aspectos relevantes – como dúvidas que surgiram durante o processo e as intervenções que você realizou. Registro de atividade: produção escrita Município:Escola: Professor:Ano/Série: Quantidade de alunos presentes no dia: Tempo utilizado para realização da atividade: 1.Quais itens constavam do roteiro de revisão? Como contribuíram para aprimorar o texto dos alunos? Cite exemplos. 2.Avalie a contribuição da revisão coletiva para o momento da revisão em duplas. 3.Como as duplas de trabalho funcionaram com relação aos propósitos da atividade? 4.Registre algumas dúvidas manifestadas pelos alunos durante o processo de revisão dos textos. 5.Selecione duas dúvidas mencionadas no item 4 e registre sua intervenção em cada um dos casos. Releia e revise seu texto antes de enviá-lo ao formador. 28 Práticas de escrita e comportamentos de escritor grupo de estudos duração: 2h Momento 1 – Para começo de conversa Momento Literário Momento 2 – Fundamentação teórica 1. Como vimos neste caderno, a produção de bons textos está ao alcance de todos os alunos, se criarmos condições que contribuam para o desenvolvimento de competências escritoras, como a compreensão de que a revisão faz parte da escrita. Assim, neste encontro, propomos que você retome os textos dos seus alunos para refletir sobre estratégias de revisão da escrita, desta vez centradas nos aspectos notacionais. Uma das questões que julgamos ser fundamental para organizar esse ensino está relacionada ao entendimento do que seja regular e irregular em nossa ortografia. Assim, para iniciar nossas reflexões, sugerimos que leia, primeiramente, o texto a seguir. Ao lê-lo, procure responder a estas questões: O que é uma correspondência letra-som regular? n O que é uma correspondência letra-som irregular? n Que implicações o conhecimento sobre regularidade e irregularidade ortográfica traz para o ensino? n Ao final da leitura, socialize suas respostas. O que aprender de ortografia? Artur Gomes de Morais Muitas pessoas pensam que aprender ortografia é uma questão de memória. Julgam necessário decorar a grafia correta das palavras. Por isso, muitas vezes, acreditam que a cópia é um recurso adequado para aprender a escrever ortograficamente. De mãos dadas com essa crença está a tendência a tratar todos os erros de ortografia como coisas idênticas, de ver semelhanças em erros de natureza bem diferente. Isto fica evidente na estratégia tão comum de pedir ao aluno para copiar as palavras que errou, independentemente do tipo de erro cometido. Tomemos um exemplo. Pedro, aluno da 2ª série, escreveu uma história na qual apareciam grafias como “sidade” (cidade), “oje” (hoje), “cachoro” (cachorro) e “honrrado” (honrado). Todas essas palavras contêm erros, mas será que todos têm a mesma razão? 29 Formação de Professores No caso de “cidade” e “hoje” não há regras ou princípios que nos mostrem por que estas palavras são escritas assim. Mas no caso de “cachorro” e “honrado”, é possível compreender – e explicar – por que a grafia correta é com “rr” e com “r”. Estamos então diante de dois tipos de dificuldade ortográfica: uma irregular e outra regular. No primeiro caso, a grafia se justifica pela tradição de uso, ou pela origem (etimologia) da palavra. Não existe uma regra: o aprendiz precisará memorizar a forma correta em “cidade” e “hoje”. Já o segundo caso é de uma dificuldade regular: podemos prever a grafia correta sem nunca ter visto a palavra antes. Inferimos a forma correta porque existe um princípio gerador, uma regra que se aplica a várias (ou todas) palavras da língua em que aparece essa dificuldade – como no caso do emprego de “r” ou “rr” nas palavras “honra” e “cachorro”. Regularidades e irregularidades Já que os erros ortográficos têm diferentes causas, é inevitável pensar: a superação de erros diferentes não requereria estratégias diferentes? Isto é: para superar erros distintos, o aluno não precisaria ser ajudado a usar diferentes modos de raciocinar em relação às palavras? O que ele precisa memorizar? E o que ele pode compreender? Na ortografia de nossa língua existem diferentes critérios por trás das relações entre os sons e as letras, distintos casos de regularidade e de irregularidade. 