UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA
DESCENTRALIZAÇÃO DAS AÇÕES DE CONTROLE DA TUBERCULOSE PARA A
ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA EM UM BAIRRO DE SÃO GONÇALO/RJ, 2010.
NATASHA VENTURA DA CUNHA
RIO DE JANEIRO
2011
NATASHA VENTURA DA CUNHA
DESCENTRALIZAÇÃO DAS AÇÕES DE CONTROLE DA TUBERCULOSE PARA A
ESTRATÉGIA DE SAÚDE FAMÍLIA EM UM BAIRRO DE SÃO GONÇALO/RJ, 2010.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Instituto de Estudos
em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Saúde Coletiva.
Linha de Pesquisa: Epidemiologia e Políticas de Saúde
Orientadora: Profª. Drª. Maria de Lourdes Tavares
Cavalcanti.
RIO DE JANEIRO
2011
FICHA CATALOGRÁFICA
C972
Cunha, Natasha Ventura da.
Descentralização das ações de controle da tuberculose para
a estratégia saúde da família em um bairro de São
Gonçalo/RJ, 2010 / Natasha Ventura da Cunha. – Rio de
Janeiro: UFRJ/ Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2011.
119 f.; 30cm.
Orientadora: Maria de Lourdes Tavares Cavalcanti.
Dissertação (Mestrado) - UFRJ/Instituto de Estudos em
Saúde Coletiva, 2011.
Referências: f. 83-88.
1. Saúde pública. 2. Atenção primária à saúde. 3.
Tuberculose. 4. Descentralização. 5. Avaliação em saúde. 6.
Saúde da família. 7. Estratégias. I. Cavalcanti, Maria de Lourdes
Tavares. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de
Estudos em Saúde Coletiva. III. Título.
CDD 362.196995
NATASHA VENTURA DA CUNHA
DESCENTRALIZAÇÃO DAS AÇÕES DE CONTROLE DA TUBERCULOSE PARA A
ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA EM UM BAIRRO DE SÃO GONÇALO/RJ, 2010.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Instituto de Estudos
em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Saúde Coletiva.
Aprovada em
_____________________________________________
Prof. Dr. Antônio José Leal Costa
____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Elizabeth Moreira dos Santos
_____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Sônia Natal
Dedico este trabalho à minha família e ao meu noivo,
que sempre me apoiaram em todas as minhas
dificuldades e escolhas.
AGRADECIMENTOS
À minha família querida: meus pais José e Dineize, minha irmã Tatiana e minha vovó
Léa, por todo amor e apoio incondicionais que me permitiram chegar ao fim de mais uma
etapa da minha formação, e espero que esta não seja a última. Ao meu futuro marido Fabrício
por todo amor e incentivo dados a mim durante minha caminhada, desde que nos
conhecemos.
À Prof.ª Maria de Lourdes Tavares Cavalcanti, por toda sua paciência e dedicação, e
por toda contribuição dada para a construção deste trabalho, sendo muito mais do que
orientadora, e sim uma grande amiga. Aos Professores Carlos Eduardo Aguillera Campos e
Antônio José Leal Costa, pelas críticas construtivas e aconselhamentos que permitiram o
aprimoramento deste trabalho. À Prof.ª Sônia Natal por toda solicitude e atenciosas
contribuições que me foram muito enriquecedoras e, à Prof.ªElizabeth Moreira dos Santos,
pelas críticas construtivas que contribuíram para o aperfeiçoamento deste trabalho.
À Dr.ª Regina Maria Guedes, por fornecer dados referentes à TB que foram de grande
importância para o andamento da pesquisa. À Maria Lúcia dos Santos, do Ministério da Saúde
por toda contribuição e conselhos dados a mim durante minha trajetória. À Srta. Emanuela
Lemos Cruz, da Coordenação de PSF, por toda sua presteza e atenção dada ao fornecer os
dados necessários à complementação do trabalho de maneira tão atenciosa. A todos os
profissionais entrevistados, pela boa vontade demonstrada.
Aos queridos colegas de mestrado do IESC, em especial: Clarissa, Flávia, Valéria,
Luciana, Carol, Márcio, Vanusa, Débora, Jurema e Jaqueline, pelos momentos de conversas e
descontração em meio à nossas atividades estafantes. Aos demais professores do IESC com
os quais tive aulas durante o curso, por toda atenção e ensinamentos preciosos fornecidos a
nós alunos.
E ao mais importante: à Deus, meu Senhor, sempre presente na minha vida e no meu
coração, me abençoando e protegendo e fazendo com que tudo aconteça no seu devido
momento. Obrigada!
RESUMO
Este estudo constitui uma avaliação normativa, com abordagem qualitativa, para
verificar a descentralização do controle da TB na Estratégia Saúde da Família (ESF) no bairro
Jardim Catarina/São Gonçalo- RJ. Para isso, foi construído Modelo Lógico das atividades de
controle da tuberculose (TB) na saúde da família (SF) do bairro. Utilizou como instrumentos
de análise entrevistas, observação com registro em diário de campo, e análise documental. As
entrevistas foram realizadas com a Coordenação regional de SF do município, e profissionais
de Equipes de SF do bairro Jardim Catarina. Na análise, consideraram-se as seguintes
categorias: atividades (prevenção, diagnóstico e tratamento) do Programa de Controle da
Tuberculose (PCT) no âmbito das Unidades de Saúde da Família (USF), estrutura das USF,
percepção dos profissionais de saúde sobre o controle da TB na SF. Os resultados apontaram
um processo de descentralização lento, devido a problemas de estrutura e planejamento como
a escassez e rotatividade de recursos humanos e desarmonia entre o planejado e o executado
nas USF. Conquanto, os profissionais entrevistados compreendem os benefícios trazidos se o
controle da TB estiver próximo da população através da ESF.
Palavras-Chave: Saúde Pública; Atenção Primária à Saúde; Tuberculose; Descentralização;
Avaliação em Saúde; Saúde da Família; Estratégias.
ABSTRACT
This study is a normative evaluation, with qualitative methodology, which aims to
verify the tuberculosis (TB) control decentralization to the Family Health Strategy (FHS) in
Jardim Catarina/São Gonçalo- RJ. For that, was built a Logic Model of the TB control
activities by the health family (HF) in the neighborhood. The study used as instruments of
analysis interviews, observation with register in diary of field, and documental analysis. The
interviews were made with regional Coordination of FHS, and with professionals of HF
Teams in the neighborhood of Jardim Catarina. The analysis considered these categories:
activities (prevention, diagnosis and treatment) of the TB Control Program in the Units of
Family Health (UFH); UFH structure and perception of health professionals about the
implementation of TB control activities by the FH. The results pointed to a slow process of
decentralization, due problems of structure and planning as the scarcity and rotation of human
resources, lack of harmony between the planned and executed in the HFU. However, health
professionals interviewed, understand the benefits brought if the TB control remain next to
the population with the FHS.
Key-words: Public Health; Primary Health Care; Tuberculosis; Health Evaluation;
Descentralization; Health Family; Strategies.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 11
1.1 APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................... 11
2. OBJETIVOS ............................................................................................................................................ 14
OBJETIVO GERAL ................................................................................................................................... 14
3. AVALIAÇÃO EM SAÚDE ............................................................................................................................ 15
3.1. A UTILIZAÇÃO DA METODOLOGIA QUALITATIVA NA AVALIAÇÃO EM SAÚDE ................................................. 18
4. A ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA E O CONTROLE DA TUBERCULOSE NO SUS............................................... 20
4.1. ESTRATÉGIA DA SAÚDE DA FAMÍLIA: DO PSF À ESTRATÉGIA DE REORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA NO SUS.
........................................................................................................................................................... 20
4.2. TUBERCULOSE: UM PROBLEMA QUE SE PERPETUA NA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA ..................................... 26
4.3. O CONTROLE DA TB NA ESF ............................................................................................................. 28
5. METODOLOGIA ...................................................................................................................................... 35
5.1. TRABALHO DE CAMPO ...................................................................................................................... 39
6. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS............................................................................................................. 40
6.1 O MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO ........................................................................................................ 40
6.1.1. O BAIRRO JARDIM CATARINA ..................................................................................................... 43
6.2 A REDE MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO GONÇALO: IMPLANTAÇÃO DA ESF NO MUNICÍPIO .............................. 45
6.3. DESCENTRALIZAÇÃO DO PCT PARA A SAÚDE DA FAMÍLIA E ORGANIZAÇÃO DAS AÇÕES DE CONTROLE DA TB
EXECUTADAS NO ÂMBITO DA SAÚDE DA FAMÍLIA ......................................................................................... 50
6.4. ESTRUTURA DAS USF ...................................................................................................................... 57
6.4.1. DISPONIBILIDADE DE INSUMOS ................................................................................................... 58
6.4.2. REALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DO PCT NAS USF ............................................................................ 60
6.4.3. ROTINA DE ATENDIMENTO E ATRIBUIÇÕES RELATIVAS AO PCT POR CATEGORIA PROFISSIONAL NAS USF .. 63
6.5. PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE SOBRE AS ATIVIDADES DE CONTROLE DA TB .............................. 66
6.5.1. INCORPORAÇÃO DA BSR ........................................................................................................... 66
6.5.2. PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS EM RELAÇÃO À BSR E AO TS .......................................................... 67
6.5.3. SOBRECARGA DE TRABALHO....................................................................................................... 69
6.5.4. SATISFAÇÃO PROFISSIONAL ........................................................................................................ 71
6.6. MODELO LÓGICO: O QUE FOI PLANEJADO FOI CUMPRIDO NO MUNICÍPIO? ............................................... 73
7. DISCUSSÃO ........................................................................................................................................... 77
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... 80
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 83
ANEXO 1 ................................................................................................................................................ 89
ANEXO 2 ................................................................................................................................................ 90
ANEXO 3 ................................................................................................................................................ 92
ANEXO 4 ................................................................................................................................................ 93
ANEXO 5 ................................................................................................................................................ 96
1. INTRODUÇÃO
1.1 APRESENTAÇÃO
O objeto de investigação desta dissertação constitui-se na descentralização das ações
de controle da TB para a Estratégia de Saúde da Família (ESF) no município de São Gonçalo,
localizado na Região Metropolitana do Estado de Rio de Janeiro.
No ano de 2007, o Estado do Rio de Janeiro apresentou uma taxa de incidência da
doença de 71,7 casos por 100.000 habitantes, a maior do país, seguida do estado do
Amazonas. A maioria dos casos de tuberculose (TB) no Rio de Janeiro concentram-se em
treze municípios da Região Metropolitana, onde se inclui o município de São Gonçalo
(BRASIL, 2009). A tuberculose é uma doença passível de transmissão em todos os estratos
sociais, no entanto, existe uma associação entre tuberculose e miséria. A dificuldade de
tratamento e cura, as taxas de abandono e recidiva da doença se concentram nas camadas
sociais mais pobres, entre os grupos descobertos de atenção e acompanhamento à saúde
continuados. Assim, torna-se fundamental no enfrentamento e controle da tuberculose, a
opção por um modelo assistencial que seja permanentemente vinculado à comunidade,
voltado para uma prática de saúde participativa, coletiva e ao mesmo tempo integral, que seja
assistida por uma equipe multiprofissional cujos objetivos de trabalho vão além das fronteiras
das Unidades de Saúde, e essas características foram idealizadas para a ESF.
A proposição da ESF explicitada nos documentos oficiais ressalta vantagens deste
modelo em relação aos outros tipos de serviços de saúde, pelo seu caráter de assistência
integral, evolvendo ações de promoção, prevenção, diagnóstico precoce, tratamento e
reabilitação. Nesse sentido, a ESF favorece a aproximação entre os serviços de saúde e a
população contribuindo para ultrapassar a visão fragmentada do indivíduo, passando a uma
compreensão integral e coletiva, ou seja, o resgate da prática generalista e compreensão do
processo saúde-doença dos indivíduos de forma mais ampla. Esta estratégia teoricamente, se
apresenta como uma maneira de trabalhar a saúde não só preocupando-se com o indivíduo
doente, e sim com a família, gerando assim uma nova visão das práticas de saúde por não
esperar a população procurar atendimento, mas sim agindo preventivamente sobre ela a partir
de um novo modelo de atenção. Este modelo propõe a humanização das práticas de saúde,
buscando a satisfação do usuário através do estreitamento das relações entre este e os
profissionais de saúde. No caso da tuberculose, esta interação com a família, o acolhimento e
11
a construção de vínculo com o paciente são fundamentais para o controle da doença, pois
reduz o abandono e torna o tratamento mais efetivo1.
O interesse em avaliar o processo de descentralização da ESF no controle da TB
também se deve ao fato de apesar destas possíveis vantagens da ESF em relação aos serviços
de atenção básica tradicionais, estudos apontam algumas fragilidades encontradas pelos
profissionais de saúde que podem prejudicar tal processo. Dentre estas fragilidades
encontram-se a sobrecarga de trabalho, falta de recursos humanos e a visão fragmentada e
centralizada destes profissionais envolvidos com as tarefas de controle da TB, podendo assim
comprometer a integralidade na assistência à saúde e o vínculo com o paciente (OLIVEIRA &
NATAL, 2007; MONROE et al, 2008; OLIVEIRA, 2009; MARCOLINO et al, 2009 e
FIGUEIREDO et al, 2009).
Com isso, podemos observar que a ESF idealizada nas políticas de saúde não é a
mesma que funciona na prática nos municípios. A descentralização do controle da TB para a
ESF depende de muitos fatores envolvidos neste processo, como por exemplo, as relações
interpessoais dos atores envolvidos e a percepção dos profissionais de saúde sobre a execução
das tarefas na ESF. Estudos anteriores evidenciam que os profissionais de saúde envolvidos
no controle da TB têm pouco comprometimento com a execução de tais atividades (COSTA
et al, 2010; MONROE et al, 2008). Desta forma, a questão aqui levantada é: a ESF vem
cumprindo seu papel ao realizar as atividades de controle da TB? Fazendo parte desta questão
mais ampla, pretende-se avaliar como os profissionais de saúde da equipe incorporaram estas
atividades em sua rotina de trabalho além das relações interpessoais dos atores envolvidos no
controle da TB no âmbito da ESF, e assim compreender como está a organização da ESF com
respeito ao controle da TB (se está organizada ou não). O fato que me motivou a avaliar estas
questões relacionais e a percepção dos profissionais de saúde é acreditar que a chave para o
bom funcionamento do controle da TB na ESF seja justamente o comprometimento com as
atividades por parte dos profissionais e com os usuários também, visto que entre as premissas
da ESF encontram-se o vínculo com o paciente e o acolhimento. Espera-se também identificar
quais são as principais dificuldades encontradas pelas equipes de Saúde da Família (SF) na
execução das atividades, na percepção dos mesmos.
1
Efetividade - É a capacidade de produzir o efeito desejado, em condições reais (AKERMAN e LUIZ,
2004)
12
Nesta dissertação entende-se como incorporar as atividades de Controle da TB, a
maneira como os profissionais de saúde tomam para si a realização destas atividades. Se na
percepção deles desempenhar tais ações corretamente é importante ou não, se realmente os
profissionais realizam estas atividades; e que sentido eles atribuem a cada uma destas
„tarefas‟. Enfim, se compreendem a sua importância e papel dentro do conjunto de ações que
compõem o PCT. Assim, pretende-se com esta dissertação, contribuir para a compreensão de
como este processo de descentralização e incorporação está se dando e se os profissionais de
saúde envolvidos com o controle da TB estão desempenhando suas funções de maneira
efetiva, já que na ESF, os profissionais de saúde não têm responsabilidades apenas com o
PCT, mas também com uma série de outras atividades inseridas na ESF.
A escolha do município de São Gonçalo para a realização desta dissertação ocorreu
devido a minha inserção na pesquisa “Avaliação do sistema de informação da tuberculose nos
treze municípios de abrangência do Fundo Global Tuberculose Brasil no Estado do Rio de
Janeiro”, a qual inclui o município de São Gonçalo. Isto me permitiu analisar a situação dos
municípios através das entrevistas realizadas com os coordenadores do PCT de cada
município e assim escolher São Gonçalo para realizar esta dissertação. Apesar de a pesquisa
ser voltada para o sistema de informação da tuberculose, foi possível através das entrevistas
realizadas, a captação de muitas informações relevantes não só sobre o sistema de informação,
mas sim da rede como um todo. Um dos fatores que contribuiu para a escolha deste
município, é o fato deste ser um município de grande porte, com quase 1 milhão de
habitantes, e ainda sim possuir cobertura expressiva de Saúde da Família, que em novembro
de 2010 era de 65% (SMS de São Gonçalo, 2010). Além disso, está entre os municípios
prioritários do Fundo Global de Tuberculose Brasil, sendo um dos municípios na região
metropolitana do estado do Rio de Janeiro, que está descentralizando o PCT para a ESF.
Segundo a coordenadora do PCT de São Gonçalo, todas as atividades de controle da TB são
realizadas pelas equipes de saúde da família, do diagnóstico ao tratamento. As unidades de
saúde da família ainda possuem todos os livros de registro (COSTA et al, 2010), o que não
ocorre em outros municípios onde o PCT é centralizado.
13
2. OBJETIVOS
OBJETIVO GERAL
Avaliar a descentralização das ações de controle da tuberculose para a Estratégia de
Saúde da Família no bairro Jardim Catarina/São Gonçalo, em 2010.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
1) Analisar a implantação das ações de controle da tuberculose nas Unidades de Saúde da
Família do bairro Jardim Catarina;
2) Avaliar a descentralização das ações de controle da tuberculose nas Unidades de
Saúde da Família do bairro Jardim Catarina, frente ao planejado;
3) Identificar as barreiras no processo de descentralização, ante a percepção de
profissionais de saúde que atuam na ESF no município.
14
3. AVALIAÇÃO EM SAÚDE
“Avaliar consiste fundamentalmente em fazer julgamento de valor a respeito de
uma intervenção, um serviço ou sobre qualquer um de seus componentes, com o
objetivo de ajudar na tomada de decisão” (Contandriopoulos et al., 1997).
Devido a esta Dissertação ser uma pesquisa avaliativa, é imprescindível abordar
alguns aspectos concernentes a avaliação em saúde. O debate sobre a importância de se
institucionalizar a avaliação no Brasil se iniciou principalmente a partir das contribuições de
Hartz, embora já houvesse o debate sobre a necessidade da institucionalização da avaliação
como prática concernente ao processo de planejamento dos serviços de saúde (SARTI et al,
2008). Vários autores já demonstraram a importância da cultura avaliativa no processo de
tomada de decisão em qualquer ponto do sistema de saúde (VIEIRA DA SILVA et al, 1994;
BRASIL, 2005). Este debate ganhou força, e em decorrência, o MS lançou em 2003, a
Política Nacional de Avaliação da Atenção Básica, sendo instituída a Comissão de Avaliação
da Atenção Básica. A partir daí, vem sendo implementadas múltiplas atividades relacionadas
com a avaliação da atenção básica (BRASIL, 2005).
Contandriopoulos (2006) diferencia pesquisa avaliativa, avaliação normativa e tomada
de decisão. Segundo o autor, estas três áreas da avaliação estão interligadas conceitualmente,
mas não se sobrepõem. A avaliação difere da pesquisa por seu caráter normativo, o qual visa
não só medir o efeito de uma intervenção, mas também julgá-la. Aqui, utilizou-se o termo
pesquisa avaliativa para designar esta dissertação, tomando como referência a definição
proposta pelo autor, que refere a pesquisa avaliativa como aquela que elabora um julgamento
a partir de um procedimento científico (CONTANDRIOPOULOS, 2006).
Segundo Vieira da Silva (2005), para delimitar o objeto a ser avaliado, necessita-se
definir quais os níveis da realidade que se deseja estudar. Segundo a autora, as ações
desenvolvidas no campo da saúde podem ser abordadas, entre outras possibilidades, a partir
dos seguintes níveis: ações; serviços; estabelecimentos e sistemas. A partir da delimitação do
nível que se deseja avaliar, a seleção dos atributos das práticas que se pretende avaliar,
contribui na definição do foco da avaliação. Para a autora, estes atributos podem ser
agrupados de acordo com as seguintes características, entre outras possibilidades:
“a) Relacionados com a disponibilidade e distribuição social dos recursos
(cobertura, acessibilidade e equidade);
15
b) Relacionados com os efeitos das ações (eficácia, efetividade e impacto);
c) Relacionados com os custos e produtividade das ações (eficiência);
c) Relacionados com a adequação das ações ao conhecimento técnico e científico
vigente (qualidade técnico-científica);
d) Relacionados com a adequação das ações aos objetivos e problemas de saúde
(direcionalidade e consistência - análise estratégica);
e) Relacionados com o processo de implantação das ações (avaliação do grau de
implantação ou avaliação de processo; análise de implantação - relação entre
grau de implantação, contexto e efeitos);
f)Características relacionais entre os agentes das ações (usuário x profissional
(percepção dos usuários sobre as práticas, satisfação dos usuários, entre outros);
profissional x profissional (relações de trabalho e no trabalho) e gestor x
profissional (relações sindicais e de gestão)(VIEIRA DA SILVA, 2005, pág.
