UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA DESCENTRALIZAÇÃO DAS AÇÕES DE CONTROLE DA TUBERCULOSE PARA A ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA EM UM BAIRRO DE SÃO GONÇALO/RJ, 2010. NATASHA VENTURA DA CUNHA RIO DE JANEIRO 2011 NATASHA VENTURA DA CUNHA DESCENTRALIZAÇÃO DAS AÇÕES DE CONTROLE DA TUBERCULOSE PARA A ESTRATÉGIA DE SAÚDE FAMÍLIA EM UM BAIRRO DE SÃO GONÇALO/RJ, 2010. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva. Linha de Pesquisa: Epidemiologia e Políticas de Saúde Orientadora: Profª. Drª. Maria de Lourdes Tavares Cavalcanti. RIO DE JANEIRO 2011 FICHA CATALOGRÁFICA C972 Cunha, Natasha Ventura da. Descentralização das ações de controle da tuberculose para a estratégia saúde da família em um bairro de São Gonçalo/RJ, 2010 / Natasha Ventura da Cunha. – Rio de Janeiro: UFRJ/ Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2011. 119 f.; 30cm. Orientadora: Maria de Lourdes Tavares Cavalcanti. Dissertação (Mestrado) - UFRJ/Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2011. Referências: f. 83-88. 1. Saúde pública. 2. Atenção primária à saúde. 3. Tuberculose. 4. Descentralização. 5. Avaliação em saúde. 6. Saúde da família. 7. Estratégias. I. Cavalcanti, Maria de Lourdes Tavares. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. III. Título. CDD 362.196995 NATASHA VENTURA DA CUNHA DESCENTRALIZAÇÃO DAS AÇÕES DE CONTROLE DA TUBERCULOSE PARA A ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA EM UM BAIRRO DE SÃO GONÇALO/RJ, 2010. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva. Aprovada em _____________________________________________ Prof. Dr. Antônio José Leal Costa ____________________________________________ Prof.ª Dr.ª Elizabeth Moreira dos Santos _____________________________________________ Prof.ª Dr.ª Sônia Natal Dedico este trabalho à minha família e ao meu noivo, que sempre me apoiaram em todas as minhas dificuldades e escolhas. AGRADECIMENTOS À minha família querida: meus pais José e Dineize, minha irmã Tatiana e minha vovó Léa, por todo amor e apoio incondicionais que me permitiram chegar ao fim de mais uma etapa da minha formação, e espero que esta não seja a última. Ao meu futuro marido Fabrício por todo amor e incentivo dados a mim durante minha caminhada, desde que nos conhecemos. À Prof.ª Maria de Lourdes Tavares Cavalcanti, por toda sua paciência e dedicação, e por toda contribuição dada para a construção deste trabalho, sendo muito mais do que orientadora, e sim uma grande amiga. Aos Professores Carlos Eduardo Aguillera Campos e Antônio José Leal Costa, pelas críticas construtivas e aconselhamentos que permitiram o aprimoramento deste trabalho. À Prof.ª Sônia Natal por toda solicitude e atenciosas contribuições que me foram muito enriquecedoras e, à Prof.ªElizabeth Moreira dos Santos, pelas críticas construtivas que contribuíram para o aperfeiçoamento deste trabalho. À Dr.ª Regina Maria Guedes, por fornecer dados referentes à TB que foram de grande importância para o andamento da pesquisa. À Maria Lúcia dos Santos, do Ministério da Saúde por toda contribuição e conselhos dados a mim durante minha trajetória. À Srta. Emanuela Lemos Cruz, da Coordenação de PSF, por toda sua presteza e atenção dada ao fornecer os dados necessários à complementação do trabalho de maneira tão atenciosa. A todos os profissionais entrevistados, pela boa vontade demonstrada. Aos queridos colegas de mestrado do IESC, em especial: Clarissa, Flávia, Valéria, Luciana, Carol, Márcio, Vanusa, Débora, Jurema e Jaqueline, pelos momentos de conversas e descontração em meio à nossas atividades estafantes. Aos demais professores do IESC com os quais tive aulas durante o curso, por toda atenção e ensinamentos preciosos fornecidos a nós alunos. E ao mais importante: à Deus, meu Senhor, sempre presente na minha vida e no meu coração, me abençoando e protegendo e fazendo com que tudo aconteça no seu devido momento. Obrigada! RESUMO Este estudo constitui uma avaliação normativa, com abordagem qualitativa, para verificar a descentralização do controle da TB na Estratégia Saúde da Família (ESF) no bairro Jardim Catarina/São Gonçalo- RJ. Para isso, foi construído Modelo Lógico das atividades de controle da tuberculose (TB) na saúde da família (SF) do bairro. Utilizou como instrumentos de análise entrevistas, observação com registro em diário de campo, e análise documental. As entrevistas foram realizadas com a Coordenação regional de SF do município, e profissionais de Equipes de SF do bairro Jardim Catarina. Na análise, consideraram-se as seguintes categorias: atividades (prevenção, diagnóstico e tratamento) do Programa de Controle da Tuberculose (PCT) no âmbito das Unidades de Saúde da Família (USF), estrutura das USF, percepção dos profissionais de saúde sobre o controle da TB na SF. Os resultados apontaram um processo de descentralização lento, devido a problemas de estrutura e planejamento como a escassez e rotatividade de recursos humanos e desarmonia entre o planejado e o executado nas USF. Conquanto, os profissionais entrevistados compreendem os benefícios trazidos se o controle da TB estiver próximo da população através da ESF. Palavras-Chave: Saúde Pública; Atenção Primária à Saúde; Tuberculose; Descentralização; Avaliação em Saúde; Saúde da Família; Estratégias. ABSTRACT This study is a normative evaluation, with qualitative methodology, which aims to verify the tuberculosis (TB) control decentralization to the Family Health Strategy (FHS) in Jardim Catarina/São Gonçalo- RJ. For that, was built a Logic Model of the TB control activities by the health family (HF) in the neighborhood. The study used as instruments of analysis interviews, observation with register in diary of field, and documental analysis. The interviews were made with regional Coordination of FHS, and with professionals of HF Teams in the neighborhood of Jardim Catarina. The analysis considered these categories: activities (prevention, diagnosis and treatment) of the TB Control Program in the Units of Family Health (UFH); UFH structure and perception of health professionals about the implementation of TB control activities by the FH. The results pointed to a slow process of decentralization, due problems of structure and planning as the scarcity and rotation of human resources, lack of harmony between the planned and executed in the HFU. However, health professionals interviewed, understand the benefits brought if the TB control remain next to the population with the FHS. Key-words: Public Health; Primary Health Care; Tuberculosis; Health Evaluation; Descentralization; Health Family; Strategies. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 11 1.1 APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................... 11 2. OBJETIVOS ............................................................................................................................................ 14 OBJETIVO GERAL ................................................................................................................................... 14 3. AVALIAÇÃO EM SAÚDE ............................................................................................................................ 15 3.1. A UTILIZAÇÃO DA METODOLOGIA QUALITATIVA NA AVALIAÇÃO EM SAÚDE ................................................. 18 4. A ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA E O CONTROLE DA TUBERCULOSE NO SUS............................................... 20 4.1. ESTRATÉGIA DA SAÚDE DA FAMÍLIA: DO PSF À ESTRATÉGIA DE REORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA NO SUS. ........................................................................................................................................................... 20 4.2. TUBERCULOSE: UM PROBLEMA QUE SE PERPETUA NA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA ..................................... 26 4.3. O CONTROLE DA TB NA ESF ............................................................................................................. 28 5. METODOLOGIA ...................................................................................................................................... 35 5.1. TRABALHO DE CAMPO ...................................................................................................................... 39 6. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS............................................................................................................. 40 6.1 O MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO ........................................................................................................ 40 6.1.1. O BAIRRO JARDIM CATARINA ..................................................................................................... 43 6.2 A REDE MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO GONÇALO: IMPLANTAÇÃO DA ESF NO MUNICÍPIO .............................. 45 6.3. DESCENTRALIZAÇÃO DO PCT PARA A SAÚDE DA FAMÍLIA E ORGANIZAÇÃO DAS AÇÕES DE CONTROLE DA TB EXECUTADAS NO ÂMBITO DA SAÚDE DA FAMÍLIA ......................................................................................... 50 6.4. ESTRUTURA DAS USF ...................................................................................................................... 57 6.4.1. DISPONIBILIDADE DE INSUMOS ................................................................................................... 58 6.4.2. REALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DO PCT NAS USF ............................................................................ 60 6.4.3. ROTINA DE ATENDIMENTO E ATRIBUIÇÕES RELATIVAS AO PCT POR CATEGORIA PROFISSIONAL NAS USF .. 63 6.5. PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE SOBRE AS ATIVIDADES DE CONTROLE DA TB .............................. 66 6.5.1. INCORPORAÇÃO DA BSR ........................................................................................................... 66 6.5.2. PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS EM RELAÇÃO À BSR E AO TS .......................................................... 67 6.5.3. SOBRECARGA DE TRABALHO....................................................................................................... 69 6.5.4. SATISFAÇÃO PROFISSIONAL ........................................................................................................ 71 6.6. MODELO LÓGICO: O QUE FOI PLANEJADO FOI CUMPRIDO NO MUNICÍPIO? ............................................... 73 7. DISCUSSÃO ........................................................................................................................................... 77 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... 80 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 83 ANEXO 1 ................................................................................................................................................ 89 ANEXO 2 ................................................................................................................................................ 90 ANEXO 3 ................................................................................................................................................ 92 ANEXO 4 ................................................................................................................................................ 93 ANEXO 5 ................................................................................................................................................ 96 1. INTRODUÇÃO 1.1 APRESENTAÇÃO O objeto de investigação desta dissertação constitui-se na descentralização das ações de controle da TB para a Estratégia de Saúde da Família (ESF) no município de São Gonçalo, localizado na Região Metropolitana do Estado de Rio de Janeiro. No ano de 2007, o Estado do Rio de Janeiro apresentou uma taxa de incidência da doença de 71,7 casos por 100.000 habitantes, a maior do país, seguida do estado do Amazonas. A maioria dos casos de tuberculose (TB) no Rio de Janeiro concentram-se em treze municípios da Região Metropolitana, onde se inclui o município de São Gonçalo (BRASIL, 2009). A tuberculose é uma doença passível de transmissão em todos os estratos sociais, no entanto, existe uma associação entre tuberculose e miséria. A dificuldade de tratamento e cura, as taxas de abandono e recidiva da doença se concentram nas camadas sociais mais pobres, entre os grupos descobertos de atenção e acompanhamento à saúde continuados. Assim, torna-se fundamental no enfrentamento e controle da tuberculose, a opção por um modelo assistencial que seja permanentemente vinculado à comunidade, voltado para uma prática de saúde participativa, coletiva e ao mesmo tempo integral, que seja assistida por uma equipe multiprofissional cujos objetivos de trabalho vão além das fronteiras das Unidades de Saúde, e essas características foram idealizadas para a ESF. A proposição da ESF explicitada nos documentos oficiais ressalta vantagens deste modelo em relação aos outros tipos de serviços de saúde, pelo seu caráter de assistência integral, evolvendo ações de promoção, prevenção, diagnóstico precoce, tratamento e reabilitação. Nesse sentido, a ESF favorece a aproximação entre os serviços de saúde e a população contribuindo para ultrapassar a visão fragmentada do indivíduo, passando a uma compreensão integral e coletiva, ou seja, o resgate da prática generalista e compreensão do processo saúde-doença dos indivíduos de forma mais ampla. Esta estratégia teoricamente, se apresenta como uma maneira de trabalhar a saúde não só preocupando-se com o indivíduo doente, e sim com a família, gerando assim uma nova visão das práticas de saúde por não esperar a população procurar atendimento, mas sim agindo preventivamente sobre ela a partir de um novo modelo de atenção. Este modelo propõe a humanização das práticas de saúde, buscando a satisfação do usuário através do estreitamento das relações entre este e os profissionais de saúde. No caso da tuberculose, esta interação com a família, o acolhimento e 11 a construção de vínculo com o paciente são fundamentais para o controle da doença, pois reduz o abandono e torna o tratamento mais efetivo1. O interesse em avaliar o processo de descentralização da ESF no controle da TB também se deve ao fato de apesar destas possíveis vantagens da ESF em relação aos serviços de atenção básica tradicionais, estudos apontam algumas fragilidades encontradas pelos profissionais de saúde que podem prejudicar tal processo. Dentre estas fragilidades encontram-se a sobrecarga de trabalho, falta de recursos humanos e a visão fragmentada e centralizada destes profissionais envolvidos com as tarefas de controle da TB, podendo assim comprometer a integralidade na assistência à saúde e o vínculo com o paciente (OLIVEIRA & NATAL, 2007; MONROE et al, 2008; OLIVEIRA, 2009; MARCOLINO et al, 2009 e FIGUEIREDO et al, 2009). Com isso, podemos observar que a ESF idealizada nas políticas de saúde não é a mesma que funciona na prática nos municípios. A descentralização do controle da TB para a ESF depende de muitos fatores envolvidos neste processo, como por exemplo, as relações interpessoais dos atores envolvidos e a percepção dos profissionais de saúde sobre a execução das tarefas na ESF. Estudos anteriores evidenciam que os profissionais de saúde envolvidos no controle da TB têm pouco comprometimento com a execução de tais atividades (COSTA et al, 2010; MONROE et al, 2008). Desta forma, a questão aqui levantada é: a ESF vem cumprindo seu papel ao realizar as atividades de controle da TB? Fazendo parte desta questão mais ampla, pretende-se avaliar como os profissionais de saúde da equipe incorporaram estas atividades em sua rotina de trabalho além das relações interpessoais dos atores envolvidos no controle da TB no âmbito da ESF, e assim compreender como está a organização da ESF com respeito ao controle da TB (se está organizada ou não). O fato que me motivou a avaliar estas questões relacionais e a percepção dos profissionais de saúde é acreditar que a chave para o bom funcionamento do controle da TB na ESF seja justamente o comprometimento com as atividades por parte dos profissionais e com os usuários também, visto que entre as premissas da ESF encontram-se o vínculo com o paciente e o acolhimento. Espera-se também identificar quais são as principais dificuldades encontradas pelas equipes de Saúde da Família (SF) na execução das atividades, na percepção dos mesmos. 1 Efetividade - É a capacidade de produzir o efeito desejado, em condições reais (AKERMAN e LUIZ, 2004) 12 Nesta dissertação entende-se como incorporar as atividades de Controle da TB, a maneira como os profissionais de saúde tomam para si a realização destas atividades. Se na percepção deles desempenhar tais ações corretamente é importante ou não, se realmente os profissionais realizam estas atividades; e que sentido eles atribuem a cada uma destas „tarefas‟. Enfim, se compreendem a sua importância e papel dentro do conjunto de ações que compõem o PCT. Assim, pretende-se com esta dissertação, contribuir para a compreensão de como este processo de descentralização e incorporação está se dando e se os profissionais de saúde envolvidos com o controle da TB estão desempenhando suas funções de maneira efetiva, já que na ESF, os profissionais de saúde não têm responsabilidades apenas com o PCT, mas também com uma série de outras atividades inseridas na ESF. A escolha do município de São Gonçalo para a realização desta dissertação ocorreu devido a minha inserção na pesquisa “Avaliação do sistema de informação da tuberculose nos treze municípios de abrangência do Fundo Global Tuberculose Brasil no Estado do Rio de Janeiro”, a qual inclui o município de São Gonçalo. Isto me permitiu analisar a situação dos municípios através das entrevistas realizadas com os coordenadores do PCT de cada município e assim escolher São Gonçalo para realizar esta dissertação. Apesar de a pesquisa ser voltada para o sistema de informação da tuberculose, foi possível através das entrevistas realizadas, a captação de muitas informações relevantes não só sobre o sistema de informação, mas sim da rede como um todo. Um dos fatores que contribuiu para a escolha deste município, é o fato deste ser um município de grande porte, com quase 1 milhão de habitantes, e ainda sim possuir cobertura expressiva de Saúde da Família, que em novembro de 2010 era de 65% (SMS de São Gonçalo, 2010). Além disso, está entre os municípios prioritários do Fundo Global de Tuberculose Brasil, sendo um dos municípios na região metropolitana do estado do Rio de Janeiro, que está descentralizando o PCT para a ESF. Segundo a coordenadora do PCT de São Gonçalo, todas as atividades de controle da TB são realizadas pelas equipes de saúde da família, do diagnóstico ao tratamento. As unidades de saúde da família ainda possuem todos os livros de registro (COSTA et al, 2010), o que não ocorre em outros municípios onde o PCT é centralizado. 13 2. OBJETIVOS OBJETIVO GERAL Avaliar a descentralização das ações de controle da tuberculose para a Estratégia de Saúde da Família no bairro Jardim Catarina/São Gonçalo, em 2010. OBJETIVOS ESPECÍFICOS 1) Analisar a implantação das ações de controle da tuberculose nas Unidades de Saúde da Família do bairro Jardim Catarina; 2) Avaliar a descentralização das ações de controle da tuberculose nas Unidades de Saúde da Família do bairro Jardim Catarina, frente ao planejado; 3) Identificar as barreiras no processo de descentralização, ante a percepção de profissionais de saúde que atuam na ESF no município. 14 3. AVALIAÇÃO EM SAÚDE “Avaliar consiste fundamentalmente em fazer julgamento de valor a respeito de uma intervenção, um serviço ou sobre qualquer um de seus componentes, com o objetivo de ajudar na tomada de decisão” (Contandriopoulos et al., 1997). Devido a esta Dissertação ser uma pesquisa avaliativa, é imprescindível abordar alguns aspectos concernentes a avaliação em saúde. O debate sobre a importância de se institucionalizar a avaliação no Brasil se iniciou principalmente a partir das contribuições de Hartz, embora já houvesse o debate sobre a necessidade da institucionalização da avaliação como prática concernente ao processo de planejamento dos serviços de saúde (SARTI et al, 2008). Vários autores já demonstraram a importância da cultura avaliativa no processo de tomada de decisão em qualquer ponto do sistema de saúde (VIEIRA DA SILVA et al, 1994; BRASIL, 2005). Este debate ganhou força, e em decorrência, o MS lançou em 2003, a Política Nacional de Avaliação da Atenção Básica, sendo instituída a Comissão de Avaliação da Atenção Básica. A partir daí, vem sendo implementadas múltiplas atividades relacionadas com a avaliação da atenção básica (BRASIL, 2005). Contandriopoulos (2006) diferencia pesquisa avaliativa, avaliação normativa e tomada de decisão. Segundo o autor, estas três áreas da avaliação estão interligadas conceitualmente, mas não se sobrepõem. A avaliação difere da pesquisa por seu caráter normativo, o qual visa não só medir o efeito de uma intervenção, mas também julgá-la. Aqui, utilizou-se o termo pesquisa avaliativa para designar esta dissertação, tomando como referência a definição proposta pelo autor, que refere a pesquisa avaliativa como aquela que elabora um julgamento a partir de um procedimento científico (CONTANDRIOPOULOS, 2006). Segundo Vieira da Silva (2005), para delimitar o objeto a ser avaliado, necessita-se definir quais os níveis da realidade que se deseja estudar. Segundo a autora, as ações desenvolvidas no campo da saúde podem ser abordadas, entre outras possibilidades, a partir dos seguintes níveis: ações; serviços; estabelecimentos e sistemas. A partir da delimitação do nível que se deseja avaliar, a seleção dos atributos das práticas que se pretende avaliar, contribui na definição do foco da avaliação. Para a autora, estes atributos podem ser agrupados de acordo com as seguintes características, entre outras possibilidades: “a) Relacionados com a disponibilidade e distribuição social dos recursos (cobertura, acessibilidade e equidade); 15 b) Relacionados com os efeitos das ações (eficácia, efetividade e impacto); c) Relacionados com os custos e produtividade das ações (eficiência); c) Relacionados com a adequação das ações ao conhecimento técnico e científico vigente (qualidade técnico-científica); d) Relacionados com a adequação das ações aos objetivos e problemas de saúde (direcionalidade e consistência - análise estratégica); e) Relacionados com o processo de implantação das ações (avaliação do grau de implantação ou avaliação de processo; análise de implantação - relação entre grau de implantação, contexto e efeitos); f)Características relacionais entre os agentes das ações (usuário x profissional (percepção dos usuários sobre as práticas, satisfação dos usuários, entre outros); profissional x profissional (relações de trabalho e no trabalho) e gestor x profissional (relações sindicais e de gestão)(VIEIRA DA SILVA, 2005, pág. 23/24).” Nesta dissertação, o objeto de avaliação encontra-se no nível dos serviços (ESF), que é apontada pela autora como “correspondente a um grau de maior complexidade de organização das ações onde diversos agentes se articulam para desenvolver atividades, coordenadas ou não, voltadas para um grupo etário ou problema de saúde (VIEIRA DA SILVA, 2005 pág. 22)”. As características do serviço selecionadas nesta dissertação constituem-se na descentralização das atividades de controle da TB para a ESF, as percepções dos profissionais das equipes de SF sobre estas atividades e as características relacionais entre os agentes das ações, apontadas por Vieira da Silva. No caso, os agentes são as equipes de saúde da família, o coordenador do PCT, a coordenação de Saúde da Família, e as ações são justamente as de controle da tuberculose. A abordagem qualitativa permitirá avaliar a dimensão relacional das práticas no estudo realizado. Visto que o PCT é um programa, o qual era verticalizado e centralizado antes da descentralização para a Rede Básica, incluindo a Saúde da Família, é importante explicitar o conceito de programa. Segundo Hartz (1999), “Os programas são compreendidos como conjunto de ações visando a favorecer comportamentos adaptativos requeridos pelas diferentes áreas ou atividades humanas relacionadas com a vida comunitária, escola, trabalho saúde e bem-estar (HARTZ, 1999, p.342).” 