1. Um primeiro grupo de relações bem regulares entre letra e som inclui a grafia de “p”, “b”, “t”, “d”, “f” e “v” em palavras como “pato”, “bode” e “fivela”; as crianças não costumam ter muita dificuldade para usá-las. Nestes casos, se olharmos bem, não existe outra letra competindo (com o “p”, com o “b” ou com as demais). Mas atenção, professor: mesmo esses casos de regularidade direta podem envolver dificuldades para alunos cuja pronúncia não é igual à de pessoas letradas. Um aluno que, por exemplo, pronuncia “barrer” (em vez de “varrer”) pode apresentar um erro que não observamos em outras crianças. 2. Um segundo tipo de relações também regulares entre letra e som depende do contexto, dentro da palavra, em que a letra (ou o dígrafo) vai ser usada. A disputa entre o “r” e o “rr” é um bom exemplo disso. Em função do contexto, sempre é possível gerar grafias corretas, sem precisar memorizar. Para o som de “r” forte, usamos “r” tanto no início da palavra (por exemplo, “risada”), como no começo de sílabas precedidas de consoante (por exemplo, “genro”) ou no final de sílabas (“porta”). Quando o mesmo som de “r” forte aparece entre vogais, sabemos que temos de usar “rr” (como em “carro” e “serrote”). E quando queremos registrar o outro som do “r”, que alguns chamam “brando” (e que certas crianças chamam “tremido”), usamos um só “r” em palavras como “careca” e “braço”. 30 Práticas de escrita e comportamentos de escritor Outras regularidades contextuais G ou GU, C ou QU em palavras como “garoto”, “guerra”, “capeta” e “quilo”. n J formando sílabas com A, O e U em palavras como “jabuti”, “jogada” e “cajuína”. n Z em palavras que começam com o som de Z (por exemplo, “zabumba, “zinco” etc.). n S no início da palavra, formando sílabas com A, O e U, como em “sapinho”, “sorte” e “sucesso”. n O ou U, E ou I em palavras que terminam com som de I, ou de U (por exemplo, “bambo”, “bambu”, “perde”, “perdi”). n M ou N, NH ou til, para grafar as formas nasais em nossa língua (em palavras como “campo”, “canto”, “minha”, “pão”, “maçã”, “limões” etc.). n É comum – e lamentável – que muitos alunos cheguem a séries avançadas com dificuldade na grafia de casos de regularidade contextual. Dizemos lamentável porque, nesses casos, se a regra subjacente fosse compreendida, seria fácil aplicá-la, permitindo a grafia correta de novas palavras. 3. Há um terceiro grupo de relações letra-som, em que a compreensão da regra nos permite escrever com segurança. Sabemos, por exemplo, que em “portuguesa” e “inglesa” devemos usar “s”, enquanto “beleza” e “pobreza” são escritas com “z”. Sabemos também que “cantasse”, “comesse” e “dormisse” sempre têm “ss”. Por quê? Mesmo que não saibamos explicar as razões, temos um conhecimento intuitivo do motivo dessas grafias. Aspectos ligados à categoria gramatical da palavra estabelecem a regra: por exemplo, adjetivos que indicam o lugar em que a pessoa nasceu são escritos com “esa”, enquanto em substantivos derivados se emprega “eza”. Na maioria dos casos essas regras envolvem sufixos, partes finais da palavra, que indicam a sua família gramatical. Esses sufixos aparecem tanto na formação de palavras derivadas quanto na flexão dos verbos. Mais regularidades Eis aqui outros exemplos de regularidades ligadas à categoria gramatical: “português”, “francês” e demais adjetivos que indicam o lugar de origem são escritos com ÊS no final; n “milharal”, “canavial”, “cafezal” e outros coletivos parecidos terminam com L; n “cantou”, “bebeu”, “partiu” e todas as outras formas de 3ª pessoa do singular do passado (perfeito do indicativo) têm U final; “cantarão”, “beberão”, “partirão” e todas as outras formas de 3ª pessoa do plural no futuro são escritas com ÃO; por outro lado, todas as outras formas de 3ª pessoa do plural de todos os tempos verbais são grafadas com M no final: “cantam”, “cantavam”, “bebam”, “beberam”; n 31 Formação de Professores todos os infinitivos terminam com R (“cantar”, “beber”, “partir”), embora esse R final não seja pronunciado em muitas regiões de nosso país. n Em todos os casos que envolvem regularidades, é fundamental ajudar os alunos a compreender as regras subjacentes. Compreender não é decorar. A