23/24).”
Nesta dissertação, o objeto de avaliação encontra-se no nível dos serviços (ESF), que é
apontada pela autora como “correspondente a um grau de maior complexidade de
organização das ações onde diversos agentes se articulam para desenvolver atividades,
coordenadas ou não, voltadas para um grupo etário ou problema de saúde (VIEIRA DA
SILVA, 2005 pág. 22)”. As características do serviço selecionadas nesta dissertação
constituem-se na descentralização das atividades de controle da TB para a ESF, as percepções
dos profissionais das equipes de SF sobre estas atividades e as características relacionais entre
os agentes das ações, apontadas por Vieira da Silva. No caso, os agentes são as equipes de
saúde da família, o coordenador do PCT, a coordenação de Saúde da Família, e as ações são
justamente as de controle da tuberculose. A abordagem qualitativa permitirá avaliar a
dimensão relacional das práticas no estudo realizado.
Visto que o PCT é um programa, o qual era verticalizado e centralizado antes da
descentralização para a Rede Básica, incluindo a Saúde da Família, é importante explicitar o
conceito de programa. Segundo Hartz (1999), “Os programas são compreendidos como
conjunto de ações visando a favorecer comportamentos adaptativos requeridos pelas
diferentes áreas ou atividades humanas relacionadas com a vida comunitária, escola,
trabalho saúde e bem-estar (HARTZ, 1999, p.342).”
16
Um programa possui vários componentes: insumos, atividades, produtos, resultados e
impactos. Os insumos referem-se aos recursos previamente disponíveis para a execução das
atividades do programa; as atividades são os procedimentos pelos quais os insumos são
mobilizados visando o efeito desejado; os produtos são conseqüência imediata das atividades
do programa; os resultados são os efeitos produzidos na população-alvo; e os impactos,
referem-se aos efeitos acumulados em grandes populações, em longo prazo (BRASIL, 2007).
Segundo Medina et al (2005), o desenho de um modelo lógico do programa é o primeiro
passo do planejamento de uma avaliação, sendo variados os caminhos que podem ser
utilizados na sua construção (MEDINA et al ,2005). O modelo lógico do programa nada mais
é do que uma maneira visual e sistematizada de apresentar as relações entre intervenção e
efeito. Deve incluir as relações entre recursos necessários para operacionalizar o programa, as
atividades planejadas e os efeitos que pretende alcançar (BRASIL, 2007). É importante
destacar que é uma representação da realidade, e não a realidade. Construir o desenho lógico
de um programa significa esquadrinhá-lo em termos da constituição de seus componentes e da
sua forma de operacionalização, discriminado as etapas necessárias à transformação de seus
objetivos e metas. Após a elaboração do modelo lógico, é importante verificar se este atingiu
o objetivo de representar a lógica do programa (MEDINA et al, 2005).
Cada componente do modelo lógico pode ser avaliado, desde os insumos, aos
impactos (BRASIL, 2007). A avaliação de atividade, usualmente equivale à avaliação de
processo ou análise de implantação/implementação, envolvendo a dimensão relacional
(relações interpessoais dos atores envolvidos), a dimensão organizacional, e a influência do
contexto no funcionamento do programa (AKERMAN E LUIZ, 2004). Nesta dissertação o
modelo proposto pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) foi tomado como
referência para a construção do Modelo Lógico das Atividades do PCT realizadas pelas
Equipes de SF. No entanto, no âmbito desse estudo, entende-se „atividades‟ como equivalente
à processo na concepção de avaliação da qualidade proposta por Donabedian
(DONABEDIAN, 1980 apud BRASIL, 2005). Além disso, na proposição do CDC os recursos
humanos são considerados insumos dos programas a serem avaliados, enquanto para
Donabedian a categoria recursos humanos é tratada em separado dos demais insumos, ou
recursos, necessários à realização das ações de saúde.
17
O interesse neste tipo de avaliação é verificar se as atividades estão ocorrendo com a
importância esperada; se quando ocorrem estão de acordo com as boas práticas
recomendadas, e se apontam para os efeitos esperados. Permite ainda, abrir a “caixa - preta”
existente em avaliações que focam exclusivamente os resultados, possibilitando ajustes do
programa, sugerindo alternativas mais apropriadas (BRASIL, 2007).
As estratégias de pesquisa em avaliação correspondem às possíveis maneiras de
mobilizar recursos teóricos e técnicos, visando responder à pergunta de investigação de forma
a evitar possíveis vieses. A escolha da estratégia deve levar em consideração o processo de
delimitação do foco e de construção do objeto de avaliação. A avaliação de atividades pode
utilizar técnicas qualitativas ou quantitativas, ou uma combinação de ambas. Abordagens
qualitativas, tais como entrevistas, grupos focais, grupos de discussão, observações diretas e
análise documental, podem fornecer informações importantes tanto sobre situações sociais e
de interação, quanto sobre valores, percepções e motivações de grupos e pessoas envolvidas
(BRASIL, 2007).
3.1. A UTILIZAÇÃO DA METODOLOGIA QUALITATIVA NA AVALIAÇÃO EM SAÚDE
Segundo Hartz e Vieira da Silva (2005), avaliar a dimensão relacional das práticas
requer a realização de estudos de caso e o uso de técnicas qualitativas como as entrevistas em
profundidade e a observação (instrumentos utilizados nesta dissertação). Os atributos
relacionais correspondem à valorização das características de acolhimento, da garantia dos
direitos individuais à privacidade e das características das relações no trabalho como
componentes da qualidade na atenção e promoção da saúde (HARTZ e VIEIRA DA SILVA,
2005).
A metodologia de investigação qualitativa é apontada por Minayo (2004) como
“aquela capaz de incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerentes
aos atos, às relações e às estruturas sociais...” (MINAYO, 2004, p. 10). Nesse sentido,
espera-se que, a presença no cenário de trabalho dos profissionais de saúde, juntamente com a
utilização dos instrumentos de pesquisa qualitativa, seja possível compreender como se dá a
execução das atividades de controle da TB pelas equipes de SF e como os profissionais de
saúde incorporam as atividades que lhes são de responsabilidade.
18
De acordo com Víctora, Knauth e Hassen (2000), a técnica de pesquisa qualitativa nos
permite “(...) o registro do comportamento não verbal e o recebimento de informações não
esperadas por que não seguem necessariamente um roteiro fechado, percebendo como bemvindos os dados novos, não previstos anteriormente (VÍCTORA, KNAUTH E HASSEN, 2000:
39)”.
Ainda para Minayo & Sanches (1993), a pesquisa qualitativa permite uma importante
aproximação de intimidade entre sujeito e objeto, observador e observado, visto que os dois
possuem a mesma natureza: “ela se envolve com empatia aos motivos, às intenções, aos
projetos dos atores, a partir dos quais as ações, as estruturas e as relações tornam-se
significativas” (MINAYO & SANCHES, 1993). Minayo (2004) destaca que este tipo de
metodologia é capaz de incorporar a questão do significado e da intencionalidade como
inerente aos atos, às relações e às estruturas sociais, com objetivo de “(...) trabalhar com a
percepção do vivido, com os significados das motivações, atitudes e valores” (MINAYO,
2004, p.133).
Segundo Triviños (1994), a entrevista semi-estruturada é um dos principais meios que
o investigador possui para realizar a coleta de dados. Ela é aquela que em geral, parte de
certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses que interessam à pesquisa e
oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que surgem à medida que o
informante responde às perguntas (TRIVIÑOS, 1994).
Conforme refere Minayo (2000), as categorias são utilizadas para se estabelecer
classificações, ou seja, trabalhar com categorias significa agrupar elementos, idéias ou
expressões em torno de um conceito capaz de abranger tudo isso, e pode ser utilizado em
qualquer tipo de análise qualitativa. Minayo (2004) refere-se às categorias analíticas e
empíricas da seguinte forma:
“As primeiras são aquelas que retêm historicamente as relações sociais
fundamentais e podem ser consideradas balizas para o conhecimento do
objeto nos seus aspectos gerais. Elas mesmas comportam vários graus de
abstração, generalização e aproximação. As segundas são aquelas
construídas com finalidade operacional, visando ao trabalho de campo (a
fase empírica) ou a partir do trabalho de campo. Elas têm a propriedade de
conseguir apreender as determinações e as especificidades que se
expressam na realidade empírica (MINAYO, 2004: 94).”
19
Diante do exposto, depreende-se-se que a abordagem qualitativa é a que melhor se
enquadra aos objetivos deste estudo, tendo em vista que “(...) não se busca estudar o
fenômeno em si, mas entender seu significado individual ou coletivo para a vida das
pessoas”, e desta forma tornar possível apreender como os profissionais de saúde
entrevistados incorporam as atividades do PCT que são de responsabilidade deles e qual a
percepção dos mesmos sobre a execução de tais tarefas (TURATO, 2005).
4. A ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA E O CONTROLE DA TUBERCULOSE NO SUS.
4.1. ESTRATÉGIA
DA
SAÚDE
REORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA NO
DA
FAMÍLIA:
DO
PSF
À
ESTRATÉGIA
DE
SUS.
A origem do Programa de Saúde da Família (PSF) é demarcada pela implantação, em
1991, do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) pelo Ministério da Saúde,
como uma medida de combate aos altos índices de morbimortalidade materna e infantil na
região Nordeste. Desta forma, o PACS é um antecessor da ESF por alguns de seus elementos
fundamentais que auxiliaram na construção do programa, como o enfoque na família e não no
indivíduo e o agir de maneira preventiva de acordo com as demandas da comunidade
(BRASIL, 2003c). O PSF foi lançado em 1994 como um programa do Ministério da Saúde
para reorganização da atenção básica de acordo com os preceitos do SUS (universalidade,
integralidade, descentralização e participação da comunidade), mediante a ampliação do
acesso, a qualificação e a reorientação das práticas de saúde. Num primeiro momento o
programa gerou polêmica, associada às críticas a difusão de políticas neoliberais na América
Latina e no Brasil. Segundo Santana & Carmagnani (2001), muitos autores viam o PSF como
um programa pontual e paralelo ao SUS, direcionado à clientela específica e focalizado em
regiões com maior risco social, alguns até se referiam ao programa como sendo “pobre para
pobres” (SANTANA & CARMAGNANI, 2001). Em 1997, o Ministério da Saúde propôs
uma nova visão para a “saúde da família”, compreendida desta vez como estratégia de
atenção, e não somente como mais um programa paralelo. Sendo assim, o programa ganhou
aceitação nacional em um contexto de ajuste fiscal e reforma setorial na saúde, com objetivo
de superar os limites do modelo vigente, particularmente na esfera municipal (HENRIQUE e
CALVO 2008).
20
Esta estratégia possui alguns princípios gerais como ter caráter substitutivo em relação
à rede de atenção básica tradicional nos territórios em que as ESF atuam e não uma atividade
assistencial paralela; realizar o cadastramento domiciliar e diagnóstico situacional;
desenvolver ações dirigidas aos problemas de saúde de forma pactuada com a comunidade
buscando o cuidado dos indivíduos e famílias ao longo do tempo; ser um espaço de
construção de cidadania, integralidade na assistência e hierarquização e equipe
multiprofissional (BRASIL, 2007; ANDRADE et al, 2006). A intenção é que a conversão do
modelo faça a diferença na forma de pensar e de fazer no cotidiano, a saúde das famílias, em
todos os aspectos (SOUZA e HAMANN, 2009). Também privilegia outras interfaces do SUS
em diversos sentidos: por sua vertente municipalista, busca estimular a organização dos
sistemas locais, pautando-se na aproximação dos serviços com sua própria realidade e
envolvendo os atores sociais destas mesmas realidades fazendo com que o controle social e a
participação popular se fortaleçam a medida que o programa se amplia (BRASIL, 2003c).
A ESF proposta pelo MS, apresenta-se como um modelo de atenção à saúde, não só
focando o indivíduo doente, e sim a família, gerando uma nova visão no processo de
intervenção em saúde devido ao fato de não esperar a população procurar atendimento, agindo
preventivamente sobre ela a partir de um novo modelo de atenção (ROSA, LABATE, 2005).
Ao invés de se privilegiar o tratamento das doenças nos hospitais, a ESF promove a saúde da
comunidade por meio de ações básicas a fim de se evitar que as pessoas fiquem doentes,
assumindo um compromisso de prestar assistência universal, integral, equânime, contínua e,
sobretudo, que seja resolutiva à população, seja na unidade de saúde ou em domicílio, sempre
em conformidade com as necessidades da população. Além disso, também identifica os
fatores de risco aos quais a comunidade está exposta, intervindo de forma apropriada. Propõese ainda a humanizar as práticas em saúde, sempre almejando a satisfação dos usuários pelo
estreitamento das relações paciente-profissional de saúde e comunidade-profissional de saúde,
e com ações combinadas a partir da noção mais ampla de saúde, que envolve não só a saúde
física, mas tudo aquilo que possa levar a pessoa a um estado de bem estar geral, e melhor
qualidade de vida (BRASIL, 2000b).
As Equipes de SF são compostas por, no mínimo, um médico, um enfermeiro, um
auxiliar de enfermagem e de quatro a seis agentes comunitários de saúde, com jornada de
trabalho de quarenta horas semanais. Outros profissionais de saúde, como fisioterapeutas,
psicólogos e dentistas podem ser incorporados à equipe de acordo com as demandas da
21
comunidade, segundo a portaria 154 de 24 de janeiro de 2008, republicada em 4 de março de
2008, a qual cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) (BRASIL, 2008). O papel
do profissional de saúde na ESF é aliar-se a família no cumprimento de seu objetivo,
fortificando-a e proporcionando o apoio necessário ao desempenho de suas responsabilidades.
A proposta da relação de trabalho entre a equipe de saúde da família é baseada na
interdisciplinaridade2, e não mais na multidisciplinaridade3, gera novas práticas de saúde, nas
quais há integração das ações clínicas e de saúde coletiva, itens fundamentais para o controle
da tuberculose (BRASIL, 2000). De acordo com a Política Nacional de Atenção Básica
(2007), são atribuições comuns a todos os profissionais de saúde da ESF:
“I - participar do processo de territorialização e mapeamento da área de atuação
da equipe, identificando grupos, famílias e indivíduos expostos a riscos, inclusive
aqueles relativos ao trabalho, e da atualização contínua dessas informações,
priorizando as situações a serem acompanhadas no planejamento local;
II - realizar o cuidado em saúde da população adscrita, prioritariamente no
âmbito da unidade de saúde, no domicílio e nos demais espaços comunitários
(escolas, associações, entre outros), quando necessário;
III - realizar ações de atenção integral conforme a necessidade de saúde da
população local, bem como as previstas nas prioridades e protocolos da gestão
local;
IV - garantir a integralidade da atenção por meio da realização de ações de
promoção da saúde, prevenção de agravos e curativas; e da garantia de
atendimento da demanda espontânea, da realização das ações programáticas e de
vigilância à saúde;
V - realizar busca ativa e notificação de doenças e agravos de notificação
compulsória e de outros agravos e situações de importância local;
VI - realizar a escuta qualificada das necessidades dos usuários em todas as
ações, proporcionando atendimento humanizado e viabilizando o estabelecimento
do vínculo;
VII - responsabilizar-se pela população adscrita, mantendo a coordenação do
cuidado mesmo quando esta necessita de atenção em outros serviços do sistema de
saúde;
VIII - participar das atividades de planejamento e avaliação das ações da equipe,
a partir da utilização dos dados disponíveis;
IX - promover a mobilização e a participação da comunidade, buscando efetivar o
controle social;
X - identificar parceiros e recursos na comunidade que possam potencializar ações
intersetoriais com a equipe, sob coordenação da SMS;
XI - garantir a qualidade do registro das atividades nos sistemas nacionais de
informação na Atenção Básica;
XII - participar das atividades de educação permanente; e
XIII - realizar outras ações e atividades a serem definidas de acordo com as
prioridades locais (p. 44 BRASIL, 2007)”.
2
Possibilidade de trabalho em conjunto a fim de se buscar soluções respeitando-se as disciplinas específicas
(SAUPE et al, 2005)
3
Tratamento de um problema comum de forma paralela por disciplinas específicas e não em conjunto (SAUPE et al,
2005)
22
Cada Equipe de SF é responsável pelo acompanhamento de, em média, 3.000 podendo
variar até 4.000 pessoas que residam ou trabalhem no território de responsabilidade da
unidade de saúde, agora denominada “Unidade Básica de Saúde da Família”. Para garantir
maior vínculo e identidade cultural com as famílias, os ACS devem residir na área onde
atuam, e os demais profissionais devem residir no município de atuação, trabalhando em
regime de dedicação integral (BRASIL, 2007).
Ao longo dos anos, desde a sua criação, a consolidação e a expansão da ESF, foram
sendo alcançadas graças à criação de algumas políticas de saúde, que contribuíram com a
estratégia. Uma dessas grandes contribuições foi a criação do Piso de Atenção Básica (PAB),
implantado pela Norma Operacional Básica (NOB 01/96), a qual estabelece o pagamento em
função da cobertura populacional substituindo o repasse financeiro por produção de serviços,
além de introduzir incentivos para implantação de ações de saúde como a ESF (BRASIL,
1996). Com a implantação do PAB (fixo e variável), a ESF passou a ter orçamento próprio e
foi incluído no Plano Plurianual (PPA) do Governo Federal, em 1998 (BRASIL, 2003c). A
Portaria nº 1.329 de 12 de novembro de 1999 estabeleceu que os municípios passassem a
receber incentivos anuais diferenciados de acordo com a faixa de cobertura populacional,
obviamente os municípios com maior cobertura recebem maior incentivo, devido ao fato de
que quanto maior o número de pessoas cobertas pela ESF, maior será seu impacto (BRASIL,
1999).
Também foi de grande contribuição para a saúde da família a publicação da Norma
Operacional de Assistência à Saúde (NOAS/SUS), em janeiro de 2001, com objetivo geral de
“promover maior equidade na alocação de recursos e no acesso da população às ações e
serviços de saúde em todos os níveis de atenção”. Esta norma também definiu as
responsabilidades e estratégias mínimas que todos os municípios brasileiros devem
desenvolver no âmbito da Atenção Básica (BRASIL, 2003). No ano seguinte, instituiu-se a
NOAS/SUS 01/2002, que ampliou as responsabilidades dos municípios na Atenção Básica,
estabelece o processo de regionalização e hierarquização dos serviços de saúde de busca de
maior equidade. A partir de então foi concebido o Pacto de Indicadores da Atenção Básica,
para monitoramento das ações e serviços de saúde referente ao nível da atenção básica, sendo
que para a tuberculose foram propostos dois indicadores: Taxa de incidência de tuberculose
pulmonar positiva e proporção de abandono do tratamento da tuberculose, o qual é
23
considerado um dos vinte indicadores principais para o monitoramento da atenção básica
(RUFFINO-NETTO e VILLA, 2006).
No ano de 2006, as Diretrizes Operacionais dos Pactos pela Vida e de Gestão,
trouxeram outra contribuição no que diz respeito ao financiamento da ESF, que foi a criação
do financiamento da atenção básica - Teto financeiro do Bloco da Atenção Básica, que é
constituído pela parte fixa e variável do PAB em conjunto (BRASIL, 2006). Outros
investimentos também são direcionados aos municípios com mais de 100.000 habitantes
através do Projeto de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (PROESF), que é cofinanciado pelo Banco Internacional para Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD) e é
voltado para o fortalecimento e organização da atenção básica no país. O projeto viabiliza
recursos para a estruturação das equipes/unidades, buscando assim, integrar procedimentos de
outros níveis de complexidade do Sistema Único de Saúde – SUS e, aperfeiçoar tecnologias
de gestão com o objetivo de aumentar a resolubilidade do sistema. A Fase 1 deste projeto se
encerrou no ano de 2007, porém, devido aos resultados obtidos nesta fase, o Ministério da
Saúde continuará a apoiar os Estados e Municípios participantes da primeira fase (o
município estudado aqui se inclui no PROESF) de forma diferenciada, contando ainda com o
apoio do BIRD, nas Fases 2 e 3 do PROESF (BRASIL, 2003b; BRASIL, 2010).