16 Um programa possui vários componentes: insumos, atividades, produtos, resultados e impactos. Os insumos referem-se aos recursos previamente disponíveis para a execução das atividades do programa; as atividades são os procedimentos pelos quais os insumos são mobilizados visando o efeito desejado; os produtos são conseqüência imediata das atividades do programa; os resultados são os efeitos produzidos na população-alvo; e os impactos, referem-se aos efeitos acumulados em grandes populações, em longo prazo (BRASIL, 2007). Segundo Medina et al (2005), o desenho de um modelo lógico do programa é o primeiro passo do planejamento de uma avaliação, sendo variados os caminhos que podem ser utilizados na sua construção (MEDINA et al ,2005). O modelo lógico do programa nada mais é do que uma maneira visual e sistematizada de apresentar as relações entre intervenção e efeito. Deve incluir as relações entre recursos necessários para operacionalizar o programa, as atividades planejadas e os efeitos que pretende alcançar (BRASIL, 2007). É importante destacar que é uma representação da realidade, e não a realidade. Construir o desenho lógico de um programa significa esquadrinhá-lo em termos da constituição de seus componentes e da sua forma de operacionalização, discriminado as etapas necessárias à transformação de seus objetivos e metas. Após a elaboração do modelo lógico, é importante verificar se este atingiu o objetivo de representar a lógica do programa (MEDINA et al, 2005). Cada componente do modelo lógico pode ser avaliado, desde os insumos, aos impactos (BRASIL, 2007). A avaliação de atividade, usualmente equivale à avaliação de processo ou análise de implantação/implementação, envolvendo a dimensão relacional (relações interpessoais dos atores envolvidos), a dimensão organizacional, e a influência do contexto no funcionamento do programa (AKERMAN E LUIZ, 2004). Nesta dissertação o modelo proposto pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) foi tomado como referência para a construção do Modelo Lógico das Atividades do PCT realizadas pelas Equipes de SF. No entanto, no âmbito desse estudo, entende-se „atividades‟ como equivalente à processo na concepção de avaliação da qualidade proposta por Donabedian (DONABEDIAN, 1980 apud BRASIL, 2005). Além disso, na proposição do CDC os recursos humanos são considerados insumos dos programas a serem avaliados, enquanto para Donabedian a categoria recursos humanos é tratada em separado dos demais insumos, ou recursos, necessários à realização das ações de saúde. 17 O interesse neste tipo de avaliação é verificar se as atividades estão ocorrendo com a importância esperada; se quando ocorrem estão de acordo com as boas práticas recomendadas, e se apontam para os efeitos esperados. Permite ainda, abrir a “caixa - preta” existente em avaliações que focam exclusivamente os resultados, possibilitando ajustes do programa, sugerindo alternativas mais apropriadas (BRASIL, 2007). As estratégias de pesquisa em avaliação correspondem às possíveis maneiras de mobilizar recursos teóricos e técnicos, visando responder à pergunta de investigação de forma a evitar possíveis vieses. A escolha da estratégia deve levar em consideração o processo de delimitação do foco e de construção do objeto de avaliação. A avaliação de atividades pode utilizar técnicas qualitativas ou quantitativas, ou uma combinação de ambas. Abordagens qualitativas, tais como entrevistas, grupos focais, grupos de discussão, observações diretas e análise documental, podem fornecer informações importantes tanto sobre situações sociais e de interação, quanto sobre valores, percepções e motivações de grupos e pessoas envolvidas (BRASIL, 2007). 3.1. A UTILIZAÇÃO DA METODOLOGIA QUALITATIVA NA AVALIAÇÃO EM SAÚDE Segundo Hartz e Vieira da Silva (2005), avaliar a dimensão relacional das práticas requer a realização de estudos de caso e o uso de técnicas qualitativas como as entrevistas em profundidade e a observação (instrumentos utilizados nesta dissertação). Os atributos relacionais correspondem à valorização das características de acolhimento, da garantia dos direitos individuais à privacidade e das características das relações no trabalho como componentes da qualidade na atenção e promoção da saúde (HARTZ e VIEIRA DA SILVA, 2005). A metodologia de investigação qualitativa é apontada por Minayo (2004) como “aquela capaz de incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais...” (MINAYO, 2004, p. 10). Nesse sentido, espera-se que, a presença no cenário de trabalho dos profissionais de saúde, juntamente com a utilização dos instrumentos de pesquisa qualitativa, seja possível compreender como se dá a execução das atividades de controle da TB pelas equipes de SF e como os profissionais de saúde incorporam as atividades que lhes são de responsabilidade. 18 De acordo com Víctora, Knauth e Hassen (2000), a técnica de pesquisa qualitativa nos permite “(...) o registro do comportamento não verbal e o recebimento de informações não esperadas por que não seguem necessariamente um roteiro fechado, percebendo como bemvindos os dados novos, não previstos anteriormente (VÍCTORA, KNAUTH E HASSEN, 2000: 39)”. Ainda para Minayo & Sanches (1993), a pesquisa qualitativa permite uma importante aproximação de intimidade entre sujeito e objeto, observador e observado, visto que os dois possuem a mesma natureza: “ela se envolve com empatia aos motivos, às intenções, aos projetos dos atores, a partir dos quais as ações, as estruturas e as relações tornam-se significativas” (MINAYO & SANCHES, 1993). Minayo (2004) destaca que este tipo de metodologia é capaz de incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerente aos atos, às relações e às estruturas sociais, com objetivo de “(...) trabalhar com a percepção do vivido, com os significados das motivações, atitudes e valores” (MINAYO, 2004, p.133). Segundo Triviños (1994), a entrevista semi-estruturada é um dos principais meios que o investigador possui para realizar a coleta de dados. Ela é aquela que em geral, parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses que interessam à pesquisa e oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que surgem à medida que o informante responde às perguntas (TRIVIÑOS, 1994). Conforme refere Minayo (2000), as categorias são utilizadas para se estabelecer classificações, ou seja, trabalhar com categorias significa agrupar elementos, idéias ou expressões em torno de um conceito capaz de abranger tudo isso, e pode ser utilizado em qualquer tipo de análise qualitativa. Minayo (2004) refere-se às categorias analíticas e empíricas da seguinte forma: “As primeiras são aquelas que retêm historicamente as relações sociais fundamentais e podem ser consideradas balizas para o conhecimento do objeto nos seus aspectos gerais. Elas mesmas comportam vários graus de abstração, generalização e aproximação. As segundas são aquelas construídas com finalidade operacional, visando ao trabalho de campo (a fase empírica) ou a partir do trabalho de campo. Elas têm a propriedade de conseguir apreender as determinações e as especificidades que se expressam na realidade empírica (MINAYO, 2004: 94).” 19 Diante do exposto, depreende-se-se que a abordagem qualitativa é a que melhor se enquadra aos objetivos deste estudo, tendo em vista que “(...) não se busca estudar o fenômeno em si, mas entender seu significado individual ou coletivo para a vida das pessoas”, e desta forma tornar possível apreender como os profissionais de saúde entrevistados incorporam as atividades do PCT que são de responsabilidade deles e qual a percepção dos mesmos sobre a execução de tais tarefas (TURATO, 2005). 4. A ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA E O CONTROLE DA TUBERCULOSE NO SUS. 4.1. ESTRATÉGIA DA SAÚDE REORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA NO DA FAMÍLIA: DO PSF À ESTRATÉGIA DE SUS. A origem do Programa de Saúde da Família (PSF) é demarcada pela implantação, em 1991, do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) pelo Ministério da Saúde, como uma medida de combate aos altos índices de morbimortalidade materna e infantil na região Nordeste. Desta forma, o PACS é um antecessor da ESF por alguns de seus elementos fundamentais que auxiliaram na construção do programa, como o enfoque na família e não no indivíduo e o agir de maneira preventiva de acordo com as demandas da comunidade (BRASIL, 2003c). O PSF foi lançado em 1994 como um programa do Ministério da Saúde para reorganização da atenção básica de acordo com os preceitos do SUS (universalidade, integralidade, descentralização e participação da comunidade), mediante a ampliação do acesso, a qualificação e a reorientação das práticas de saúde. Num primeiro momento o programa gerou polêmica, associada às críticas a difusão de políticas neoliberais na América Latina e no Brasil. Segundo Santana & Carmagnani (2001), muitos autores viam o PSF como um programa pontual e paralelo ao SUS, direcionado à clientela específica e focalizado em regiões com maior risco social, alguns até se referiam ao programa como sendo “pobre para pobres” (SANTANA & CARMAGNANI, 2001). Em 1997, o Ministério da Saúde propôs uma nova visão para a “saúde da família”, compreendida desta vez como estratégia de atenção, e não somente como mais um programa paralelo. Sendo assim, o programa ganhou aceitação nacional em um contexto de ajuste fiscal e reforma setorial na saúde, com objetivo de superar os limites do modelo vigente, particularmente na esfera municipal (HENRIQUE e CALVO 2008). 20 Esta estratégia possui alguns princípios gerais como ter caráter substitutivo em relação à rede de atenção básica tradicional nos territórios em que as ESF atuam e não uma atividade assistencial paralela; realizar o cadastramento domiciliar e diagnóstico situacional; desenvolver ações dirigidas aos problemas de saúde de forma pactuada com a comunidade buscando o cuidado dos indivíduos e famílias ao longo do tempo; ser um espaço de construção de cidadania, integralidade na assistência e hierarquização e equipe multiprofissional (BRASIL, 2007; ANDRADE et al, 2006). A intenção é que a conversão do modelo faça a diferença na forma de pensar e de fazer no cotidiano, a saúde das famílias, em todos os aspectos (SOUZA e HAMANN, 2009). Também privilegia outras interfaces do SUS em diversos sentidos: por sua vertente municipalista, busca estimular a organização dos sistemas locais, pautando-se na aproximação dos serviços com sua própria realidade e envolvendo os atores sociais destas mesmas realidades fazendo com que o controle social e a participação popular se fortaleçam a medida que o programa se amplia (BRASIL, 2003c). A ESF proposta pelo MS, apresenta-se como um modelo de atenção à saúde, não só focando o indivíduo doente, e sim a família, gerando uma nova visão no processo de intervenção em saúde devido ao fato de não esperar a população procurar atendimento, agindo preventivamente sobre ela a partir de um novo modelo de atenção (ROSA, LABATE, 2005). Ao invés de se privilegiar o tratamento das doenças nos hospitais, a ESF promove a saúde da comunidade por meio de ações básicas a fim de se evitar que as pessoas fiquem doentes, assumindo um compromisso de prestar assistência universal, integral, equânime, contínua e, sobretudo, que seja resolutiva à população, seja na unidade de saúde ou em domicílio, sempre em conformidade com as necessidades da população. Além disso, também identifica os fatores de risco aos quais a comunidade está exposta, intervindo de forma apropriada. Propõese ainda a humanizar as práticas em saúde, sempre almejando a satisfação dos usuários pelo estreitamento das relações paciente-profissional de saúde e comunidade-profissional de saúde, e com ações combinadas a partir da noção mais ampla de saúde, que envolve não só a saúde física, mas tudo aquilo que possa levar a pessoa a um estado de bem estar geral, e melhor qualidade de vida (BRASIL, 2000b). As Equipes de SF são compostas por, no mínimo, um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e de quatro a seis agentes comunitários de saúde, com jornada de trabalho de quarenta horas semanais. Outros profissionais de saúde, como fisioterapeutas, psicólogos e dentistas podem ser incorporados à equipe de acordo com as demandas da 21 comunidade, segundo a portaria 154 de 24 de janeiro de 2008, republicada em 4 de março de 2008, a qual cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) (BRASIL, 2008). O papel do profissional de saúde na ESF é aliar-se a família no cumprimento de seu objetivo, fortificando-a e proporcionando o apoio necessário ao desempenho de suas responsabilidades. A proposta da relação de trabalho entre a equipe de saúde da família é baseada na interdisciplinaridade2, e não mais na multidisciplinaridade3, gera novas práticas de saúde, nas quais há integração das ações clínicas e de saúde coletiva, itens fundamentais para o controle da tuberculose (BRASIL, 2000). De acordo com a Política Nacional de Atenção Básica (2007), são atribuições comuns a todos os profissionais de saúde da ESF: “I - participar do processo de territorialização e mapeamento da área de atuação da equipe, identificando grupos, famílias e indivíduos expostos a riscos, inclusive aqueles relativos ao trabalho, e da atualização contínua dessas informações, priorizando as situações a serem acompanhadas no planejamento local; II - realizar o cuidado em saúde da população adscrita, prioritariamente no âmbito da unidade de saúde, no domicílio e nos demais espaços comunitários (escolas, associações, entre outros), quando necessário; III - realizar ações de atenção integral conforme a necessidade de saúde da população local, bem como as previstas nas prioridades e protocolos da gestão local; IV - garantir a integralidade da atenção por meio da realização de ações de promoção da saúde, prevenção de agravos e curativas; e da garantia de atendimento da demanda espontânea, da realização das ações programáticas e de vigilância à saúde; V - realizar busca ativa e notificação de doenças e agravos de notificação compulsória e de outros agravos e situações de importância local; VI - realizar a escuta qualificada das necessidades dos usuários em todas as ações, proporcionando atendimento humanizado e viabilizando o estabelecimento do vínculo; VII - responsabilizar-se pela população adscrita, mantendo a coordenação do cuidado mesmo quando esta necessita de atenção em outros serviços do sistema de saúde; VIII - participar das atividades de planejamento e avaliação das ações da equipe, a partir da utilização dos dados disponíveis; IX - promover a mobilização e a participação da comunidade, buscando efetivar o controle social; X - identificar parceiros e recursos na comunidade que possam potencializar ações intersetoriais com a equipe, sob coordenação da SMS; XI - garantir a qualidade do registro das atividades nos sistemas nacionais de informação na Atenção Básica; XII - participar das atividades de educação permanente; e XIII - realizar outras ações e atividades a serem definidas de acordo com as prioridades locais (p. 44 BRASIL, 2007)”. 2 Possibilidade de trabalho em conjunto a fim de se buscar soluções respeitando-se as disciplinas específicas (SAUPE et al, 2005) 3 Tratamento de um problema comum de forma paralela por disciplinas específicas e não em conjunto (SAUPE et al, 2005) 22 Cada Equipe de SF é responsável pelo acompanhamento de, em média, 3.000 podendo variar até 4.000 pessoas que residam ou trabalhem no território de responsabilidade da unidade de saúde, agora denominada “Unidade Básica de Saúde da Família”. Para garantir maior vínculo e identidade cultural com as famílias, os ACS devem residir na área onde atuam, e os demais profissionais devem residir no município de atuação, trabalhando em regime de dedicação integral (BRASIL, 2007). Ao longo dos anos, desde a sua criação, a consolidação e a expansão da ESF, foram sendo alcançadas graças à criação de algumas políticas de saúde, que contribuíram com a estratégia. Uma dessas grandes contribuições foi a criação do Piso de Atenção Básica (PAB), implantado pela Norma Operacional Básica (NOB 01/96), a qual estabelece o pagamento em função da cobertura populacional substituindo o repasse financeiro por produção de serviços, além de introduzir incentivos para implantação de ações de saúde como a ESF (BRASIL, 1996). Com a implantação do PAB (fixo e variável), a ESF passou a ter orçamento próprio e foi incluído no Plano Plurianual (PPA) do Governo Federal, em 1998 (BRASIL, 2003c). A Portaria nº 1.329 de 12 de novembro de 1999 estabeleceu que os municípios passassem a receber incentivos anuais diferenciados de acordo com a faixa de cobertura populacional, obviamente os municípios com maior cobertura recebem maior incentivo, devido ao fato de que quanto maior o número de pessoas cobertas pela ESF, maior será seu impacto (BRASIL, 1999). Também foi de grande contribuição para a saúde da família a publicação da Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS/SUS), em janeiro de 2001, com objetivo geral de “promover maior equidade na alocação de recursos e no acesso da população às ações e serviços de saúde em todos os níveis de atenção”. Esta norma também definiu as responsabilidades e estratégias mínimas que todos os municípios brasileiros devem desenvolver no âmbito da Atenção Básica (BRASIL, 2003). No ano seguinte, instituiu-se a NOAS/SUS 01/2002, que ampliou as responsabilidades dos municípios na Atenção Básica, estabelece o processo de regionalização e hierarquização dos serviços de saúde de busca de maior equidade. A partir de então foi concebido o Pacto de Indicadores da Atenção Básica, para monitoramento das ações e serviços de saúde referente ao nível da atenção básica, sendo que para a tuberculose foram propostos dois indicadores: Taxa de incidência de tuberculose pulmonar positiva e proporção de abandono do tratamento da tuberculose, o qual é 23 considerado um dos vinte indicadores principais para o monitoramento da atenção básica (RUFFINO-NETTO e VILLA, 2006). No ano de 2006, as Diretrizes Operacionais dos Pactos pela Vida e de Gestão, trouxeram outra contribuição no que diz respeito ao financiamento da ESF, que foi a criação do financiamento da atenção básica - Teto financeiro do Bloco da Atenção Básica, que é constituído pela parte fixa e variável do PAB em conjunto (BRASIL, 2006). Outros investimentos também são direcionados aos municípios com mais de 100.000 habitantes através do Projeto de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (PROESF), que é cofinanciado pelo Banco Internacional para Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD) e é voltado para o fortalecimento e organização da atenção básica no país. O projeto viabiliza recursos para a estruturação das equipes/unidades, buscando assim, integrar procedimentos de outros níveis de complexidade do Sistema Único de Saúde – SUS e, aperfeiçoar tecnologias de gestão com o objetivo de aumentar a resolubilidade do sistema. A Fase 1 deste projeto se encerrou no ano de 2007, porém, devido aos resultados obtidos nesta fase, o Ministério da Saúde continuará a apoiar os Estados e Municípios participantes da primeira fase (o município estudado aqui se inclui no PROESF) de forma diferenciada, contando ainda com o apoio do BIRD, nas Fases 2 e 3 do PROESF (BRASIL, 2003b; BRASIL, 2010). Desde a sua criação, como mostram os gráficos 1 e 2, é visível a expansão da ESF nos municípios brasileiros. Para se ter uma idéia, no ano de sua criação, 1994, foram implantadas no Brasil cerca de 3.000 equipes de saúde da família. Em 2003, esse número passou para 19 mil equipes implantadas no país, com uma cobertura populacional de 35,7%. No ano de 2007, o número de equipes implantadas foi de 27.324, com uma cobertura populacional de 46.6%. Em novembro de 2010, já haviam sido implantadas no Brasil 31.600 equipes de saúde da família (gráfico 1), o representando uma cobertura superior a cem milhões de pessoas pela ESF (gráfico 2) (BRASIL, 2011). 24 Gráfico 1- Meta e Evolução do Número de Equipes de Saúde da Família Implantadas BRASIL 1994 – NOVEMBRO/2010 (Fonte: Ministério da Saúdehttp://dab.saude.gov.br/abnumeros.php#numeros). Gráfico 2- Evolução da População Coberta por Equipes de Saúde da Família Implantadas BRASIL 1994 – NOVEMBRO/2010(Fonte: Ministério da Saúdehttp://dab.saude.gov.br/abnumeros.php#numeros). 25 4.2. TUBERCULOSE: UM PROBLEMA QUE SE PERPETUA NA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA A tuberculose (TB) é uma das doenças infecciosas mais antigas que atingem a humanidade, permanecendo como um dos principais agravos à saúde a ser enfrentado em âmbito global tendo como agravantes o surgimento da epidemia de AIDS e o aparecimento de focos de tuberculose multirresistente. Em 2009, o Brasil estava incluído entre as 22 nações responsáveis por 80% do total de casos de tuberculose no mundo, ocupando a 18ª posição no ranking (BRASIL, 2009). Estima-se que um em cada quatro brasileiros esteja infectado pela Mycobacterium tuberculosis, bacilo causador da doença, e, todo ano, cerca de 90.000 novos casos da doença são notificados ao Ministério da Saúde. Pouco mais da metade (53%) encontra-se relacionado à forma pulmonar bacilífera. As regiões Norte, Nordeste e Sudeste são aquelas que apresentam as maiores taxas de incidência da doença no Brasil (BRASIL, 2004;BARREIRA e GRANGEIRO, 2007). O Estado do Rio de Janeiro (ERJ) apresentava a maior incidência de casos de tuberculose do país em 2009, com uma taxa de incidência de 71,8 casos por 100.000 habitantes, concentrando-se em treze municípios localizados na região metropolitana, onde se encontra o município estudado (BRASIL, 2010c). Concomitante a implantação do SUS, as ações de atenção à tuberculose, começaram a ser descentralizadas para a rede municipal de Saúde, sendo introduzido o Programa Nacional de Controle da Tuberculose no Brasil. Segundo Ruffino-Netto e Villa (2006), na década de 90, já com o SUS em fase de implementação, essa descentralização de certa forma inicialmente causou uma desestruturação no programa, devido ao processo de implantação do SUS ocorrer sem um planejamento para a integração de programas verticais e transferência de atividades para o nível local, além das crises de “desfinaciamento da saúde”, já que os recursos para ações ambulatoriais foram limitados. Em 1994 foi proposto pelo Ministério da Saúde, um Plano Emergencial para Controle da doença no país, o qual foi implementado entre 1996 e 1997 selecionando-se 230 municípios prioritários onde se concentravam 75% dos casos estimados para o Brasil naquela época. Desde o lançamento deste plano, a estratégia de tratamento supervisionado (TS) é recomendada pelo PNCT (atendendo uma das recomendações da estratégia Directly Observed Treatment Short-Course, DOTS, da OMS- 1993). Em 1998, o Conselho Nacional de Saúde, ao considerar que a situação da tuberculose no país ainda era crítica, e que o Plano Emergencial elaborado anos antes, ainda em implementação, estava 26 requerendo melhorias, define a tuberculose como um problema prioritário de Saúde Pública no país sugerindo o estabelecimento de estratégias para um novo plano através da resolução número 284 de 06/08/1998 (RUFFINO-NETTO & SOUZA, 1999 e RUFFINO-NETTO, 2001). Sendo assim, em 1998, devido à permanência de altas taxas de incidência da doença, altas taxas de abandono do tratamento e baixo percentual de cura e detecção de casos, foi lançada uma nova versão/atualização do Plano Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT), que introduziu algumas novidades como a extensão da cobertura, a oficialização formal do TS, e uma nova forma de repasse complementar para os municípios, feito sob a forma de bônus. Para cada caso de tuberculose curado, era repassado pelo Ministério da Saúde ao município um bônus, o qual era de R$ 150,00, caso realizado o tratamento supervisionado, ou R$ 100,00, caso não realizado. Em 2004, a concessão de bônus foi substituída por um recurso anual concedido aos municípios que apresentassem um plano de trabalho elaborado, que divide o recurso em três áreas: capacitação, educação em saúde, vigilância epidemiológica, laboratório e supervisão. (RUFFINO-NETTO, 2001; RUFFINO-NETTO e VILLA, 2006). A estratégia DOTS é composta por cinco componentes, a saber: 1. Compromisso Político; 2. Detecção de casos através de exames bacteriológicos (fortalecimento da rede laboratorial com controle de qualidade); 3. Supervisão da tomada dos medicamentos (tratamento supervisionado); 4. Distribuição de medicamentos regular e efetiva; 5. Sistema de Informação eficiente (BRASIL, 2006a). O componente tratamento supervisionado (TS) continua sendo uma das prioridades para que o PNCT atinja a meta de curar 85% dos infectados, diminuindo a taxa de abandono, evitando o surgimento de bacilos resistentes e possibilitando um efetivo controle da tuberculose no país (THE GLOBAL FUND, 2008). Ao longo dos anos, alguns planos e estratégias foram lançados pelo Ministério da Saúde com o objetivo de controlar a doença. Um desses planos foi o Plano Nacional de Controle da Tuberculose (2001-2005), publicado no ano de 2000. Este plano lançou uma estratégia de incentivo, baseada em um bônus à todos os municípios que desenvolvem ações de controle da tuberculose nas Unidades Básicas de Saúde, bem como a realização do tratamento supervisionado e o estímulo municipal da adesão ao PCT. Desse modo, foram introduzidas novas possibilidades de intervenção na proposta de trabalho do PCT, contando com a ESF e PACS, pressupondo que tal parceria poderia contribuir para a expansão do PCT, pois estas estratégias têm como instrumentos de trabalho a família e o domicílio. Em 2004, 27 foram lançados dois documentos referentes à tuberculose. O primeiro, uma nova versão do plano, assim como o anterior citava a horizontalização das ações do PCT, destacando a atuação da ESF bem como a atuação do PACS para garantir a efetiva ampliação do acesso ao diagnóstico e tratamento. Também destacava a necessidade de envolvimento de organizações não governamentais (ONGs) e de parcerias com organismos nacionais (Universidades, Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia) e internacionais de combate à TB: Coalizão Global de TB (Stop TB); União Internacional Contra a Tuberculose e Enfermidades Respiratórias (UICTER); Agencia Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID); Organização Mundial de Saúde (OMS); Organização Pan Americana de Saúde (OPAS), entre outras (RUFFINO-NETTO e VILLA, 2006). O segundo plano lançado pelo PNCT no ano de 2004 foi o plano estratégico para o período de 2004-2007 (Plano Nacional de Saúde), sendo este atualizado no ano de 2006, para um novo plano que reforça as atividades do PNCT (Plano Estratégico TB Brasil 2007-2015). Este novo plano tem como um dos objetivos específicos, a expansão do tratamento supervisionado (BRASIL, 2004b; BRASIL, 2006). No ano de 2010, o Ministério da Saúde lançou um Manual para Controle da Tuberculose no Brasil, do PNCT. Este Manual refere a importância da ampliação do tratamento supervisionado, que é mais oferecido pela ESF através dos ACS, além de citar a estratégia como sendo hoje a principal porta de entrada do paciente com TB: “Considera-se que a Atenção Básica (AB), e em particular a Estratégia de Saúde da Família seja hoje, no Brasil, a grande porta de entrada do paciente com TB” (pág. 99, BRASIL, 2010). Desta forma, podemos perceber que a ESF é considerada particularmente a principal porta de entrada dos pacientes de TB nos serviços de saúde, justamente pela sua proximidade com a comunidade. 