prática do dia a dia já demonstrou que quando o aluno decora certas regras (como “antes de “p” e “b” se escreve “m”, e não “n”) sem tê-las compreendido, não consegue se beneficiar delas. A compreensão das dificuldades regulares dá segurança ao aprendiz: internalizando as regras, ele terá segurança para escrever corretamente palavras que nunca teve a oportunidade de ler. Existem irregularidades de ortografia que se concentram na escrita de determinados sons: “som de S” (“seguro”, “cidade”, “auxílio”, “cassino”, “piscina” etc.); n “som de G” (“girafa”, “jiló”); n “som de Z” (“zebu”, “casa” e “exame”); n disputa entre X e CH (“enxada”, “enchente”); n outras letras, como o H inicial. n Nesses casos, não há de fato regras para ajudar o aprendiz. Em caso de dúvida, é preciso consultar o dicionário e memorizar. Cabe ao professor ajudar os alunos a investir na memorização das palavras realmente importantes, aquelas que eles usam com frequência. Por exemplo, para um aluno de 3ª série, é primordial aprender a escrever “hora” e “homem”, porque são palavras comuns, mas o mesmo não acontece com palavras pouco usadas, como “holofote” e “harpa”. BRASIL. Ministério da Educação. Programa de Formação de professores Alfabetizadores. Brasília: SEED/MEC, 2001. Para saber mais Artur Gomes de Morais é professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde trabalha no Centro de Educação e no Centro de Estudos em Educação e Linguagem. Trabalha com formação de professores, tem vários livros publicados sobre o domínio do código linguístico e se dedica a temas como didática da língua portuguesa, alfabetização, formação de professor e psicologia da educação. 32 Práticas de escrita e comportamentos de escritor Momento 3 – A prática em questão Após a leitura do texto acima, nossa proposta é pensar uma sequência didática para lidar com as questões ortográficas dos alunos, considerando aquilo que se pode observar na reescrita da fábula A assembleia dos ratos. Para definir uma sequência, será necessário diagnosticar os aspectos da norma ortográfica que os alunos não dominam ainda, mas precisam aprender. Siga as etapas para realizar esse diagnóstico. Análise dos erros apresentados pelos alunos 1ª etapa: tabulação dos erros dos alunos É preciso que cada professor preencha a tabela abaixo com os dados de sua turma. Nesse momento, você fará apenas uma simulação: reúna-se com quatro colegas que trabalham no mesmo ano escolar, considerem as reescritas trazidas por vocês para o encontro e registrem a quantidade de vezes que os alunos erraram cada um dos itens nas colunas da tabela, abrangendo as regularidades e as irregularidades. 33 Alunos (nesta coluna inclua o nome dos alunos) 34 J formando sílaba com A, OeU O ou U, no final de palavras com som de “U” E ou I, no final de palavras com som de “I” (é o contexto, dentro da palavra, que irá definir qual letra ou dígrafo deverá ser usada) Contextuais M e N no final de sílaba Re RR AM ou ÃO no final de verbos ESA ou EZA U no final dos verbos no pretérito, na terceira pessoa do singular Regras morfológico-gramaticais REGULARIDADES para cada questão, inclua o número de erros cometidos pelo aluno Som do “S” Som do “G” Som do “Z” irREGULARIDADES Som do “X” Formação de Professores Práticas de escrita e comportamentos de escritor 2ª etapa: análise da tabulação dos dados Ao somar o número de alunos que ainda cometem erros referentes a cada um dos itens avaliados, você poderá identificar aquele em que um número significativo de alunos ainda tem dúvidas (um número maior ou igual a 20% do total de alunos). Esse diagnóstico das dificuldades dos alunos indica questões ortográficas em que boa parte da turma ainda se sente insegura, mesmo que tais questões já tenham sido tratadas no currículo escolar. 