Desde a sua criação, como mostram os gráficos 1 e 2, é visível a expansão da ESF nos
municípios brasileiros. Para se ter uma idéia, no ano de sua criação, 1994, foram implantadas
no Brasil cerca de 3.000 equipes de saúde da família. Em 2003, esse número passou para 19
mil equipes implantadas no país, com uma cobertura populacional de 35,7%. No ano de 2007,
o número de equipes implantadas foi de 27.324, com uma cobertura populacional de 46.6%.
Em novembro de 2010, já haviam sido implantadas no Brasil 31.600 equipes de saúde da
família (gráfico 1), o representando uma cobertura superior a cem milhões de pessoas pela
ESF (gráfico 2) (BRASIL, 2011).
24
Gráfico 1- Meta e Evolução do Número de Equipes de Saúde da Família Implantadas
BRASIL
1994
–
NOVEMBRO/2010
(Fonte:
Ministério
da
Saúdehttp://dab.saude.gov.br/abnumeros.php#numeros).
Gráfico 2- Evolução da População Coberta por Equipes de Saúde da Família Implantadas
BRASIL
1994
–
NOVEMBRO/2010(Fonte:
Ministério
da
Saúdehttp://dab.saude.gov.br/abnumeros.php#numeros).
25
4.2. TUBERCULOSE: UM PROBLEMA QUE SE PERPETUA NA SAÚDE PÚBLICA
BRASILEIRA
A tuberculose (TB) é uma das doenças infecciosas mais antigas que atingem a
humanidade, permanecendo como um dos principais agravos à saúde a ser enfrentado em
âmbito global tendo como agravantes o surgimento da epidemia de AIDS e o aparecimento de
focos de tuberculose multirresistente. Em 2009, o Brasil estava incluído entre as 22 nações
responsáveis por 80% do total de casos de tuberculose no mundo, ocupando a 18ª posição no
ranking (BRASIL, 2009). Estima-se que um em cada quatro brasileiros esteja infectado pela
Mycobacterium tuberculosis, bacilo causador da doença, e, todo ano, cerca de 90.000 novos
casos da doença são notificados ao Ministério da Saúde. Pouco mais da metade (53%)
encontra-se relacionado à forma pulmonar bacilífera. As regiões Norte, Nordeste e Sudeste
são aquelas que apresentam as maiores taxas de incidência da doença no Brasil (BRASIL,
2004;BARREIRA e GRANGEIRO, 2007).
O Estado do Rio de Janeiro (ERJ) apresentava a maior incidência de casos de
tuberculose do país em 2009, com uma taxa de incidência de 71,8 casos por 100.000
habitantes, concentrando-se em treze municípios localizados na região metropolitana, onde se
encontra o município estudado (BRASIL, 2010c). Concomitante a implantação do SUS, as
ações de atenção à tuberculose, começaram a ser descentralizadas para a rede municipal de
Saúde, sendo introduzido o Programa Nacional de Controle da Tuberculose no Brasil.
Segundo Ruffino-Netto e Villa (2006), na década de 90, já com o SUS em fase de
implementação,
essa
descentralização
de
certa
forma
inicialmente
causou
uma
desestruturação no programa, devido ao processo de implantação do SUS ocorrer sem um
planejamento para a integração de programas verticais e transferência de atividades para o
nível local, além das crises de “desfinaciamento da saúde”, já que os recursos para ações
ambulatoriais foram limitados.
Em 1994 foi proposto pelo Ministério da Saúde, um Plano
Emergencial para Controle da doença no país, o qual foi implementado entre 1996 e 1997
selecionando-se 230 municípios prioritários onde se concentravam 75% dos casos estimados
para o Brasil naquela época. Desde o lançamento deste plano, a estratégia de tratamento
supervisionado (TS) é recomendada pelo PNCT (atendendo uma das recomendações da
estratégia Directly Observed Treatment Short-Course, DOTS, da OMS- 1993). Em 1998, o
Conselho Nacional de Saúde, ao considerar que a situação da tuberculose no país ainda era
crítica, e que o Plano Emergencial elaborado anos antes, ainda em implementação, estava
26
requerendo melhorias, define a tuberculose como um problema prioritário de Saúde Pública
no país sugerindo o estabelecimento de estratégias para um novo plano através da resolução
número 284 de 06/08/1998 (RUFFINO-NETTO & SOUZA, 1999 e RUFFINO-NETTO,
2001).
Sendo assim, em 1998, devido à permanência de altas taxas de incidência da doença,
altas taxas de abandono do tratamento e baixo percentual de cura e detecção de casos, foi
lançada uma nova versão/atualização do Plano Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT),
que introduziu algumas novidades como a extensão da cobertura, a oficialização formal do
TS, e uma nova forma de repasse complementar para os municípios, feito sob a forma de
bônus. Para cada caso de tuberculose curado, era repassado pelo Ministério da Saúde ao
município um bônus, o qual era de R$ 150,00, caso realizado o tratamento supervisionado, ou
R$ 100,00, caso não realizado. Em 2004, a concessão de bônus foi substituída por um recurso
anual concedido aos municípios que apresentassem um plano de trabalho elaborado, que
divide o recurso em três áreas: capacitação, educação em saúde, vigilância epidemiológica,
laboratório e supervisão. (RUFFINO-NETTO, 2001; RUFFINO-NETTO e VILLA, 2006).
A estratégia DOTS é composta por cinco componentes, a saber: 1. Compromisso
Político; 2. Detecção de casos através de exames bacteriológicos (fortalecimento da rede
laboratorial com controle de qualidade); 3. Supervisão da tomada dos medicamentos
(tratamento supervisionado); 4. Distribuição de medicamentos regular e efetiva; 5. Sistema de
Informação eficiente (BRASIL, 2006a). O componente tratamento supervisionado (TS)
continua sendo uma das prioridades para que o PNCT atinja a meta de curar 85% dos
infectados, diminuindo a taxa de abandono, evitando o surgimento de bacilos resistentes e
possibilitando um efetivo controle da tuberculose no país (THE GLOBAL FUND, 2008).
Ao longo dos anos, alguns planos e estratégias foram lançados pelo Ministério da
Saúde com o objetivo de controlar a doença. Um desses planos foi o Plano Nacional de
Controle da Tuberculose (2001-2005), publicado no ano de 2000. Este plano lançou uma
estratégia de incentivo, baseada em um bônus à todos os municípios que desenvolvem ações
de controle da tuberculose nas Unidades Básicas de Saúde, bem como a realização do
tratamento supervisionado e o estímulo municipal da adesão ao PCT. Desse modo, foram
introduzidas novas possibilidades de intervenção na proposta de trabalho do PCT, contando
com a ESF e PACS, pressupondo que tal parceria poderia contribuir para a expansão do PCT,
pois estas estratégias têm como instrumentos de trabalho a família e o domicílio. Em 2004,
27
foram lançados dois documentos referentes à tuberculose. O primeiro, uma nova versão do
plano, assim como o anterior citava a horizontalização das ações do PCT, destacando a
atuação da ESF bem como a atuação do PACS para garantir a efetiva ampliação do acesso ao
diagnóstico e tratamento. Também destacava a necessidade de envolvimento de organizações
não governamentais (ONGs) e de parcerias com organismos nacionais (Universidades,
Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia) e internacionais de combate à TB:
Coalizão Global de TB (Stop TB); União Internacional Contra a Tuberculose e Enfermidades
Respiratórias (UICTER); Agencia Americana para o Desenvolvimento Internacional
(USAID); Organização Mundial de Saúde (OMS); Organização Pan Americana de Saúde
(OPAS), entre outras (RUFFINO-NETTO e VILLA, 2006). O segundo plano lançado pelo
PNCT no ano de 2004 foi o plano estratégico para o período de 2004-2007 (Plano Nacional
de Saúde), sendo este atualizado no ano de 2006, para um novo plano que reforça as
atividades do PNCT (Plano Estratégico TB Brasil 2007-2015). Este novo plano tem como um
dos objetivos específicos, a expansão do tratamento supervisionado (BRASIL, 2004b;
BRASIL, 2006).
No ano de 2010, o Ministério da Saúde lançou um Manual para Controle da
Tuberculose no Brasil, do PNCT. Este Manual refere a importância da ampliação do
tratamento supervisionado, que é mais oferecido pela ESF através dos ACS, além de citar a
estratégia como sendo hoje a principal porta de entrada do paciente com TB: “Considera-se
que a Atenção Básica (AB), e em particular a Estratégia de Saúde da Família seja hoje, no
Brasil, a grande porta de entrada do paciente com TB” (pág. 99, BRASIL, 2010).
Desta forma, podemos perceber que a ESF é considerada particularmente a principal
porta de entrada dos pacientes de TB nos serviços de saúde, justamente pela sua proximidade
com a comunidade.
4.3. O CONTROLE DA TB NA ESF
Anteriormente à implantação do SUS, o controle da tuberculose já era realizado pelo
serviço público de saúde, mas era feito nos centros de referência com modelo de organização
vertical, especializados para o tratamento da doença. Concomitante à implantação do SUS, o
controle da TB começou a ser descentralizado para Estados e Municípios (HIJJAR et al,
2007). Segundo o MS, até meados da década de 90, ocorreram dificuldades para a
descentralização do controle da TB para alguns municípios brasileiros, que continuavam
28
realizando o atendimento aos casos e acompanhamento em ambulatórios especializados, sem
expansão para a Rede Básica. Porém, ao longo dos anos os municípios foram aderindo aos
poucos às recomendações do MS para controle da doença, principalmente após a definição,
pelo MS, do controle da TB como sendo uma responsabilidade mínima da atenção básica em
2001(BRASIL, 2006a). A partir desse ano, assim como outras áreas programáticas, o controle
da tuberculose passou a ser responsabilidade mínima da Atenção Básica, após a integração da
Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária com o Departamento de Atenção Básica
(DAB) da Secretaria de Políticas de Saúde (SPS), que formulou novas estratégias para o
controle da doença. Desde então, as atividades do PCT são estimuladas a serem executadas
em toda rede de atenção básica, tanto em unidades básicas de saúde, nas unidades de saúde da
família (USF), além dos ambulatórios tradicionais com modelo de organização vertical e
equipe especializada (SCATENA, 2009). A descentralização do controle da TB para a Saúde
da Família consiste em incluir na rotina das equipes, o desenvolvimento das seguintes ações
de controle de TB: busca ativa de sintomáticos respiratórios (BSR); solicitação de exames
(baciloscopia, raio-x e cultura); diagnóstico; notificação; registro de informações; tratamento
(supervisionado ou auto-administrado); acompanhamento do paciente (consultas mensais);
exame de contatos e busca de faltosos e; alta (BRASIL, 2002).
Em se tratando da tuberculose, cada profissional da equipe de saúde da família com
PCT descentralizado, possui funções específicas. A seguir estão descritas as atribuições
comuns a todos os profissionais das equipes, e em anexo, segue um quadro com as atribuições
especificas para cada categoria profissional, de acordo com o MS (ANEXO 1).
Atribuições comuns a todos os profissionais das ESF em relação à TB
(BRASIL, 2008):
Identificar os SR em visita domiciliar ou na USF;
Orientar pacientes e familiares quanto aos medicamentos e possíveis efeitos;
Realizar atividades educativas sobre Tb junto à comunidade;
Convocar contatos e pacientes faltosos à consulta.
É necessário que estas atividades sejam realizadas com certo comprometimento por
parte destes profissionais, visto que a tuberculose é uma doença que necessita de um olhar
29
especial, demandando assim, habilidades desses profissionais para lidar com o paciente e com
os instrumentos utilizados pelo programa.
Atualmente alguns estudos reportam a descentralização do controle da TB não só para
a ESF, mas na atenção básica como um todo no Brasil. No estudo realizado por Oliveira e
Natal em 2007, a integração entre a atenção básica e as ações de controle da tuberculose
foram estudadas, mais especificamente com o Programa Médico de Família (PMF) do
município de Niterói/RJ, que é similar a ESF, porém sua gestão é feita pelas associações de
moradores dos bairros onde os módulos são implantados, em conjunto com a Fundação
Municipal de Saúde de Niterói. A pesquisa foi um estudo de caso, com abordagem qualitativa
e quantitativa, e utilizou como medida de sucesso da integração entre o PCT e o PMF no
município, o desenvolvimento das ações de diagnóstico e supervisão do tratamento da doença
de maneira eficaz. Da mesma maneira, a qualidade dos serviços de saúde foi avaliada a partir
da execução das atividades de acordo com o estabelecido pelo programa nacional. Alguns
aspectos relacionados ao PMF em comparação às unidades básicas tradicionais estudadas
mostraram certa vantagem do PMF como a questão da capacitação profissional, que
rotineiramente é vivenciada pelos profissionais do PMF, enquanto que nas outras unidades
essa capacitação ocorre raramente. Outro aspecto ressaltado pelos autores foi a execução do
tratamento supervisionado, que é visto atualmente como de grande importância para a redução
do abandono do tratamento. No PMF, o tratamento supervisionado foi realizado em 100% dos
pacientes enquanto que nas unidades básicas, esta forma de tratamento alcançou menos de
10% dos casos acompanhados. O acesso é garantido nos módulos do PMF, pois se encontram
próximos à clientela que atendem, e as visitas domiciliares são atividades rotineiras. Apesar
dos aspectos positivos, segundo os autores, a integração entre o PCT e o PMF em Niterói
ocorre de forma não sistematizada devido a falta de planejamento conjunto entre os dois
programas, bem como ausência de avaliação compartilhada. A grande quantidade de
atividades que os profissionais têm que realizar pode gerar uma sobrecarga de trabalho e
resultar no descarte de algumas ações. Com isso, os autores concluíram que esta integração
mostrou-se incipiente, e os principais pontos observados que impedem essa integração são a
implantação e a consolidação do PMF em Niterói como um programa de caráter
complementar, a carência de recursos humanos e a sobrecarga de trabalho (OLIVEIRA e
NATAL, 2007).
30
O envolvimento da equipe de profissionais com as ações de controle da tuberculose
também é importante para que o controle da doença seja atingido com resultados positivos,
visto que se esses profissionais não tiverem consciência da importância de realizar as
atividades do PCT que lhes cabe de maneira responsável, esse controle não tem como
acontecer. No estudo de Monroe et al 2008, o envolvimento das equipes de atenção básica nas
ações de controle da tuberculose foi analisado ante a percepção dos coordenadores do PCT de
nove municípios prioritários do Estado de São Paulo através de pesquisa qualitativa. Neste
estudo, entende-se por envolvimento das equipes de saúde, a forma como incorporam e
executam as atividades técnicas da estratégia DOTS, principalmente o tratamento
supervisionado (TS) e a busca de sintomáticos respiratórios (BSR). As principais barreiras
apontadas nos depoimentos foram a debilidade quantitativa e qualitativa de RH e a visão
centralizada e fragmentada da organização das ações de controle da TB no sistema de saúde.
Esta debilidade quantitativa e qualitativa de RH se refere à falta de RH, sobrecarga de funções
e inadequada qualificação dos profissionais das equipes de saúde para lidarem com a TB, e
em decorrência dessa falta de RH, foi observado que os profissionais expressavam certa
resistência à incorporação do TS e BSR na rotina diária de serviço. Essa falta de RH também
pode comprometer a capacidade resolutiva dos serviços, o processo de interação com o doente
de TB, bem como o vínculo e a adesão ao processo terapêutico. A alta rotatividade de
profissionais devido a questões político-partidárias também foi apontada no artigo como
capaz de prejudicar o vínculo do paciente e adesão ao tratamento. Em relação a visão
centralizada e fragmentada da organização das ações de controle da TB no sistema de saúde,
observou-se em dois depoimentos que as atividades relacionadas a TB são consideradas pelas
equipes de saúde como de competência exclusiva dos centros de referência, o que contribui
para a ausência de responsabilização local pelo controle da doença. Devido à falta de
envolvimento profissional, até mesmo situações de maus tratos, falta de respeito e
humanização no atendimento à TB foram relatadas em duas entrevistas, porém algumas delas
apontaram maior envolvimento das equipes de saúde da família em comparação às unidades
básicas para execução das atividades de controle da TB, principalmente o TS. Sendo assim, os
autores destacaram a importância da criação de incentivos pelos coordenadores, tanto quanto
a organização, viabilização, supervisão contínua e monitoramento da situação de TB para a
reorganização da atenção a doença no contexto da atenção básica, e que o envolvimento, a
conscientização e a articulação dos responsáveis pelo controle da doença nos diversos níveis
31
de atenção são fundamentais para a viabilização das ações de controle da TB na atenção
básica (MONROE et al, 2008).
A percepção dos doentes também é de grande valia para se avaliar o desempenho dos
serviços de saúde no controle da tuberculose, visto que eles são os usuários do sistema. Um
estudo recente de Oliveira et al. 2009, avaliou, na percepção dos doentes, o desempenho dos
serviços de saúde responsáveis pelo controle da tuberculose em relação as dimensões enfoque
na família e orientação para a comunidade no município de São José do Rio Preto, SP, em
unidades básicas de saúde e no ambulatório de referência. A pesquisa teve uma abordagem
quantitativa, que utilizou um modelo de estudo transversal, tendo como quadro teórico as
dimensões da Atenção Primária à Saúde, utilizando como instrumento um questionário
estruturado, o qual foi adaptado e validado no Brasil para atenção à tuberculose. O estudo foi
constituído por 108 pacientes acompanhados pelo PCT nas unidades de saúde. Foram
analisadas duas dimensões (Enfoque na Família e Orientação para a comunidade). Os
resultados mostraram que os profissionais de saúde pedem sempre informações sobre as
condições de vida da família do doente, sobre doenças na família, com presença de tosse ou
febre, com freqüência, mas estes profissionais conversam pouco sobre outros problemas de
saúde, o que compromete o aspecto da integralidade na assistência do cuidado, segundo os
autores. Os autores ainda destacaram ser necessário introduzir novas estratégias de trabalho
para o modelo de assistência, remodelar o “velho” para construir um “novo” sistema, deixar o
modelo tradicional de atendimento ao doente por um modelo moderno, incorporando
expectativas dos doentes, com envolvimento ativo das famílias, na direção da concepção do
modelo de promoção à saúde. Assim, concluíram que em relação ao enfoque na família, os
profissionais de saúde demonstraram preocupação com respeito aos sinais e sintomas dos
pacientes, e, em menor grau, sobre outros problemas de saúde e de seus familiares,
comprometendo a integralidade da assistência à saúde. Quanto à dimensão orientação para a
comunidade, a preocupação dos profissionais de saúde é menor em relação à busca ativa de
casos. Em relação à observação de propagandas, os resultados foram positivos, mas o mesmo
não acontece em relação ao oferecimento dos serviços prestados pelos profissionais de saúde.
Os autores ainda destacam a deficiência de capacitação dos profissionais, baixa detecção de
sintomáticos respiratórios e contatos examinados (OLIVEIRA et al, 2009).
O estudo de Oliveira et al (2009), permite observar que o modelo tradicional de
assistência deixa a desejar quando o assunto é enfoque na família e orientação para a
32
comunidade. Em se tratando da tuberculose, esses são aspectos fundamentais para o controle
da doença. A busca de sintomáticos respiratórios também tem grande importância para que
casos novos sejam detectados e devidamente tratados. O modelo de assistência tradicional não
comporta esses aspectos, sendo então necessário um novo modelo de atenção, como o autor
refere, voltado para a promoção da saúde, e esse novo modelo deve possuir as características
da ESF, que é voltada para a família e para a comunidade.