4.3. O CONTROLE DA TB NA ESF Anteriormente à implantação do SUS, o controle da tuberculose já era realizado pelo serviço público de saúde, mas era feito nos centros de referência com modelo de organização vertical, especializados para o tratamento da doença. Concomitante à implantação do SUS, o controle da TB começou a ser descentralizado para Estados e Municípios (HIJJAR et al, 2007). Segundo o MS, até meados da década de 90, ocorreram dificuldades para a descentralização do controle da TB para alguns municípios brasileiros, que continuavam 28 realizando o atendimento aos casos e acompanhamento em ambulatórios especializados, sem expansão para a Rede Básica. Porém, ao longo dos anos os municípios foram aderindo aos poucos às recomendações do MS para controle da doença, principalmente após a definição, pelo MS, do controle da TB como sendo uma responsabilidade mínima da atenção básica em 2001(BRASIL, 2006a). A partir desse ano, assim como outras áreas programáticas, o controle da tuberculose passou a ser responsabilidade mínima da Atenção Básica, após a integração da Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária com o Departamento de Atenção Básica (DAB) da Secretaria de Políticas de Saúde (SPS), que formulou novas estratégias para o controle da doença. Desde então, as atividades do PCT são estimuladas a serem executadas em toda rede de atenção básica, tanto em unidades básicas de saúde, nas unidades de saúde da família (USF), além dos ambulatórios tradicionais com modelo de organização vertical e equipe especializada (SCATENA, 2009). A descentralização do controle da TB para a Saúde da Família consiste em incluir na rotina das equipes, o desenvolvimento das seguintes ações de controle de TB: busca ativa de sintomáticos respiratórios (BSR); solicitação de exames (baciloscopia, raio-x e cultura); diagnóstico; notificação; registro de informações; tratamento (supervisionado ou auto-administrado); acompanhamento do paciente (consultas mensais); exame de contatos e busca de faltosos e; alta (BRASIL, 2002). Em se tratando da tuberculose, cada profissional da equipe de saúde da família com PCT descentralizado, possui funções específicas. A seguir estão descritas as atribuições comuns a todos os profissionais das equipes, e em anexo, segue um quadro com as atribuições especificas para cada categoria profissional, de acordo com o MS (ANEXO 1). Atribuições comuns a todos os profissionais das ESF em relação à TB (BRASIL, 2008): Identificar os SR em visita domiciliar ou na USF; Orientar pacientes e familiares quanto aos medicamentos e possíveis efeitos; Realizar atividades educativas sobre Tb junto à comunidade; Convocar contatos e pacientes faltosos à consulta. É necessário que estas atividades sejam realizadas com certo comprometimento por parte destes profissionais, visto que a tuberculose é uma doença que necessita de um olhar 29 especial, demandando assim, habilidades desses profissionais para lidar com o paciente e com os instrumentos utilizados pelo programa. Atualmente alguns estudos reportam a descentralização do controle da TB não só para a ESF, mas na atenção básica como um todo no Brasil. No estudo realizado por Oliveira e Natal em 2007, a integração entre a atenção básica e as ações de controle da tuberculose foram estudadas, mais especificamente com o Programa Médico de Família (PMF) do município de Niterói/RJ, que é similar a ESF, porém sua gestão é feita pelas associações de moradores dos bairros onde os módulos são implantados, em conjunto com a Fundação Municipal de Saúde de Niterói. A pesquisa foi um estudo de caso, com abordagem qualitativa e quantitativa, e utilizou como medida de sucesso da integração entre o PCT e o PMF no município, o desenvolvimento das ações de diagnóstico e supervisão do tratamento da doença de maneira eficaz. Da mesma maneira, a qualidade dos serviços de saúde foi avaliada a partir da execução das atividades de acordo com o estabelecido pelo programa nacional. Alguns aspectos relacionados ao PMF em comparação às unidades básicas tradicionais estudadas mostraram certa vantagem do PMF como a questão da capacitação profissional, que rotineiramente é vivenciada pelos profissionais do PMF, enquanto que nas outras unidades essa capacitação ocorre raramente. Outro aspecto ressaltado pelos autores foi a execução do tratamento supervisionado, que é visto atualmente como de grande importância para a redução do abandono do tratamento. No PMF, o tratamento supervisionado foi realizado em 100% dos pacientes enquanto que nas unidades básicas, esta forma de tratamento alcançou menos de 10% dos casos acompanhados. O acesso é garantido nos módulos do PMF, pois se encontram próximos à clientela que atendem, e as visitas domiciliares são atividades rotineiras. Apesar dos aspectos positivos, segundo os autores, a integração entre o PCT e o PMF em Niterói ocorre de forma não sistematizada devido a falta de planejamento conjunto entre os dois programas, bem como ausência de avaliação compartilhada. A grande quantidade de atividades que os profissionais têm que realizar pode gerar uma sobrecarga de trabalho e resultar no descarte de algumas ações. Com isso, os autores concluíram que esta integração mostrou-se incipiente, e os principais pontos observados que impedem essa integração são a implantação e a consolidação do PMF em Niterói como um programa de caráter complementar, a carência de recursos humanos e a sobrecarga de trabalho (OLIVEIRA e NATAL, 2007). 30 O envolvimento da equipe de profissionais com as ações de controle da tuberculose também é importante para que o controle da doença seja atingido com resultados positivos, visto que se esses profissionais não tiverem consciência da importância de realizar as atividades do PCT que lhes cabe de maneira responsável, esse controle não tem como acontecer. No estudo de Monroe et al 2008, o envolvimento das equipes de atenção básica nas ações de controle da tuberculose foi analisado ante a percepção dos coordenadores do PCT de nove municípios prioritários do Estado de São Paulo através de pesquisa qualitativa. Neste estudo, entende-se por envolvimento das equipes de saúde, a forma como incorporam e executam as atividades técnicas da estratégia DOTS, principalmente o tratamento supervisionado (TS) e a busca de sintomáticos respiratórios (BSR). As principais barreiras apontadas nos depoimentos foram a debilidade quantitativa e qualitativa de RH e a visão centralizada e fragmentada da organização das ações de controle da TB no sistema de saúde. Esta debilidade quantitativa e qualitativa de RH se refere à falta de RH, sobrecarga de funções e inadequada qualificação dos profissionais das equipes de saúde para lidarem com a TB, e em decorrência dessa falta de RH, foi observado que os profissionais expressavam certa resistência à incorporação do TS e BSR na rotina diária de serviço. Essa falta de RH também pode comprometer a capacidade resolutiva dos serviços, o processo de interação com o doente de TB, bem como o vínculo e a adesão ao processo terapêutico. A alta rotatividade de profissionais devido a questões político-partidárias também foi apontada no artigo como capaz de prejudicar o vínculo do paciente e adesão ao tratamento. Em relação a visão centralizada e fragmentada da organização das ações de controle da TB no sistema de saúde, observou-se em dois depoimentos que as atividades relacionadas a TB são consideradas pelas equipes de saúde como de competência exclusiva dos centros de referência, o que contribui para a ausência de responsabilização local pelo controle da doença. Devido à falta de envolvimento profissional, até mesmo situações de maus tratos, falta de respeito e humanização no atendimento à TB foram relatadas em duas entrevistas, porém algumas delas apontaram maior envolvimento das equipes de saúde da família em comparação às unidades básicas para execução das atividades de controle da TB, principalmente o TS. Sendo assim, os autores destacaram a importância da criação de incentivos pelos coordenadores, tanto quanto a organização, viabilização, supervisão contínua e monitoramento da situação de TB para a reorganização da atenção a doença no contexto da atenção básica, e que o envolvimento, a conscientização e a articulação dos responsáveis pelo controle da doença nos diversos níveis 31 de atenção são fundamentais para a viabilização das ações de controle da TB na atenção básica (MONROE et al, 2008). A percepção dos doentes também é de grande valia para se avaliar o desempenho dos serviços de saúde no controle da tuberculose, visto que eles são os usuários do sistema. Um estudo recente de Oliveira et al. 2009, avaliou, na percepção dos doentes, o desempenho dos serviços de saúde responsáveis pelo controle da tuberculose em relação as dimensões enfoque na família e orientação para a comunidade no município de São José do Rio Preto, SP, em unidades básicas de saúde e no ambulatório de referência. A pesquisa teve uma abordagem quantitativa, que utilizou um modelo de estudo transversal, tendo como quadro teórico as dimensões da Atenção Primária à Saúde, utilizando como instrumento um questionário estruturado, o qual foi adaptado e validado no Brasil para atenção à tuberculose. O estudo foi constituído por 108 pacientes acompanhados pelo PCT nas unidades de saúde. Foram analisadas duas dimensões (Enfoque na Família e Orientação para a comunidade). Os resultados mostraram que os profissionais de saúde pedem sempre informações sobre as condições de vida da família do doente, sobre doenças na família, com presença de tosse ou febre, com freqüência, mas estes profissionais conversam pouco sobre outros problemas de saúde, o que compromete o aspecto da integralidade na assistência do cuidado, segundo os autores. Os autores ainda destacaram ser necessário introduzir novas estratégias de trabalho para o modelo de assistência, remodelar o “velho” para construir um “novo” sistema, deixar o modelo tradicional de atendimento ao doente por um modelo moderno, incorporando expectativas dos doentes, com envolvimento ativo das famílias, na direção da concepção do modelo de promoção à saúde. Assim, concluíram que em relação ao enfoque na família, os profissionais de saúde demonstraram preocupação com respeito aos sinais e sintomas dos pacientes, e, em menor grau, sobre outros problemas de saúde e de seus familiares, comprometendo a integralidade da assistência à saúde. Quanto à dimensão orientação para a comunidade, a preocupação dos profissionais de saúde é menor em relação à busca ativa de casos. Em relação à observação de propagandas, os resultados foram positivos, mas o mesmo não acontece em relação ao oferecimento dos serviços prestados pelos profissionais de saúde. Os autores ainda destacam a deficiência de capacitação dos profissionais, baixa detecção de sintomáticos respiratórios e contatos examinados (OLIVEIRA et al, 2009). O estudo de Oliveira et al (2009), permite observar que o modelo tradicional de assistência deixa a desejar quando o assunto é enfoque na família e orientação para a 32 comunidade. Em se tratando da tuberculose, esses são aspectos fundamentais para o controle da doença. A busca de sintomáticos respiratórios também tem grande importância para que casos novos sejam detectados e devidamente tratados. O modelo de assistência tradicional não comporta esses aspectos, sendo então necessário um novo modelo de atenção, como o autor refere, voltado para a promoção da saúde, e esse novo modelo deve possuir as características da ESF, que é voltada para a família e para a comunidade. O acesso ao tratamento de tuberculose, que limita ou facilita a capacidade das pessoas de usarem os serviços de saúde quando necessitam, também é importante de se avaliar quando se analisa a atenção básica e o controle da tuberculose. No estudo de Figueiredo et al 2009, o acesso ao tratamento da TB em serviços de saúde vinculados ao Programa de Saúde da Família e em ambulatório de referência foi investigado através da realização de um inquérito com 106 doentes que receberam tratamento para a tuberculose em Campina Grande, PB. Foi utilizado um instrumento, validado e adaptado para TB no Brasil. Os resultados mostraram que 16,1% dos pacientes realizaram o tratamento supervisionado, sendo, a maior parte deles, no PSF. Quanto às visitas domiciliares, dos 22,7% que receberam visitas com alguma freqüência, também houve diferenças estatisticamente significativas, ocorrendo com maior freqüência no PSF. Quanto à freqüência com que o vale transporte foi oferecido ao doente pela equipe que acompanha o tratamento, 73,6% afirmaram que este nunca foi oferecido. Os autores concluíram que o tratamento supervisionado foi pouco incorporado no município, apesar de apresentar 85 equipes de saúde da família, e que embora o tratamento da tuberculose seja disponibilizado pelo serviço público de saúde, ainda representa um custo econômico para o paciente em função da necessidade de deslocamento até o serviço de saúde, bem como a perda do turno de trabalho para ser consultado (FIGUEIREDO et al, 2009). Outro estudo, de Marcolino et al 2009, avaliou o acesso às ações de controle da tuberculose, porém no contexto das Equipes de saúde da Família de Bayeux, PB. Pesquisa avaliativa, de abordagem quantitativa, envolveu 82 profissionais de saúde que responderam a um questionário fechado. Os resultados revelaram potencialidades e fragilidades de acesso ao controle da TB. Quanto às potencialidades, os autores constataram que a descentralização do tratamento dos casos vem se estabelecendo na prática das ESF: 92,7% dos entrevistados mencionaram que os doentes de TB sempre conseguem consulta nas unidades, sendo possível para 82,9% obtê-la no prazo de 24hs; os medicamentos específicos se mostraram acessíveis para 64,6% das ESF. Como fragilidades, foi verificado que 61% dos entrevistados não 33 realizaram coleta de escarro na unidade; 54,9% das unidades não ofereceram atendimento no horário de almoço; 89,8% dos entrevistados não contam com auxílio de transporte, o que prejudica a adesão ao tratamento; apenas 40,2% das unidades adotam regularmente a visitação domiciliar. Sendo assim, os autores recomendam a adoção de mecanismos de gestão que viabilizem a uniformização e a utilização dos recursos existentes ampliando a capacidade resolutiva da ESF, promovendo a eficiência na prestação de serviços e assegurando o acesso da população (MARCOLINO et al, 2009). A partir da análise dos artigos referidos, pôde-se perceber que a sobrecarga de trabalho nas equipes de saúde da família foi referida como sendo prejudicial tanto à integralidade da assistência e vínculo com o doente quanto à própria qualidade de prestação de serviços dos profissionais da equipe, que por estarem sobrecarregados deixam de realizar algumas tarefas. Esta sobrecarga de trabalho foi apontada como sendo conseqüência da precariedade de recursos humanos além da quantidade de tarefas que os profissionais têm de cumprir em sua rotina diária de trabalho. Um fator apontado como sendo prejudicial à formação de recursos humanos adequados foi a alta rotatividade de profissionais da equipe devido a questões políticas municipais, que por sua vez prejudicam o vínculo entre pacientes e os profissionais de saúde. Também foi observado que as equipes de saúde ainda possuem uma visão fragmentada e centralizada, ou seja, as atividades relacionadas à TB são consideradas pelas equipes como sendo de responsabilidade dos centros de referência para tratamento da doença (OLIVEIRA & NATAL, 2007; MONROE et al, 2008; OLIVIRA, 2009; MARCOLINO et al, 2009 e FIGUEIREDO et al, 2009). Para Monroe et al (2007), esta situação indica que os serviços estão organizados na lógica dos sistemas fragmentados, onde são priorizados os eventos agudos e atuam através de pontos isolados, sem qualquer comunicação entre si, incapazes de prestar uma atenção contínua e se responsabilizarem por uma população determinada. Esta fragmentação encontrada nos serviços de saúde é histórica, visto que as ações de saúde pública foram estruturadas em programas estanques e verticais, voltadas para os eventos agudos e curativos. O processo de implementação do SUS, com seus princípios e diretrizes constitucionais tais como a universalidade, equidade e a integralidade, acabou recebendo essa herança do modelo assistencial anterior à sua criação. É claro que muita coisa mudou nessas duas décadas de SUS, hoje promoção e a prevenção da saúde estão em evidência, e as práticas em saúde mudaram de certa forma, apesar de ainda haverem resquícios do modelo anterior. 34 Com isso podemos perceber que a ESF descrita nos documentos oficiais, se apresenta de modo idealizado e distante da realidade dos municípios, onde muitos problemas ainda são encontrados. Um fato muito importante em relação a ESF executar as ações de controle da TB, é a ampliação do acesso aos usuários, que antes era restrito aos centros de referência e UBS. Daí a importância de se avaliar o desempenho da ESF na execução destas atividades, principalmente em relação aos profissionais de saúde, ou seja, se estes têm o mesmo comprometimento com estas atividades que os profissionais dos centros de referência possuem. 5. METODOLOGIA Esta dissertação constitui uma avaliação normativa, com foco na dimensão relacional das práticas relacionadas à tuberculose no âmbito da ESF. As características relacionais avaliadas referem-se à relação profissional x profissional (relações de trabalho e no trabalho); à relação gestor x profissional (relações de gestão) e à relação gestor x gestor, pois neste caso, existem dois coordenadores envolvidos nesse processo de descentralização, o coordenador do PCT e o coordenador regional de SF, e considera-se esta relação fundamental para a execução do controle da tuberculose pela ESF. Foi adotada a técnica de métodos mistos, com ênfase no emprego do instrumental técnico-metodológico da pesquisa qualitativa. Desse modo, foram utilizadas diferentes fontes de dados tais como análise documental, indicadores de saúde e material decorrente da aplicação de métodos de pesquisa qualitativa (entrevistas semi-estruturadas, grupos focais, e observação de campo). O primeiro passo tomado para proceder a avaliação foi a construção do Modelo Lógico das Atividades do PCT realizadas pelas Equipes de SF, com objetivo de representar graficamente, o modo como a descentralização das ações de controle da TB para a SF foi planejada no município. Como referencial teórico para a construção deste Modelo, utilizou-se o modelo proposto pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), além de outros documentos como o Manual de recomendações para o controle da TB no Brasil (2010) (BRASIL, 2007, OLIVEIRA E NATAL, 2007, BRASIL 2010). Além disso, para adequação do modelo à descentralização planejada no município, foi utilizada a entrevista realizada com 35 a Coordenadora do PCT municipal no âmbito do estudo “Avaliação do sistema de informação da tuberculose nos treze municípios de abrangência do Fundo Global Tuberculose Brasil no Estado do Rio de Janeiro” (COSTA et al, 2010). Após a construção do modelo, o mesmo foi apresentado à coordenadora do PCT do município a fim de que fossem realizados os ajustes necessários. A coordenadora do PCT em São Gonçalo ratificou o diagrama, confirmando a exatidão dos insumos, atividades, produtos, resultados e impactos previstos no planejamento da descentralização do PCT para a ESF em São Gonçalo. Após a finalização do modelo, foram então elaborados os roteiros de entrevista para os coordenadores de SF do município e para os profissionais das equipes de SF. Foi elaborado um roteiro de entrevistas com os profissionais das USF e um roteiro de entrevista com os coordenadores regionais do PSF (Anexos 2 e 3). Os roteiros de entrevista semi-estruturada subdividem-se nos temas relacionados aos objetivos desta pesquisa. Os temas abordados foram: Estrutura da USF; Atividades do PCT realizadas e fluxo de atendimento de TB na USF e Percepção dos profissionais de saúde sobre as atividades de controle da TB. A definição dos sujeitos da pesquisa foi por amostra de conveniência (indicação da coordenadora do PCT em São Gonçalo). Foram convidados a participar do estudo por meio de entrevistas com roteiro semi-estruturado, as duas Coordenadoras regionais de PSF4 de dois bairros do Município com maior número de casos de TB ao ano (Jardim Catarina e Rio do Ouro), e profissionais (enfermeiro, ACS, Téc. de Enfermagem) de 10 equipes de SF do bairro Jardim Catarina, apontado pela coordenadora do PCT como o bairro com maior incidência de tuberculose no município. Não foi possível realizar entrevistas com os médicos das equipes, pois no momento das visitas às unidades, nenhum médico estava presente. Este bairro foi escolhido como campo de pesquisa devido a ser o bairro com maior número de casos de TB ao ano, ser um bairro extenso, populoso e humilde, e possuir o maior número de equipe de SF do município. Porém, das 17 equipes de SF existentes no bairro, foi possível estudar somente 10, pois as demais equipes se localizavam em áreas de difícil acesso e de risco. Entretanto, optou-se por entrevistar duas coordenadoras regionais de PSF de bairros com maior demanda 4 No decorrer da apresentação dos resultados e discussão, será utilizada a sigla PSF para designar a Estratégia de Saúde da Família, pois é assim que esta estratégia é chamada no município por todos os profissionais, inclusive na Secretaria de Saúde e Coordenações de Saúde da Família. 36 de atendimento aos casos de TB por se considerar importante captar a visão de diferentes gestores envolvidos no processo de descentralização do controle da TB para a SF, e assim, detectar possíveis contradições. As entrevistas foram realizadas e gravadas com prévia autorização dos participantes que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (Anexo 4). Estas gravações foram transcritas, sendo de responsabilidade da pesquisadora a coleta dos dados, bem como a organização e a interpretação das narrativas, visando dimensionar padrões importantes de relações. O registro em diário de campo foi decorrente da observação do comportamento das equipes de SF, in loco. Na análise do material de campo, foi realizada uma leitura exaustiva das transcrições, o que permitiu a apreensão das idéias centrais e de relevância sobre o tema pesquisado considerando as seguintes macro-categorias: a Estratégia de Saúde da Família; a tuberculose como uma questão de saúde pública; e a incorporação das atividades do PCT pela equipe de saúde da família como estratégia de enfrentamento da tuberculose. O estudo se estrutura em torno destas questões, que permeiam toda a investigação, e, tem como eixos nucleadores as seguintes categorias empíricas: Estrutura da USF; Atividades do PCT realizadas e fluxo de atendimento de TB na USF e Percepção dos profissionais de saúde sobre as atividades de controle da TB. A partir da análise do material de campo foram criadas novas categorias empíricas, tendo sido ordenadas da seguinte forma na apresentação dos resultados: o Descentralização do PCT para o PSF e organização das ações de controle da TB executadas no âmbito da Saúde da Família; o Estrutura das USF; Disponibilidade de insumos; Realização das atividades do PCT nas USF; Protocolo/rotina de atendimento e atribuições relativas às atividades de PCT por categoria profissional nas USF; o Percepção dos profissionais de saúde sobre as atividades de controle da TB; Incorporação da BSR; 37 Percepção dos profissionais em relação à BSR a ao TS; Sobrecarga de trabalho; Satisfação profissional. Na apresentação dos resultados, foi contextualizada a ESF em relação ao controle da TB no município de São Gonçalo. Esta contextualização teve como base as entrevistas com a coordenação regional de PSF no município (duas coordenadoras), indicadores de tuberculose do município, fornecidos pela Secretaria Municipal de Saúde e Programa Estadual de Controle da TB, entrevistas com os profissionais das equipes, e entrevista realizada com a Coordenadora do PCT no âmbito da pesquisa: “Avaliação do sistema de informação da tuberculose nos treze municípios de abrangência do Fundo Global Tuberculose Brasil no Estado do Rio de Janeiro (COSTA et al, 2010). Os entrevistados foram codificados a fim de garantir o anonimato dos sujeitos da pesquisa. As Coordenadoras Regionais de PSF foram codificadas com as siglas C1 e C2; os profissionais das equipes foram codificados com as iniciais de sua categoria profissional: Enfermeiros (E1; E2; E3; E4; E5; E6 e E7); Técnicos de Enfermagem (TE1; TE2; TE3); Agentes Comunitários de Saúde (ACS1; ACS2). A partir da análise das categorias apresentadas anteriormente, foi realizada uma comparação com o Modelo Lógico das atividades de controle da TB realizadas pelas equipes de SF proposta em São Gonçalo, com o que foi observado durante o trabalho de campo, e feita uma análise para avaliar se o que foi planejado está realmente ocorrendo no município. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do IESC/UFRJ, e o estudo foi desenvolvido de acordo com a resolução 196/96 a respeito da realização de pesquisas com seres humanos. Da mesma forma, o projeto de Dissertação foi submetido à aprovação pela Secretaria Municipal de Saúde/Coordenação do PSF do município de São Gonçalo, bem como pela Coordenação do Programa de Controle da Tuberculose do Município, tendo sido aprovado. 38 5.1. TRABALHO DE CAMPO O trabalho de campo ocorreu entre os meses de setembro / outubro de 2010. Como mencionado, foi solicitado à Coordenadora do PCT do município de São Gonçalo, que indicasse os bairros/regiões do município que possuem maior demanda de atendimento de tuberculose (o município é dividido em cinco regiões). Cada região possui um coordenador regional de PSF. Visto que o município é muito grande e populoso, não foi possível estudar todas as regiões do município. Sabendo-se as regiões com maior demanda de atendimento de TB, foi então feito contato com as respectivas coordenadoras regionais de PSF (bairro Jardim Catarina e Rio do Ouro), apresentado o TCLE (anexo 4) e explicado todo o procedimento da pesquisa. Foi então realizada uma entrevista semi-estruturada com a coordenadora do bairro Jardim Catarina, como pré-teste do roteiro, não havendo problemas e dificuldades em sua realização (anexo 3). Em seguida, foi entrevistada a coordenadora regional de Rio do Ouro. Feitas as entrevistas com as coordenações, foram então realizadas entrevistas com 15 profissionais de dez equipes de SF disponíveis em realizar a entrevista no momento da visita (sete enfermeiros, cinco agentes comunitários de saúde (ACS) e três técnicos de enfermagem). Estes profissionais foram abordados por mim em suas unidades de saúde, onde me apresentei e expliquei todo o procedimento da pesquisa assim como os deixei cientes que a participação era voluntária. Todos os entrevistados receberam uma cópia e assinaram o TCLE (anexo 4). Em nove unidades a entrevista foi realizada em conjunto com os profissionais que se dispuseram a participar, nos moldes da realização dos grupos focais. Desse modo deixou-se que os profissionais manifestassem suas opiniões livremente, sem interferir na interlocução travada entre eles a respeito dos diversos pontos abordados no roteiro de entrevista. O pré-teste do roteiro de entrevistas com as equipes de saúde da família (anexo 2) foi realizado com profissionais de duas equipes (2 enfermeiras, 1 ACS e 1 Tec. de enfermagem), não havendo problemas nem dificuldades na realização da entrevista. Também foi realizada observação com registro em diário de campo dentro da própria unidade das atitudes dos profissionais e percepções em relação às atividades de controle da TB. Pretendia-se observar os profissionais executando tais atividades, porém não foi possível por não haver nenhum paciente em acompanhamento em nenhuma unidade no momento do trabalho de campo. A observação foi realizada no momento da visita às unidades de saúde da família. 39 6. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 6.1 O MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO São Gonçalo é um município localizado na Região Metropolitana II do Rio de Janeiro e possui uma área de 249 km². A população estimada para o ano de 2009 é de 991.382.000 habitantes, sendo este município o segundo mais populoso do Estado do Rio de Janeiro, depois da capital (IBGE, 2010). O município faz divisa com os municípios de Itaboraí, Maricá e Niterói, além da Baía de Guanabara. É dividido em cinco distritos, e estes distritos em 91 bairros oficiais, além de 18 bairros reconhecidos pela população (Figura 1) (www.saogoncalo.rj.gov.br, acessado em 17/06/2010). Figura 1 – Mapa dos distritos e bairros de São Gonçalo. Fonte: Portal do Município de São Gonçalo, disponível em http://www.saogoncalo.rj.gov.br/mapas.php, acessado em 17/06/2010. Segundo o IBGE, o município possui um maior número de habitantes do sexo feminino, concentrados na faixa etária de 20 a 39 anos (166.949 hab.). No gráfico 3, podemos observar a pirâmide etária do município, que possui uma tendência de estreitamento da base, indicando certo grau de desenvolvimento do município. A taxa de crescimento anual estimada para o 40 município de 2006 a 2009 é de 0,6%, com 61,6% de proporção da população feminina em idade fértil estimada para 2009 (DATASUS, 2010). Gráfico 3- Pirâmide Etária do município de São Gonçalo referente ao percentual da população residente por faixa etária estimada para o ano de 2009. Fonte: Datasus, 2010. Quanto aos dados de morbidade hospitalar em São Gonçalo, no ano de 2009, a maior parte das internações (20,8%) foram devidas a causas do aparelho respiratório, em segundo lugar (18,3%) devidas a causas do aparelho circulatório e em terceiro (15,9%) foram devidas a gravidez, parto e puerpério. Segundo dados preliminares do Datasus, no ano de 2008 foram registrados 6.866 óbitos no município. Na distribuição da Mortalidade Proporcional (gráfico 4), pode-se observar que a proporção é maior para doenças do aparelho circulatório, seguida das demais causas definidas e neoplasias. Isso nos indica que o município passou pela fase de transição epidemiológica, onde ocorre a substituição de altos índices de mortalidade por doenças infecto-parasitárias por doenças crônico-degenerativas e não transmissíveis, o que pode ser observado claramente no gráfico a seguir (DATASUS, 2010). 41 Gráfico 4- Mortalidade proporcional por todas as idades segundo dados preliminares referentes ao ano de 2008 em São Gonçalo. Fonte: Datasus, 2010. No ano de 2009 o município apresentou taxa de incidência de tuberculose de 54 casos por 100.000 habitantes (COSTA et al, 2010). Dentre os municípios prioritários do Fundo Global Tuberculose Brasil no Rio de Janeiro, o município de São Gonçalo foi o que apresentou a menor taxa de incidência da doença. Em 2008, do total de casos novos de TB (546), o percentual de cura da doença foi 71,8%, o percentual de abandono 11,4%, e a proporção de óbitos 4,1%. Isso demonstra que o município ainda não conseguiu atingir a meta do Ministério da Saúde, que é curar 85% dos casos de TB e reduzir o abandono para menos de 5%, o que reforça a idéia da necessidade de se aumentar a qualidade da cobertura e o acesso, contando com a ESF através do vínculo com o paciente e sua família para tentar reduzir o percentual de abandono e aumentar o percentual de cura de doença. 42 6.1.1. O BAIRRO JARDIM CATARINA O bairro de Jardim Catarina, o qual serviu como campo de estudo, localiza-se no 3º Distrito do município (Monjolos). O bairro é considerado o maior loteamento da América Latina e apesar de possuir uma faixa de terra menor do que outros bairros localizados em São Gonçalo e recebeu este título devido a grande quantidade de lotes 12x30m. O bairro é limitado ao norte e ao sul e a leste, respectivamente, pela Rodovia Amaral Peixoto (RJ-104) e pelo canal Gonçalves. O bairro possui diferentes setores: Jardim Catarina velho e Jardim Catarina novo, e atualmente os loteamentos são definidos com habitações em alvenaria e, apesar das residências terem padrões satisfatórios, o bairro não possui infra-estrutura e urbanização suficiente a demanda local. O principal problema é o esgoto sanitário que tem as suas instalações precárias, tendo-se grande presença de valas a céu aberto como alternativa para os sistemas coletores. O bairro possui aproximadamente entre 17 e 23 mil domicílios e uma população estimada de 280 mil habitantes (WIKIPEDIA, 2010). O bairro foi escolhido para servir de cenário ao trabalho de campo por indicação da coordenação do PCT, devido este ser o bairro com maior número de casos de TB ao ano. O fato do bairro ser extenso, populoso e pobre, acaba fazendo com que a tuberculose seja um problema que merece atenção especial, e talvez essas características do bairro sejam responsáveis por este ser o que possui maior número de casos da doença ao ano. A figura 2 apresenta um mapa do bairro Jardim Catarina: Figura 2- Mapa do bairro Jardim Catarina. Fonte: Wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Jardim_Catarina), acessado em 18/12/2010. 43 A tabela 1 apresenta os dados relativos à TB do bairro Jardim Catarina, nos anos de 2009 e primeiro trimestre de 2010: Tabela 1- Dados referentes à Tuberculose do bairro Jardim Catarina (ano 2009 e 1º trimestre de 2010) Número total de casos 36 2009 33 1º Trimestre 2010 Total de casos de TB curados e percentual de cura dos casos 2009 23 Total em TS 5 % de cura 64% % de cura em TS 22% 1º Trimestre 2010 10 Total em TS 5 % de cura 30% Número e percentual de abandonos de tratamento 2009 % de abandono 1º Trimestre 2010 % de abandono 5 14% 1 3% Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de São Gonçalo/ Superintendência de Saúde Coletiva/Programa de Controle da Tuberculose. Janeiro de 2011. A partir da apresentação desses dados podemos observar que a meta do MS de curar 85% dos casos de TB não foi alcançada no bairro, além do percentual de abandono estar maior que 5%. 44 6.2 A REDE MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO GONÇALO: IMPLANTAÇÃO DA ESF NO MUNICÍPIO O município de São Gonçalo está habilitado na modalidade de Gestão Plena do Sistema Municipal lançada pela NOB 01/96, ou seja, o município tem a responsabilidade de garantir a oferta de serviços baixa, média e alta complexidade para a própria população e outras referenciadas por municípios vizinhos, além de executar ações básicas e de média e alta complexidade de vigilância sanitária, ações básicas de epidemiologia, controle de doenças e ocorrências mórbidas (www.fns.gov.br, 2010). A tabela 2 descreve a quantidade de estabelecimentos de saúde do município, bem como a esfera gestora de cada um deles referentes a janeiro de 2011: Tabela 2 - Quantidade de estabelecimentos de saúde por Esfera Administrativa segundo Tipo de Estabelecimento - Município: São Gonçalo Período: Jan/2011 Tipo de Estabelecimento Estadual Municipal Privada Total Central de Regulação de Serviços de Saúde 0 1 0 1 Centro de Atenção Psicossocial 0 3 0 3 Centro de Saúde/Unidade Básica de Saúde 0 22 0 22 Clinica Especializada/Ambulatório Especializado 0 1 86 87 Consultório Isolado 0 0 188 188 Hospital Dia 0 0 1 1 Hospital Especializado 0 0 10 10 Hospital Geral 1 1 13 15 Policlínica 0 6 28 34 Posto de Saúde 0 106 0 106 Pronto Atendimento 1 0 0 1 Pronto Socorro Especializado 0 1 0 1 Pronto Socorro Geral 0 4 0 4 Secretaria de Saúde 0 1 0 1 Unidade de Serviço de Apoio de Diagnose e Terapia 0 0 76 76 Unidade de Vigilância em Saúde 0 1 0 1 Unidade Móvel Terrestre 0 7 0 7 Total Fonte: Datasus, 2011, disponível em www.datasus.com.br, 2 acessado154 402 558 em 31/01/2011. A implantação da Saúde da Família em São Gonçalo começou no ano 2000, com o treinamento e capacitação das equipes, porém foi efetivada realmente em 2001 (COSTA et al, 2010). As equipes de saúde da família são formadas por: médico, enfermeiro, técnico/auxiliar de enfermagem, e de quatro a seis agentes comunitários de saúde. No momento do trabalho de campo (setembro/outubro de 2010), o município contava com 179 equipes de SF, com 45 cobertura populacional de aproximadamente 65%, e de acordo com as informações fornecidas pelos entrevistados, as equipes estudadas possuíam um número de pessoas cadastradas que variava de 3.000 a mais de 6.000 pessoas por equipe. Este quantitativo de pessoas cadastradas está em desacordo com a PNAB, que recomenda que este número seja de 3.000 pessoas, e no máximo 4.000, o que acaba gerando sobrecarga de atendimento (BRASIL, 2006). A tabela 3 descreve a população do município para 2010, a população cadastrada no PSF e o percentual de cobertura: Tabela 3 - População total do Município para o ano de 2010, população cadastrada no PSF e percentual de cobertura. Cobertura do PSF *População do Município 991.382.000 **População Cadastrada 642.322.600 Percentual de Cobertura 65% Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de São Gonçalo/ Coordenação de PSF. *Dados retirados do Censo 2010 - IBGE. **De acordo com as áreas de cobertura do PSF. A rede de assistência à saúde do município, no que concerne à saúde da família, é organizada por uma divisão em Pólos Sanitários, pois o município é muito grande. São cinco Pólos Sanitários distribuídos estrategicamente no município: Pólo Sanitário Hélio Cruz, Pólo sanitário João Goulart, Pólo Sanitário Paulo Marques Rangel, Pólo Sanitário Rio do Ouro e Pólo Sanitário Washington Luiz Lopes. O bairro Jardim Catarina é um dos vinculados ao Pólo Sanitário João Goulart, que se localiza no próprio bairro, porém com relação à tuberculose, os exames de baciloscopia são realizados no Pólo sanitário Hélio Cruz, que é o Pólo de referência em tuberculose daquela região localizando-se em Alcântara. Já o bairro Rio do Ouro é ligado ao Pólo Sanitário Rio do Ouro, porém com relação à tuberculose, a referência do bairro também é o pólo Hélio Cruz. Os pólos de referência para tuberculose estão situados em pontos estratégicos no município, um abrangendo mais a parte de Alcântara (Pólo Sanitário Hélio Cruz), e o outro abrangendo mais o centro (Pólo Sanitário Washington Luiz Lopes), e cada Pólo possui um laboratório que realiza exames só referentes à TB. Se um paciente é identificado na unidade de referência e este pertence a uma área adscrita na equipe 46 de saúde da família, ele então é encaminhado para esta equipe para ser acompanhado por ela, se o paciente aceitar que assim seja. Cada Pólo Sanitário possui certo número de equipes de saúde da família vinculadas (variando de 30 a 39 equipes), e cada pólo possui uma coordenadora regional de PSF. O Pólo Sanitário João Goulart, além de ser vinculado ao bairro Jardim Catarina, também vincula-se com outros bairros, sendo Jardim Catarina o principal. Ao todo, são trinta equipes de saúde da família nesses bairros ligados a este pólo, e só no bairro Jardim Catarina, são 17 equipes de SF. Todas as equipes são supervisionadas pela mesma coordenadora regional de PSF. Esta coordenadora regional é enfermeira e trabalha no município há nove anos (de 2001 a 2005 em uma equipe de SF), e desde 2005 é coordenadora regional de PSF. Já o pólo sanitário Rio do Ouro possui ao todo 39 ESF vinculadas a ele. O bairro Rio do Ouro propriamente dito, não possui equipes de saúde da família, somente em áreas próximas ao bairro. A coordenadora regional do pólo Rio do Ouro também é enfermeira, e está no cargo há pouco mais de um ano. O quadro 2 descreve esta divisão em Pólos Sanitários no Município, bem como o número de ESF vinculadas a cada Pólo, os bairros, e a população adscrita a cada Pólo: 47 Quadro 2- Pólos de Referência para o Tratamento de Tuberculose, Pólos Sanitários, número de equipes de Saúde da Família, população e bairros vinculados por Pólo Sanitário. Pólo Sanitário Hélio Cruz (Referência em tratamento de TB) Total de ESF ligadas ao Pólo: 107 Pop. Total vinculada ao Pólo: 354.014.820 Pólo Sanitário Washington Luiz Lopes (Referência em tratamento de TB) Total de ESF ligadas ao Pólo: 72 Pop. Total vinculada ao Pólo: 288.576.500 Pólo Sanitário Pólo Sanitário Pólo Sanitário Hélio Cruz João Goulart Rio do Ouro (Alcântara) (Jardim Catarina) (Rio do Ouro) Pólo Sanitário Paulo Marcos Rangel (Portão do Rosa) Pólo Sanitário Washington Luiz Lopes (Centro) Pop. da área 128.969.230 Pop. da área 120.026.250 Pop. da área 105.019.340 Pop. da área 138.976.620 Pop. da área 149.599.880 Pop. Total Cadastrada 642.591.320 ESF 38 Bairros ESF 30 Bairros ESF 39 Bairros ESF 33 Bairros ESF 39 Bairros Total ESF 179 Total de Bairros Bom Retiro Guaxindiba Jardim Catarina Pacheco* Santa Luzia* Marambaia Lagoinha Marambaia II Laranjal* Vista Alegre Arsenal Alacomba Anaia Pequeno Tribobó Meia Noite Amendoeira Bandeirantes Jóquei Santa Izabel Almerinda Maria Paula Engenho do Roçado Miriambi Pacheco* Colubandê* Novo México Vila Candoza Jardim República Vila Três Boaçu Fazenda dos Mineiros Itaoca Itaúna Manoel da Ilhota Mutuá Mutuaguaçú Mutuapira Nova Cidade* Palmeiras Bairro Rosane Palmeiras II Boas Vista Santa Luzia* Vila Laje Antonina Brasilândia Água Mineral Zumbi Cruzeiro do Sul Galo Branco Estrela do Norte Lindo parque Rocha Menino Deus São Miguel Porto Novo Pita Neves Morro do Castro Gradim Porto da Pedra Engenho pequeno Venda da Cruz Morro da Torre Patronato Paiva Barro Vermelho Engenho Pequeno II Jardim Alcântara Colubandê* Luiz Caçador Trindade Mutondo Jardim Fluminense Laranjal* Alcântara Monjolos Pacheco* Coelho Alvorada Nova Cidade* 72 *Bairros cobertos por dois ou mais pólos regionais. Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/coordenação de PSF (novembro de 2010). 48 O quadro 3 descreve o número de equipes de SF, por bairros no município de São Gonçalo: Quadro 3- Bairros do Município de São Gonçalo com seus respectivos números de ESF Alacomba 2 Alcântara 1 Almerinda 3 Amendoeira 2 Anaia Pequeno Antonina 1 Palmeiras 2 1 Manoel da Ilhota Marambaia 2 Patronato 1 5 Maria Paula 4 Pita 1 3 Meia Noite 3 3 2 2 Guaxindiba 1 Menino de Deus Miriambi Porto da Pedra Porto Novo Rocha 1 1 Galo Branco Gradim Arsenal Água Mineral 2 1 Itaoca Itaúna 1 4 2 1 3 2 Barro Vermelho Boa Vista 1 Jardim Alcantara Jardim Catarina Jardim Fluminense 1 Mutuá 3 Rosane Santa Izabel Santa Luzia São Miguel Tribobó 2 2 Bandeirantes Monjolos Morro da Torre Morro do Castro Mutondo Boaçu 5 1 Mutuaguaçu 1 Trindade 11 Bom Retiro 2 Jardim República Jóquei 3 Mutuapira 3 1 Brasilândia 3 Lagoinha 2 Neves 2 Coelho 3 1 Nova Cidade 3 Colubandê 7 Largo da Ideia Laranjal Venda da Cruz Vila Candoza Vila Lage 4 1 Vila Três 1 Cruzeiro do Sul Engenho do Roçado 1 Lindo Parque Luiz Caçador 2 Novo México Pacheco 7 1 3 Paiva 2 Vista Alegre Zumbi 3 2 Engenho Pequeno Estrela do Norte Fazenda dos Mineiros 2 Total de Bairros 72 Total de ESF 179 17 1 2 4 1 4 2 2 1 1 1 1 Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de São Gonçalo/ Coordenação de PSF. 49 6.3. DESCENTRALIZAÇÃO DO PCT PARA A SAÚDE DA FAMÍLIA E ORGANIZAÇÃO DAS AÇÕES DE CONTROLE DA TB EXECUTADAS NO ÂMBITO DA SAÚDE DA FAMÍLIA As primeiras tentativas de descentralização do PCT para a Saúde da Família começaram em 2006, porém a coordenadora do PCT relata terem ocorrido dificuldades operacionais para essa descentralização, mas não explicitou quais foram estas dificuldades. Em 2008, foram realizadas capacitações para atuação em tuberculose com os enfermeiros de todas as equipes, e no decorrer do ano de 2009 foi a vez dos médicos e dos ACS. Em junho de 2009 é que efetivamente começou a descentralização para a SF, quando foram introduzidos nas unidades os livros de registro relativos à TB. Na ocasião do trabalho de campo haviam sido capacitadas 179 equipes de saúde da família para realizar todo o atendimento de tuberculose aos casos simples (casos novos). Os casos mais graves são encaminhados para as unidades de referência (COSTA et al, 2010). A figura a seguir (Figura2) apresenta o Modelo Lógico da execução das atividades de controle da TB pelas ESF, planejada no município, elaborado a partir da entrevista realizada com a Coordenadora do PCT da pesquisa de Costa et al (2010): 50 Figura 2- Modelo Lógico da execução das atividades de controle da TB pelas ESF proposta no município de São Gonçalo. Baseado no Modelo proposto por Oliveira et al (2010). 51 A seguir, a figura 3 descreve especificamente como foi proposta a execução das atividades de controle da TB pelas ESF, no que diz respeito aos mecanismos de coleta de material (BAAR), obtenção de resultado, provimento de medicamentos, entre outros: Figura 3 – Esquema da execução do controle da TB pela SF (mecanismos de coleta de amostras, obtenção de resultados e provimento de medicação, proposta em São Gonçalo). Segundo informações fornecidas pelo PCT de São Gonçalo, Jardim Catarina, que situa-se no 3º Distrito do município (Monjolos), é o bairro que possui o maior número de casos de tuberculose ao ano; e em segundo lugar, o bairro Rio do Ouro, que situa-se no 2º Distrito (Ipiíba). A tabela 4 apresenta o número de casos acompanhados pela Saúde da Família, vinculados aos Pólos, em novembro de 2010. Nota-se que o Pólo com maior número de casos neste período é o Pólo Paulo Marcos Rangel: 52 Tabela 4 - Número de casos de tuberculose acompanhados pelas ESF no mês de novembro de 2010. Casos de Tuberculose no mês de novembro 2010 Pólo Nº de Casos Hélio Cruz 17 Washington Luís 17 Paulo Marcos Rangel 34 Rio do Ouro 19 João Goulart 17 Total 104 Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de São Gonçalo/ Coordenação de PSF: metas pactuadas (novembro de 2010). Segundo a coordenadora do PCT, das 179 equipes capacitadas para o atendimento de tuberculose, não há mais como saber realmente o número de equipes capacitadas, pois as equipes mudam muito, ou seja, há uma alta rotatividade de profissionais, além de escassez de recursos humanos no município. Desse modo, nem todas as equipes possuem todos os profissionais e, mesmo nas equipes completas, nem sempre os profissionais trabalham no regime de 40 horas (das 10 equipes visitadas, só foi encontrado médico em uma). Este fato também foi relatado pela coordenadora regional do PSF de Jardim Catarina, porém ela referiu-se aos médicos como sendo a categoria profissional com maior rotatividade. Não são todos os médicos que realizam as consultas de tuberculose na saúde da família no bairro, somente sete deles: “... Pra ser sincera, vai depender do médico, tem uns que tem até um pouco de medo, receio, não sei o que é, se é medo de atender, por que no PSF você sabe que tem várias especialidades, a gente fala que é generalista mas eles vem trazendo sua carga, então tem alguns que por exemplo, se for dermatologista, então realmente eles têm receio de atender... (C1)” O planejado no município, é que todas as equipes de SF realizem o diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos casos novos, e possuam todos os instrumentos de registro referentes à tuberculose (Livro de sintomáticos respiratórios, Livro de registro e acompanhamento de casos de tuberculose, ficha de acompanhamento da tomada diária de medicação e cartão do DOTS). Porém quando há necessidade de se realizar quimioprofilaxia, esta é realizada na unidade de referência. 53 As principais funções das coordenadoras regionais de PSF em relação à tuberculose são: passar nas unidades recolhendo as amostras de baciloscopia e levar para o pólo para ser analisado, bem como buscar o resultado e repassar para a equipe: “... Eu que pego né, como coordenadora, com um material próprio essas duas amostras do escarro e levo no pólo Hélio Cruz, e depois pego o resultado entendeu?...