3ª etapa: definição de uma sequência didática Considerando que as formas corretas das questões irregulares precisam ser memorizadas com o tempo e a ajuda do professor ou de fontes de consulta como o dicionário, focalizaremos, neste momento, apenas as regularidades. Em relação às primeiras, porém, um encaminhamento interessante é construir um cartaz com a turma em que, aos poucos, se incluam palavras que não “devem” mais errar. Essa lista é composta de palavras de uso frequente que, em algum momento, os alunos se depararam com a necessidade de escrevê-las. Por não obedecerem a uma regularidade (não há regras que permitam decidir por uma ou outra forma de grafá-las), passam a constar nesse cartaz, para poderem ser consultadas a qualquer momento. Para o ensino das questões regulares, após o preenchimento da tabela, identifique em quais delas um número significativo de alunos ainda comete erros. Após esse passo, uma sugestão é produzir uma sequência didática que favoreça a reflexão dos alunos para a compreensão da regra que permita superar a dificuldade detectada. No anexo deste caderno há um exemplo de uma sequência didática centrada na regularidade ortográfica do uso do AM/ÃO no final de verbos. Caso esta não seja a questão que seus alunos mais cometeram erros, você pode se apoiar na sequência sugerida para criar outra, que atenda às dificuldades da sua turma. Ao trabalhar assim, analisando as produções dos alunos e buscando compreender aquilo que ainda necessitam aprender, os erros passam a ser considerados fontes de informação para organizar a ação didática: eles indicam tanto as questões ortográficas já dominadas pelos alunos como o que precisa ser enfatizado porque ainda não foi aprendido por eles. Os erros deixam de ser algo a ser evitado ou eliminado para se tornarem aliados no planejamento do trabalho, por indicarem o que precisa ser retomado ou ampliado na aprendizagem dos alunos. Proposta de uma nova atividade de revisão Em nosso encontro anterior, focalizamos a revisão nos aspectos discursivos. Neste momento, após identificar os erros ortográficos mais frequentes e definir uma regularidade entre as dúvidas dos alunos, sugerimos a realização de uma sequência didática para ajudar os alunos a superarem tal dificuldade. Após a elaboração e aplicação dessa sequência, é interessante encaminhar uma nova revisão, desta vez centrada nos aspectos notacionais, que considere tanto as questões ortográficas já sistematizadas com os alunos antes da proposta deste Grupo de Estudos como os aspectos notacionais trabalhados na se35 Formação de Professores quência didática que você produziu. É também importante prever como serão corrigidos os erros referentes às irregularidades, ou seja, às palavras cuja forma correta de escrever os alunos não conhecem. Para isso, apresentamos duas formas de assinalar as palavras que os alunos precisam rever (as duas opções são produtivas): ( ) Sublinhar as palavras erradas no texto do aluno que tenham sido trabalhadas anteriormente, inclusive na sequência didática proposta por você. ( ) Assinalar, no texto de cada aluno, o número de palavras erradas que tenham sido trabalhadas anteriormente em cada uma das linhas em que esses erros aparecem (se há duas palavras erradas numa linha, assinala-se o número 2 no início ou no fim dessa linha). Nesta opção, os alunos têm um desafio maior, pois precisam localizar na linha as palavras erradas e corrigi-las. Consideramos coerente o professor grifar ou indicar, nesse momento, apenas palavras que apresentem erros ortográficos já trabalhados com os alunos. Também destacamos que os estudiosos consideram, e a prática confirma, que é impossível abordar de uma só vez, na revisão, todos os problemas que surgem. Sobre a organização da revisão com foco nas questões notacionais ortográficas Escolha uma das opções indicadas acima e justifique sua resposta, considerando o diagnóstico que fez anteriormente, o objetivo da proposta e o nível de autonomia dos seus alunos. Em seguida, responda a estas perguntas: Como os alunos estarão organizados para essa atividade de revisão? n Quando e como a proposta será explicada aos alunos? Ela sucederá a sequência didática elaborada anteriormente? n Que intervenções você fará para apoiar os alunos que não conseguirem localizar os erros? n Como você irá proceder quando os alunos não souberem corrigir uma palavra que envolve erros já trabalhados com a turma? Como irá proceder se houver erros relativos a questões ortográficas nunca trabalhadas com os alunos? Sugerimos que, como o texto se destina a alunos de outra sala, é recomendável grifar as palavras