O acesso ao tratamento de tuberculose, que limita ou facilita a capacidade das pessoas
de usarem os serviços de saúde quando necessitam, também é importante de se avaliar quando
se analisa a atenção básica e o controle da tuberculose. No estudo de Figueiredo et al 2009, o
acesso ao tratamento da TB em serviços de saúde vinculados ao Programa de Saúde da
Família e em ambulatório de referência foi investigado através da realização de um inquérito
com 106 doentes que receberam tratamento para a tuberculose em Campina Grande, PB. Foi
utilizado um instrumento, validado e adaptado para TB no Brasil. Os resultados mostraram
que 16,1% dos pacientes realizaram o tratamento supervisionado, sendo, a maior parte deles,
no PSF. Quanto às visitas domiciliares, dos 22,7% que receberam visitas com alguma
freqüência, também houve diferenças estatisticamente significativas, ocorrendo com maior
freqüência no PSF. Quanto à freqüência com que o vale transporte foi oferecido ao doente
pela equipe que acompanha o tratamento, 73,6% afirmaram que este nunca foi oferecido. Os
autores concluíram que o tratamento supervisionado foi pouco incorporado no município,
apesar de apresentar 85 equipes de saúde da família, e que embora o tratamento da
tuberculose seja disponibilizado pelo serviço público de saúde, ainda representa um custo
econômico para o paciente em função da necessidade de deslocamento até o serviço de saúde,
bem como a perda do turno de trabalho para ser consultado (FIGUEIREDO et al, 2009).
Outro estudo, de Marcolino et al 2009, avaliou o acesso às ações de controle da
tuberculose, porém no contexto das Equipes de saúde da Família de Bayeux, PB. Pesquisa
avaliativa, de abordagem quantitativa, envolveu 82 profissionais de saúde que responderam a
um questionário fechado. Os resultados revelaram potencialidades e fragilidades de acesso ao
controle da TB. Quanto às potencialidades, os autores constataram que a descentralização do
tratamento dos casos vem se estabelecendo na prática das ESF: 92,7% dos entrevistados
mencionaram que os doentes de TB sempre conseguem consulta nas unidades, sendo possível
para 82,9% obtê-la no prazo de 24hs; os medicamentos específicos se mostraram acessíveis
para 64,6% das ESF. Como fragilidades, foi verificado que 61% dos entrevistados não
33
realizaram coleta de escarro na unidade; 54,9% das unidades não ofereceram atendimento no
horário de almoço; 89,8% dos entrevistados não contam com auxílio de transporte, o que
prejudica a adesão ao tratamento; apenas 40,2% das unidades adotam regularmente a visitação
domiciliar. Sendo assim, os autores recomendam a adoção de mecanismos de gestão que
viabilizem a uniformização e a utilização dos recursos existentes ampliando a capacidade
resolutiva da ESF, promovendo a eficiência na prestação de serviços e assegurando o acesso
da população (MARCOLINO et al, 2009).
A partir da análise dos artigos referidos, pôde-se perceber que a sobrecarga de trabalho
nas equipes de saúde da família foi referida como sendo prejudicial tanto à integralidade da
assistência e vínculo com o doente quanto à própria qualidade de prestação de serviços dos
profissionais da equipe, que por estarem sobrecarregados deixam de realizar algumas tarefas.
Esta sobrecarga de trabalho foi apontada como sendo conseqüência da precariedade de
recursos humanos além da quantidade de tarefas que os profissionais têm de cumprir em sua
rotina diária de trabalho. Um fator apontado como sendo prejudicial à formação de recursos
humanos adequados foi a alta rotatividade de profissionais da equipe devido a questões
políticas municipais, que por sua vez prejudicam o vínculo entre pacientes e os profissionais
de saúde. Também foi observado que as equipes de saúde ainda possuem uma visão
fragmentada e centralizada, ou seja, as atividades relacionadas à TB são consideradas pelas
equipes como sendo de responsabilidade dos centros de referência para tratamento da doença
(OLIVEIRA & NATAL, 2007; MONROE et al, 2008; OLIVIRA, 2009; MARCOLINO et al,
2009 e FIGUEIREDO et al, 2009). Para Monroe et al (2007), esta situação indica que os
serviços estão organizados na lógica dos sistemas fragmentados, onde são priorizados os
eventos agudos e atuam através de pontos isolados, sem qualquer comunicação entre si,
incapazes de prestar uma atenção contínua e se responsabilizarem por uma população
determinada. Esta fragmentação encontrada nos serviços de saúde é histórica, visto que as
ações de saúde pública foram estruturadas em programas estanques e verticais, voltadas para
os eventos agudos e curativos. O processo de implementação do SUS, com seus princípios e
diretrizes constitucionais tais como a universalidade, equidade e a integralidade, acabou
recebendo essa herança do modelo assistencial anterior à sua criação. É claro que muita coisa
mudou nessas duas décadas de SUS, hoje promoção e a prevenção da saúde estão em
evidência, e as práticas em saúde mudaram de certa forma, apesar de ainda haverem
resquícios do modelo anterior.
34
Com isso podemos perceber que a ESF descrita nos documentos oficiais, se apresenta
de modo idealizado e distante da realidade dos municípios, onde muitos problemas ainda são
encontrados. Um fato muito importante em relação a ESF executar as ações de controle da
TB, é a ampliação do acesso aos usuários, que antes era restrito aos centros de referência e
UBS. Daí a importância de se avaliar o desempenho da ESF na execução destas atividades,
principalmente em relação aos profissionais de saúde, ou seja, se estes têm o mesmo
comprometimento com estas atividades que os profissionais dos centros de referência
possuem.
5. METODOLOGIA
Esta dissertação constitui uma avaliação normativa, com foco na dimensão relacional
das práticas relacionadas à tuberculose no âmbito da ESF. As características relacionais
avaliadas referem-se à relação profissional x profissional (relações de trabalho e no trabalho);
à relação gestor x profissional (relações de gestão) e à relação gestor x gestor, pois neste caso,
existem dois coordenadores envolvidos nesse processo de descentralização, o coordenador do
PCT e o coordenador regional de SF, e considera-se esta relação fundamental para a execução
do controle da tuberculose pela ESF.
Foi adotada a técnica de métodos mistos, com ênfase no emprego do instrumental
técnico-metodológico da pesquisa qualitativa. Desse modo, foram utilizadas diferentes fontes
de dados tais como análise documental, indicadores de saúde e material decorrente da
aplicação de métodos de pesquisa qualitativa (entrevistas semi-estruturadas, grupos focais, e
observação de campo).
O primeiro passo tomado para proceder a avaliação foi a construção do Modelo
Lógico das Atividades do PCT realizadas pelas Equipes de SF, com objetivo de representar
graficamente, o modo como a descentralização das ações de controle da TB para a SF foi
planejada no município. Como referencial teórico para a construção deste Modelo, utilizou-se
o modelo proposto pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), além de outros
documentos como o Manual de recomendações para o controle da TB no Brasil (2010)
(BRASIL, 2007, OLIVEIRA E NATAL, 2007, BRASIL 2010). Além disso, para adequação
do modelo à descentralização planejada no município, foi utilizada a entrevista realizada com
35
a Coordenadora do PCT municipal no âmbito do estudo “Avaliação do sistema de informação
da tuberculose nos treze municípios de abrangência do Fundo Global Tuberculose Brasil no
Estado do Rio de Janeiro” (COSTA et al, 2010). Após a construção do modelo, o mesmo foi
apresentado à coordenadora do PCT do município a fim de que fossem realizados os ajustes
necessários. A coordenadora do PCT em São Gonçalo ratificou o diagrama, confirmando a
exatidão dos insumos, atividades, produtos, resultados e impactos previstos no planejamento
da descentralização do PCT para a ESF em São Gonçalo. Após a finalização do modelo,
foram então elaborados os roteiros de entrevista para os coordenadores de SF do município e
para os profissionais das equipes de SF.
Foi elaborado um roteiro de entrevistas com os profissionais das USF e um roteiro de
entrevista com os coordenadores regionais do PSF (Anexos 2 e 3). Os roteiros de entrevista
semi-estruturada subdividem-se nos temas relacionados aos objetivos desta pesquisa. Os
temas abordados foram: Estrutura da USF; Atividades do PCT realizadas e fluxo de
atendimento de TB na USF e Percepção dos profissionais de saúde sobre as atividades de
controle da TB.
A definição dos sujeitos da pesquisa foi por amostra de conveniência (indicação da
coordenadora do PCT em São Gonçalo). Foram convidados a participar do estudo por meio
de entrevistas com roteiro semi-estruturado, as duas Coordenadoras regionais de PSF4 de dois
bairros do Município com maior número de casos de TB ao ano (Jardim Catarina e Rio do
Ouro), e profissionais (enfermeiro, ACS, Téc. de Enfermagem) de 10 equipes de SF do bairro
Jardim Catarina, apontado pela coordenadora do PCT como o bairro com maior incidência de
tuberculose no município. Não foi possível realizar entrevistas com os médicos das equipes,
pois no momento das visitas às unidades, nenhum médico estava presente. Este bairro foi
escolhido como campo de pesquisa devido a ser o bairro com maior número de casos de TB
ao ano, ser um bairro extenso, populoso e humilde, e possuir o maior número de equipe de SF
do município. Porém, das 17 equipes de SF existentes no bairro, foi possível estudar somente
10, pois as demais equipes se localizavam em áreas de difícil acesso e de risco. Entretanto,
optou-se por entrevistar duas coordenadoras regionais de PSF de bairros com maior demanda
4
No decorrer da apresentação dos resultados e discussão, será utilizada a sigla PSF para designar a Estratégia de
Saúde da Família, pois é assim que esta estratégia é chamada no município por todos os profissionais, inclusive na Secretaria
de Saúde e Coordenações de Saúde da Família.
36
de atendimento aos casos de TB por se considerar importante captar a visão de diferentes
gestores envolvidos no processo de descentralização do controle da TB para a SF, e assim,
detectar possíveis contradições.
As entrevistas foram realizadas e gravadas com prévia autorização dos participantes
que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (Anexo 4). Estas gravações foram
transcritas, sendo de responsabilidade da pesquisadora a coleta dos dados, bem como a
organização e a interpretação das narrativas, visando dimensionar padrões importantes de
relações. O registro em diário de campo foi decorrente da observação do comportamento das
equipes de SF, in loco.
Na análise do material de campo, foi realizada uma leitura exaustiva das transcrições,
o que permitiu a apreensão das idéias centrais e de relevância sobre o tema pesquisado
considerando as seguintes macro-categorias: a Estratégia de Saúde da Família; a tuberculose
como uma questão de saúde pública; e a incorporação das atividades do PCT pela equipe de
saúde da família como estratégia de enfrentamento da tuberculose. O estudo se estrutura em
torno destas questões, que permeiam toda a investigação, e, tem como eixos nucleadores as
seguintes categorias empíricas: Estrutura da USF; Atividades do PCT realizadas e fluxo de
atendimento de TB na USF e Percepção dos profissionais de saúde sobre as atividades de
controle da TB. A partir da análise do material de campo foram criadas novas categorias
empíricas, tendo sido ordenadas da seguinte forma na apresentação dos resultados:
o Descentralização do PCT para o PSF e organização das ações de controle da TB
executadas no âmbito da Saúde da Família;
o Estrutura das USF;
Disponibilidade de insumos;
Realização das atividades do PCT nas USF;
Protocolo/rotina de atendimento e atribuições relativas às atividades de PCT
por categoria profissional nas USF;
o Percepção dos profissionais de saúde sobre as atividades de controle da TB;
Incorporação da BSR;
37
Percepção dos profissionais em relação à BSR a ao TS;
Sobrecarga de trabalho;
Satisfação profissional.
Na apresentação dos resultados, foi contextualizada a ESF em relação ao controle da
TB no município de São Gonçalo. Esta contextualização teve como base as entrevistas com a
coordenação regional de PSF no município (duas coordenadoras), indicadores de tuberculose
do município, fornecidos pela Secretaria Municipal de Saúde e Programa Estadual de
Controle da TB, entrevistas com os profissionais das equipes, e entrevista realizada com a
Coordenadora do PCT no âmbito da pesquisa: “Avaliação do sistema de informação da
tuberculose nos treze municípios de abrangência do Fundo Global Tuberculose Brasil no
Estado do Rio de Janeiro (COSTA et al, 2010).
Os entrevistados foram codificados a fim de garantir o anonimato dos sujeitos da
pesquisa. As Coordenadoras Regionais de PSF foram codificadas com as siglas C1 e C2; os
profissionais das equipes foram codificados com as iniciais de sua categoria profissional:
Enfermeiros (E1; E2; E3; E4; E5; E6 e E7); Técnicos de Enfermagem (TE1; TE2; TE3);
Agentes Comunitários de Saúde (ACS1; ACS2).
A partir da análise das categorias apresentadas anteriormente, foi realizada uma
comparação com o Modelo Lógico das atividades de controle da TB realizadas pelas equipes
de SF proposta em São Gonçalo, com o que foi observado durante o trabalho de campo, e
feita uma análise para avaliar se o que foi planejado está realmente ocorrendo no município.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do IESC/UFRJ, e o
estudo foi desenvolvido de acordo com a resolução 196/96 a respeito da realização de
pesquisas com seres humanos. Da mesma forma, o projeto de Dissertação foi submetido à
aprovação pela Secretaria Municipal de Saúde/Coordenação do PSF do município de São
Gonçalo, bem como pela Coordenação do Programa de Controle da Tuberculose do
Município, tendo sido aprovado.
38
5.1. TRABALHO DE CAMPO
O trabalho de campo ocorreu entre os meses de setembro / outubro de 2010. Como
mencionado, foi solicitado à Coordenadora do PCT do município de São Gonçalo, que
indicasse os bairros/regiões do município que possuem maior demanda de atendimento de
tuberculose (o município é dividido em cinco regiões). Cada região possui um coordenador
regional de PSF. Visto que o município é muito grande e populoso, não foi possível estudar
todas as regiões do município. Sabendo-se as regiões com maior demanda de atendimento de
TB, foi então feito contato com as respectivas coordenadoras regionais de PSF (bairro Jardim
Catarina e Rio do Ouro), apresentado o TCLE (anexo 4) e explicado todo o procedimento da
pesquisa. Foi então realizada uma entrevista semi-estruturada com a coordenadora do bairro
Jardim Catarina, como pré-teste do roteiro, não havendo problemas e dificuldades em sua
realização (anexo 3). Em seguida, foi entrevistada a coordenadora regional de Rio do Ouro.
Feitas as entrevistas com as coordenações, foram então realizadas entrevistas com 15
profissionais de dez equipes de SF disponíveis em realizar a entrevista no momento da visita
(sete enfermeiros, cinco agentes comunitários de saúde (ACS) e três técnicos de
enfermagem). Estes profissionais foram abordados por mim em suas unidades de saúde, onde
me apresentei e expliquei todo o procedimento da pesquisa assim como os deixei cientes que
a participação era voluntária. Todos os entrevistados receberam uma cópia e assinaram o
TCLE (anexo 4). Em nove unidades a entrevista foi realizada em conjunto com os
profissionais que se dispuseram a participar, nos moldes da realização dos grupos focais.
Desse modo deixou-se que os profissionais manifestassem suas opiniões livremente, sem
interferir na interlocução travada entre eles a respeito dos diversos pontos abordados no
roteiro de entrevista.
O pré-teste do roteiro de entrevistas com as equipes de saúde da família (anexo 2) foi
realizado com profissionais de duas equipes (2 enfermeiras, 1 ACS e 1 Tec. de enfermagem),
não havendo problemas nem dificuldades na realização da entrevista. Também foi realizada
observação com registro em diário de campo dentro da própria unidade das atitudes dos
profissionais e percepções em relação às atividades de controle da TB. Pretendia-se observar
os profissionais executando tais atividades, porém não foi possível por não haver nenhum
paciente em acompanhamento em nenhuma unidade no momento do trabalho de campo. A
observação foi realizada no momento da visita às unidades de saúde da família.
39
6. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
6.1 O MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO
São Gonçalo é um município localizado na Região Metropolitana II do Rio de Janeiro e
possui uma área de 249 km². A população estimada para o ano de 2009 é de 991.382.000
habitantes, sendo este município o segundo mais populoso do Estado do Rio de Janeiro,
depois da capital (IBGE, 2010). O município faz divisa com os municípios de Itaboraí,
Maricá e Niterói, além da Baía de Guanabara. É dividido em cinco distritos, e estes distritos
em 91 bairros oficiais, além de 18 bairros reconhecidos pela população (Figura 1)
(www.saogoncalo.rj.gov.br, acessado em 17/06/2010).
Figura 1 – Mapa dos distritos e bairros de São Gonçalo. Fonte: Portal do Município de São
Gonçalo, disponível em http://www.saogoncalo.rj.gov.br/mapas.php, acessado em 17/06/2010.
Segundo o IBGE, o município possui um maior número de habitantes do sexo feminino,
concentrados na faixa etária de 20 a 39 anos (166.949 hab.). No gráfico 3, podemos observar
a pirâmide etária do município, que possui uma tendência de estreitamento da base, indicando
certo grau de desenvolvimento do município. A taxa de crescimento anual estimada para o
40
município de 2006 a 2009 é de 0,6%, com 61,6% de proporção da população feminina em
idade fértil estimada para 2009 (DATASUS, 2010).
Gráfico 3- Pirâmide Etária do município de São Gonçalo referente ao percentual da
população residente por faixa etária estimada para o ano de 2009. Fonte: Datasus, 2010.
Quanto aos dados de morbidade hospitalar em São Gonçalo, no ano de 2009, a maior
parte das internações (20,8%) foram devidas a causas do aparelho respiratório, em segundo
lugar (18,3%) devidas a causas do aparelho circulatório e em terceiro (15,9%) foram devidas
a gravidez, parto e puerpério. Segundo dados preliminares do Datasus, no ano de 2008 foram
registrados 6.866 óbitos no município. Na distribuição da Mortalidade Proporcional (gráfico
4), pode-se observar que a proporção é maior para doenças do aparelho circulatório, seguida
das demais causas definidas e neoplasias. Isso nos indica que o município passou pela fase de
transição epidemiológica, onde ocorre a substituição de altos índices de mortalidade por
doenças infecto-parasitárias por doenças crônico-degenerativas e não transmissíveis, o que
pode ser observado claramente no gráfico a seguir (DATASUS, 2010).
41
Gráfico 4- Mortalidade proporcional por todas as idades segundo dados preliminares
referentes ao ano de 2008 em São Gonçalo. Fonte: Datasus, 2010.
No ano de 2009 o município apresentou taxa de incidência de tuberculose de 54 casos
por 100.000 habitantes (COSTA et al, 2010). Dentre os municípios prioritários do Fundo
Global Tuberculose Brasil no Rio de Janeiro, o município de São Gonçalo foi o que
apresentou a menor taxa de incidência da doença. Em 2008, do total de casos novos de TB
(546), o percentual de cura da doença foi 71,8%, o percentual de abandono 11,4%, e a
proporção de óbitos 4,1%. Isso demonstra que o município ainda não conseguiu atingir a meta
do Ministério da Saúde, que é curar 85% dos casos de TB e reduzir o abandono para menos
de 5%, o que reforça a idéia da necessidade de se aumentar a qualidade da cobertura e o
acesso, contando com a ESF através do vínculo com o paciente e sua família para tentar
reduzir o percentual de abandono e aumentar o percentual de cura de doença.
42
6.1.1. O BAIRRO JARDIM CATARINA
O bairro de Jardim Catarina, o qual serviu como campo de estudo, localiza-se no 3º
Distrito do município (Monjolos). O bairro é considerado o maior loteamento da América
Latina e apesar de possuir uma faixa de terra menor do que outros bairros localizados em São
Gonçalo e recebeu este título devido a grande quantidade de lotes 12x30m. O bairro é
limitado ao norte e ao sul e a leste, respectivamente, pela Rodovia Amaral Peixoto (RJ-104) e
pelo canal Gonçalves. O bairro possui diferentes setores: Jardim Catarina velho e Jardim
Catarina novo, e atualmente os loteamentos são definidos com habitações em alvenaria e,
apesar das residências terem padrões satisfatórios, o bairro não possui infra-estrutura e
urbanização suficiente a demanda local. O principal problema é o esgoto sanitário que tem as
suas instalações precárias, tendo-se grande presença de valas a céu aberto como alternativa
para os sistemas coletores.
O bairro possui aproximadamente entre 17 e 23 mil domicílios e
uma população estimada de 280 mil habitantes (WIKIPEDIA, 2010).
O bairro foi escolhido para servir de cenário ao trabalho de campo por indicação da
coordenação do PCT, devido este ser o bairro com maior número de casos de TB ao ano. O
fato do bairro ser extenso, populoso e pobre, acaba fazendo com que a tuberculose seja um
problema que merece atenção especial, e talvez essas características do bairro sejam
responsáveis por este ser o que possui maior número de casos da doença ao ano. A figura 2
apresenta um mapa do bairro Jardim Catarina:
Figura 2- Mapa do bairro Jardim Catarina. Fonte: Wikipédia
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Jardim_Catarina), acessado em 18/12/2010.