(C1)” Além disso, também buscam a medicação do paciente e levam para a unidade. Também é função delas levar mensalmente as notificações de TB para o PCT. As notificações possuem três vias (uma branca, uma azul e uma amarela). A azul fica na USF anexada ao prontuário, a amarela fica na unidade de referência, para que a farmácia possa liberar a medicação, e a branca vai para o nível central (COSTA et al, 2010). O fato de a coordenadora do Jardim Catarina estar no município há quase dez anos, favorece a relação interpessoal tanto entre as coordenações quanto entre a coordenação do PSF e as equipes. A coordenadora do PCT também está à frente do programa desde 2002, e esta estabilidade é um fator importante para que os mecanismos de gestão sejam planejados eficientemente no município, além de favorecer uma maior aproximação e relacionamento entre as partes gestoras. A própria coordenadora regional do Jardim Catarina, relatou ter uma afinidade muito grande com as equipes por estar há muito tempo na coordenação, e isto constituir um fator positivo: “... Minha relação com eles é ótima, até por que eu fiquei de 2001 a 2005 numa equipe, naquele ali da entrada, principalmente com as equipes de lá, e já tô há muitos anos na coordenação, então eu tenho uma afinidade muito grande com essas equipes todas... (C1)”. Qualquer problema que apareça, os profissionais da equipe têm facilidade em contatála via telefone. Com a coordenadora regional do Rio do Ouro não é diferente. Ela relata que os profissionais das equipes tem facilidade para contatá-la, e assim fazem sempre que aparece alguma dúvida, principalmente em relação à coleta de escarro. Além disso, são realizadas mensalmente, reuniões com as equipes, e nessas reuniões os enfermeiros das equipes lhe entregam relatórios com o nº de SR daquele mês, nº de pacientes acompanhados em TS, entre outras coisas: 54 “... a gente tem um acompanhamento que a gente elaborou, junto com a coordenação de tuberculose, de um relatório mensal que os enfermeiros entregam pra gente, dizendo quantos sintomáticos respiratórios daquele mês, quantos pacientes estão sendo acompanhados em TS, quantos foram referenciados, então a gente tem esse acompanhamento mensal... (C2)” Os profissionais da saúde da família também demandam informações à coordenação do PCT. Além disso, é realizada mensalmente uma tarde de reuniões entre a coordenação do PCT e as cinco coordenadoras da saúde da família para discutir os casos novos, tirar dúvidas, entre outras coisas. Este é um fator positivo que pode favorecer o processo de descentralização, bem como o controle da doença no município, visto que estes encontros entre as partes gestoras são regulares. A relação interpessoal entre as coordenações me pareceu ser muito boa e o acesso/interlocução entre elas também, pois, segundo uma das coordenadoras regionais, todas têm o telefone umas das outras, e qualquer problema que ocorra, é feito contato imediato para solução do problema. No que concerne à relação das coordenadoras regionais com as equipes, parece que o acesso é fácil, porém esse contato é feito na maioria das vezes via telefone, que não é institucional em grande parte das unidades e sim, próprio dos profissionais das equipes. Para auxiliar esse processo de descentralização, bem como a expansão do TS, o município conta com o auxílio da Força Tarefa do programa Estadual de Tuberculose. A função da Força Tarefa é dar um suporte ao PCT, indo nas Unidades de Saúde da Família (USF) e nas unidades de referência para orientar e monitorar os profissionais quanto às tarefas de controle da TB, bem como realizar capacitações com as equipes a respeito do tratamento supervisionado, BSR e uso dos instrumentos de registro do programa de tuberculose (Livro de sintomático respiratório, Livro de registro e acompanhamento dos casos, etc.). Quanto ao processo de descentralização das atividades de controle da tuberculose para a ESF, a coordenadora regional de Jardim Catarina relatou que em sua opinião não há aspectos negativos, somente aspectos positivos em relação a este processo, justamente pelo fato de se ter o enfermeiro e o agente perto desse paciente para orientar e explicar a importância de tomar a medicação corretamente, além de o acesso ser ampliado: 55 “... acho que são só coisas boas mesmo, é pra ajudar mesmo, eu acho que é o único jeito de... É até mais fácil pra enfermeira e pro agente, por já conhecer aquela pessoa, é mais fácil conversar e entender a importância de tomar o remédio, de não parar, de não ter o abandono, então é mais fácil pra gente do PSF do que de um posto comum... Tanto é que depois que começou essa parceria, vamos dizer assim, o número de abandonos diminuiu, justamente por que a gente tem mais acesso a eles, fica mais fácil pra gente né... (C1)” Já para a coordenadora do Rio do Ouro, embora o processo de descentralização esteja trazendo benefícios, este está sendo um processo muito lento. Um dos aspectos positivos apontados por ela é a questão de se diminuir a sobrecarga da referência ao descentralizar o controle da TB para a Saúde da Família, além de se reduzirem os custos com o tratamento. Como aspectos negativos, ela destacou a lentidão do processo de descentralização pela falta de envolvimento dos profissionais de saúde das equipes e conscientização por parte dos mesmos em desenvolver tais atividades, justamente o ponto chave que se pretende avaliar nesta dissertação “... contra, eu acho que é essa questão mesmo da lentidão, a gente tá tentando envolver mais os profissionais de saúde, é um processo lento (a descentralização)... A gente faz a capacitação, que é também uma coisa positiva, faz bastante capacitações e todos os profissionais já foram capacitados, desde o médico, até o agente comunitário, é mais essa lentidão mesmo deles terem essa consciência de tá desenvolvendo nesse programa..Às vezes o médico encaminha direto pra referência, entendeu? Então tem que estar tentando ao máximo descentralizar.... (C2)” Um entrave apontado pela coordenadora do PCT foi relacionado ao sistema de informação da TB, como o mau preenchimento dos livros de registro nas unidades, principalmente o livro de sintomáticos respiratórios. Muitas vezes o paciente foi notificado, mas seu nome não está no livro de registro, ou então realizou o exame de baciloscopia, mas se deu negativo, muitas vezes não encontram o nome deste paciente registrado no livro de sintomáticos respiratórios (COSTA et al, 2010). Apesar dos aspectos positivos apontados respectivos à relação interpessoal entre a parte gestora e entre gestores e profissionais das equipes, somente isto não basta para que processo de descentralização ocorra de fato e que os profissionais das equipes incorporem a execução das atividades de controle da TB em sua rotina diária. Mecanismos de incentivo poderiam ser criados para as equipes que detectarem maior número de sintomáticos respiratórios, além de ser necessária maior fiscalização das equipes por parte das 56 coordenações, para que realmente sejam efetivadas tais atividades. Alguns problemas que podem prejudicar a descentralização do controle da TB para a ESF no município foram identificados, e os principais pontos estão descritos no quadro a seguir e explicitados mais detalhadamente no decorrer da apresentação dos resultados: Principais resultados observados no município de São Gonçalo Planejado Planejamento de coleta de material e encaminhamento ao laboratório Observado Dificuldades na operacionalização do planejado Capacitação das equipes de SF no município Alguns médicos não atendem casos de TB e outros não são capacitados Recursos humanos Equipes incompletas, escassez de RH e alta rotatividade profissional Disponibilidade de Insumos Percepção dos profissionais sobre as atividades de controle da TB nas USF Falta de insumos para realização de exames de BAAR Visão centralizadora do controle da TB e pouco comprometimento profissional Satisfação profissional Sobrecarga de trabalho e má remuneração dos profissionais Quadro 3- Principais resultados encontrados no município à respeito da descentralização do controle da TB na ESF. 6.4. ESTRUTURA DAS USF Quanto à estrutura física das unidades visitadas, existem algumas diferenças entre elas. Três unidades chamaram a atenção, talvez pelo fato de serem unidades mistas (posto e USF). Na primeira unidade visitada, encontram-se instaladas 3 equipes. O posto é bem estruturado e fica em um lugar de fácil acesso aos moradores, bem na entrada do bairro. No momento em que fui à unidade, nenhum médico estava presente, porém dois médicos de duas equipes realizam atendimento de tuberculose (trabalham três turnos cada um, pela manhã). O segundo posto possui duas equipes instaladas. Bem estruturado, com um ambiente limpo, consultórios separados e sala de espera. No momento em que fui até a unidade, um médico estava lá realizando consultas, mas logo foi embora. Este médico não realiza atendimento de tuberculose, tão pouco o da outra equipe. O terceiro posto, com uma equipe, também parecia bem estruturado e possuía um dentista aderido à equipe através do NASF. O médico desta equipe foi capacitado para atender casos de tuberculose, porém, nenhum caso foi detectado por aquela equipe até o momento. Esta foi a única unidade em que eu vi um telefone fixo. 57 As outras unidades visitadas apresentaram estrutura não tão boa, e uma em particular possuía estrutura precária. Nem era possível identificá-la como uma unidade de PSF. Um ambiente úmido, com muita infiltração, escuro e com um cheiro forte de mofo. No momento da minha visita só estavam ali três agentes comunitários. O médico não estava presente e a enfermeira estava de folga. Este médico também não realiza consultas de tuberculose. Outra, situada no terreno de uma Igreja, também não se podia identificar como uma unidade de saúde, só perguntando aos moradores, porém esta tinha uma estrutura razoável. Era composta por duas equipes, porém uma delas estava incompleta, não possuía médico. Se fosse necessário realizar alguma consulta de tuberculose, seria feita pela médica da outra equipe, que é capacitada para atender casos de TB. Os poucos casos atendidos por essas duas equipes, já haviam iniciado o tratamento no Pólo sanitário, logo as consultas eram realizadas lá (no Pólo). Nenhum caso até aquele momento havia sido detectado pelas ESF daquela unidade. A terceira não mostrava maiores problemas. A médica da equipe também foi capacitada para atender casos de tuberculose, mas não estava presente no momento da visita. Segundo informações dadas pelos profissionais das equipes, os agentes comunitários realizam as visitas domiciliares somente na parte da manhã. Á tarde, eles voltam à unidade, assinam o ponto e vão embora. 6.4.1. DISPONIBILIDADE DE INSUMOS Problemas operacionais, como a falta de insumos foram observados durante o trabalho de campo no município. Este problema foi apontado em alguns depoimentos como sendo um fator que atrapalha o processo de descentralização do controle da TB para a Saúde da Família, bem como sua incorporação pelos profissionais, além de prejudicar quem menos merece: o paciente! Durante os dois meses de trabalho de campo, não havia potes de baciloscopia disponíveis no município. Se fosse necessário realizar o exame de BAAR, era solicitado ao paciente que comprasse na farmácia um pote de exame de urina (que não é próprio para BAAR), e custa em média R$ 1,00. Para alguns é um valor insignificante, mas para outros, que muitas vezes não tem o que comer, é muito. Se o paciente não comprasse o pote, não realizava o exame, e se fosse um caso, ficaria por aí infectando outras pessoas, e foi o que aconteceu com um caso, relatado em uma entrevista 58 “... Por que aí ele vem e a gente faz a baciloscopia, mas o problema é: material! Às vezes a gente se compromete com o paciente pra fazer e não tem... Não faz!... Já tem uns trinta dias... Teve um que veio aqui com queixa, aí eu fui lá pra perguntar sobre o material, aí naquele dia eu perguntei pra enfermeira força-tarefa, e ela falou que está em falta mesmo... (E3)”. A falta de material é um forte colaborador para que a BSR não seja realizada efetivamente pelos profissionais das equipes, já que não há esse material necessário para que o exame seja feito. De acordo com o relato de um profissional, o suprimento de potes de BAAR no município é de responsabilidade do profissional do laboratório, que deve fazer a solicitação do material antes mesmo que falte, e esta solicitação ainda não havia sido feita não se sabe o por que. Outra questão apontada em relação ao material é o fato da coordenação de PSF não procurar saber o que está acabando nas unidades antes que falte, e sim espera o enfermeiro entrar em contato para pedir que tal material seja reposto. Apesar disso, não ficou claro de quem é a responsabilidade de suprimento de materiais na unidade, se é da coordenação de PSF, ou do enfermeiro: “... O material, eu penso que é a coordenação que tem que suprir pra gente... Tem que estar sempre perguntando se está precisando de material, não esperar eu ligar pra falar „eu não tenho mais pote, eu não tenho isso‟, eu acho que de tempo em tempo a coordenação tem que perguntar isso... (E1)” Em relação ao material para uso dos profissionais, pôde-se observar que algumas equipes não possuíam os livros de registro das atividades de TB (LSR e Livro de acompanhamento de casos), e se possuíam, não sabiam onde estavam. Em três unidades não se sabia onde estavam os livros, ou se realmente as equipes destas unidades possuíam os livros. Outra equipe alegou que o material relativo à TB ainda não havia sido entregue pelo pessoal da coordenação de TB, e o que havia sido prometido, ainda não fora cumprido: “... E agora tem o DOTS, que foi implantado em São Gonçalo, quer dizer, ficou de ser implantado... Só que tudo que foi prometido não foi cumprido em relação ao DOTS, que seria: trazer as mochilas pros agentes, os coordenadores virem buscar o material colhido... Então veio a proposta, mas a gente não vê fidelidade deles... Há um ano e pouco que eu estou aqui, eles sabem que eu não tenho esse livro. A menina ficou de vir aqui, capacitar a gente de novo pra preencher o livro... Esse curso que teve já tem mais de dois anos, e quando eu era da outra equipe esse livro chegou em minhas mãos, mas aqui não... (E7)” Desde o começo da descentralização do controle da TB para a Saúde da Família no município, esta equipe está sem os materiais necessários para o desenvolvimento das 59 atividades relacionadas à TB. Apesar de todos os profissionais serem capacitados, a impressão que ficou é que não houve estímulo por parte da coordenação de TB a esta equipe em desenvolver estas atividades, e talvez este seja um fator que possa explicar o por que de apenas um sintomático respiratório ter sido identificado por esta equipe neste período de tempo, já que para eles a tuberculose ficou sendo uma área à parte da saúde da família. Outro ponto também importante observado, é a questão de como os profissionais fazem contato entre si. De acordo com os depoimentos, é utilizado o telefone celular próprio dos profissionais das equipes para este contato, e não um telefone institucional: “... O nosso contato é a gente mesmo, por que se dependesse da prefeitura fazer isso, ficava solto, é a gente que pega o telefone e faz contato em tudo... É nosso (o telefone)! O posto não tem telefone! Então essas coisinhas ficam um pouco soltas. De repente essa rede não funciona melhor por que faltam determinados insumos, ás vezes falta papel, às vezes falta isso ou aquilo... (E5)” Como se pode perceber neste depoimento, a deficiência de estrutura na Saúde da Família do município contribui fortemente para que a rede não funcione de acordo com o planejado e desta forma, não atenda à população de maneira eficiente. 6.4.2. REALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DO PCT NAS USF Apesar das Coordenadoras entrevistadas terem informado que todas as equipes estavam capacitadas em TB, evidenciou-se que nas 17 equipes de SF de Jardim Catarina, apenas sete médicos realizam as consultas de tuberculose. Entre as justificativas, referiu-se que muitos médicos que trabalham na ESF, devido à formação especializada, não se sentem seguros para atender aos casos de tuberculose. Além disso, nem todos os médicos estão capacitados em TB, pois uma parcela não comparece às capacitações. A realidade no município é a alta rotatividade profissional nas equipes, principalmente da classe médica, e este é um fato que contribui profundamente para a lentidão do processo de descentralização completo do PCT para a saúde da família. O médico de uma equipe que ainda não foi capacitado por qualquer que seja o motivo, não atende os casos de tuberculose, sendo estes encaminhados para o Pólo de referência. Nestes casos, a ESF atua apenas como um executor do tratamento supervisionado, quando o paciente concorda. 60 Das dez equipes visitadas, somente cinco médicos foram capacitados para atender os casos de tuberculose. Nas outras equipes, o atendimento fica a cargo do Pólo de referência, por isso o fluxo de atendimento aos casos de TB toma outra conformação, diferente da planejada no município. A figura 4 descreve as atividades relacionadas à TB do modo como ocorre nas ESF visitadas, bem como o fluxo de atendimento aos pacientes. É importante destacar que nenhuma das unidades visitadas possuía pacientes com TB em acompanhamento no momento, e em uma delas os profissionais alegam nunca terem tratado pacientes com TB naquela equipe. Duas equipes haviam encerrado um caso cada uma há pouco tempo. 61 Figura 4- Fluxograma da execução das atividades de controle da TB pelas ESF visitadas. 62 Surgindo um Sintomático Respiratório (SR) em uma área onde o médico não tenha sido capacitado em TB, ou simplesmente não atenda aos casos de TB, este paciente será encaminhado ao pólo de referência para ser avaliado. Se for um caso, e concordar, poderá realizar o tratamento supervisionado (TS) com a equipe de saúde da família da sua área. No entanto, parte dos pacientes opta por realizar o tratamento inteiramente no pólo de referência. Também foi relatado que muitos pacientes procuram diretamente o Pólo Sanitário quando apresentam algum sintoma respiratório, pois preferem realizar o tratamento no Pólo. Apesar da descentralização do controle da TB para a saúde da família no município ter começado efetivamente em meados de 2009, os profissionais das equipes de SF não estão habituados a desenvolver estas atividades, devido ao fluxo de atendimento desses casos no PSF ser muito baixo. A realidade das equipes mostrou que para se conseguir efetivamente essa descentralização, muita coisa tem que ser feita, e a conscientização e o envolvimento dos próprios profissionais das equipes com o desenvolvimento destas atividades, principalmente a busca de sintomáticos respiratórios é de grande importância. 6.4.3. ROTINA DE ATENDIMENTO E ATRIBUIÇÕES RELATIVAS AO PCT POR CATEGORIA PROFISSIONAL NAS USF Com relação à rotina de atendimento à tuberculose, alguns depoimentos evidenciaram a variação de condutas adotadas, em especial quanto à coleta da baciloscopia, encaminhamento ao laboratório e entrega dos resultados nas USF. Isso também nos mostra que talvez a proposta da descentralização do controle da TB para a SF não tenha sido explicitada eficientemente para as equipes, bem como os mecanismos de planejamento que o município adotou para esta implantação. Os pontos em que ocorreram maiores variações de discursos foram: 1- Se o paciente deixa amostra de escarro na USF ou se leva direto ao Pólo; 2- Deixando a amostra na USF, quem leva esta amostra ao laboratório (a coordenação de SF, o motoboy, ou a enfermeira da equipe)? 3- Quem pega o resultado (a coordenação de PSF, a enfermeira, o motoboy ou o paciente)? 63 Trechos de depoimentos de enfermeiros demonstram com clareza essas variações: 01“..., e o próprio agente comunitário pode colher e ligar pro Hélio Cruz, ou pra coordenadora responsável vir aqui pegar... (E2)”; 02- “... Aí a gente só faz o pedido, o paciente colhe a amostra, leva ao laboratório... Teria um motoboy, que aí o paciente não precisaria levar lá... Que a partir desse momento, se tivesse algum paciente, a medicação seria entregue pelo motoboy... (E7)”; 03-“... vai ter pedido de escarro e Raio X, vai ser enviado pro Hélio Cruz, ou por motoboy, que a gente nunca acionou, mas a gente prefere até que a pessoa (paciente) vá levar, que acha até melhor do que ficar esperando, por que o escarro tem um tempo né... (E4)” 04- “o cara (motoboy) vem pra buscar, ou então o coordenador pega e manda pro pólo, que é o Hélio Cruz [...]Tudo sou eu que pego (enfermeira)! Resultado, remédio... O problema todo é em relação ao material e quem pega, que horas pega e quando pega isso (E3)” 05- “... Faz o pedido do BAAR, e encaminha ele pro pólo, o Hélio Cruz, ele faz a baciloscopia os dois dias... E aí depois o próprio paciente traz o resultado, ou a coordenação também pode trazer... Esse paciente pega a medicação aqui com a gente. Mesmo que a coordenação não pegue a medicação lá, ou o enfermeiro, ou o agente podem pegar e trazer pra unidade pra passar pro paciente... (E1)”. Como se pôde observar, o município não criou um protocolo para a rotina de atendimento aos casos de tuberculose pelas equipes de SF no sentido operacional, visto que não estão especificadas as responsabilidades quanto à coleta de material, envio ao laboratório, obtenção de resultado e envio de medicamentos para as USF, bem como em relação à provisão dos insumos necessários às atividades de controle da tuberculose. Seria interessante que isto estivesse muito bem especificado para que o paciente possa ter a garantia de que o seu tratamento estará assegurado com as ESF, e para que não haja nenhum tipo de problema de perda de amostras, como quase aconteceu com um caso. Uma enfermeira, num ato desesperado, colocou uma amostra de baciloscopia de acompanhamento de uma paciente na geladeira de alimentos da equipe, pois a coordenação, que ficou de passar lá e levar a mostra pro laboratório, não passou. Segundo ela, tomou esta atitude drástica, pois não queria perder a amostra que a paciente havia conseguido com dificuldade, além de não querer perder a credibilidade com a paciente “... Eu tive que botar aqui na geladeira e o pessoal quase me matou! Eu falei assim „Não, eu não vou perder esse material, eu vou olhar com que cara pro 64 paciente?‟... E nós não temos geladeira específica aqui, a geladeira que tem aqui é nossa, pro nosso uso, de comida... Mas não é melhor? O quê eu ia falar pra paciente?... (E3)” Problemas como esse poderiam ser evitados se o município possuísse um protocolo bem estabelecido e planejado, onde o paciente pudesse deixar suas amostras à cargo das ESF, e assegurado de que terá seu resultado sem ter que se preocupar com nada. Esta proposta do motoboy é muito interessante, pois agiliza a realização dos exames, obtenção de resultados e envio de medicamentos. Se houvesse realmente um motoboy para realizar tais funções, a coordenação regional de PSF, que possui muitas atribuições, não teria que se preocupar em realizar tais funções e a descentralização do PCT para a Saúde da Família talvez estivesse ocorrendo mais efetivamente. Em dois depoimentos foi apontada a questão da demora por parte do Pólo de referência em comunicar ao pessoal da equipe de SF que acompanha o paciente, o não comparecimento deste a uma consulta marcada no Pólo, bem como a demora da própria equipe em buscar esse paciente quando a consulta é feita lá mesmo na USF. Quando um paciente é tratado clinicamente no Pólo, porém realiza o TS com o agente comunitário de sua área adscrita, se este paciente não comparece a uma consulta, o Pólo deve entrar em contato com a equipe que o acompanha para que o agente comunitário possa buscar esse paciente e saber o que aconteceu, e o porquê dele ter faltado à consulta, evitando assim o abandono do tratamento. Contudo, esta comunicação do Pólo com as equipes parece não ser muito rápida: “Sim... Ele tem 30 dias... Por exemplo, a consulta tá marcada hoje... Tá fazendo 30 dias hoje, aí é considerado abandono, aí... Vai fazer a busca dele... (E1)” “Quando falta não (o paciente), só quando ele tá muito tempo sem ir lá (na consulta no Pólo)... Não, não é rápido não... (E6)” Isto não deveria acontecer, visto que o tratamento da tuberculose deve ser seguido à risca para que não ocorram eventuais abandonos que prejudicarão ainda mais a cura deste paciente, que poderá ficar resistente às drogas e não ter sucesso em seu tratamento. Este fato demonstra que além da falta de comprometimento e preocupação com os pacientes, há também falta de planejamento por parte da esfera gestora, que deveria estabelecer quando deve ser feita a busca desse paciente faltoso. 65 Outro fato que chamou atenção foi a dúvida dos profissionais de uma equipe entrevistada em relação a quem seria o coordenador regional de PSF do bairro. A informação que foi passada para mim, é que a coordenadora seria uma enfermeira, e as demais equipes confirmaram isso. Porém, segundo esta equipe específica, o coordenador regional de PSF deste bairro, seria um homem, que não possui muitas habilidades para ser coordenador como a coordenadora entrevistada possui: “Mas ela não está como coordenadora não... Ih, é uma confusão, é política... Ele até veio aqui hoje, o coordenador... Quando eu liguei pra ele e falei „XXX, você traz o potinho pra fazer baciloscopia?