e escrever a forma correta ao final do texto, para que os alunos as corrijam. n Respondidas essas perguntas, sistematize a sua proposta e a compartilhe com seu formador e demais colegas. Para organizar seu planejamento, você poderá utilizar esta matriz: Ano/série: n Data: n Quantidade de alunos: n Duração da atividade: n Texto a ser revisto: n 36 Práticas de escrita e comportamentos de escritor Atividade: revisão com foco nas questões ortográficas O que fazer antes do encaminhamento da atividade de revisão: n Organização dos alunos durante a atividade: n O que fazer, durante a aula, antes de os alunos iniciarem a revisão: n Como explicar aos alunos o que se espera que façam na aula (ou como será a explicação da atividade para os alunos): n O que fazer durante a revisão pelos alunos: n O que fazer depois da revisão pelos alunos: n Momento 4 – Produção de um registro coletivo do grupo A partir do percurso percorrido neste encontro, discuta com seus colegas esta questão: Como o encontro contribuiu para repensar o trabalho de ortografia proposto aos alunos? n Em seguida, produza um texto coletivo que resuma as conclusões a que o grupo chegou. Esse texto será o Registro Coletivo deste Grupo de Estudos. Encerramento do Encontro Avalie oralmente este encontro a partir destas questões: Ao longo deste caderno, abordamos diferentes temas: n A distinção entre aspectos discursivos e notacionais ■ Os comportamentos de escritor, especialmente a revisão, considerados como conteúdos a serem ensinados ao aluno para que avance em sua competência como escritor ■ A revisão coletiva como estratégia didática para favorecer a autonomia dos alunos para que aprendam a revisar seus próprios textos ■ Comente a relevância de cada um deles. Quais contribuições as discussões realizadas neste encontro trouxeram para sua prática em sala de aula? n ANEXO Um dos aspectos a ser observado numa atividade de produção textual é aquilo que os alunos já sabem e o que precisam aprender sobre as questões ortográficas. Os erros apresentados são indicadores das dificuldades em que se deve investir. A partir da constatação de que determinada regularidade ortográfica não é dominada, o professor pode organizar uma sequência didática para favorecer a aprendizagem dos alunos. Apresentamos a seguir um exemplo de sequência, focada no uso do ÃO/AM na terminação dos verbos. Se essa já for uma questão dominada por seus alunos, a sequência pode ser adaptada de modo a contemplar outras regularidades ortográficas em que eles ainda necessitam de ajuda. 37 Formação de Professores Sequência didática: uso do ÃO e AM na terminação de verbos. Esta sequência permite a reflexão sobre o uso do ÃO ou AM no final dos verbos na terceira pessoa do plural. A partir dela, os alunos deduzirão a regra que permite superar tal questão: as formas verbais na terceira pessoa do plural no futuro são escritas com ÃO, enquanto todas as outras formas de terceira pessoa do plural de todos os tempos verbais são grafadas com M no final. Atividade 1 – Releitura com focalização: reflexão sobre a grafia da terminação de verbos em diferentes tempos verbais Inicialmente, converse com os alunos sobre a reflexão ortográfica que farão. Diga-lhes que a maioria precisa superar uma questão relacionada ao uso do ÃO/AM no final de verbos e, para isso, realizarão algumas atividades. Se possível, entregue uma cópia do texto e da tabela a seguir ou, então, copie-os na lousa. Sugestão de texto para a reflexão ortográfica O PODER DAS HISTÓRIAS Houve um tempo em que todos os vizinhos, após o jantar, reuniam-se para ouvir histórias. Eles ficavam atentos aguardando a magia daquele momento invadir sua imaginação. Hoje, as histórias continuam presentes como tradição das famílias ou nas escolas e ainda encantam seus ouvintes. E no futuro, como serão contadas? Seus poderes mágicos permanecerão? O certo é que mudanças nas relações modificam costumes culturais. Tabela – tempos verbais Presente Pretérito Futuro Leia o texto em voz alta e discuta o que compreenderam, dando espaço para que comentem suas impressões, se concordam com o que está escrito, se as histórias fazem parte de sua realidade familiar e como imaginam que estarão