43
A tabela 1 apresenta os dados relativos à TB do bairro Jardim Catarina, nos anos de
2009 e primeiro trimestre de 2010:
Tabela 1- Dados referentes à Tuberculose do bairro Jardim Catarina (ano 2009 e 1º
trimestre de 2010)
Número total de casos
36
2009
33
1º Trimestre 2010
Total de casos de TB curados e percentual de cura dos casos
2009
23
Total em TS
5
% de cura
64%
% de cura em TS
22%
1º Trimestre 2010
10
Total em TS
5
% de cura
30%
Número e percentual de abandonos de tratamento
2009
% de abandono
1º Trimestre 2010
% de abandono
5
14%
1
3%
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de São Gonçalo/ Superintendência de Saúde Coletiva/Programa
de Controle da Tuberculose. Janeiro de 2011.
A partir da apresentação desses dados podemos observar que a meta do MS de curar
85% dos casos de TB não foi alcançada no bairro, além do percentual de abandono estar
maior que 5%.
44
6.2 A REDE MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO GONÇALO: IMPLANTAÇÃO DA ESF NO MUNICÍPIO
O município de São Gonçalo está habilitado na modalidade de Gestão Plena do
Sistema Municipal lançada pela NOB 01/96, ou seja, o município tem a responsabilidade de
garantir a oferta de serviços baixa, média e alta complexidade para a própria população e
outras referenciadas por municípios vizinhos, além de executar ações básicas e de média e alta
complexidade de vigilância sanitária, ações básicas de epidemiologia, controle de doenças e
ocorrências mórbidas (www.fns.gov.br, 2010).
A tabela 2 descreve a quantidade de estabelecimentos de saúde do município, bem
como a esfera gestora de cada um deles referentes a janeiro de 2011:
Tabela 2 - Quantidade de estabelecimentos de saúde por Esfera Administrativa segundo Tipo de
Estabelecimento - Município: São Gonçalo Período: Jan/2011
Tipo de Estabelecimento
Estadual Municipal Privada Total
Central de Regulação de Serviços de Saúde
0
1
0
1
Centro de Atenção Psicossocial
0
3
0
3
Centro de Saúde/Unidade Básica de Saúde
0
22
0
22
Clinica Especializada/Ambulatório Especializado
0
1
86
87
Consultório Isolado
0
0
188
188
Hospital Dia
0
0
1
1
Hospital Especializado
0
0
10
10
Hospital Geral
1
1
13
15
Policlínica
0
6
28
34
Posto de Saúde
0
106
0
106
Pronto Atendimento
1
0
0
1
Pronto Socorro Especializado
0
1
0
1
Pronto Socorro Geral
0
4
0
4
Secretaria de Saúde
0
1
0
1
Unidade de Serviço de Apoio de Diagnose e Terapia
0
0
76
76
Unidade de Vigilância em Saúde
0
1
0
1
Unidade Móvel Terrestre
0
7
0
7
Total Fonte: Datasus, 2011, disponível em www.datasus.com.br,
2 acessado154
402
558
em 31/01/2011.
A implantação da Saúde da Família em São Gonçalo começou no ano 2000, com o
treinamento e capacitação das equipes, porém foi efetivada realmente em 2001 (COSTA et al,
2010). As equipes de saúde da família são formadas por: médico, enfermeiro, técnico/auxiliar
de enfermagem, e de quatro a seis agentes comunitários de saúde. No momento do trabalho de
campo (setembro/outubro de 2010), o município contava com 179 equipes de SF, com
45
cobertura populacional de aproximadamente 65%, e de acordo com as informações fornecidas
pelos entrevistados, as equipes estudadas possuíam um número de pessoas cadastradas que
variava de 3.000 a mais de 6.000 pessoas por equipe. Este quantitativo de pessoas cadastradas
está em desacordo com a PNAB, que recomenda que este número seja de 3.000 pessoas, e no
máximo 4.000, o que acaba gerando sobrecarga de atendimento (BRASIL, 2006). A tabela 3
descreve a população do município para 2010, a população cadastrada no PSF e o percentual
de cobertura:
Tabela 3 - População total do Município para o ano de 2010, população cadastrada no PSF
e percentual de cobertura.
Cobertura do PSF
*População do Município
991.382.000
**População Cadastrada
642.322.600
Percentual de Cobertura
65%
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de São Gonçalo/ Coordenação de PSF. *Dados retirados do Censo
2010 - IBGE. **De acordo com as áreas de cobertura do PSF.
A rede de assistência à saúde do município, no que concerne à saúde da família, é
organizada por uma divisão em Pólos Sanitários, pois o município é muito grande. São cinco
Pólos Sanitários distribuídos estrategicamente no município: Pólo Sanitário Hélio Cruz, Pólo
sanitário João Goulart, Pólo Sanitário Paulo Marques Rangel, Pólo Sanitário Rio do Ouro e
Pólo Sanitário Washington Luiz Lopes. O bairro Jardim Catarina é um dos vinculados ao Pólo
Sanitário João Goulart, que se localiza no próprio bairro, porém com relação à tuberculose, os
exames de baciloscopia são realizados no Pólo sanitário Hélio Cruz, que é o Pólo de
referência em tuberculose daquela região localizando-se em Alcântara. Já o bairro Rio do
Ouro é ligado ao Pólo Sanitário Rio do Ouro, porém com relação à tuberculose, a referência
do bairro também é o pólo Hélio Cruz. Os pólos de referência para tuberculose estão situados
em pontos estratégicos no município, um abrangendo mais a parte de Alcântara (Pólo
Sanitário Hélio Cruz), e o outro abrangendo mais o centro (Pólo Sanitário Washington Luiz
Lopes), e cada Pólo possui um laboratório que realiza exames só referentes à TB. Se um
paciente é identificado na unidade de referência e este pertence a uma área adscrita na equipe
46
de saúde da família, ele então é encaminhado para esta equipe para ser acompanhado por ela,
se o paciente aceitar que assim seja.
Cada Pólo Sanitário possui certo número de equipes de saúde da família vinculadas
(variando de 30 a 39 equipes), e cada pólo possui uma coordenadora regional de PSF. O Pólo
Sanitário João Goulart, além de ser vinculado ao bairro Jardim Catarina, também vincula-se
com outros bairros, sendo Jardim Catarina o principal. Ao todo, são trinta equipes de saúde da
família nesses bairros ligados a este pólo, e só no bairro Jardim Catarina, são 17 equipes de
SF. Todas as equipes são supervisionadas pela mesma coordenadora regional de PSF. Esta
coordenadora regional é enfermeira e trabalha no município há nove anos (de 2001 a 2005 em
uma equipe de SF), e desde 2005 é coordenadora regional de PSF. Já o pólo sanitário Rio do
Ouro possui ao todo 39 ESF vinculadas a ele. O bairro Rio do Ouro propriamente dito, não
possui equipes de saúde da família, somente em áreas próximas ao bairro. A coordenadora
regional do pólo Rio do Ouro também é enfermeira, e está no cargo há pouco mais de um ano.
O quadro 2 descreve esta divisão em Pólos Sanitários no Município, bem como o número de
ESF vinculadas a cada Pólo, os bairros, e a população adscrita a cada Pólo:
47
Quadro 2- Pólos de Referência para o Tratamento de Tuberculose, Pólos Sanitários, número de equipes de
Saúde da Família, população e bairros vinculados por Pólo Sanitário.
Pólo Sanitário Hélio Cruz
(Referência em tratamento de TB)
Total de ESF ligadas ao Pólo: 107
Pop. Total vinculada ao Pólo: 354.014.820
Pólo Sanitário Washington Luiz Lopes
(Referência em tratamento de TB)
Total de ESF ligadas ao Pólo: 72
Pop. Total vinculada ao Pólo: 288.576.500
Pólo Sanitário Pólo Sanitário Pólo Sanitário
Hélio Cruz
João Goulart
Rio do Ouro
(Alcântara)
(Jardim Catarina) (Rio do Ouro)
Pólo Sanitário
Paulo Marcos
Rangel
(Portão do Rosa)
Pólo Sanitário
Washington Luiz
Lopes
(Centro)
Pop. da área
128.969.230
Pop. da área
120.026.250
Pop. da área
105.019.340
Pop. da área
138.976.620
Pop. da área
149.599.880
Pop. Total
Cadastrada
642.591.320
ESF
38
Bairros
ESF
30
Bairros
ESF
39
Bairros
ESF
33
Bairros
ESF
39
Bairros
Total ESF
179
Total de
Bairros
Bom Retiro
Guaxindiba
Jardim
Catarina
Pacheco*
Santa Luzia*
Marambaia
Lagoinha
Marambaia II
Laranjal*
Vista Alegre
Arsenal
Alacomba
Anaia Pequeno
Tribobó
Meia Noite
Amendoeira
Bandeirantes
Jóquei
Santa Izabel
Almerinda
Maria Paula
Engenho do
Roçado
Miriambi
Pacheco*
Colubandê*
Novo México
Vila Candoza
Jardim
República
Vila Três
Boaçu
Fazenda dos
Mineiros
Itaoca
Itaúna
Manoel da Ilhota
Mutuá
Mutuaguaçú
Mutuapira
Nova Cidade*
Palmeiras
Bairro Rosane
Palmeiras II
Boas Vista
Santa Luzia*
Vila Laje
Antonina
Brasilândia
Água Mineral
Zumbi
Cruzeiro do Sul
Galo Branco
Estrela do Norte
Lindo parque
Rocha
Menino Deus
São Miguel
Porto Novo
Pita
Neves
Morro do Castro
Gradim
Porto da Pedra
Engenho pequeno
Venda da Cruz
Morro da Torre
Patronato
Paiva
Barro Vermelho
Engenho Pequeno II
Jardim
Alcântara
Colubandê*
Luiz Caçador
Trindade
Mutondo
Jardim
Fluminense
Laranjal*
Alcântara
Monjolos
Pacheco*
Coelho
Alvorada
Nova Cidade*
72
*Bairros cobertos por dois ou mais pólos regionais.
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/coordenação de PSF (novembro de 2010).
48
O quadro 3 descreve o número de equipes de SF, por bairros no município de São
Gonçalo:
Quadro 3- Bairros do Município de São Gonçalo com seus respectivos números de ESF
Alacomba
2
Alcântara
1
Almerinda
3
Amendoeira
2
Anaia
Pequeno
Antonina
1
Palmeiras
2
1
Manoel da
Ilhota
Marambaia
2
Patronato
1
5
Maria Paula
4
Pita
1
3
Meia Noite
3
3
2
2
Guaxindiba
1
Menino de
Deus
Miriambi
Porto da
Pedra
Porto
Novo
Rocha
1
1
Galo
Branco
Gradim
Arsenal
Água Mineral
2
1
Itaoca
Itaúna
1
4
2
1
3
2
Barro
Vermelho
Boa Vista
1
Jardim
Alcantara
Jardim
Catarina
Jardim
Fluminense
1
Mutuá
3
Rosane
Santa
Izabel
Santa
Luzia
São
Miguel
Tribobó
2
2
Bandeirantes
Monjolos
Morro da
Torre
Morro do
Castro
Mutondo
Boaçu
5
1
Mutuaguaçu
1
Trindade
11
Bom Retiro
2
Jardim
República
Jóquei
3
Mutuapira
3
1
Brasilândia
3
Lagoinha
2
Neves
2
Coelho
3
1
Nova Cidade
3
Colubandê
7
Largo da
Ideia
Laranjal
Venda da
Cruz
Vila
Candoza
Vila Lage
4
1
Vila Três
1
Cruzeiro do
Sul
Engenho do
Roçado
1
Lindo
Parque
Luiz
Caçador
2
Novo
México
Pacheco
7
1
3
Paiva
2
Vista
Alegre
Zumbi
3
2
Engenho
Pequeno
Estrela do
Norte
Fazenda dos
Mineiros
2
Total de Bairros
72
Total de ESF
179
17
1
2
4
1
4
2
2
1
1
1
1
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de São Gonçalo/ Coordenação de PSF.
49
6.3. DESCENTRALIZAÇÃO DO PCT PARA A SAÚDE DA FAMÍLIA E ORGANIZAÇÃO DAS AÇÕES
DE CONTROLE DA TB EXECUTADAS NO ÂMBITO DA SAÚDE DA FAMÍLIA
As primeiras tentativas de descentralização do PCT para a Saúde da Família
começaram em 2006, porém a coordenadora do PCT relata terem ocorrido dificuldades
operacionais para essa descentralização, mas não explicitou quais foram estas dificuldades.
Em 2008, foram realizadas capacitações para atuação em tuberculose com os enfermeiros de
todas as equipes, e no decorrer do ano de 2009 foi a vez dos médicos e dos ACS. Em junho de
2009 é que efetivamente começou a descentralização para a SF, quando foram introduzidos
nas unidades os livros de registro relativos à TB. Na ocasião do trabalho de campo haviam
sido capacitadas 179 equipes de saúde da família para realizar todo o atendimento de
tuberculose aos casos simples (casos novos). Os casos mais graves são encaminhados para as
unidades de referência (COSTA et al, 2010). A figura a seguir (Figura2) apresenta o Modelo
Lógico da execução das atividades de controle da TB pelas ESF, planejada no município,
elaborado a partir da entrevista realizada com a Coordenadora do PCT da pesquisa de Costa et
al (2010):
50
Figura 2- Modelo Lógico da execução das atividades de controle da TB pelas ESF proposta no município de
São Gonçalo. Baseado no Modelo proposto por Oliveira et al (2010).
51
A seguir, a figura 3 descreve especificamente como foi proposta a execução das
atividades de controle da TB pelas ESF, no que diz respeito aos mecanismos de coleta de
material (BAAR), obtenção de resultado, provimento de medicamentos, entre outros:
Figura 3 – Esquema da execução do controle da TB pela SF (mecanismos de coleta de amostras,
obtenção de resultados e provimento de medicação, proposta em São Gonçalo).
Segundo informações fornecidas pelo PCT de São Gonçalo, Jardim Catarina, que
situa-se no 3º Distrito do município (Monjolos), é o bairro que possui o maior número de
casos de tuberculose ao ano; e em segundo lugar, o bairro Rio do Ouro, que situa-se no 2º
Distrito (Ipiíba). A tabela 4 apresenta o número de casos acompanhados pela Saúde da
Família, vinculados aos Pólos, em novembro de 2010. Nota-se que o Pólo com maior número
de casos neste período é o Pólo Paulo Marcos Rangel:
52
Tabela 4 - Número de casos de tuberculose acompanhados pelas ESF no mês de novembro de 2010.
Casos de Tuberculose no mês de novembro 2010
Pólo
Nº de Casos
Hélio Cruz
17
Washington Luís
17
Paulo Marcos Rangel
34
Rio do Ouro
19
João Goulart
17
Total
104
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de São Gonçalo/ Coordenação de PSF: metas pactuadas (novembro
de 2010).
Segundo a coordenadora do PCT, das 179 equipes capacitadas para o atendimento de
tuberculose, não há mais como saber realmente o número de equipes capacitadas, pois as
equipes mudam muito, ou seja, há uma alta rotatividade de profissionais, além de escassez de
recursos humanos no município. Desse modo, nem todas as equipes possuem todos os
profissionais e, mesmo nas equipes completas, nem sempre os profissionais trabalham no
regime de 40 horas (das 10 equipes visitadas, só foi encontrado médico em uma). Este fato
também foi relatado pela coordenadora regional do PSF de Jardim Catarina, porém ela
referiu-se aos médicos como sendo a categoria profissional com maior rotatividade. Não são
todos os médicos que realizam as consultas de tuberculose na saúde da família no bairro,
somente sete deles:
“... Pra ser sincera, vai depender do médico, tem uns que tem até um pouco de
medo, receio, não sei o que é, se é medo de atender, por que no PSF você sabe que
tem várias especialidades, a gente fala que é generalista mas eles vem trazendo
sua carga, então tem alguns que por exemplo, se for dermatologista, então
realmente eles têm receio de atender... (C1)”
O planejado no município, é que todas as equipes de SF realizem o diagnóstico,
tratamento e acompanhamento dos casos novos, e possuam todos os instrumentos de registro
referentes à tuberculose (Livro de sintomáticos respiratórios, Livro de registro e
acompanhamento de casos de tuberculose, ficha de acompanhamento da tomada diária de
medicação e cartão do DOTS). Porém quando há necessidade de se realizar quimioprofilaxia,
esta é realizada na unidade de referência.
53
As principais funções das coordenadoras regionais de PSF em relação à tuberculose
são: passar nas unidades recolhendo as amostras de baciloscopia e levar para o pólo para ser
analisado, bem como buscar o resultado e repassar para a equipe: “... Eu que pego né, como
coordenadora, com um material próprio essas duas amostras do escarro e levo no pólo Hélio
Cruz, e depois pego o resultado entendeu?...(C1)”
Além disso, também buscam a medicação do paciente e levam para a unidade.
Também é função delas levar mensalmente as notificações de TB para o PCT. As notificações
possuem três vias (uma branca, uma azul e uma amarela). A azul fica na USF anexada ao
prontuário, a amarela fica na unidade de referência, para que a farmácia possa liberar a
medicação, e a branca vai para o nível central (COSTA et al, 2010).
O fato de a coordenadora do Jardim Catarina estar no município há quase dez anos,
favorece a relação interpessoal tanto entre as coordenações quanto entre a coordenação do
PSF e as equipes. A coordenadora do PCT também está à frente do programa desde 2002, e
esta estabilidade é um fator importante para que os mecanismos de gestão sejam planejados
eficientemente no município, além de favorecer uma maior aproximação e relacionamento
entre as partes gestoras. A própria coordenadora regional do Jardim Catarina, relatou ter uma
afinidade muito grande com as equipes por estar há muito tempo na coordenação, e isto
constituir um fator positivo: “... Minha relação com eles é ótima, até por que eu fiquei de
2001 a 2005 numa equipe, naquele ali da entrada, principalmente com as equipes de lá, e já
tô há muitos anos na coordenação, então eu tenho uma afinidade muito grande com essas
equipes todas... (C1)”.
Qualquer problema que apareça, os profissionais da equipe têm facilidade em contatála via telefone. Com a coordenadora regional do Rio do Ouro não é diferente. Ela relata que
os profissionais das equipes tem facilidade para contatá-la, e assim fazem sempre que aparece
alguma dúvida, principalmente em relação à coleta de escarro. Além disso, são realizadas
mensalmente, reuniões com as equipes, e nessas reuniões os enfermeiros das equipes lhe
entregam relatórios com o nº de SR daquele mês, nº de pacientes acompanhados em TS, entre
outras coisas:
54
“... a gente tem um acompanhamento que a gente elaborou, junto com a
coordenação de tuberculose, de um relatório mensal que os enfermeiros entregam
pra gente, dizendo quantos sintomáticos respiratórios daquele mês, quantos
pacientes estão sendo acompanhados em TS, quantos foram referenciados, então a
gente tem esse acompanhamento mensal... (C2)”
Os profissionais da saúde da família também demandam informações à coordenação
do PCT. Além disso, é realizada mensalmente uma tarde de reuniões entre a coordenação do
PCT e as cinco coordenadoras da saúde da família para discutir os casos novos, tirar dúvidas,
entre outras coisas. Este é um fator positivo que pode favorecer o processo de
descentralização, bem como o controle da doença no município, visto que estes encontros
entre as partes gestoras são regulares. A relação interpessoal entre as coordenações me
pareceu ser muito boa e o acesso/interlocução entre elas também, pois, segundo uma das
coordenadoras regionais, todas têm o telefone umas das outras, e qualquer problema que
ocorra, é feito contato imediato para solução do problema. No que concerne à relação das
coordenadoras regionais com as equipes, parece que o acesso é fácil, porém esse contato é
feito na maioria das vezes via telefone, que não é institucional em grande parte das unidades e
sim, próprio dos profissionais das equipes.
Para auxiliar esse processo de descentralização, bem como a expansão do TS, o
município conta com o auxílio da Força Tarefa do programa Estadual de Tuberculose. A
função da Força Tarefa é dar um suporte ao PCT, indo nas Unidades de Saúde da Família
(USF) e nas unidades de referência para orientar e monitorar os profissionais quanto às tarefas
de controle da TB, bem como realizar capacitações com as equipes a respeito do tratamento
supervisionado, BSR e uso dos instrumentos de registro do programa de tuberculose (Livro de
sintomático respiratório, Livro de registro e acompanhamento dos casos, etc.).