‟, aí ele falou „pra fazer o quê? (E3)‟” Apesar de me parecer que isto foi uma confusão desta equipe por falta de informação, demonstra que fatores políticos interferem muito na situação de saúde de um município, e isto é muito comum. Muitas vezes, por pura conveniência, coloca-se uma pessoa que não é da área da saúde, nem tão pouco com experiência em gestão, em cargos de responsabilidade. A partir destes relatos pôde-se observar que a falta de planejamento/programação por parte das coordenações traz prejuízos imensuráveis não só aos pacientes, mas também ao próprio município, que acaba prejudicado por um processo de descentralização lento que poderia ser otimizado se fossem estabelecidos métodos de planejamento e protocolos de atendimento, bem como definição de responsabilidades e atribuições dos coordenadores de PSF e dos profissionais das ESF em relação às atividades de controle da TB. 6.5. PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE SOBRE AS ATIVIDADES DE CONTROLE DA TB 6.5.1. INCORPORAÇÃO DA BSR A incorporação das atividades de controle da TB por parte dos profissionais das equipes entrevistadas se mostrou prejudicada no município durante o trabalho de campo, principalmente a BSR, que não é realizada eficientemente pelos agentes comunitários. Isto demonstra que os profissionais ainda ficam esperando o paciente procurar atendimento, ao invés de buscarem captar mais rapidamente os possíveis casos, como é preconizado pelo Ministério da Saúde. No momento de minhas visitas, pedi para olhar os livros de sintomáticos respiratórios das unidades que o possuíam, e pude notar que esta busca está ficando esquecida pelas equipes, pois haviam pouquíssimos registros nos livros. Não seria possível que equipes 66 que acompanham em média 4.500 pessoas, não tenham sequer 20 registros nos livros, a não ser que a BSR não seja realizada. Segundo o MS (1998), o número de SR estimados de uma população é igual a 1% desta população, ou seja, uma das equipes visitadas, que possui uma população de 5336 pessoas cadastradas, deveria ter pelo menos 53 registros no livro de SR, e não somente 4 registros, como foi observado (BRASIL, 1998). Além disso, no livro desta equipe, havia um registro em aberto, ou seja, não se sabia o resultado. A amostra daquele paciente havia sido encaminhada ao Pólo, porém ninguém procurou saber o resultado, nem o Pólo entrou em contato coma equipe, nem tão pouco a equipe entrou em contato com o Pólo ou com o paciente para saber o resultado. Se esse paciente fosse um caso, estaria sem tratamento e infectando outras pessoas. A falta de confiança no trabalho dos ACS, bem como o pouco comprometimento deles, foi apontada por enfermeiros nas entrevistas. Um deles relatou acreditar que os agentes dizem que passam nas casas, mas que “enrolam” e não realizam o trabalho como deveria ser feito. Em outro relato, uma enfermeira também acredita que muitos pacientes passam despercebidos pelos agentes comunitários: “... Então eu acho que pode até ter paciente por aí e estar perdidos, por eles não estarem passando, que tem que ser uma vez por mês, mas tem casas que não quiseram cadastro há três anos atrás, eles falam “Ah, não vou passar lá”... As vezes até mudou a pessoa, pode acontecer até de ter um tuberculoso ali e a gente não saber... Eu acho que tá passando despercebido mesmo... (E7)” 6.5.2. PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS EM RELAÇÃO À BSR E AO TS Em relação à percepção dos profissionais entrevistados sobre as atividades de controle da TB, os discursos foram variados em aspectos positivos e negativos, principalmente em relação ao DOTS. Alguns enfermeiros relataram achar que a Saúde da Família deveria apenas ser um executor do tratamento supervisionado, e as consultas e acompanhamento serem realizadas pelo Pólo de referência: “... O que está acontecendo mesmo agora, essa busca ativa dos sintomáticos e se precisar de supervisão, a gente faz a supervisão, agora tipo assim, ter um médico daqui, ele tratar com os remédios, não... É até difícil chegar até aqui os remédios, então tem mais facilidade no pólo de conseguir os remédios, por que até chegar no PSF os remédios pra poder fazer esse trabalho, eu acho que o 67 tratamento vai até demorar mais... Mas não deve ser responsável por fazer esse tratamento (o médico do PSF)... (E6)” Todos os pacientes que são acompanhados pela SF no município realizam o tratamento supervisionado, seja domiciliar ou na unidade. No entanto, no discurso de dois enfermeiros, o TS foi apontado como paternalista e não necessário a todos os casos, somente aos que há extrema necessidade de supervisão como os psiquiátricos, alcoólatras, idosos, entre outros: “Cada caso é um caso... Não acho necessário estabelecer aquilo (TS) pra todo mundo... (E5)”; “... Então eu acho que essa coisa de supervisão é uma coisa muito paternalista, a não ser um paciente que é psiquiátrico, alcoólatra, ou que faz uso de drogas, aí são casos... Só falta a gente tomar o remédio por ele, eu acho que isso tem que acabar... Mas a busca ativa, a pessoa tá em casa tossindo achando que vai melhorar, aí sim é legal a busca ativa... Isso é interessante... (E4)” Quanto à BSR para a captação precoce de possíveis casos, os discursos se mostraram favoráveis, justamente pelo fato de as equipes estarem mais próximas da comunidade e terem um vínculo muito maior do que um posto de saúde comum: “Eu acho que essa coisa de busca ativa, o PSF pode contribuir muito né. E essa questão dos agentes estarem dentro das casas das pessoas faz com que o PSF tenha um poder de penetração muito maior dentro da comunidade do que um lugar separado... (E5)” Em contraponto, o Pólo sanitário foi apontado como tendo maior facilidade de acesso a meios materiais e maior capacidade de resolutividade em comparação ao PSF: “... Eu acho que algumas coisas sejam mais fáceis de acesso e resolutividade no Pólo que só veja isso, que concentra essas informações, aí fica mais fácil. E no PSF é muito complicado, por que as coisas são meio soltas, não consegue ficar amarradinho direitinho... (E5)” Apesar disso, de um modo geral, os discursos foram favoráveis ao TS e à BSR, o que demonstra que aparentemente os profissionais compreenderam a importância do tratamento de tuberculose estar mais próximo da população por meio da supervisão feita pelas equipes, e que isto contribui para diminuir o abandono do tratamento: 01- “Eu acho ideal. Eu acho que é um programa que veio pra melhorar, só precisa ser implantado melhor [...] Eu acho que o PSF é um lugar ideal e adequado para tuberculose, por que a gente tá realmente dia a dia com esses pacientes... (E7)” ; 68 02- “E aqui o contato é maior, até mesmo com a família do paciente, e lá eles não tem essa proximidade com o paciente (no Pólo)... (TE3)”; 04- “Os agentes comunitários e toda equipe ficar em cima desse paciente, orientando, falando do abandono, que pra ele retornar fica mais difícil, fica resistente ao remédio... E sempre tá orientando e o agente verificando se ele tá tomando os remédios... (E6)”; 04- “Olha, eu acho que traz sim, por que o paciente pode achar que bobeira, e ter uma pessoa passando ali na sua casa, que você conhece há alguns anos e tem uma confiança né, pra falar assim „não, vamos ver o que é isso, tá tossindo há três semanas, to reparando que o senhor está emagrecendo, vamos fazer um examezinho, não custa nada‟ (E3) ” 05-“... É um esquema que vem se aprimorando e funcionado cada vez mais, e é como ele falou, antigamente era mais difícil, as pessoas tinham mais „coisa‟ de fazer o tratamento, agora não, tem um esquema supervisionado, já tem uma informação mais clara sobre isso, a gente pode falar mais abertamente com o paciente e seus familiares... (E2)” Mesmo assim, a impressão que ficou é que apesar dessa compreensão, o controle da tuberculose na SF fica deixado de lado. Por possuir um fluxo menor de atendimento aos casos de TB, as equipes acabam preocupando-se mais com as outras áreas programáticas de sua responsabilidade, e que possuem um fluxo de atendimento muito maior (hipertensão, diabetes, saúde da mulher, do idoso, etc.), em detrimento das ações de controle da tuberculose. Certamente, a sobrecarga de trabalho, a falta de fiscalização e incentivo por parte da coordenação, sejam fatores que influenciam diretamente na não incorporação da execução das atividades de controle da TB, principalmente a BSR. 6.5.3. SOBRECARGA DE TRABALHO A sobrecarga de trabalho dos profissionais das equipes foi evidenciada nas entrevistas, e pode contribuir profundamente para a lentidão do processo descentralização do controle da TB para a SF. Depoimentos de dois enfermeiros e uma técnica de enfermagem deixaram claro essa sobrecarga de trabalho, o que acaba fazendo com que os profissionais tenham uma visão centralizadora do controle da TB quando questionadas sobre a Saúde da Família assumir o controle da TB: 01-“Não! Até por que a gente tem muitas outras atividades, então não tem 69 como o PSF assumir, tem que auxiliar o pólo entendeu? Agora, a gente ficar responsável por tudo fica complicado entendeu? (E6)”; 02- “... Até por que o maior vínculo e contato é nosso... Eu acho que tinha que ser dividido... O acompanhamento com a gente e a parte de laboratório e as consultas mensais com eles lá no Hélio Cruz... (TE3)” 03- “... Eu acho que algumas coisas sejam mais fáceis de acesso e resolutividade no Pólo que só veja isso, que concentra essas informações, aí fica mais fácil [...] Teoricamente num pólo, você tem mais coisa, mais estrutura... (E5)” O que se pode perceber é que as equipes têm consciência da importância da atuação da saúde da família no controle da TB, porém não concordam que as equipes sejam responsabilizadas pelo tratamento do paciente com TB, e sim sejam apenas executoras da BSR e TS, ficando as consultas médicas à cargo do Pólo de referência. Devido à alguns médicos não atenderem casos de tuberculose, e nem todas as equipes possuírem médicos pode ser um fato que faz com que esses profissionais prefiram que o atendimento médico seja feito no Pólo de referência, já que assim é feito em algumas equipes, e desta forma, retirando um pouco da sobrecarga de trabalho. Em um depoimento, a visão curativa foi apontada como um fator cultural presente nos pacientes, que na maioria das vezes só procuram atendimento médico em situações extremas. Além disso, uma enfermeira relatou que as pessoas cadastradas às equipes só querem saber de consulta médica, e como a médica da equipe não está todos os dias na unidade os pacientes acabam procurando diretamente o Pólo de referência: “... E eles falam: Ah, não tem médico, por que tá aberto? Por que tá aberto, se ninguém bota outra médica? A visão deles é mais curativa, eles só querem saber de receita de remédio, ninguém aqui quer saber de promoção, por isso é que o PSF é já... Não existe PSF! Eles chegam aqui e falam: “eu quero uma consulta”, ou “eu to com tosse”, não quer sentar pra ouvir o que é tuberculose, o que causa tuberculose, não querem saber isso... (E3)” No Pólo de referência, o paciente já sai com uma agenda de consultas marcada com especialistas, além de ter maior possibilidade de receber auxílio para transporte e uma bolsa alimentação, podendo assim contribuir para que o paciente procure diretamente o Pólo de referência para atendimento: “[...] E lá ele já sai com a agendinha marcada pro próximo pneumo, tudo direitinho. Aqui na saúde da família não é bem assim, por quê? Por que tem os agentes de saúde para ir na casa, aqui é uma equipe só, a médica tem os dias dela 70 pra atender, ela não está aqui todos os dias, então isso limita, se a agenda tá cheia ela reclama que tem muito atendimento, as vezes não tem vaga, aí encaixa, as vezes chega alguém passando mal, aí é complicado... Lá ele chega e já tem médico...(E3)” A respeito de campanhas/ palestras sobre tuberculose realizadas na comunidade pelas equipes, foi identificada certa dificuldade para realizá-las, pois as pessoas não comparecem e não se interessam muito, só se houver alguma coisa para oferecer. Quando as equipes querem falar sobre tuberculose com os pacientes, tem que aproveitar as outras palestras como de hipertensão e diabetes. Os pacientes só comparecem nessas palestras, pois é aí que eles recebem os medicamentos. As informações sobre TB são levadas à população também, através dos ACS durante as visitas domiciliares: “É por que tudo aqui tem que funcionar como moeda de troca... Por exemplo, hipertensão, se tiver uma palestra de hipertensão, mas não tiver a moeda de troca que é o remédio, o índice de presença é baixo... (TE3)” Esses aspectos identificados demonstram que a descentralização do controle da TB para a SF é um processo complexo, que envolve muitos fatores. Observa-se que a chave principal para que tal processo ocorra de fato vai além da conscientização/incorporação do controle da TB pelas equipes. É de extrema importância que as equipes assumam realmente o controle da TB, e não considerem que a Saúde da Família deva apenas ser um executor do TS e da BSR. Porém, a falta de estrutura e o fato dos médicos das equipes não estarem nas unidades todos os dias são fatores que prejudicam profundamente este processo de descentralização e incorporação. Isto faz com que as equipes fiquem sobrecarregadas e realmente prefiram que o atendimento médico de tuberculose seja feito em outro lugar que não em sua unidade. 6.5.4. SATISFAÇÃO PROFISSIONAL Fatores que possivelmente são causadores do pouco comprometimento profissional foram apontados como a insatisfação gerada pela baixa remuneração e más condições de trabalho destes profissionais: “Por falta de tudo... É a falta de um lugar adequado, por exemplo, o nosso PSF aqui está instalado dentro de um posto de saúde, onde não deveria ser, deveria estar centralizado nas micro áreas, a falta de material impresso pros agentes, pra equipe... A falta de dinheiro! O 71 agente comunitário sabe que em outros lugares ganha-se muito mais...(E7)” Além de má remuneração dos agentes, também foi apontada a má remuneração da equipe como um todo: “São muitos anos enfermeiro, médico e auxiliar sem aumento, então isso vai fazendo com que o programa não fique mais com o mesmo pulso de quando começou, em 2001... Então eu acho que a insatisfação faz com que eles não corram atrás, nadar, nadar, nadar e morrer na praia... É muita proposta, mas a gente vê pouca solução... (E7)” O fato de alguns médicos não terem sido ainda capacitados provavelmente é devido a eles não comparecerem às capacitações, não se sabendo a causa que os leva a não comparecerem. Talvez, a explicação mais plausível para os médicos não comparecerem às capacitações seja o fato destas ocorrerem fora do seu turno de trabalho no PSF, que é o período que na maioria das vezes os médicos estão trabalhando em outro lugar. De acordo com o relato de um profissional, os perfis mais comuns dos médicos que trabalham no PSF do município são aqueles recém formados ou médicos que já se aposentaram e resolvem continuar trabalhando no PSF, e estes não se interessam em atender os casos de tuberculose, não comparecendo às capacitações. Este profissional também relatou que não há uma carga horária fixa, ou turnos fixos para os médicos que trabalham no PSF, e que estes mesmos elaboram sua carga horária da forma que lhes é conveniente. Isto não está de acordo com as premissas da Estratégia de Saúde da Família, visto que tanto os médicos quanto os outros profissionais deveriam ter uma jornada de trabalho de 40hs semanais, divididos em 8 horas diárias de trabalho, para que possa ser criado vínculo com sua respectiva comunidade. Também foi observado em um depoimento, que alguns profissionais não veem mais a Saúde da Família com a mesma força de quando foi implantada no município, em 2001: “E devido ao PSF ter tido uma queda muito grande, não é mais como era, pelo menos é o que eu sinto, eu acho que os agentes comunitários estão muito... desestimulados... (E7)” Nesse primeiro ano de implantação, houve seleção dos profissionais das equipes, provas e análise curricular, e ao longo dos anos, esses processos seletivos começaram a ser substituídos por indicações políticas. Além disso, foi apontado por uma enfermeira, que muitos profissionais se sentem desvalorizados e desestimulados por possuírem vínculos 72 trabalhistas precários, o que favorece à falta de comprometimento profissional, bem como a rotatividade deles entre os municípios em busca de melhores salários. 6.6. MODELO LÓGICO: O QUE FOI PLANEJADO FOI CUMPRIDO NO MUNICÍPIO? A partir dos resultados encontrados, pôde-se realizar uma análise com base no modelo lógico das atividades de controle da TB realizadas pelas equipes de SF, proposta no município, e avaliar se o que foi proposto e planejado no município foi cumprido. Também foi analisado com a mesma finalidade, o esquema da execução do controle da TB pela SF (mecanismos de coleta de amostras, obtenção de resultados e provimento de medicação, proposta em São Gonçalo). A figura 5 demonstra quais componentes do modelo lógico, não condizem com a realidade no município: 73 Figura 5 – Figura demonstrativa de quais componentes do Modelo Lógico da execução das atividades de Controle da TB no Município de São Gonçalo não condizem com a realidade observada. 74 A começar pelos componentes da estrutura do Modelo Lógico, podemos perceber que o município não possui estrutura adequada para que a descentralização das atividades de controle da TB ocorra efetivamente no município. A falta de estrutura física (em menor grau), equipamentos necessários, recursos humanos e protocolo de atendimento bem definidos, acabam por comprometer os outros componentes do modelo lógico (processo e resultados). Esta falta de estrutura decorre de falha nos mecanismos de planejamento e gestão, e embora pareça que há uma integração muito boa entre as coordenações envolvidas no processo de descentralização, essas falhas realmente existem. A questão do material para realização de exames de baciloscopia também é muito importante. Há algum tempo o município estava sem potes para exames de baciloscopia, e era solicitado ao paciente que comprasse se fosse necessário realizar um exame. Isto demonstra total falta de planejamento do setor responsável, que deve garantir a provisão de insumos antes que faltem. A falta de material do PCT em algumas unidades também demonstrou falta de planejamento. Equipes que já haviam sido capacitadas não possuíam o material adequado para trabalhar com TB (os livros, ficha de notificação, etc). Os recursos humanos também foram apontados como ponto fraco no PSF, principalmente em relação aos médicos. A alta rotatividade e o não comparecimento de alguns médicos às capacitações em TB prejudicam profundamente este processo de descentralização do PCT para o PSF. Isto acaba fazendo com que somente em algumas equipes o atendimento aos casos novos de TB seja garantido. Também observou-se que não há um protocolo de rotina estabelecido no município à respeito de encaminhamento de amostras ao laboratório e obtenção de resultados, embora segundo as coordenadoras regionais de PSF entrevistadas, estas atividades sejam de sua responsabilidade. A figura 6 apresenta os itens que deixaram dúvidas a respeito da coleta de amostras e obtenção de resultados, além da identificação de SR através da BSR que deveria ser feita, mas que evidenciou-se não ser realizada eficientemente no município: 75 ? Figura 6 - Esquema demonstrativo de onde surgiram dúvidas relacionadas à coleta de amostras de BAAR e obtenção de resultado. Não se pôde ter a certeza de quem é a responsabilidade de levar a amostra de escarro ao laboratório e recolher o resultado, além de não ser estabelecido de quem é a responsabilidade destas atividades na prática, pois houve muitas contradições. Não se sabe se é o paciente, a coordenadora regional, o motoboy, ou a enfermeira da equipe que tem responsabilidade sobre isto. Isto demonstra que ou as informações não são passadas corretamente às equipes, ou realmente não há este protocolo de atendimento no município. Em relação aos componentes de processo do Modelo Lógico, já se percebe a falha no componente “capacitação das ESF”, pois nem todos os médicos das equipes comparecem às capacitações. Quanto à BSR, apesar de ter sido relatado em algumas entrevistas que ela é realizada pelos ACS durante as visitas domiciliares, o que se observou é que esta busca não é feita eficientemente, e que os profissionais esperam que o paciente sintomático procure atendimento. Este fato compromete todos os outros componentes das atividades do Modelo 76 Lógico, pois não há detecção precoce de situações de risco, diagnóstico precoce, e acompanhamento desse paciente, se ele não for detectado pela BSR. Além disso, os relatos quanto às atividades educativas relacionadas à TB junto à comunidade revelaram que estas são realizadas com baixa freqüência, mas não pelas equipes não quererem, e sim devido ao grau de freqüência ser quase zero quando o assunto é TB. Segundo os profissionais entrevistados, isto ocorre quando não há nada em troca para oferecer aos pacientes (medicamentos), então os profissionais aproveitam outros eventos (como palestras de diabetes e hipertensão), para falar sobre TB. Em relação aos produtos do processo do Modelo Lógico, também ocorre prejuízo, pois se as atividades estão comprometidas, os produtos conseqüentemente estarão comprometidos. Quanto aos resultados, embora prejudicados, ainda sim pode haver melhoria do acesso à rede, melhoria do vínculo e redução do abandono devido ao PSF estar mais próximo da população, sendo mais uma porta de entrada para esse paciente, e devido ao TS também estar mais próximo, através dos ACS. Para causar impactos, muita coisa ainda deve ser feita para que o controle da TB seja eficaz no município e esteja realmente mais próximo da população. É óbvio que deve-se levar em consideração a complexidade do processo de descentralização do controle da TB para o PSF e a grandiosidade do município, o que torna este processo ainda mais complexo. 7. DISCUSSÃO De um modo geral, aspectos como o baixo número de sintomáticos respiratórios examinados, a sobrecarga de trabalho das equipes de SF, a falta de planejamento conjunto entre as coordenações, tanto da SF, quanto do PCT e a alta rotatividade de profissionais, também foram mencionados em estudos anteriores, e dificultam o processo de descentralização das ações de controle da TB tanto na ESF, quanto na atenção básica como um todo (OLIVEIRA & NATAL, 2007; MONROE et al, 2008; OLIVEIRA, 2009; MARCOLINO et al, 2009 e FIGUEIREDO et al, 2009). A BSR é uma atividade chave para que as equipes passem a ter o controle da TB incorporado à sua rotina diária de trabalho. Se esta busca não é feita, não há como fechar o ciclo de detecção precoce, tratamento e cura. A BSR é uma atividade preconizada pelo MS para que estes possíveis casos sejam detectados o 77 mais precocemente possível, potencializando assim o tratamento e a possibilidade de cura. Se ainda é esperado pelas equipes que o paciente procure atendimento por estar com sintomas, a Saúde da Família passa a não ter tanta importância na detecção precoce dos casos pelo seu poder de penetração na comunidade, fazendo com que seja apenas um facilitador do acesso, que embora seja muito importante, não é o único benefício que a ESF pode trazer no controle da TB. Outro ponto em comum entre estudos analisados e os resultados apresentados, é a visão centralizadora dos profissionais das equipes em relação às atividades de controle da TB, manifestada pela preferência de que o tratamento dos casos seja feito pelas unidades de referência e que as equipes sejam apenas executoras da BSR e TS (MONROE et al, 2008; OLIVEIRA, 2009; MARCOLINO et al, 2009 e FIGUEIREDO et al, 2009). No entanto, a sobrecarga de trabalho por falta de estrutura e planejamento, a falta e a rotatividade de médicos na ESF, pode justificar essa visão. A alta rotatividade profissional na ESF em São Gonçalo nos faz refletir sobre esta questão de uma forma mais ampla. Para que ações como o controle da TB sejam descentralizadas efetivamente para a ESF, seria de extrema importância haver estabilidade profissional para que estes conheçam profundamente a comunidade com a qual trabalham e assim o vínculo seja maior, além de possibilitar a maximização de estratégias de educação em saúde. O estudo de Medeiros et al (2010), o qual analisou as causas do índice de rotatividade de enfermeiros e médicos das ESF de municípios do RS, mostrou uma tendência crescente nos índices de rotatividade dos médicos e estabilização da rotatividade de enfermeiros. Como principais causas dessa rotatividade foram apontados pelo autor a precarização dos vínculos trabalhistas, a fragmentação da formação acadêmica desses profissionais, o estilo de gestão autoritário, ausência de vínculo com a comunidade e más condições de trabalho. Alguns destes fatores também foram observados e apontados nas entrevistas dos profissionais das ESF de São Gonçalo, o que demonstra que não é só o município que possui problemas para consolidação da Saúde da Família. Para que o controle da tuberculose seja descentralizado de vez para a Saúde da Família no município de São Gonçalo, seria necessário que houvesse estabilidade dos profissionais, principalmente de médicos. Para o autor, um fator que contribui para a falta de estabilidade dos profissionais das ESF, é a própria legislação do SUS, 78 que não define parâmetros de remuneração dos profissionais das ESF, nem tão pouco mecanismos de estabilidade, deixando à cargo das prefeituras municipais a contratação de profissionais, e apenas recomendando a realização de concursos públicos (MEDEIROS et al, 2010). O que ocorre na prática nos municípios é a contratação de profissionais com vínculos trabalhistas precários, e não através de concursos públicos. Mais ainda, muitos profissionais são contratados por indicação política, como foi relatado por uma enfermeira que trabalha no município de São Gonçalo. O não estabelecimento de parâmetros de remuneração das ESF pelo SUS, através da legislação, acaba fazendo com que esta remuneração varie muito de um município para outro, e isto acaba gerando migração dos profissionais entre os municípios em busca de melhores salários. Além disso, a formação acadêmica dos profissionais de saúde ainda é frágil no que concerne aos preceitos do SUS, principalmente a incorporação do termo integralidade como base para as práticas em saúde. O crescimento da especialização e da incorporação tecnológica na medicina acaba fazendo com que os profissionais saiam da faculdade com um perfil super especializado, e sem entender ou conhecer o atual Modelo de Atenção à saúde preconizado para melhorar a saúde da população, que é todo baseado na integralidade do cuidado, na prevenção aos agravos e promoção da saúde. Ademais, o fator cultural da população também representa um importante obstáculo a ser transposto para consolidação da Saúde da Família de um modo geral. A base cultural da população é médico-centrada e curativa, e isto foi apontado por uma enfermeira durante a entrevista. Segundo ela, os pacientes só se preocupam com remédios e consultas médicas, e não se interessam por ações de educação, promoção e prevenção em saúde, somente se houver uma moeda de troca, como medicamentos, além de não compreenderem a proposição da Saúde da Família. É neste pensamento dos pacientes que a ESF deve atuar através da educação em saúde, mas muitas vezes, os profissionais não sabem como agir, pois, não tiveram uma base na graduação. Este fato foi apontado por Besen et al (2007), que investigou se a proposta da ESF é objeto de discussão com a população na prática educativa dos profissionais nela inseridos e a compreensão dos mesmos sobre Educação em Saúde, em Florianópolis/SC. Segundo a autora, os profissionais das equipes estudadas desconhecem os fundamentos da Estratégia de Saúde da Família, e possuem práticas educativas verticais e centradas na doença. Além disso, aponta a formação dos profissionais de saúde como distantes do necessário para se trabalhar na Saúde da Família conforme os preceitos da 79 estratégia, sugerindo a importância da educação permanente e estruturação da graduação de modo aproximar as práticas de educação em saúde com a realidade social da comunidade com a qual trabalham (BESEN et al, 2007). 