presentes na vida das pessoas do futuro. É importante que os alunos reflitam sobre questões ortográficas a partir de textos bem conhecidos, ou seja, que já tiveram oportunidades de ler e de compreender seu significado. A releitura com foco nas questões ortográficas deve ocorrer num segundo 38 Práticas de escrita e comportamentos de escritor momento. Oriente os alunos a acompanhar a nova leitura que você fará do texto acima e focar sua atenção na grafia dos verbos terminados em ÃO/AM; para isso, devem interromper a releitura que você fará a cada verbo na terceira pessoa do plural que surgir. Devem também observar a forma como estão grafados e decidir em que coluna da tabela (organizada de acordo com os tempos verbais) serão encaixados. Inicie a leitura e, a cada interrupção (sugerida pelos alunos, mas se “deixarem passar” algum verbo com as características indicadas, você pode propor que se detenham a observá-lo), os alunos devem observar a grafia desses verbos e discutir a coluna da tabela em que devem ser escritos. Devem garantir que, ao copiar o verbo na tabela, a escrita esteja correta. Estimule-os a dizer como ficaria a pronúncia do verbo se fosse escrito de outra forma. Leia o texto até o fim e, em seguida, proponha que se organizem em duplas para refletir sobre aquilo que observaram sobre os finais dos verbos organizados na tabela. Espera-se que cheguem a conclusões como estas: As formas verbais na 3ª pessoa do plural no futuro do presente são escritas com “ão” no final. n As formas verbais na 3ª pessoa do plural dos outros tempos – presente, pretérito e futuro do pretérito – são escritas com “am” no final. n Atividade 2 – Ditado: tempos verbais A próxima atividade, que não precisa ser na mesma aula que a anterior, já pressupõe que os alunos se apoiem na regra discutida na aula anterior. Avise aos alunos que completarão a tabela dos tempos verbais usada na atividade anterior com alguns verbos que serão ditados. Sugestão de verbos para o ditado: 1- modificaram 2- modificam 3- modificarão 4- chegam 5- chegarão 6- chegaram 7- pintarão 8- pintaram 9- pintam Em seguida, no coletivo, peça para que os alunos apontem a coluna em que escreveram os verbos ditados, expliquem como o grafaram e justifiquem por que os grafaram com ÃO ou AM. Atenção: por fim, informe aos alunos que há apenas cinco verbos no presente que são escritos usando ÃO: dão, estão, são, vão, hão. Essas exceções complementam a regra que foi escrita na atividade 1. O trabalho com as regularidades ortográficas passa por atividades em que os alunos conversam, comparam e discutem sobre a grafia das palavras, para que possam deduzir as regras ou princípios gerativos que estão por trás dessas regularidades. No entanto, algumas vezes há exceções e, nesse caso, elas devem ser informadas para que os alunos possam memorizar a forma correta. 39 Formação de Professores Dica ao professor As conclusões referentes às regularidades ortográficas podem ser anotadas em cartazes ou num espaço especial do caderno, para que possam ser consultadas sempre que necessário. Atividade 3 – Sistematização da regra Convide os alunos a jogar o “Stop – ÃO/AM” com verbos inventados. Compartilhe a regra do jogo: cada jogador só poderá dizer “stop” após ter preenchido todas as lacunas e ter analisado se as palavras estão grafadas corretamente. a) Gostei muito da música que as novas bandas b) No Natal do próximo ano meus pais c) No mês passado, os alunos sua região. (pontar). d) Agora os alunos no show de ontem. (tuntunzar). para a casa dos meus avós. (naturezar) um texto apresentando um lugar turístico de sobre como usar ÃO ou AM no final dos verbos. (palar). e) Os estrangeiros a exuberância da natureza brasileira quando vierem aqui para assistir aos jogos da Copa do Mundo. (otimar). f ) Neste momento, os alunos o time campeão. (felizar) Dica ao professor Usar palavras inventadas propicia que os alunos tenham novas oportunidades de refletir sobre a regra que ajuda a superar a dúvida entre uma ou outra forma de escrever. 40 Práticas de escrita e comportamentos Formação de Professores de escritor Anotações 41 Formação de Professores 42 Formação de Professores 43 Formação de Professores 44