Quanto ao processo de descentralização das atividades de controle da tuberculose para
a ESF, a coordenadora regional de Jardim Catarina relatou que em sua opinião não há
aspectos negativos, somente aspectos positivos em relação a este processo, justamente pelo
fato de se ter o enfermeiro e o agente perto desse paciente para orientar e explicar a
importância de tomar a medicação corretamente, além de o acesso ser ampliado:
55
“... acho que são só coisas boas mesmo, é pra ajudar mesmo, eu acho que é o
único jeito de... É até mais fácil pra enfermeira e pro agente, por já conhecer
aquela pessoa, é mais fácil conversar e entender a importância de tomar o
remédio, de não parar, de não ter o abandono, então é mais fácil pra gente do PSF
do que de um posto comum... Tanto é que depois que começou essa parceria,
vamos dizer assim, o número de abandonos diminuiu, justamente por que a gente
tem mais acesso a eles, fica mais fácil pra gente né... (C1)”
Já para a coordenadora do Rio do Ouro, embora o processo de descentralização esteja
trazendo benefícios, este está sendo um processo muito lento. Um dos aspectos positivos
apontados por ela é a questão de se diminuir a sobrecarga da referência ao descentralizar o
controle da TB para a Saúde da Família, além de se reduzirem os custos com o tratamento.
Como aspectos negativos, ela destacou a lentidão do processo de descentralização pela falta
de envolvimento dos profissionais de saúde das equipes e conscientização por parte dos
mesmos em desenvolver tais atividades, justamente o ponto chave que se pretende avaliar
nesta dissertação
“... contra, eu acho que é essa questão mesmo da lentidão, a gente tá tentando
envolver mais os profissionais de saúde, é um processo lento (a
descentralização)... A gente faz a capacitação, que é também uma coisa positiva,
faz bastante capacitações e todos os profissionais já foram capacitados, desde o
médico, até o agente comunitário, é mais essa lentidão mesmo deles terem essa
consciência de tá desenvolvendo nesse programa..Às vezes o médico encaminha
direto pra referência, entendeu? Então tem que estar tentando ao máximo
descentralizar.... (C2)”
Um entrave apontado pela coordenadora do PCT foi relacionado ao sistema de
informação da TB, como o mau preenchimento dos livros de registro nas unidades,
principalmente o livro de sintomáticos respiratórios. Muitas vezes o paciente foi notificado,
mas seu nome não está no livro de registro, ou então realizou o exame de baciloscopia, mas se
deu negativo, muitas vezes não encontram o nome deste paciente registrado no livro de
sintomáticos respiratórios (COSTA et al, 2010).
Apesar dos aspectos positivos apontados respectivos à relação interpessoal entre a
parte gestora e entre gestores e profissionais das equipes, somente isto não basta para que
processo de descentralização ocorra de fato e que os profissionais das equipes incorporem a
execução das atividades de controle da TB em sua rotina diária. Mecanismos de incentivo
poderiam ser criados para as equipes que detectarem maior número de sintomáticos
respiratórios, além de ser necessária maior fiscalização das equipes por parte das
56
coordenações, para que realmente sejam efetivadas tais atividades. Alguns problemas que
podem prejudicar a descentralização do controle da TB para a ESF no município foram
identificados, e os principais pontos estão descritos no quadro a seguir e explicitados mais
detalhadamente no decorrer da apresentação dos resultados:
Principais resultados observados no município de São Gonçalo
Planejado
Planejamento de coleta de material e
encaminhamento ao laboratório
Observado
Dificuldades na operacionalização do planejado
Capacitação das equipes de SF no município
Alguns médicos não atendem casos de TB e outros não
são capacitados
Recursos humanos
Equipes incompletas, escassez de RH e alta rotatividade
profissional
Disponibilidade de Insumos
Percepção dos profissionais sobre as atividades
de controle da TB nas USF
Falta de insumos para realização de exames de BAAR
Visão centralizadora do controle da TB e pouco
comprometimento profissional
Satisfação profissional
Sobrecarga de trabalho e má remuneração dos
profissionais
Quadro 3- Principais resultados encontrados no município à respeito da descentralização do
controle da TB na ESF.
6.4. ESTRUTURA DAS USF
Quanto à estrutura física das unidades visitadas, existem algumas diferenças entre elas.
Três unidades chamaram a atenção, talvez pelo fato de serem unidades mistas (posto e USF).
Na primeira unidade visitada, encontram-se instaladas 3 equipes. O posto é bem estruturado e
fica em um lugar de fácil acesso aos moradores, bem na entrada do bairro. No momento em
que fui à unidade, nenhum médico estava presente, porém dois médicos de duas equipes
realizam atendimento de tuberculose (trabalham três turnos cada um, pela manhã). O segundo
posto possui duas equipes instaladas. Bem estruturado, com um ambiente limpo, consultórios
separados e sala de espera. No momento em que fui até a unidade, um médico estava lá
realizando consultas, mas logo foi embora. Este médico não realiza atendimento de
tuberculose, tão pouco o da outra equipe. O terceiro posto, com uma equipe, também parecia
bem estruturado e possuía um dentista aderido à equipe através do NASF. O médico desta
equipe foi capacitado para atender casos de tuberculose, porém, nenhum caso foi detectado
por aquela equipe até o momento. Esta foi a única unidade em que eu vi um telefone fixo.
57
As outras unidades visitadas apresentaram estrutura não tão boa, e uma em particular
possuía estrutura precária. Nem era possível identificá-la como uma unidade de PSF. Um
ambiente úmido, com muita infiltração, escuro e com um cheiro forte de mofo. No momento
da minha visita só estavam ali três agentes comunitários. O médico não estava presente e a
enfermeira estava de folga. Este médico também não realiza consultas de tuberculose. Outra,
situada no terreno de uma Igreja, também não se podia identificar como uma unidade de
saúde, só perguntando aos moradores, porém esta tinha uma estrutura razoável. Era composta
por duas equipes, porém uma delas estava incompleta, não possuía médico. Se fosse
necessário realizar alguma consulta de tuberculose, seria feita pela médica da outra equipe,
que é capacitada para atender casos de TB. Os poucos casos atendidos por essas duas equipes,
já haviam iniciado o tratamento no Pólo sanitário, logo as consultas eram realizadas lá (no
Pólo). Nenhum caso até aquele momento havia sido detectado pelas ESF daquela unidade. A
terceira não mostrava maiores problemas. A médica da equipe também foi capacitada para
atender casos de tuberculose, mas não estava presente no momento da visita.
Segundo informações dadas pelos profissionais das equipes, os agentes comunitários
realizam as visitas domiciliares somente na parte da manhã. Á tarde, eles voltam à unidade,
assinam o ponto e vão embora.
6.4.1. DISPONIBILIDADE DE INSUMOS
Problemas operacionais, como a falta de insumos foram observados durante o trabalho
de campo no município. Este problema foi apontado em alguns depoimentos como sendo um
fator que atrapalha o processo de descentralização do controle da TB para a Saúde da Família,
bem como sua incorporação pelos profissionais, além de prejudicar quem menos merece: o
paciente! Durante os dois meses de trabalho de campo, não havia potes de baciloscopia
disponíveis no município. Se fosse necessário realizar o exame de BAAR, era solicitado ao
paciente que comprasse na farmácia um pote de exame de urina (que não é próprio para
BAAR), e custa em média R$ 1,00. Para alguns é um valor insignificante, mas para outros,
que muitas vezes não tem o que comer, é muito. Se o paciente não comprasse o pote, não
realizava o exame, e se fosse um caso, ficaria por aí infectando outras pessoas, e foi o que
aconteceu com um caso, relatado em uma entrevista
58
“... Por que aí ele vem e a gente faz a baciloscopia, mas o problema é: material!
Às vezes a gente se compromete com o paciente pra fazer e não tem... Não faz!... Já
tem uns trinta dias... Teve um que veio aqui com queixa, aí eu fui lá pra perguntar
sobre o material, aí naquele dia eu perguntei pra enfermeira força-tarefa, e ela
falou que está em falta mesmo... (E3)”.
A falta de material é um forte colaborador para que a BSR não seja realizada
efetivamente pelos profissionais das equipes, já que não há esse material necessário para que
o exame seja feito. De acordo com o relato de um profissional, o suprimento de potes de
BAAR no município é de responsabilidade do profissional do laboratório, que deve fazer a
solicitação do material antes mesmo que falte, e esta solicitação ainda não havia sido feita não
se sabe o por que. Outra questão apontada em relação ao material é o fato da coordenação de
PSF não procurar saber o que está acabando nas unidades antes que falte, e sim espera o
enfermeiro entrar em contato para pedir que tal material seja reposto. Apesar disso, não ficou
claro de quem é a responsabilidade de suprimento de materiais na unidade, se é da
coordenação de PSF, ou do enfermeiro:
“... O material, eu penso que é a coordenação que tem que suprir pra gente... Tem
que estar sempre perguntando se está precisando de material, não esperar eu ligar
pra falar „eu não tenho mais pote, eu não tenho isso‟, eu acho que de tempo em
tempo a coordenação tem que perguntar isso... (E1)”
Em relação ao material para uso dos profissionais, pôde-se observar que algumas
equipes não possuíam os livros de registro das atividades de TB (LSR e Livro de
acompanhamento de casos), e se possuíam, não sabiam onde estavam. Em três unidades não
se sabia onde estavam os livros, ou se realmente as equipes destas unidades possuíam os
livros. Outra equipe alegou que o material relativo à TB ainda não havia sido entregue pelo
pessoal da coordenação de TB, e o que havia sido prometido, ainda não fora cumprido:
“... E agora tem o DOTS, que foi implantado em São Gonçalo, quer dizer, ficou de
ser implantado... Só que tudo que foi prometido não foi cumprido em relação ao
DOTS, que seria: trazer as mochilas pros agentes, os coordenadores virem buscar
o material colhido... Então veio a proposta, mas a gente não vê fidelidade deles...
Há um ano e pouco que eu estou aqui, eles sabem que eu não tenho esse livro. A
menina ficou de vir aqui, capacitar a gente de novo pra preencher o livro... Esse
curso que teve já tem mais de dois anos, e quando eu era da outra equipe esse livro
chegou em minhas mãos, mas aqui não... (E7)”
Desde o começo da descentralização do controle da TB para a Saúde da Família no
município, esta equipe está sem os materiais necessários para o desenvolvimento das
59
atividades relacionadas à TB. Apesar de todos os profissionais serem capacitados, a impressão
que ficou é que não houve estímulo por parte da coordenação de TB a esta equipe em
desenvolver estas atividades, e talvez este seja um fator que possa explicar o por que de
apenas um sintomático respiratório ter sido identificado por esta equipe neste período de
tempo, já que para eles a tuberculose ficou sendo uma área à parte da saúde da família.
Outro ponto também importante observado, é a questão de como os profissionais
fazem contato entre si. De acordo com os depoimentos, é utilizado o telefone celular próprio
dos profissionais das equipes para este contato, e não um telefone institucional:
“... O nosso contato é a gente mesmo, por que se dependesse da prefeitura fazer
isso, ficava solto, é a gente que pega o telefone e faz contato em tudo... É nosso (o
telefone)! O posto não tem telefone! Então essas coisinhas ficam um pouco soltas.
De repente essa rede não funciona melhor por que faltam determinados insumos,
ás vezes falta papel, às vezes falta isso ou aquilo... (E5)”
Como se pode perceber neste depoimento, a deficiência de estrutura na Saúde da
Família do município contribui fortemente para que a rede não funcione de acordo com o
planejado e desta forma, não atenda à população de maneira eficiente.
6.4.2. REALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DO PCT NAS USF
Apesar das Coordenadoras entrevistadas terem informado que todas as equipes
estavam capacitadas em TB, evidenciou-se que nas 17 equipes de SF de Jardim Catarina,
apenas sete médicos realizam as consultas de tuberculose. Entre as justificativas, referiu-se
que muitos médicos que trabalham na ESF, devido à formação especializada, não se sentem
seguros para atender aos casos de tuberculose. Além disso, nem todos os médicos estão
capacitados em TB, pois uma parcela não comparece às capacitações.
A realidade no município é a alta rotatividade profissional nas equipes, principalmente
da classe médica, e este é um fato que contribui profundamente para a lentidão do processo de
descentralização completo do PCT para a saúde da família. O médico de uma equipe que
ainda não foi capacitado por qualquer que seja o motivo, não atende os casos de tuberculose,
sendo estes encaminhados para o Pólo de referência. Nestes casos, a ESF atua apenas como
um executor do tratamento supervisionado, quando o paciente concorda.
60
Das dez equipes visitadas, somente cinco médicos foram capacitados para atender os
casos de tuberculose. Nas outras equipes, o atendimento fica a cargo do Pólo de referência,
por isso o fluxo de atendimento aos casos de TB toma outra conformação, diferente da
planejada no município. A figura 4 descreve as atividades relacionadas à TB do modo como
ocorre nas ESF visitadas, bem como o fluxo de atendimento aos pacientes. É importante
destacar que nenhuma das unidades visitadas possuía pacientes com TB em acompanhamento
no momento, e em uma delas os profissionais alegam nunca terem tratado pacientes com TB
naquela equipe. Duas equipes haviam encerrado um caso cada uma há pouco tempo.
61
Figura 4- Fluxograma da execução das atividades de controle da TB pelas ESF visitadas.
62
Surgindo um Sintomático Respiratório (SR) em uma área onde o médico não tenha
sido capacitado em TB, ou simplesmente não atenda aos casos de TB, este paciente será
encaminhado ao pólo de referência para ser avaliado. Se for um caso, e concordar, poderá
realizar o tratamento supervisionado (TS) com a equipe de saúde da família da sua área. No
entanto, parte dos pacientes opta por realizar o tratamento inteiramente no pólo de referência.
Também foi relatado que muitos pacientes procuram diretamente o Pólo Sanitário quando
apresentam algum sintoma respiratório, pois preferem realizar o tratamento no Pólo.
Apesar da descentralização do controle da TB para a saúde da família no município ter
começado efetivamente em meados de 2009, os profissionais das equipes de SF não estão
habituados a desenvolver estas atividades, devido ao fluxo de atendimento desses casos no
PSF ser muito baixo. A realidade das equipes mostrou que para se conseguir efetivamente
essa descentralização, muita coisa tem que ser feita, e a conscientização e o envolvimento dos
próprios profissionais das equipes com o desenvolvimento destas atividades, principalmente a
busca de sintomáticos respiratórios é de grande importância.
6.4.3. ROTINA
DE ATENDIMENTO E ATRIBUIÇÕES RELATIVAS AO
PCT
POR
CATEGORIA PROFISSIONAL NAS USF
Com relação à rotina de atendimento à tuberculose, alguns depoimentos evidenciaram
a variação de condutas adotadas, em especial quanto à coleta da baciloscopia,
encaminhamento ao laboratório e entrega dos resultados nas USF. Isso também nos mostra
que talvez a proposta da descentralização do controle da TB para a SF não tenha sido
explicitada eficientemente para as equipes, bem como os mecanismos de planejamento que o
município adotou para esta implantação. Os pontos em que ocorreram maiores variações de
discursos foram:
1-
Se o paciente deixa amostra de escarro na USF ou se leva direto ao Pólo;
2-
Deixando a amostra na USF, quem leva esta amostra ao laboratório (a coordenação
de SF, o motoboy, ou a enfermeira da equipe)?
3-
Quem pega o resultado (a coordenação de PSF, a enfermeira, o motoboy ou o
paciente)?
63
Trechos de depoimentos de enfermeiros demonstram com clareza essas variações: 01“..., e o próprio agente comunitário pode colher e ligar pro Hélio Cruz, ou pra coordenadora
responsável vir aqui pegar... (E2)”;
02- “... Aí a gente só faz o pedido, o paciente colhe a amostra, leva ao laboratório... Teria um
motoboy, que aí o paciente não precisaria levar lá... Que a partir desse momento, se tivesse
algum paciente, a medicação seria entregue pelo motoboy... (E7)”;
03-“... vai ter pedido de escarro e Raio X, vai ser enviado pro Hélio Cruz, ou por motoboy,
que a gente nunca acionou, mas a gente prefere até que a pessoa (paciente) vá levar, que
acha até melhor do que ficar esperando, por que o escarro tem um tempo né... (E4)”
04- “o cara (motoboy) vem pra buscar, ou então o coordenador pega e manda pro pólo, que
é o Hélio Cruz [...]Tudo sou eu que pego (enfermeira)! Resultado, remédio... O problema
todo é em relação ao material e quem pega, que horas pega e quando pega isso (E3)”
05- “... Faz o pedido do BAAR, e encaminha ele pro pólo, o Hélio Cruz, ele faz a
baciloscopia os dois dias... E aí depois o próprio paciente traz o resultado, ou a
coordenação também pode trazer... Esse paciente pega a medicação aqui com a
gente. Mesmo que a coordenação não pegue a medicação lá, ou o enfermeiro, ou
o agente podem pegar e trazer pra unidade pra passar pro paciente... (E1)”.
Como se pôde observar, o município não criou um protocolo para a rotina de
atendimento aos casos de tuberculose pelas equipes de SF no sentido operacional, visto que
não estão especificadas as responsabilidades quanto à coleta de material, envio ao laboratório,
obtenção de resultado e envio de medicamentos para as USF, bem como em relação à
provisão dos insumos necessários às atividades de controle da tuberculose. Seria interessante
que isto estivesse muito bem especificado para que o paciente possa ter a garantia de que o
seu tratamento estará assegurado com as ESF, e para que não haja nenhum tipo de problema
de perda de amostras, como quase aconteceu com um caso. Uma enfermeira, num ato
desesperado, colocou uma amostra de baciloscopia de acompanhamento de uma paciente na
geladeira de alimentos da equipe, pois a coordenação, que ficou de passar lá e levar a mostra
pro laboratório, não passou. Segundo ela, tomou esta atitude drástica, pois não queria perder a
amostra que a paciente havia conseguido com dificuldade, além de não querer perder a
credibilidade com a paciente
“... Eu tive que botar aqui na geladeira e o pessoal quase me matou! Eu falei
assim „Não, eu não vou perder esse material, eu vou olhar com que cara pro
64
paciente?‟... E nós não temos geladeira específica aqui, a geladeira que tem aqui é
nossa, pro nosso uso, de comida... Mas não é melhor? O quê eu ia falar pra
paciente?... (E3)”
Problemas como esse poderiam ser evitados se o município possuísse um protocolo
bem estabelecido e planejado, onde o paciente pudesse deixar suas amostras à cargo das ESF,
e assegurado de que terá seu resultado sem ter que se preocupar com nada. Esta proposta do
motoboy é muito interessante, pois agiliza a realização dos exames, obtenção de resultados e
envio de medicamentos. Se houvesse realmente um motoboy para realizar tais funções, a
coordenação regional de PSF, que possui muitas atribuições, não teria que se preocupar em
realizar tais funções e a descentralização do PCT para a Saúde da Família talvez estivesse
ocorrendo mais efetivamente.
Em dois depoimentos foi apontada a questão da demora por parte do Pólo de
referência em comunicar ao pessoal da equipe de SF que acompanha o paciente, o não
comparecimento deste a uma consulta marcada no Pólo, bem como a demora da própria
equipe em buscar esse paciente quando a consulta é feita lá mesmo na USF. Quando um
paciente é tratado clinicamente no Pólo, porém realiza o TS com o agente comunitário de sua
área adscrita, se este paciente não comparece a uma consulta, o Pólo deve entrar em contato
com a equipe que o acompanha para que o agente comunitário possa buscar esse paciente e
saber o que aconteceu, e o porquê dele ter faltado à consulta, evitando assim o abandono do
tratamento. Contudo, esta comunicação do Pólo com as equipes parece não ser muito rápida:
“Sim... Ele tem 30 dias... Por exemplo, a consulta tá marcada hoje... Tá fazendo 30 dias hoje,
aí é considerado abandono, aí... Vai fazer a busca dele... (E1)”
“Quando falta não (o paciente), só quando ele tá muito tempo sem ir lá (na consulta no
Pólo)... Não, não é rápido não... (E6)”
Isto não deveria acontecer, visto que o tratamento da tuberculose deve ser seguido à
risca para que não ocorram eventuais abandonos que prejudicarão ainda mais a cura deste
paciente, que poderá ficar resistente às drogas e não ter sucesso em seu tratamento. Este fato
demonstra que além da falta de comprometimento e preocupação com os pacientes, há
também falta de planejamento por parte da esfera gestora, que deveria estabelecer quando
deve ser feita a busca desse paciente faltoso.