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir dos resultados apresentados evidencia-se que o processo de descentralização das atividades de controle da TB para a Saúde da Família em São Gonçalo ainda é incipiente. Apesar de parecer que as relações interpessoais avaliadas sejam bem estabelecidas, e que são realizadas periodicamente atividades de planejamento em conjunto tanto entre as coordenações regionais e com os profissionais das equipes, algumas questões importantes não foram bem esclarecidas no município, o que demonstra falha nos mecanismos de gestão, bem como pouco comprometimento profissional com as atividades de controle da TB. Questões simples como a criação de um protocolo de atendimento por parte do município poderiam potencializar esse processo de descentralização. Além disso, a questão dos recursos humanos pareceu ser um fator que prejudica profundamente este processo, principalmente em relação aos médicos, que são profissionais-chave para que a descentralização ocorra de fato no município. A alta rotatividade desta categoria profissional poderia ser amenizada se fossem criados mecanismos de incentivos a estes profissionais, e se fosse fixada uma carga horária de trabalho deles, que deve ser de 40hs semanais. Além disso, a desprecarização dos vínculos trabalhistas também é de suma importância para viabilizar a estabilidade profissional na Saúde da Família. O processo de descentralização do controle da TB para a Saúde da Família é um processo muito complexo e que envolve muitos fatores, tanto estruturais como organizacionais, e sendo assim, necessita que o município possua uma boa estrutura, assim como planejamento minucioso para a realização do controle da TB de forma efetiva pelas equipes de SF. Não só parece ser uma questão de comprometimento profissional com a realização das atividades referentes à TB, mas mais ainda uma questão de falta de estrutura e planejamento do município que tornam este processo dificultado. No entanto, não se sabe se o pouco comprometimento profissional, além de estrutura e planejamento precários estão 80 presentes somente em relação às atividades de controle da TB realizadas pelas equipes de SF, pois as outras atividades realizadas por elas não foram estudadas. Enquanto questões como estas predominarem no município, além da deficiência de estrutura e planejamento, provavelmente o processo de descentralização do controle da TB para a Saúde da Família permanecerá lento. É necessário que todos os atores envolvidos neste processo estejam integrados e articulados de forma a garantir todo o tratamento e acompanhamento do paciente com TB na USF, além de ser imprescindível uma estrutura mínima para os procedimentos, como os insumos necessários para o exame de baciloscopia (potes), que no momento do trabalho de campo, estavam em falta no município há algum tempo. Na realidade, no pano de fundo do processo de descentralização do controle da TB para a Saúde da Família, e também da Saúde da Família de um modo geral como funciona na prática, encontram-se muitos fatores envolvidos e que determinam o bom ou o mau funcionamento da estratégia em um município. A implantação da ESF por si só não basta para modificar o modelo de atenção médico-centrado. Esta depende da forma de se produzir o cuidado, bem como dos diversos modos de agir dos profissionais entre si e com os usuários. A formação dos profissionais de saúde precisa passar por uma reforma a fim de se introduzir no seu cotidiano, a cultura e os termos concernentes ao Sistema único de Saúde (SUS) e à ESF. A demanda espontânea também se choca com a proposta da ESF de agendamento, e acaba fazendo com que inconscientemente ocorra transferência de procedimentos do modelo biomédico para a Saúde da Família. Além disso, o contexto do SUS propriamente dito ainda deixa a desejar em alguns aspectos, como os vínculos precários de trabalho, a contratação de profissionais por indicação política, salários insuficientes e problemas de financiamento, que acabam por prejudicar a efetivação de políticas como a ESF. Os problemas evidenciados nesta pesquisa demonstram que a ESF no município de São Gonçalo ainda não cumpre seu papel no controle da TB. Porém deve-se considerar o período de tempo desde o começo da descentralização para a ESF no município, até o período de trabalho de campo, que é de pouco mais de um ano. Sendo assim, o município ainda está 81 em fase de descentralização e sofrendo ajustes, portanto sugere-se a realização de estudos posteriores. 82 REFERÊNCIAS AKERMAN, M.; LUIZ. O. C. Avaliação da atenção primária: uma breve aproximação de conceitos e caminhos. In: CONSELHO Nacional de Secretários de Saúde. Atenção primária nas secretarias estaduais de saúde: um diagnóstico preliminar. 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Roteiro de entrevista/grupo focal com as Equipes de Saúde da Família Data: _____________ Nome da unidade de PSF: _________________________________________________ Bairro: ____________________________________ Profissional entrevistado: __________________________________________________ Estrutura da USF/Atividades do PCT realizadas e fluxo de atendimento de TB na USF 1- Como se dá o trabalho de vocês na TB? Vocês costumam dividir as tarefas ou trabalham em conjunto? 2- Quais são as atribuições de cada profissional em relação à TB? 3- Quais atividades de controle da tuberculose são realizadas nesta unidade? 4- Como é feita a BSR (se é feita) nesta unidade? Quem realiza? 5Detectado um SR, como é o fluxo de atendimento desse paciente (caminho)? Vocês solicitam a baciloscopia a todos os SR?Quem faz essa solicitação? 6Quem preenche e como são feitos os registros das atividades relativas à TB (Formulário de solicitação de baciloscopia, Livro de SR, livro verde, ficha de notificação)? 7Quanto aos contatos, qual a conduta tomada? (se a unidade os convoca para investigação, realizam a quimioprofilaxia e visitas domiciliares) É feito o registro dos contatos? Onde? 8- Quanto ao tratamento, todos os pacientes fazem o TS? Em que casos ele é indicado? Como é feito, qual é a periodicidade? É feito sempre pelo mesmo ACS? Possui a ficha de acompanhamento da tomada diária de medicação? 9É feito o controle de comparecimento e faltas? Como? O que vocês fazem quando algum paciente não comparece à consulta marcada? E os pacientes em abandono? 10- Os doentes são examinados pelos mesmos profissionais a cada consulta? 11Como é a relação de vocês com o paciente e a sua família? Vocês conversam sobre outros problemas de saúde? 12Vocês (os profissionais) perguntam sobre as condições de vida das pessoas que moram com o doente de TB e/ou da sua família? Há algum tipo de contato com a família do doente? (cuidado com as pessoas que moram com os doentes - crianças e outras pessoas da família). 13Vocês (os profissionais) realizam algum tipo de estratégia/campanhas para informar à comunidade sobre TB? Quando foi realizada a última e o que foi feito? 14Os profissionais desta unidade têm ou já tiveram algum tipo de capacitação profissional para trabalhar com tuberculose? Quando foi a última capacitação? 15Vocês costumam contatar os coordenadores (do PCT e da SF)? Em que situações? O que fazem quando surge algum problema ou dúvida? Como é a relação entre vocês e os gestores? Percepção dos Profissionais de Saúde sobre as atividades de controle da TB 16- Como você avalia o tratamento supervisionado? E a BSR? 17Em sua opinião, quais são os problemas ou as dificuldades para a realização das tarefas de controle da TB nesta unidade? 18O que você acha da ESF assumir as atividades do controle da tuberculose? Você acha que devem assumir todas as atividades do programa ou só algumas? 19- Na sua visão, qual a contribuição da ESF para diminuir o abandono do tratamento? 20- O que você sugere para melhorar? 21- Você gostaria de comentar ou abordar algum outro aspecto de seu interesse? Muito obrigada pela sua participação e colaboração. ANEXO 3 DESEMPENHO DA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA NO CONTROLE DA TUBERCULOSE NO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO/RJ. Roteiro de Entrevista – Coordenador da ESF (regional) Data: _____________ Regional: ______________ Primeiramente gostaria que você se apresentasse, dizendo sua formação e há quanto tempo está no município. 1) Você pode me explicar melhor como funciona a divisão em regiões no município? Qual região é de sua responsabilidade? (quantos bairros esta região possui?) 2) Quantas equipes de SF a sua região possui? Quantas pessoas são acompanhadas por essas equipes ao todo? 3) Segundo a coordenadora do PCT, o bairro Jardim Catarina é o que possui maior número de casos de TB. Você saberia me dizer esse número? Esses casos são todos acompanhados pela SF? (quantas ESF existem no bairro Jardim Catarina)? 4) Você pode me explicar melhor como se dá essa divisão das regiões do município em relação aos Pólos sanitários de referência? 5) Como e quando a esfera de gestão (gestores) realiza atividades de planejamento para TB? 6) Como você avalia a descentralização do controle da TB para a ESF? (trouxe benefícios para o município?) 7) Quais são os prós e os contras da descentralização para a ESF na sua opinião? 8) Como é a comunicação/relação entre as diversas coordenações? Existe facilidade de contato? (quando ocorre algum problema ou dúvida) 9) Qual é a função da coordenação regional da ESF em relação à TB? 10) Os profissionais das equipes de SF demandam informações a você sobre TB?Como é a relação entre a coordenação e as equipes? ANEXO 4 Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas e Centro de Ciências da Saúde Instituto de Estudos de Saúde Coletiva e Instituto de Economia TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA PARTICIPAÇÃO EM PESQUISA Título do projeto DESEMPENHO DA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA NO CONTROLE DA TUBERCULOSE NO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO/RJ. Unidade Responsável: Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ Prezado(a) senhor(a) A mestranda de Saúde Coletiva do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ, Natasha Ventura da Cunha está desenvolvendo, sob minha orientação, um estudo para avaliar o desempenho da Estratégia de Saúde da Família no controle da tuberculose no município de São Gonçalo, em 2010. Os objetivos específicos desta pesquisa são: Contextualizar a ESF e o PCT no município de São Gonçalo; Descrever as atividades e o fluxo de atendimento do PCT no âmbito da ESF em São Gonçalo; Analisar a execução das atividades de controle da tuberculose pelos profissionais das equipes de saúde da família; Avaliar as características relacionais entre os atores envolvidos no controle da tuberculose no âmbito da ESF de São Gonçalo; Identificar os entraves encontrados pelos profissionais da ESF na execução das tarefas de controle da tuberculose e as potencialidades da descentralização do PCT, na percepção dos mesmos. Os procedimentos de coleta de dados envolvem a realização de entrevistas e grupos focais com profissionais de saúde da Estratégia de Saúde da Família, que desenvolvem atividades ligadas ao programa de controle de tuberculose em São Gonçalo. Será efetuada análise do tipo qualitativa. Gostaríamos de convidá-lo para ser entrevistado, ou participar de um grupo focal em sua unidade. Pedimos sua permissão para gravar a sua fala para que possamos ser fiéis ao seu relato. Todo o material recolhido durante o estudo é confidencial e será de utilização somente para fins científicos. Garantimos que será mantida a CONFIDENCIALIDADE das informações e que a identidade dos entrevistados será mantida sob sigilo. Deste modo garantimos o ANONIMATO dos participantes. O benefício será o fornecimento de subsídios para qualificação da estratégia de saúde da família no controle da tuberculose. SUA PARTICIPAÇÃO É VOLUNTÁRIA, o que significa que você terá o direito de decidir se quer ou não participar, bem como de desistir de fazê-lo a qualquer momento. Não existe por parte da equipe de pesquisadores, nenhum tipo de benefício ou favorecimento a sua pessoa ou seu trabalho, e nenhum tipo de sanção ou constrangimento caso você não queira participar deste estudo. Sua participação é livre e voluntária durante toda a pesquisa. Contudo, ressaltamos a importância de sua contribuição. Caso você queira mais alguma informação sobre a pesquisa, poderá entrar em contato comigo no Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ no seguinte tel: 2598-9271, ou com a mestranda Natasha no tel. 9417-5600. E conforme estabelece a regulamentação brasileira de ética na pesquisa, caso o(a) sr(a) se sinta prejudicado(a) ou veja qualquer problema ético na condução da pesquisa, por favor, entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa do IESC pelo telefone 2598-9293 e fale com Delvaci, sua secretaria executiva. Atenciosamente, Profª Drª Maria de Lourdes Tavares Cavalcanti (IESC/UFRJ) Declaro estar esclarecido quanto a minha participação na pesquisa “Desempenho da Estratégia de Saúde da Família no controle da tuberculose no município de São Gonçalo/RJ”, e aceito dela participar livre e voluntariamente. Rio de Janeiro, ____________________________ Participante Identidade: de 2010. _____________________________ Natasha Ventura da Cunha Pesquisadora ANEXO 5 DIAGNÓSTICO SITUACIONAL DA DESCENTRALIZAÇÃO DO CONTROLE DA TUBERCULOSE PARA A ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA EM JARDIM CATARINA/SÃO GONÇALO - RJ, 2010. SITUATIONAL DIAGNOSIS OF TUBERCULOSIS CONTROL DECENTRALIZATION TO FAMILY HEALTH STRATEGY IN JARDIM CATARINA / SÃO GONÇALO - RJ, 2010. Resumo Avaliação normativa, abordagem qualitativa, para verificar a descentralização do controle da TB na Estratégia Saúde da Família (ESF) no bairro Jardim Catarina/São GonçaloRJ. Para isso, foi construído Modelo Lógico das atividades de controle da tuberculose (TB) na saúde da família (SF) do bairro. Utilizou como instrumentos de análise entrevistas, observação com registro em diário de campo, e análise documental. As entrevistas foram realizadas com a Coordenação regional de SF do município, e profissionais de Equipes de SF do bairro Jardim Catarina. Na análise, consideraram-se as seguintes categorias: atividades (prevenção, diagnóstico e tratamento) do Programa de Controle da Tuberculose (PCT) no âmbito das Unidades de Saúde da Família (USF), estrutura das USF, percepção dos profissionais de saúde sobre o controle da TB na SF. Os resultados apontaram um processo de descentralização lento, devido a problemas de estrutura e planejamento como a escassez e rotatividade de recursos humanos e desarmonia entre o planejado e o executado nas USF. Conquanto, os profissionais entrevistados compreendem os benefícios trazidos se o controle da TB estiver próximo da população através da ESF. Palavras-Chave: Saúde Pública; Atenção Primária à Saúde; Tuberculose; Avaliação em Saúde; Saúde da Família; Estratégias. ABSTRACT Normative evaluation, qualitative methodology, which aims to verify the tuberculosis (TB) control decentralization to the Family Health Strategy (FHS) in Jardim Catarina/São Gonçalo- RJ. For that, was built a Logic Model of the TB control activities by the health family (HF) in the neighborhood. The study used as instruments of analysis interviews, observation with register in diary of field, and documental analysis. The interviews were made with regional Coordination of FHS, and with professionals of HF Teams in the neighborhood of Jardim Catarina. The analysis considered these categories: activities (prevention, diagnosis and treatment) of the TB Control Program in the Units of Family Health (UFH); UFH structure and perception of health professionals about the implementation of TB control activities by the FH. The results pointed to a slow process of decentralization, due problems of structure and planning as the scarcity and rotation of human resources, lack of harmony between the planned and executed in the HFU. However, health professionals interviewed, understand the benefits brought if the TB control remain next to the population with the FHS. Key-words: Public Health; Primary Health Care; Tuberculosis; Health Evaluation; Health Family; Estrategies. 1. INTRODUÇÃO A Estratégia Saúde da Família (ESF) visa à reorganização da atenção básica de acordo com os preceitos do SUS (universalidade, integralidade, descentralização e participação da comunidade), mediante a ampliação do acesso, a qualificação e a reorientação das práticas de saúde. É apresentada pelo Ministério da Saúde (MS) como um modelo de atenção focado não apenas no indivíduo doente e sim na família, modificando o processo de intervenção em saúde por não esperar a população procurar atendimento e agir preventivamente1. A descentralização do controle da tuberculose para a ESF tem sido recomendada e incentivada pelo Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT)2, pois amplia o acesso dos doentes ao serviço de saúde. Além disso, proporciona maior adesão ao tratamento através do vínculo criado entre as equipes e a comunidade. A descentralização do controle da TB para a Saúde da Família consiste em incluir na rotina das equipes, o desenvolvimento das seguintes ações de controle da TB: busca ativa de sintomáticos respiratórios (BSR); solicitação de exames para diagnóstico (baciloscopia, raio-x e cultura); preencher os instrumentos de registro de informações (ficha de notificação de casos, livro de sintomáticos respiratórios e livro de registro e acompanhamento dos casos); tratamento supervisionado e acompanhamento do paciente (consultas mensais); exame de contatos e busca de faltosos e; alta3. A dificuldade de tratamento e cura, as taxas de abandono e recidiva da doença se concentram nas camadas sociais mais pobres, entre os grupos descobertos de atenção e acompanhamento à saúde continuados4. Assim, torna-se fundamental no enfrentamento e controle da tuberculose, um modelo assistencial que seja permanentemente vinculado à comunidade, que seja assistida por uma equipe multiprofissional cujos objetivos de trabalho se estendam além das fronteiras das Unidades de Saúde, e essas características estão em sintonia com a ESF1. No ano de 2007, o Estado do Rio de Janeiro apresentou uma taxa de incidência de tuberculose de 71,7 casos por 100.000 habitantes, a maior do país, seguida do estado do Amazonas. A maioria dos casos de tuberculose (TB) no Rio de Janeiro concentram-se em treze municípios da Região Metropolitana, onde se inclui o município de São Gonçalo5 . Em 2009 o município apresentou incidência de tuberculose de 54 casos por 100.000 habitantes. Em 2008, do total de casos novos de TB (546), o percentual de cura da doença foi 71,8%, o percentual de abandono 11,4%, e a proporção de óbitos 4,1%6. Isso demonstra que o município ainda não conseguiu atingir a meta do Ministério da Saúde (MS) de curar 85% dos casos de TB e reduzir o abandono para menos de 5%1, demandando a ampliação do acesso e a qualidade da atenção, contando com a ESF através do vínculo com o paciente e sua família para tentar reduzir a proporção de abandono e aumentar a proporção de cura da doença. São Gonçalo é um município de grande porte com expressiva cobertura de Saúde da Família (65% em novembro de 2010), e está descentralizando as ações de controle da TB para a estratégia6. O bairro Jardim Catarina foi escolhido como campo de pesquisa por ser o bairro que apresenta o maior número de casos de TB ao ano do município, além de ser um bairro extenso e populoso. O bairro possui ao todo 17 equipes de SF compostas por médico, enfermeiro, téc. de enfermagem e de quatro a seis agentes comunitários de saúde (ACS). Desta forma, este estudo teve por objetivo realizar um diagnóstico situacional do processo de descentralização do controle da TB para a SF no bairro Jardim Catarina avaliando em que medida o que foi planejado está sendo cumprido no bairro, e assim identificar as barreiras de um processo de descentralização em curso, ante a percepção dos sujeitos entrevistados. 2.METODOLOGIA Constitui uma avaliação normativa7 com objetivo de verificar se as ações de controle da tuberculose estão sendo realizadas pela ESF do bairro Jardim Catarina, em conformidade com o planejado no município, e assim realizar um diagnóstico situacional do processo de descentralização do controle da TB para a SF no bairro Jardim Catarina. Para isso, foi utilizado como ferramenta avaliativa o Modelo Lógico do PCT na ESF. Como referencial teórico para a construção do Modelo Lógico utilizou-se o modelo proposto pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), além de outros documentos como o Manual de recomendações para o controle da TB no Brasil (2010) 2, 3, 8, 9. Além disso, para adequação do modelo à descentralização planejada no bairro, foi utilizada a entrevista realizada com a Coordenadora do PCT municipal no âmbito do estudo “Avaliação do sistema de informação da tuberculose nos treze municípios de abrangência do Fundo Global Tuberculose Brasil no Estado do Rio de Janeiro”6. A Figura 1 apresenta o Modelo Lógico do PCT na ESF do bairro Jardim Catarina. Nesta figura, os insumos e as atividades marcados com um círculo tracejado referem-se aos pontos falhos do modelo, que serão apresentados e explicitados nos resultados. Figura 1- Modelo Lógico do PCT descentralizado na ESF de Jardim Catarina. Baseado no Modelo proposto pelo CDC9. Os círculos tracejados indicam os pontos falhos, que serão explicitados à diante. A partir do Modelo Lógico construído, foram elaborados os roteiros de entrevista para os profissionais das equipes de SF do bairro (20 perguntas), e para a Coordenação regional de SF (10 perguntas). O trabalho de campo ocorreu entre os meses de setembro e outubro de 2010. Dentre os sujeitos entrevistados encontram-se, além da coordenadora regional de SF de Jardim Catarina, a coordenadora regional de SF do bairro Rio do Ouro (2º bairro com maior nº de casos de TB ao ano do município). Optou-se por entrevistar duas coordenadoras a fim de captar diferentes visões da parte gestora. Os profissionais de saúde entrevistados compõem equipes de SF do bairro Jardim Catarina, presentes no momento da visita. Quinze profissionais de 10 equipes foram entrevistados – sete enfermeiros, cinco agentes comunitários de saúde (ACS) e três técnicos de enfermagem. As entrevistas foram gravadas e transcritas, com prévia autorização dos participantes que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para a análise do material de campo, foi realizada a leitura das transcrições, possibilitando a apreensão das idéias centrais e de relevância sobre o tema, considerando as categorias: atividades do PCT no âmbito das USF, a estrutura das USF, e percepção dos profissionais de saúde sobre o controle da TB na SF. A partir da análise destas categorias, foi realizada a contextualização do processo de descentralização do controle da TB para a ESF no bairro. Após a contextualização, procedeu-se a comparação entre o Modelo Lógico elaborado, com o que foi encontrado, para avaliar se e o planejado e o executado estão em harmonia. Nesta pesquisa, entende-se como incorporar as atividades de Controle da TB, a maneira como os profissionais de saúde tomam para si a realização destas atividades. Se na percepção deles desempenhar tais ações corretamente é importante ou não, e se realmente os profissionais realizam estas atividades. Os entrevistados cujas falas são citadas foram codificados do seguinte modo: as Coordenadoras Regionais de SF com as siglas C1 e C2; e os profissionais das equipes com as iniciais de sua categoria profissional: enfermeiros (E1-E7); técnicos de enfermagem (TE1TE3); agentes comunitários de saúde (ACS1 e ACS2). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IESC/UFRJ (processo nº 36/2010). Foi também submetido à aprovação da Secretaria Municipal de Saúde/Coordenação de SF do município de São Gonçalo, bem como da Coordenação do Programa Municipal de Controle da Tuberculose (processo nº 1333/10). 3.RESULTADOS 1.1. ATIVIDADES DO PCT NO ÂMBITO DAS USF No momento do trabalho de campo, São Gonçalo possuía 179 equipes de SF, e cobertura populacional de 65%. A tabela 1 apresenta a população do município para 2010, a população cadastrada na ESF e o percentual de cobertura. O Bairro Jardim Catarina situa-se no 3º Distrito do Município de São Gonçalo (Monjolos), fazendo divisa com os bairros de Alcântara, Guaxindiba, Laranjal e Santa Luzia. É dividido em dois setores: Jardim Catarina Velho e Jardim Catarina Novo, sendo este último, o setor mais urbanizado e com melhor estrutura. Durante o trabalho de campo, o bairro possuía 17 equipes de SF. Dentre as dez equipes visitadas, o número de pessoas cadastradas por equipe variava de 3.000 a mais de 6.000. Em 2009, foram registrados no bairro 38 casos de tuberculose por todas as formas, sendo 36 da forma pulmonar e destes, 23 (63,9%) casos foram curados10. Em junho de 2009 teve início a descentralização do controle da TB para a SF em São Gonçalo, quando foram introduzidos nas unidades os livros de registro relativos à TB. Segundo as coordenadoras regionais e a do PCT, todas as equipes foram capacitadas para realizar o atendimento de tuberculose aos casos novos e sem complicações. Os demais casos são encaminhados para as unidades de referência, com médicos especialistas. A unidade de referência em TB do bairro Jardim Catarina é o Pólo Sanitário Hélio Cruz, localizado em Alcântara. Este Pólo de referência é de atenção secundária à saúde, com médicos especialistas (pneumologistas) para tratar todos os casos de TB, além de possuir laboratório para exames de baciloscopia. A figura 2 descreve especificamente como foi planejada a operacionalização das atividades de controle da TB pelas ESF, no que diz respeito aos mecanismos de coleta de material (BAAR), obtenção de resultado, provimento de medicamentos, entre outros. Figura 2 – Esquema da execução do controle da TB pela SF (mecanismos de coleta de amostras, obtenção de resultados e provimento de medicação, proposta em São Gonçalo). Apesar das Coordenadoras entrevistadas informarem que todas as equipes eram capacitadas em TB, observou-se que nas 17 equipes de SF de Jardim Catarina, apenas sete médicos realizam as consultas de tuberculose. Entre as justificativas, foi apontado que muitos médicos que trabalham na SF do bairro, não se sentem seguros para atender aos casos de TB devido à formação especializada. Além disso, nem todos os médicos estão capacitados em TB, pois uma parcela não comparece às capacitações. Os perfis mais comuns dos médicos que trabalham na SF do bairro são os recém-formados ou os aposentados, e segundo informação de um profissional de saúde do município, poucos comparecem às capacitações. Ademais, não há uma carga horária fixa, ou turnos fixos de trabalho para os médicos da SF, que organizam seus horários da forma que lhes é conveniente. Surgindo um Sintomático Respiratório (SR) em uma área onde o médico não tenha sido capacitado em TB, ou simplesmente não atenda casos de TB, este paciente será encaminhado ao pólo de referência para ser avaliado. Se for um caso, e concordar, poderá realizar o tratamento supervisionado (TS) com a equipe de SF da sua área. No entanto, parte dos pacientes opta por realizar o tratamento inteiramente no pólo de referência. Também foi relatado que muitos pacientes procuram diretamente o Pólo Sanitário quando apresentam algum sintoma respiratório, pois preferem realizar o tratamento no Pólo. São realizadas reuniões mensalmente entre a Coordenação regional e as equipes, bem como reuniões entre a coordenação de TB e de SF para planejamento conjunto. Quanto à descentralização do controle da TB para a SF ambas coordenadoras de SF se mostraram favoráveis, porém a lentidão deste processo foi apontada como um fator negativo: “... acho que são só coisas boas mesmo, é pra ajudar mesmo... É até mais fácil pra enfermeira e pro agente...Então é mais fácil pra gente do PSF do que de um posto comum... (C1)” “... contra, eu acho que é essa questão mesmo da lentidão, a gente tá tentando envolver mais os profissionais de saúde, é um processo lento (a descentralização (C2)” Como não são todos os médicos que realizam atendimento de TB no bairro, o fluxo de atendimento aos casos de TB toma outra conformação, diferente da planejada. A Figura 3 descreve as atividades relacionadas à TB do modo como ocorre nas unidades visitadas, bem como o fluxo de atendimento aos pacientes. Figura 3- Fluxograma da execução das atividades de controle da TB nas USF visitadas (bairro Jardim Catarina, São Gonçalo/RJ, Brasil). Notou-se que os profissionais das equipes de SF não estão habituados a desenvolver estas atividades, devido ao fluxo de atendimento desses casos na USF ser muito baixo. É preciso destacar que, no período de trabalho de campo, em nenhuma das unidades investigadas havia pacientes tuberculosos em acompanhamento, o que reforça a idéia de que, na prática a descentralização das atividades de controle da TB para as USF no bairro ainda é incipiente (em especial por se tratar de unidades situadas no bairro com maior incidência de TB do município). 1.2. ESTRUTURA DA USF Quanto à estrutura das dez unidades visitadas, existem algumas diferenças entre elas. Três unidades chamaram a atenção pelas boas condições de suas instalações, talvez pelo fato de serem unidades mistas (posto e USF). Já as outras não apresentavam estrutura física tão satisfatória, e uma em particular, era bastante precária. Com relação aos recursos humanos, a escassez e alta rotatividade dos médicos constituem os maiores problemas mencionados. No bairro estudado, os médicos das equipes de SF não trabalham todos os dias, e nos dias trabalhados, permanecem na unidade somente meio turno. Das 10 equipes estudadas, apenas cinco médicos eram capacitados para atender casos de TB, e uma equipe estava sem médico. Foram observados problemas operacionais, como a falta de insumos no município. A falta de material, como potes para baciloscopia (BAAR), além de material para uso dos profissionais (livros de registro), foram apontados por profissionais de equipes, como falhas que prejudicam este processo de descentralização: “... Por que aí ele vem e a gente faz a baciloscopia, mas o problema é: material! Às vezes a gente se compromete com o paciente pra fazer e não tem... Já tem uns trinta dias... (E3)”. “... E agora tem o DOTS, que foi implantado em São Gonçalo, quer dizer, ficou de ser implantado... Só que tudo que foi prometido não foi cumprido em relação ao DOTS... Então veio a proposta, mas a gente não vê fidelidade deles... Há um ano e pouco que eu estou aqui, eles sabem que eu não tenho esse livro... Esse curso que teve já tem mais de dois anos... (E7)” Em algumas circunstâncias, a realização do BAAR depende do próprio paciente comprar o pote na farmácia, e se ele não puder, o exame não é realizado. Além disso, uma equipe capacitada não realizava as atividades de controle da TB, alegando não possuir os livros de registro do PCT. Com relação à rotina de atendimento à tuberculose, alguns depoimentos evidenciaram a variação de condutas adotadas, em especial referentes à coleta da baciloscopia, encaminhamento ao laboratório e entrega dos resultados nas USF. Isso também nos mostra que talvez a proposta da descentralização do controle da TB para a SF não tenha sido explicitada adequadamente para as equipes, bem como a operacionalização do planejamento adotado pelo PCT para a descentralização para a SF. Os pontos em que ocorreram maiores variações de discursos foram: 4- Se o paciente deixa amostra de escarro na USF ou se leva direto ao Pólo; 5- Deixando a amostra na USF, quem leva esta amostra ao laboratório (a coordenação de SF, o motoboy, ou a enfermeira da equipe)? 6- Quem pega o resultado (a coordenação de PSF, a enfermeira, o motoboy ou o paciente)? Trechos de depoimentos de enfermeiros demonstram com clareza essas variações: “... vai ter pedido de escarro e Raio-X, vai ser enviado pro Hélio Cruz, ou por motoboy, que a gente nunca acionou, mas a gente prefere até que a pessoa (paciente) vá levar, que acha até melhor do que ficar esperando... (E4)” “... e o próprio agente comunitário pode colher e ligar pro Hélio Cruz, ou pra coordenadora responsável vir aqui pegar... (E2)” Também não há uma normatização clara quanto à busca de faltosos. A demora por parte do Pólo em comunicar à equipe responsável pelo TS o não comparecimento dos pacientes às consultas realizadas no Pólo, além da demora da equipe em realizar a visita domiciliar quando o paciente não comparece à consulta feita na USF foi evidenciada. Isto não deveria acontecer a fim de evitar eventuais abandonos e prejuízos, como a resistência às drogas e a falência do tratamento. Este fato demonstra pouco comprometimento e preocupação com os pacientes, o que pode prejudicar a adesão ao tratamento: “Sim... Ele tem 30 dias... Por exemplo, a consulta tá marcada hoje... Tá fazendo 30 dias hoje, aí é considerado abandono, aí... Vai fazer a busca dele... (E1)” “Quando (o paciente) falta não, só quando ele tá muito tempo sem ir lá (na consulta no Pólo)... Não, não é rápido não... (E6)” 1.3. PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE SOBRE AS ATIVIDADES DE CONTROLE DA TB Observou-se que as atividades de controle da TB foram pouco incorporadas pelos profissionais, e que a BSR não é realizada adequadamente pelos ACS. Os profissionais ainda esperam o paciente procurar atendimento, ao invés captar mais rapidamente os casos prováveis, como é preconizado pelo MS. Os livros de SR das unidades que o possuíam foram observados, e notou-se o esquecimento da BSR pelas equipes, pois havia pouquíssimos registros nos livros, não chegando nem a 20. Além disso, foi encontrado um registro em aberto, com resultado desconhecido. A amostra deste paciente foi encaminhada ao laboratório, no Pólo de referência, porém ninguém procurou saber o resultado, nem o Pólo entrou em contato com a unidade. Se o paciente fosse um caso, estaria sem tratamento e infectando outras pessoas. A falta de confiança no trabalho dos ACS, bem como o pouco comprometimento deles, foi apontada por enfermeiros nas entrevistas: “... Então eu acho que pode até ter paciente por aí e estar perdido, por eles não estarem passando, que tem que ser uma vez por mês, mas tem casas que não quiseram cadastro há anos atrás, eles falam „Ah, não vou passar lá‟... (E7)” Em relação à percepção dos profissionais entrevistados sobre as atividades de controle da TB, os discursos foram variados em aspectos positivos e negativos, principalmente em relação ao Tratamento Supervisionado (TS). Alguns enfermeiros relataram achar que a Saúde da Família deveria apenas ser um executor da BSR e do TS, e as consultas e acompanhamento serem realizadas pelo Pólo de referência. Todos os pacientes que são acompanhados pela SF no município realizam o TS, seja domiciliar ou na unidade. No entanto, o TS foi apontado como paternalista e não necessário a todos os casos, somente àqueles em que há extrema necessidade de supervisão como os psiquiátricos, alcoólatras, idosos, entre outros: “Cada caso é um caso... Não acho necessário estabelecer aquilo (TS) pra todo mundo... (E5)” “... Eu acho que essa coisa de supervisão é muito paternalista, (...) só falta a gente tomar o remédio por ele, eu acho que isso tem que acabar... (E4)” Quanto à BSR, os profissionais se mostraram favoráveis de um modo geral, como se pode observar neste depoimento: “E essa questão dos agentes estarem dentro das casas das pessoas faz com que o PSF tenha um poder de penetração muito maior dentro da comunidade do que um lugar separado... (E5)” Apesar da percepção por parte dos profissionais da importância da ESF estar mais próxima da população, o Pólo sanitário foi apontado como sendo melhor para o tratamento da TB, justamente por possuir mais estrutura: “... Eu acho que algumas coisas são mais fáceis de acesso e resolutividade no Pólo (...). E no PSF é muito complicado, por que as coisas são meio soltas... (E5)” Apesar disso, os discursos foram favoráveis ao TS e à BSR em grande parte, demonstrando que aparentemente os profissionais compreenderam a importância do tratamento de tuberculose estar mais próximo da população por meio da supervisão feita pelas equipes, e que isto contribui para diminuir o abandono do tratamento: “E aqui o contato é maior, até mesmo com a família do paciente, e lá eles não tem essa proximidade com o paciente (no Pólo)... (TE3)”. Mesmo assim, observou-se que apesar dessa compreensão, o controle da tuberculose na SF não constitui uma prioridade, ficando em segundo plano em relação às demais ações realizadas nas USF. Por possuir uma demanda menor de atendimento aos casos de TB, as equipes acabam preocupando-se mais com as outras áreas programáticas de sua responsabilidade, e que possuem um fluxo de atendimento muito maior (hipertensão, diabetes, saúde da mulher, do idoso, etc.), em detrimento das ações de controle da tuberculose. A sobrecarga de trabalho dos profissionais das equipes também contribui para a lentidão do processo de descentralização do controle da TB para a SF. Depoimentos demonstraram essa sobrecarga de trabalho, e em decorrência, os profissionais expressam uma visão contrária quando questionados sobre a Saúde da Família assumir o controle da TB: “Não! Até por que a gente tem muitas outras atividades, então não tem como o PSF assumir (controle da TB), tem que auxiliar o pólo... Agora, a gente ficar responsável por tudo fica complicado... (E6)”. A insatisfação profissional gerada pela baixa remuneração e más condições de trabalho também foi apontada podendo contribuir muito para o pouco comprometimento profissional: “Por falta de tudo... É a falta de um lugar adequado... A falta de material... A falta de dinheiro! O agente comunitário sabe que em outros lugares ganha-se muito mais... São muitos anos enfermeiro, médico e auxiliar sem aumento... Então eu acho que a insatisfação faz com que eles (ACS) não corram atrás, nadar, nadar, nadar e morrer na praia... É muita proposta, mas a gente vê pouca solução... Eu acho que os agentes comunitários estão muito desestimulados... (E7)” Além disso, foi relatado por uma enfermeira, que muitos profissionais se sentem desvalorizados e desestimulados por possuírem vínculos trabalhistas precários, o que favorece à falta de comprometimento profissional, bem como a rotatividade deles entre os municípios em busca de melhores salários. 1.4. MODELO LÓGICO: O QUE FOI PLANEJADO FOI CUMPRIDO NO BAIRRO? A partir dos resultados encontrados, pôde-se realizar uma análise com base no Modelo Lógico do PCT na ESF proposta no bairro, e avaliar se o que foi planejado está ocorrendo. A começar pelos componentes da estrutura do Modelo Lógico, podemos observar falta de estrutura adequada para que a descentralização das atividades de controle da TB ocorra definitivamente. A falta de estrutura física (em menor grau), insumos necessários, recursos humanos e rotina de atendimento bem definidos, acabam por comprometer os outros componentes do Modelo Lógico (processo e resultados). Esta precariedade de estrutura decorre de falha nos mecanismos gestão, e embora pareça que há uma integração muito boa entre as coordenações envolvidas no processo de descentralização, essas falhas permanecem. Em relação aos componentes de processo do Modelo Lógico, se observa falha no componente “capacitação das ESF”, pois nem todos os médicos das equipes comparecem às capacitações. Quanto à BSR, observou-se que esta busca não é feita adequadamente, e que os profissionais esperam que o paciente sintomático procure atendimento, e não o captam precocemente, como é preconizado pelo MS. Este fato compromete todos os outros componentes das atividades do Modelo Lógico, pois não há detecção precoce de situações de risco, diagnóstico precoce, e acompanhamento desse paciente, se ele não for detectado pela BSR. Além disso, os relatos quanto às atividades educativas relacionadas à TB junto à comunidade revelaram que estas são realizadas com baixa freqüência, como todas as atividades relativas à TB (no período do trabalho de campo não havia nenhum paciente com tuberculose em acompanhamento nas unidades investigadas). Em relação aos produtos do processo no Modelo Lógico, também ocorre prejuízo, pois se as atividades estão comprometidas, os produtos conseqüentemente estarão comprometidos. Quanto aos resultados, embora prejudicados, ainda sim pode haver melhoria do acesso à rede, melhoria do vínculo e redução do abandono devido à SF estar mais próxima da população, sendo mais uma porta de entrada para esse paciente, e devido ao TS também estar mais próximo, através dos ACS. A figura 1 traz os componentes do Modelo Lógico assinalados com círculo tracejado, que não condizem com a realidade encontrada. Figura 1 2. DISCUSSÃO Apesar das possíveis vantagens da ESF, estudos apontam algumas fragilidades encontradas pelos profissionais de saúde que podem prejudicar a operacionalização das atividades, e assim dificultar o processo de descentralização do controle da TB para a Saúde da Família (SF). Dentre estas fragilidades destacam-se as mesmas observadas neste estudo, como a sobrecarga de trabalho, a falta de recursos humanos e a visão fragmentada e centralizada destes profissionais envolvidos com as tarefas de controle da TB, podendo assim comprometer a integralidade da assistência à saúde e o vínculo com o paciente8, 11,12,13, 14. Além disso, aspectos observados como o baixo número de sintomáticos respiratórios examinados, dificuldades de operacionalização das ações planejadas e a alta rotatividade de profissionais, também foram mencionados em estudos anteriores, e dificultam o processo de descentralização do controle da TB tanto para ESF, quanto na atenção básica como um todo8, 15,16,17, 18 . A questão da BSR não ser realizada adequadamente nas equipes visitadas foi observada, pois não seria possível que equipes que acompanham em média 4.500 pessoas, não tenham sequer 20 registros nos livros, a não ser que a BSR não seja feita. Segundo o MS2, o número de SR estimados de uma população é igual a 1% desta população, ou seja, uma das equipes visitadas, que possui uma população de 5336 pessoas cadastradas, deveria ter pelo menos 53 registros no livro de SR, e não somente 4 registros, como foi observado. O fato de nem todas as equipes possuírem médicos, e nem todos os médicos atenderem casos de TB, pode induzir os profissionais a preferir que o atendimento médico seja sempre realizado no Pólo de referência, como já ocorre em algumas unidades, a fim de reduzir um pouco a sobrecarga de trabalho. Esses aspectos identificados demonstram que a descentralização do controle da TB para a SF é um processo complexo, que envolve muitos fatores. É de extrema importância que as equipes assumam realmente o controle da TB, e não considerem que a Saúde da Família deva apenas ser um executor da BSR e do TS. Porém, a falta de estrutura e o fato dos médicos das equipes não estarem nas unidades todos os dias são fatores que prejudicam profundamente este processo de descentralização e incorporação. Outro ponto em comum entre estudos analisados e os resultados apresentados, é a visão centralizadora dos profissionais das equipes em relação às atividades de controle da TB, manifestada pela preferência de que o tratamento dos casos seja feito pelas unidades de referência e que as equipes sejam apenas executoras da BSR e TS 10, 11, 12, 13 . No entanto, a sobrecarga de trabalho por falta de estrutura e planejamento adequados, a escassez e a rotatividade de médicos na ESF, pode justificar essa visão. Estudo de Medeiros et al (2010)19, analisou as causas do índice de rotatividade de enfermeiros e médicos das ESF de municípios do RS, e mostrou uma tendência crescente na rotatividade dos médicos e estabilização de enfermeiros. Como principais causas dessa rotatividade foram apontados pelo autor a precarização dos vínculos trabalhistas, a fragmentação da formação acadêmica desses profissionais, o estilo de gestão autoritário, ausência de vínculo com a comunidade e más condições de trabalho. Alguns destes fatores também foram observados e apontados nas entrevistas dos profissionais das ESF de São Gonçalo. Para a autora ainda, a legislação do SUS contribui para a falta de estabilidade dos profissionais das ESF, ao não definir parâmetros de remuneração dos profissionais das ESF, nem tão pouco mecanismos de estabilidade, deixando à cargo das prefeituras municipais a contratação de profissionais, e apenas recomendando a realização de concursos públicos18. A variação de remuneração entre os municípios fomenta a migração dos profissionais de um local de trabalho para outro em busca de melhores salários. Além disso, muitos profissionais são contratados por indicação política. Entre outros fatores que interferem na ESF de um modo geral, podemos mencionar a formação acadêmica dos profissionais de saúde e os aspectos culturais presentes na população. A base cultural da população é médico-centrada e curativa, como foi apontado por uma enfermeira entrevistada. É neste pensamento dos pacientes que a ESF deve atuar através da educação em saúde, mas muitas vezes, os profissionais não sabem como agir, por não terem sido instrumentalizados durante a graduação20. Um fator que chamou atenção em relação aos pontos falhos do Modelo Lógico (Figura 1) é o fato de que os componentes das atividades que não foram assinalados com círculo são justamente as atividades que eram desenvolvidas pela SF antes da descentralização do PCT na ESF (TS e visitas domiciliares). Isso demonstra que a descentralização de fato não ocorreu no bairro estudado, apesar da tentativa. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo de descentralização do controle da TB para a Saúde da Família é um processo muito complexo e que envolve muitos fatores, tanto estruturais como organizacionais, e sendo assim, necessita que um município possua estrutura adequada, assim como planejamento minucioso para a realização do controle da TB de forma pertinente pelas ESF. É necessário que a operacionalização da rotina de atendimento programada no bairro seja bem estabelecida e planejada, para que não ocorram dificuldades no momento de se pôr em prática, e assim potencializar o processo de descentralização das atividades de controle da tuberculose para a ESF. Os problemas evidenciados nesta pesquisa demonstram que o processo de descentralização do controle da TB no bairro estudado ainda é incipiente, caminhando em passos lentos. Porém deve-se considerar o período de tempo desde o começo da descentralização do controle da TB para a ESF no município, até o período de trabalho de campo, que é de pouco mais de um ano. Sendo assim, conclui-se que bairro ainda está em fase inicial de descentralização, sofrendo ajustes, portanto sugere-se a realização de estudos posteriores. REFERÊNCIAS 1 Brasil. Secretaria de Atenção Básica. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Série E. Legislação de Saúde. Série Pactos pela Saúde 2006, v. 4 , 4ª Ed., Brasília- DF, 2007a. 2 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. Brasil, 2010. 3 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Vigilância em saúde: dengue, esquistossomose, hanseníase, malária, tracoma e tuberculose. 2.ed. Brasília, 2008, 195 p. 4 SANTOS, M. L. S. G. rt al. 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Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e AIDS. Manual da oficina de capacitação em avaliação com foco na melhoria do programa. Brasília, 2007. 112 p. 10 RIO DE JANEIRO. Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil. Programa Estadual de Controle da Tuberculose. Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Dados coletados em abril de 2011. 11 FIGUEIREDO, T. M. R. M. et al. Desempenho da atenção básica no controle da tuberculose. Revista de Saúde Pública, v. 43, n. 5. 2009. 12 MONROE, A. A. et al. Envolvimento de equipes da atenção básica à saúde no controle da tuberculose. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 42, n. 2, p. 262-267. 2008. 13 OLIVEIRA, S. A. C. et al. Serviços de saúde no controle da tuberculose: enfoque na família e orientação para a comunidade. Revista Latino-americana de Enfermagem, v. 17, n. 3. maio-jun. 2009. 14 MARCOLINO, A. B. L. et al. 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