65
Outro fato que chamou atenção foi a dúvida dos profissionais de uma equipe
entrevistada em relação a quem seria o coordenador regional de PSF do bairro. A informação
que foi passada para mim, é que a coordenadora seria uma enfermeira, e as demais equipes
confirmaram isso. Porém, segundo esta equipe específica, o coordenador regional de PSF
deste bairro, seria um homem, que não possui muitas habilidades para ser coordenador como
a coordenadora entrevistada possui: “Mas ela não está como coordenadora não... Ih, é uma
confusão, é política... Ele até veio aqui hoje, o coordenador... Quando eu liguei pra ele e falei
„XXX, você traz o potinho pra fazer baciloscopia?‟, aí ele falou „pra fazer o quê? (E3)‟”
Apesar de me parecer que isto foi uma confusão desta equipe por falta de informação,
demonstra que fatores políticos interferem muito na situação de saúde de um município, e isto
é muito comum. Muitas vezes, por pura conveniência, coloca-se uma pessoa que não é da área
da saúde, nem tão pouco com experiência em gestão, em cargos de responsabilidade.
A partir destes relatos pôde-se observar que a falta de planejamento/programação por
parte das coordenações traz prejuízos imensuráveis não só aos pacientes, mas também ao
próprio município, que acaba prejudicado por um processo de descentralização lento que
poderia ser otimizado se fossem estabelecidos métodos de planejamento e protocolos de
atendimento, bem como definição de responsabilidades e atribuições dos coordenadores de
PSF e dos profissionais das ESF em relação às atividades de controle da TB.
6.5. PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE SOBRE AS ATIVIDADES DE CONTROLE DA TB
6.5.1. INCORPORAÇÃO DA BSR
A incorporação das atividades de controle da TB por parte dos profissionais das
equipes entrevistadas se mostrou prejudicada no município durante o trabalho de campo,
principalmente a BSR, que não é realizada eficientemente pelos agentes comunitários. Isto
demonstra que os profissionais ainda ficam esperando o paciente procurar atendimento, ao
invés de buscarem captar mais rapidamente os possíveis casos, como é preconizado pelo
Ministério da Saúde. No momento de minhas visitas, pedi para olhar os livros de sintomáticos
respiratórios das unidades que o possuíam, e pude notar que esta busca está ficando esquecida
pelas equipes, pois haviam pouquíssimos registros nos livros. Não seria possível que equipes
66
que acompanham em média 4.500 pessoas, não tenham sequer 20 registros nos livros, a não
ser que a BSR não seja realizada. Segundo o MS (1998), o número de SR estimados de uma
população é igual a 1% desta população, ou seja, uma das equipes visitadas, que possui uma
população de 5336 pessoas cadastradas, deveria ter pelo menos 53 registros no livro de SR, e
não somente 4 registros, como foi observado (BRASIL, 1998). Além disso, no livro desta
equipe, havia um registro em aberto, ou seja, não se sabia o resultado. A amostra daquele
paciente havia sido encaminhada ao Pólo, porém ninguém procurou saber o resultado, nem o
Pólo entrou em contato coma equipe, nem tão pouco a equipe entrou em contato com o Pólo
ou com o paciente para saber o resultado. Se esse paciente fosse um caso, estaria sem
tratamento e infectando outras pessoas.
A falta de confiança no trabalho dos ACS, bem como o pouco comprometimento
deles, foi apontada por enfermeiros nas entrevistas. Um deles relatou acreditar que os agentes
dizem que passam nas casas, mas que “enrolam” e não realizam o trabalho como deveria ser
feito. Em outro relato, uma enfermeira também acredita que muitos pacientes passam
despercebidos pelos agentes comunitários:
“... Então eu acho que pode até ter paciente por aí e estar perdidos, por eles não
estarem passando, que tem que ser uma vez por mês, mas tem casas que não
quiseram cadastro há três anos atrás, eles falam “Ah, não vou passar lá”... As
vezes até mudou a pessoa, pode acontecer até de ter um tuberculoso ali e a gente
não saber... Eu acho que tá passando despercebido mesmo... (E7)”
6.5.2. PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS EM RELAÇÃO À BSR E AO TS
Em relação à percepção dos profissionais entrevistados sobre as atividades de controle
da TB, os discursos foram variados em aspectos positivos e negativos, principalmente em
relação ao DOTS. Alguns enfermeiros relataram achar que a Saúde da Família deveria apenas
ser um executor do tratamento supervisionado, e as consultas e acompanhamento serem
realizadas pelo Pólo de referência:
“... O que está acontecendo mesmo agora, essa busca ativa dos
sintomáticos e se precisar de supervisão, a gente faz a supervisão,
agora tipo assim, ter um médico daqui, ele tratar com os remédios,
não... É até difícil chegar até aqui os remédios, então tem mais
facilidade no pólo de conseguir os remédios, por que até chegar no
PSF os remédios pra poder fazer esse trabalho, eu acho que o
67
tratamento vai até demorar mais... Mas não deve ser responsável por
fazer esse tratamento (o médico do PSF)... (E6)”
Todos os pacientes que são acompanhados pela SF no município realizam o
tratamento supervisionado, seja domiciliar ou na unidade. No entanto, no discurso de dois
enfermeiros, o TS foi apontado como paternalista e não necessário a todos os casos, somente
aos que há extrema necessidade de supervisão como os psiquiátricos, alcoólatras, idosos,
entre outros: “Cada caso é um caso... Não acho necessário estabelecer aquilo (TS) pra todo
mundo... (E5)”;
“... Então eu acho que essa coisa de supervisão é uma coisa muito paternalista, a
não ser um paciente que é psiquiátrico, alcoólatra, ou que faz uso de drogas, aí
são casos... Só falta a gente tomar o remédio por ele, eu acho que isso tem que
acabar... Mas a busca ativa, a pessoa tá em casa tossindo achando que vai
melhorar, aí sim é legal a busca ativa... Isso é interessante... (E4)”
Quanto à BSR para a captação precoce de possíveis casos, os discursos se mostraram
favoráveis, justamente pelo fato de as equipes estarem mais próximas da comunidade e terem
um vínculo muito maior do que um posto de saúde comum: “Eu acho que essa coisa de busca
ativa, o PSF pode contribuir muito né. E essa questão dos agentes estarem dentro das casas
das pessoas faz com que o PSF tenha um poder de penetração muito maior dentro da
comunidade do que um lugar separado... (E5)”
Em contraponto, o Pólo sanitário foi apontado como tendo maior facilidade de acesso
a meios materiais e maior capacidade de resolutividade em comparação ao PSF: “... Eu acho
que algumas coisas sejam mais fáceis de acesso e resolutividade no Pólo que só veja isso,
que concentra essas informações, aí fica mais fácil. E no PSF é muito complicado, por que as
coisas são meio soltas, não consegue ficar amarradinho direitinho... (E5)”
Apesar disso, de um modo geral, os discursos foram favoráveis ao TS e à BSR, o que
demonstra que aparentemente os profissionais compreenderam a importância do tratamento
de tuberculose estar mais próximo da população por meio da supervisão feita pelas equipes, e
que isto contribui para diminuir o abandono do tratamento: 01- “Eu acho ideal. Eu acho que é
um programa que veio pra melhorar, só precisa ser implantado melhor [...] Eu acho que o
PSF é um lugar ideal e adequado para tuberculose, por que a gente tá realmente dia a dia
com esses pacientes... (E7)” ;
68
02- “E aqui o contato é maior, até mesmo com a família do paciente, e lá eles não tem essa
proximidade com o paciente (no Pólo)... (TE3)”;
04- “Os agentes comunitários e toda equipe ficar em cima desse paciente, orientando,
falando do abandono, que pra ele retornar fica mais difícil, fica resistente ao remédio... E
sempre tá orientando e o agente verificando se ele tá tomando os remédios... (E6)”;
04- “Olha, eu acho que traz sim, por que o paciente pode achar que bobeira, e ter
uma pessoa passando ali na sua casa, que você conhece há alguns anos e tem uma
confiança né, pra falar assim „não, vamos ver o que é isso, tá tossindo há três
semanas, to reparando que o senhor está emagrecendo, vamos fazer um
examezinho, não custa nada‟ (E3) ”
05-“... É um esquema que vem se aprimorando e funcionado cada vez mais, e é
como ele falou, antigamente era mais difícil, as pessoas tinham mais „coisa‟ de
fazer o tratamento, agora não, tem um esquema supervisionado, já tem uma
informação mais clara sobre isso, a gente pode falar mais abertamente com o
paciente e seus familiares... (E2)”
Mesmo assim, a impressão que ficou é que apesar dessa compreensão, o controle da
tuberculose na SF fica deixado de lado. Por possuir um fluxo menor de atendimento aos casos
de TB, as equipes acabam preocupando-se mais com as outras áreas programáticas de sua
responsabilidade, e que possuem um fluxo de atendimento muito maior (hipertensão, diabetes,
saúde da mulher, do idoso, etc.), em detrimento das ações de controle da tuberculose.
Certamente, a sobrecarga de trabalho, a falta de fiscalização e incentivo por parte da
coordenação, sejam fatores que influenciam diretamente na não incorporação da execução das
atividades de controle da TB, principalmente a BSR.
6.5.3. SOBRECARGA DE TRABALHO
A sobrecarga de trabalho dos profissionais das equipes foi evidenciada nas entrevistas,
e pode contribuir profundamente para a lentidão do processo descentralização do controle da
TB para a SF. Depoimentos de dois enfermeiros e uma técnica de enfermagem deixaram claro
essa sobrecarga de trabalho, o que acaba fazendo com que os profissionais tenham uma visão
centralizadora do controle da TB quando questionadas sobre a Saúde da Família assumir o
controle da TB: 01-“Não! Até por que a gente tem muitas outras atividades, então não tem
69
como o PSF assumir, tem que auxiliar o pólo entendeu? Agora, a gente ficar responsável por
tudo fica complicado entendeu? (E6)”;
02- “... Até por que o maior vínculo e contato é nosso... Eu acho que tinha que ser dividido...
O acompanhamento com a gente e a parte de laboratório e as consultas mensais com eles lá
no Hélio Cruz... (TE3)”
03- “... Eu acho que algumas coisas sejam mais fáceis de acesso e resolutividade no Pólo que
só veja isso, que concentra essas informações, aí fica mais fácil [...] Teoricamente num pólo,
você tem mais coisa, mais estrutura... (E5)”
O que se pode perceber é que as equipes têm consciência da importância da atuação da
saúde da família no controle da TB, porém não concordam que as equipes sejam
responsabilizadas pelo tratamento do paciente com TB, e sim sejam apenas executoras da
BSR e TS, ficando as consultas médicas à cargo do Pólo de referência. Devido à alguns
médicos não atenderem casos de tuberculose, e nem todas as equipes possuírem médicos pode
ser um fato que faz com que esses profissionais prefiram que o atendimento médico seja feito
no Pólo de referência, já que assim é feito em algumas equipes, e desta forma, retirando um
pouco da sobrecarga de trabalho.
Em um depoimento, a visão curativa foi apontada como um fator cultural presente nos
pacientes, que na maioria das vezes só procuram atendimento médico em situações extremas.
Além disso, uma enfermeira relatou que as pessoas cadastradas às equipes só querem saber de
consulta médica, e como a médica da equipe não está todos os dias na unidade os pacientes
acabam procurando diretamente o Pólo de referência:
“... E eles falam: Ah, não tem médico, por que tá aberto? Por que tá aberto, se
ninguém bota outra médica? A visão deles é mais curativa, eles só querem saber
de receita de remédio, ninguém aqui quer saber de promoção, por isso é que o
PSF é já... Não existe PSF! Eles chegam aqui e falam: “eu quero uma consulta”,
ou “eu to com tosse”, não quer sentar pra ouvir o que é tuberculose, o que causa
tuberculose, não querem saber isso... (E3)”
No Pólo de referência, o paciente já sai com uma agenda de consultas marcada com
especialistas, além de ter maior possibilidade de receber auxílio para transporte e uma bolsa
alimentação, podendo assim contribuir para que o paciente procure diretamente o Pólo de
referência para atendimento:
“[...] E lá ele já sai com a agendinha marcada pro próximo pneumo, tudo
direitinho. Aqui na saúde da família não é bem assim, por quê? Por que tem os
agentes de saúde para ir na casa, aqui é uma equipe só, a médica tem os dias dela
70
pra atender, ela não está aqui todos os dias, então isso limita, se a agenda tá cheia
ela reclama que tem muito atendimento, as vezes não tem vaga, aí encaixa, as
vezes chega alguém passando mal, aí é complicado... Lá ele chega e já tem
médico...(E3)”
A respeito de campanhas/ palestras sobre tuberculose realizadas na comunidade pelas
equipes, foi identificada certa dificuldade para realizá-las, pois as pessoas não comparecem e
não se interessam muito, só se houver alguma coisa para oferecer. Quando as equipes querem
falar sobre tuberculose com os pacientes, tem que aproveitar as outras palestras como de
hipertensão e diabetes. Os pacientes só comparecem nessas palestras, pois é aí que eles
recebem os medicamentos. As informações sobre TB são levadas à população também,
através dos ACS durante as visitas domiciliares: “É por que tudo aqui tem que funcionar
como moeda de troca... Por exemplo, hipertensão, se tiver uma palestra de hipertensão, mas
não tiver a moeda de troca que é o remédio, o índice de presença é baixo... (TE3)”
Esses aspectos identificados demonstram que a descentralização do controle da TB
para a SF é um processo complexo, que envolve muitos fatores. Observa-se que a chave
principal para que tal processo ocorra de fato vai além da conscientização/incorporação do
controle da TB pelas equipes. É de extrema importância que as equipes assumam realmente o
controle da TB, e não considerem que a Saúde da Família deva apenas ser um executor do TS
e da BSR. Porém, a falta de estrutura e o fato dos médicos das equipes não estarem nas
unidades todos os dias são fatores que prejudicam profundamente este processo de
descentralização e incorporação. Isto faz com que as equipes fiquem sobrecarregadas e
realmente prefiram que o atendimento médico de tuberculose seja feito em outro lugar que
não em sua unidade.
6.5.4. SATISFAÇÃO PROFISSIONAL
Fatores que possivelmente são causadores do pouco comprometimento profissional
foram apontados como a insatisfação gerada pela baixa remuneração e más condições de
trabalho destes profissionais:
“Por falta de tudo... É a falta de um lugar adequado, por exemplo, o
nosso PSF aqui está instalado dentro de um posto de saúde, onde não
deveria ser, deveria estar centralizado nas micro áreas, a falta de
material impresso pros agentes, pra equipe... A falta de dinheiro! O
71
agente comunitário sabe que em outros lugares ganha-se muito
mais...(E7)”
Além de má remuneração dos agentes, também foi apontada a má remuneração da
equipe como um todo:
“São muitos anos enfermeiro, médico e auxiliar sem aumento, então
isso vai fazendo com que o programa não fique mais com o mesmo
pulso de quando começou, em 2001... Então eu acho que a
insatisfação faz com que eles não corram atrás, nadar, nadar, nadar e
morrer na praia... É muita proposta, mas a gente vê pouca solução...
(E7)”
O fato de alguns médicos não terem sido ainda capacitados provavelmente é devido a
eles não comparecerem às capacitações, não se sabendo a causa que os leva a não
comparecerem. Talvez, a explicação mais plausível para os médicos não comparecerem às
capacitações seja o fato destas ocorrerem fora do seu turno de trabalho no PSF, que é o
período que na maioria das vezes os médicos estão trabalhando em outro lugar. De acordo
com o relato de um profissional, os perfis mais comuns dos médicos que trabalham no PSF do
município são aqueles recém formados ou médicos que já se aposentaram e resolvem
continuar trabalhando no PSF, e estes não se interessam em atender os casos de tuberculose,
não comparecendo às capacitações. Este profissional também relatou que não há uma carga
horária fixa, ou turnos fixos para os médicos que trabalham no PSF, e que estes mesmos
elaboram sua carga horária da forma que lhes é conveniente. Isto não está de acordo com as
premissas da Estratégia de Saúde da Família, visto que tanto os médicos quanto os outros
profissionais deveriam ter uma jornada de trabalho de 40hs semanais, divididos em 8 horas
diárias de trabalho, para que possa ser criado vínculo com sua respectiva comunidade.
Também foi observado em um depoimento, que alguns profissionais não veem mais a
Saúde da Família com a mesma força de quando foi implantada no município, em 2001: “E
devido ao PSF ter tido uma queda muito grande, não é mais como era, pelo menos é o que eu
sinto, eu acho que os agentes comunitários estão muito... desestimulados... (E7)”
Nesse primeiro ano de implantação, houve seleção dos profissionais das equipes,
provas e análise curricular, e ao longo dos anos, esses processos seletivos começaram a ser
substituídos por indicações políticas. Além disso, foi apontado por uma enfermeira, que
muitos profissionais se sentem desvalorizados e desestimulados por possuírem vínculos
72
trabalhistas precários, o que favorece à falta de comprometimento profissional, bem como a
rotatividade deles entre os municípios em busca de melhores salários.
6.6. MODELO LÓGICO: O QUE FOI PLANEJADO FOI CUMPRIDO NO MUNICÍPIO?
A partir dos resultados encontrados, pôde-se realizar uma análise com base no modelo
lógico das atividades de controle da TB realizadas pelas equipes de SF, proposta no
município, e avaliar se o que foi proposto e planejado no município foi cumprido. Também
foi analisado com a mesma finalidade, o esquema da execução do controle da TB pela SF
(mecanismos de coleta de amostras, obtenção de resultados e provimento de medicação,
proposta em São Gonçalo). A figura 5 demonstra quais componentes do modelo lógico, não
condizem com a realidade no município:
73
Figura 5 – Figura demonstrativa de quais componentes do Modelo Lógico da execução das atividades de
Controle da TB no Município de São Gonçalo não condizem com a realidade observada.
74
A começar pelos componentes da estrutura do Modelo Lógico, podemos perceber que
o município não possui estrutura adequada para que a descentralização das atividades de
controle da TB ocorra efetivamente no município. A falta de estrutura física (em menor grau),
equipamentos necessários, recursos humanos e protocolo de atendimento bem definidos,
acabam por comprometer os outros componentes do modelo lógico (processo e resultados).
Esta falta de estrutura decorre de falha nos mecanismos de planejamento e gestão, e embora
pareça que há uma integração muito boa entre as coordenações envolvidas no processo de
descentralização, essas falhas realmente existem. A questão do material para realização de
exames de baciloscopia também é muito importante. Há algum tempo o município estava sem
potes para exames de baciloscopia, e era solicitado ao paciente que comprasse se fosse
necessário realizar um exame. Isto demonstra total falta de planejamento do setor responsável,
que deve garantir a provisão de insumos antes que faltem. A falta de material do PCT em
algumas unidades também demonstrou falta de planejamento. Equipes que já haviam sido
capacitadas não possuíam o material adequado para trabalhar com TB (os livros, ficha de
notificação, etc).
Os recursos humanos também foram apontados como ponto fraco no PSF,
principalmente em relação aos médicos. A alta rotatividade e o não comparecimento de
alguns médicos às capacitações em TB prejudicam profundamente este processo de
descentralização do PCT para o PSF. Isto acaba fazendo com que somente em algumas
equipes o atendimento aos casos novos de TB seja garantido. Também observou-se que não
há um protocolo de rotina estabelecido no município à respeito de encaminhamento de
amostras ao laboratório e obtenção de resultados, embora segundo as coordenadoras regionais
de PSF entrevistadas, estas atividades sejam de sua responsabilidade. A figura 6 apresenta os
itens que deixaram dúvidas a respeito da coleta de amostras e obtenção de resultados, além da
identificação de SR através da BSR que deveria ser feita, mas que evidenciou-se não ser
realizada eficientemente no município:
75
?
Figura 6 - Esquema demonstrativo de onde surgiram dúvidas relacionadas à coleta de amostras de
BAAR e obtenção de resultado.
Não se pôde ter a certeza de quem é a responsabilidade de levar a amostra de escarro
ao laboratório e recolher o resultado, além de não ser estabelecido de quem é a
responsabilidade destas atividades na prática, pois houve muitas contradições. Não se sabe se
é o paciente, a coordenadora regional, o motoboy, ou a enfermeira da equipe que tem
responsabilidade sobre isto. Isto demonstra que ou as informações não são passadas
corretamente às equipes, ou realmente não há este protocolo de atendimento no município.
Em relação aos componentes de processo do Modelo Lógico, já se percebe a falha no
componente “capacitação das ESF”, pois nem todos os médicos das equipes comparecem às
capacitações. Quanto à BSR, apesar de ter sido relatado em algumas entrevistas que ela é
realizada pelos ACS durante as visitas domiciliares, o que se observou é que esta busca não é
feita eficientemente, e que os profissionais esperam que o paciente sintomático procure
atendimento. Este fato compromete todos os outros componentes das atividades do Modelo
76
Lógico, pois não há detecção precoce de situações de risco, diagnóstico precoce, e
acompanhamento desse paciente, se ele não for detectado pela BSR.
Além disso, os relatos quanto às atividades educativas relacionadas à TB junto à
comunidade revelaram que estas são realizadas com baixa freqüência, mas não pelas equipes
não quererem, e sim devido ao grau de freqüência ser quase zero quando o assunto é TB.
Segundo os profissionais entrevistados, isto ocorre quando não há nada em troca para oferecer
aos pacientes (medicamentos), então os profissionais aproveitam outros eventos (como
palestras de diabetes e hipertensão), para falar sobre TB.
Em relação aos produtos do processo do Modelo Lógico, também ocorre prejuízo, pois
se as atividades estão comprometidas, os produtos conseqüentemente estarão comprometidos.
Quanto aos resultados, embora prejudicados, ainda sim pode haver melhoria do acesso à rede,
melhoria do vínculo e redução do abandono devido ao PSF estar mais próximo da população,
sendo mais uma porta de entrada para esse paciente, e devido ao TS também estar mais
próximo, através dos ACS. Para causar impactos, muita coisa ainda deve ser feita para que o
controle da TB seja eficaz no município e esteja realmente mais próximo da população. É
óbvio que deve-se levar em consideração a complexidade do processo de descentralização do
controle da TB para o PSF e a grandiosidade do município, o que torna este processo ainda
mais complexo.
7. DISCUSSÃO
De um modo geral, aspectos como o baixo número de sintomáticos respiratórios
examinados, a sobrecarga de trabalho das equipes de SF, a falta de planejamento conjunto
entre as coordenações, tanto da SF, quanto do PCT e a alta rotatividade de profissionais,
também foram mencionados em estudos anteriores, e dificultam o processo de
descentralização das ações de controle da TB tanto na ESF, quanto na atenção básica como
um todo (OLIVEIRA & NATAL, 2007; MONROE et al, 2008; OLIVEIRA, 2009;
MARCOLINO et al, 2009 e FIGUEIREDO et al, 2009). A BSR é uma atividade chave para
que as equipes passem a ter o controle da TB incorporado à sua rotina diária de trabalho. Se
esta busca não é feita, não há como fechar o ciclo de detecção precoce, tratamento e cura. A
BSR é uma atividade preconizada pelo MS para que estes possíveis casos sejam detectados o
77
mais precocemente possível, potencializando assim o tratamento e a possibilidade de cura. Se
ainda é esperado pelas equipes que o paciente procure atendimento por estar com sintomas, a
Saúde da Família passa a não ter tanta importância na detecção precoce dos casos pelo seu
poder de penetração na comunidade, fazendo com que seja apenas um facilitador do acesso,
que embora seja muito importante, não é o único benefício que a ESF pode trazer no controle
da TB.
Outro ponto em comum entre estudos analisados e os resultados apresentados, é a visão
centralizadora dos profissionais das equipes em relação às atividades de controle da TB,
manifestada pela preferência de que o tratamento dos casos seja feito pelas unidades de
referência e que as equipes sejam apenas executoras da BSR e TS (MONROE et al, 2008;
OLIVEIRA, 2009; MARCOLINO et al, 2009 e FIGUEIREDO et al, 2009). No entanto, a
sobrecarga de trabalho por falta de estrutura e planejamento, a falta e a rotatividade de
médicos na ESF, pode justificar essa visão.
A alta rotatividade profissional na ESF em São Gonçalo nos faz refletir sobre esta
questão de uma forma mais ampla. Para que ações como o controle da TB sejam
descentralizadas efetivamente para a ESF, seria de extrema importância haver estabilidade
profissional para que estes conheçam profundamente a comunidade com a qual trabalham e
assim o vínculo seja maior, além de possibilitar a maximização de estratégias de educação em
saúde.
O estudo de Medeiros et al (2010), o qual analisou as causas do índice de rotatividade
de enfermeiros e médicos das ESF de municípios do RS, mostrou uma tendência crescente
nos índices de rotatividade dos médicos e estabilização da rotatividade de enfermeiros. Como
principais causas dessa rotatividade foram apontados pelo autor a precarização dos vínculos
trabalhistas, a fragmentação da formação acadêmica desses profissionais, o estilo de gestão
autoritário, ausência de vínculo com a comunidade e más condições de trabalho. Alguns
destes fatores também foram observados e apontados nas entrevistas dos profissionais das
ESF de São Gonçalo, o que demonstra que não é só o município que possui problemas para
consolidação da Saúde da Família. Para que o controle da tuberculose seja descentralizado de
vez para a Saúde da Família no município de São Gonçalo, seria necessário que houvesse
estabilidade dos profissionais, principalmente de médicos. Para o autor, um fator que
contribui para a falta de estabilidade dos profissionais das ESF, é a própria legislação do SUS,
78
que não define parâmetros de remuneração dos profissionais das ESF, nem tão pouco
mecanismos de estabilidade, deixando à cargo das prefeituras municipais a contratação de
profissionais, e apenas recomendando a realização de concursos públicos (MEDEIROS et al,
2010). O que ocorre na prática nos municípios é a contratação de profissionais com vínculos
trabalhistas precários, e não através de concursos públicos. Mais ainda, muitos profissionais
são contratados por indicação política, como foi relatado por uma enfermeira que trabalha no
município de São Gonçalo. O não estabelecimento de parâmetros de remuneração das ESF
pelo SUS, através da legislação, acaba fazendo com que esta remuneração varie muito de um
município para outro, e isto acaba gerando migração dos profissionais entre os municípios em
busca de melhores salários.
Além disso, a formação acadêmica dos profissionais de saúde ainda é frágil no que
concerne aos preceitos do SUS, principalmente a incorporação do termo integralidade como
base para as práticas em saúde. O crescimento da especialização e da incorporação
tecnológica na medicina acaba fazendo com que os profissionais saiam da faculdade com um
perfil super especializado, e sem entender ou conhecer o atual Modelo de Atenção à saúde
preconizado para melhorar a saúde da população, que é todo baseado na integralidade do
cuidado, na prevenção aos agravos e promoção da saúde.
Ademais, o fator cultural da população também representa um importante obstáculo a
ser transposto para consolidação da Saúde da Família de um modo geral. A base cultural da
população é médico-centrada e curativa, e isto foi apontado por uma enfermeira durante a
entrevista. Segundo ela, os pacientes só se preocupam com remédios e consultas médicas, e
não se interessam por ações de educação, promoção e prevenção em saúde, somente se houver
uma moeda de troca, como medicamentos, além de não compreenderem a proposição da
Saúde da Família. É neste pensamento dos pacientes que a ESF deve atuar através da
educação em saúde, mas muitas vezes, os profissionais não sabem como agir, pois, não
tiveram uma base na graduação. Este fato foi apontado por Besen et al (2007), que investigou
se a proposta da ESF é objeto de discussão com a população na prática educativa dos
profissionais nela inseridos e a compreensão dos mesmos sobre Educação em Saúde, em
Florianópolis/SC. Segundo a autora, os profissionais das equipes estudadas desconhecem os
fundamentos da Estratégia de Saúde da Família, e possuem práticas educativas verticais e
centradas na doença. Além disso, aponta a formação dos profissionais de saúde como
distantes do necessário para se trabalhar na Saúde da Família conforme os preceitos da
79
estratégia, sugerindo a importância da educação permanente e estruturação da graduação de
modo aproximar as práticas de educação em saúde com a realidade social da comunidade com
a qual trabalham (BESEN et al, 2007).
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos resultados apresentados evidencia-se que o processo de descentralização
das atividades de controle da TB para a Saúde da Família em São Gonçalo ainda é incipiente.
Apesar de parecer que as relações interpessoais avaliadas sejam bem estabelecidas, e que são
realizadas periodicamente atividades de planejamento em conjunto tanto entre as
coordenações regionais e com os profissionais das equipes, algumas questões importantes não
foram bem esclarecidas no município, o que demonstra falha nos mecanismos de gestão, bem
como pouco comprometimento profissional com as atividades de controle da TB.
Questões simples como a criação de um protocolo de atendimento por parte do
município poderiam potencializar esse processo de descentralização. Além disso, a questão
dos recursos humanos pareceu ser um fator que prejudica profundamente este processo,
principalmente em relação aos médicos, que são profissionais-chave para que a
descentralização ocorra de fato no município. A alta rotatividade desta categoria profissional
poderia ser amenizada se fossem criados mecanismos de incentivos a estes profissionais, e se
fosse fixada uma carga horária de trabalho deles, que deve ser de 40hs semanais. Além disso,
a desprecarização dos vínculos trabalhistas também é de suma importância para viabilizar a
estabilidade profissional na Saúde da Família.
O processo de descentralização do controle da TB para a Saúde da Família é um
processo muito complexo e que envolve muitos fatores, tanto estruturais como
organizacionais, e sendo assim, necessita que o município possua uma boa estrutura, assim
como planejamento minucioso para a realização do controle da TB de forma efetiva pelas
equipes de SF. Não só parece ser uma questão de comprometimento profissional com a
realização das atividades referentes à TB, mas mais ainda uma questão de falta de estrutura e
planejamento do município que tornam este processo dificultado. No entanto, não se sabe se o
pouco comprometimento profissional, além de estrutura e planejamento precários estão
80
presentes somente em relação às atividades de controle da TB realizadas pelas equipes de SF,
pois as outras atividades realizadas por elas não foram estudadas.
Enquanto questões como estas predominarem no município, além da deficiência de
estrutura e planejamento, provavelmente o processo de descentralização do controle da TB
para a Saúde da Família permanecerá lento. É necessário que todos os atores envolvidos neste
processo estejam integrados e articulados de forma a garantir todo o tratamento e
acompanhamento do paciente com TB na USF, além de ser imprescindível uma estrutura
mínima para os procedimentos, como os insumos necessários para o exame de baciloscopia
(potes), que no momento do trabalho de campo, estavam em falta no município há algum
tempo.
Na realidade, no pano de fundo do processo de descentralização do controle da TB
para a Saúde da Família, e também da Saúde da Família de um modo geral como funciona na
prática, encontram-se muitos fatores envolvidos e que determinam o bom ou o mau
funcionamento da estratégia em um município. A implantação da ESF por si só não basta para
modificar o modelo de atenção médico-centrado. Esta depende da forma de se produzir o
cuidado, bem como dos diversos modos de agir dos profissionais entre si e com os usuários. A
formação dos profissionais de saúde precisa passar por uma reforma a fim de se introduzir no
seu cotidiano, a cultura e os termos concernentes ao Sistema único de Saúde (SUS) e à ESF.
A demanda espontânea também se choca com a proposta da ESF de agendamento, e acaba
fazendo com que inconscientemente ocorra transferência de procedimentos do modelo
biomédico para a Saúde da Família. Além disso, o contexto do SUS propriamente dito ainda
deixa a desejar em alguns aspectos, como os vínculos precários de trabalho, a contratação de
profissionais por indicação política, salários insuficientes e problemas de financiamento, que
acabam por prejudicar a efetivação de políticas como a ESF.
Os problemas evidenciados nesta pesquisa demonstram que a ESF no município de
São Gonçalo ainda não cumpre seu papel no controle da TB. Porém deve-se considerar o
período de tempo desde o começo da descentralização para a ESF no município, até o período
de trabalho de campo, que é de pouco mais de um ano. Sendo assim, o município ainda está
81
em fase de descentralização e sofrendo ajustes, portanto sugere-se a realização de estudos
posteriores.
82
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88
ANEXO 1
ANEXO 2
DESEMPENHO DA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA NO CONTROLE DA
TUBERCULOSE NO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO/RJ.
Roteiro de entrevista/grupo focal com as Equipes de Saúde da Família
Data: _____________
Nome da unidade de PSF: _________________________________________________
Bairro: ____________________________________
Profissional entrevistado: __________________________________________________
Estrutura da USF/Atividades do PCT realizadas e fluxo de atendimento de TB na USF
1- Como se dá o trabalho de vocês na TB? Vocês costumam dividir as tarefas ou
trabalham em conjunto?
2- Quais são as atribuições de cada profissional em relação à TB?
3-
Quais atividades de controle da tuberculose são realizadas nesta unidade?
4-
Como é feita a BSR (se é feita) nesta unidade? Quem realiza?
5Detectado um SR, como é o fluxo de atendimento desse paciente (caminho)? Vocês
solicitam a baciloscopia a todos os SR?Quem faz essa solicitação?
6Quem preenche e como são feitos os registros das atividades relativas à TB
(Formulário de solicitação de baciloscopia, Livro de SR, livro verde, ficha de notificação)?
7Quanto aos contatos, qual a conduta tomada? (se a unidade os convoca para
investigação, realizam a quimioprofilaxia e visitas domiciliares)
É feito o registro dos contatos? Onde?
8-
Quanto ao tratamento, todos os pacientes fazem o TS? Em que casos ele é indicado?
Como é feito, qual é a periodicidade? É feito sempre pelo mesmo ACS?
Possui a ficha de acompanhamento da tomada diária de medicação?
9É feito o controle de comparecimento e faltas? Como? O que vocês fazem quando
algum paciente não comparece à consulta marcada? E os pacientes em abandono?
10-
Os doentes são examinados pelos mesmos profissionais a cada consulta?
11Como é a relação de vocês com o paciente e a sua família? Vocês conversam sobre
outros problemas de saúde?
12Vocês (os profissionais) perguntam sobre as condições de vida das pessoas que moram
com o doente de TB e/ou da sua família?
Há algum tipo de contato com a família do doente? (cuidado com as pessoas que moram com
os doentes - crianças e outras pessoas da família).
13Vocês (os profissionais) realizam algum tipo de estratégia/campanhas para informar à
comunidade sobre TB?
Quando foi realizada a última e o que foi feito?
14Os profissionais desta unidade têm ou já tiveram algum tipo de capacitação
profissional para trabalhar com tuberculose? Quando foi a última capacitação?
15Vocês costumam contatar os coordenadores (do PCT e da SF)? Em que situações? O
que fazem quando surge algum problema ou dúvida? Como é a relação entre vocês e os
gestores?
Percepção dos Profissionais de Saúde sobre as atividades de controle da TB
16-
Como você avalia o tratamento supervisionado? E a BSR?
17Em sua opinião, quais são os problemas ou as dificuldades para a realização das
tarefas de controle da TB nesta unidade?
18O que você acha da ESF assumir as atividades do controle da tuberculose? Você acha
que devem assumir todas as atividades do programa ou só algumas?
19-
Na sua visão, qual a contribuição da ESF para diminuir o abandono do tratamento?
20-
O que você sugere para melhorar?
21-
Você gostaria de comentar ou abordar algum outro aspecto de seu interesse?
Muito obrigada pela sua participação e colaboração.
ANEXO 3
DESEMPENHO DA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA NO CONTROLE DA
TUBERCULOSE NO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO/RJ.
Roteiro de Entrevista – Coordenador da ESF (regional)
Data: _____________
Regional: ______________
Primeiramente gostaria que você se apresentasse, dizendo sua formação e há quanto tempo
está no município.
1) Você pode me explicar melhor como funciona a divisão em regiões no município?
Qual região é de sua responsabilidade? (quantos bairros esta região possui?)
2) Quantas equipes de SF a sua região possui? Quantas pessoas são acompanhadas por
essas equipes ao todo?
3) Segundo a coordenadora do PCT, o bairro Jardim Catarina é o que possui maior
número de casos de TB. Você saberia me dizer esse número? Esses casos são todos
acompanhados pela SF? (quantas ESF existem no bairro Jardim Catarina)?
4) Você pode me explicar melhor como se dá essa divisão das regiões do município em
relação aos Pólos sanitários de referência?
5) Como e quando a esfera de gestão (gestores) realiza atividades de planejamento para
TB?
6) Como você avalia a descentralização do controle da TB para a ESF? (trouxe
benefícios para o município?)
7) Quais são os prós e os contras da descentralização para a ESF na sua opinião?
8) Como é a comunicação/relação entre as diversas coordenações? Existe facilidade de
contato? (quando ocorre algum problema ou dúvida)
9) Qual é a função da coordenação regional da ESF em relação à TB?
10) Os profissionais das equipes de SF demandam informações a você sobre TB?Como é a
relação entre a coordenação e as equipes?
ANEXO 4
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas e Centro de Ciências da Saúde
Instituto de Estudos de Saúde Coletiva e Instituto de Economia
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
PARA PARTICIPAÇÃO EM PESQUISA
Título do projeto
DESEMPENHO DA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA NO CONTROLE DA
TUBERCULOSE NO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO/RJ.
Unidade Responsável: Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ
Prezado(a) senhor(a)
A mestranda de Saúde Coletiva do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ,
Natasha Ventura da Cunha está desenvolvendo, sob minha orientação, um estudo para avaliar
o desempenho da Estratégia de Saúde da Família no controle da tuberculose no município de
São Gonçalo, em 2010. Os objetivos específicos desta pesquisa são:
Contextualizar a ESF e o PCT no município de São Gonçalo;
Descrever as atividades e o fluxo de atendimento do PCT no âmbito da ESF em São
Gonçalo;
Analisar a execução das atividades de controle da tuberculose pelos profissionais das
equipes de saúde da família;
Avaliar as características relacionais entre os atores envolvidos no controle da
tuberculose no âmbito da ESF de São Gonçalo;
Identificar os entraves encontrados pelos profissionais da ESF na execução das tarefas
de controle da tuberculose e as potencialidades da descentralização do PCT, na
percepção dos mesmos.
Os procedimentos de coleta de dados envolvem a realização de entrevistas e grupos
focais com profissionais de saúde da Estratégia de Saúde da Família, que desenvolvem
atividades ligadas ao programa de controle de tuberculose em São Gonçalo. Será efetuada
análise do tipo qualitativa.
Gostaríamos de convidá-lo para ser entrevistado, ou participar de um grupo focal em sua
unidade. Pedimos sua permissão para gravar a sua fala para que possamos ser fiéis ao seu
relato. Todo o material recolhido durante o estudo é confidencial e será de utilização somente
para fins científicos. Garantimos que será mantida a CONFIDENCIALIDADE das
informações e que a identidade dos entrevistados será mantida sob sigilo. Deste modo
garantimos o ANONIMATO dos participantes. O benefício será o fornecimento de subsídios
para qualificação da estratégia de saúde da família no controle da tuberculose.
SUA PARTICIPAÇÃO É VOLUNTÁRIA, o que significa que você terá o direito de
decidir se quer ou não participar, bem como de desistir de fazê-lo a qualquer momento. Não
existe por parte da equipe de pesquisadores, nenhum tipo de benefício ou favorecimento a sua
pessoa ou seu trabalho, e nenhum tipo de sanção ou constrangimento caso você não queira
participar deste estudo. Sua participação é livre e voluntária durante toda a pesquisa. Contudo,
ressaltamos a importância de sua contribuição.
Caso você queira mais alguma informação sobre a pesquisa, poderá entrar em contato
comigo no Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ no seguinte tel: 2598-9271, ou
com a mestranda Natasha no tel. 9417-5600.
E conforme estabelece a regulamentação brasileira de ética na pesquisa, caso o(a) sr(a)
se sinta prejudicado(a) ou veja qualquer problema ético na condução da pesquisa, por favor,
entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa do IESC pelo telefone 2598-9293 e fale
com Delvaci, sua secretaria executiva.
Atenciosamente,
Profª Drª Maria de Lourdes Tavares Cavalcanti (IESC/UFRJ)
Declaro estar esclarecido quanto a minha participação na pesquisa “Desempenho da
Estratégia de Saúde da Família no controle da tuberculose no município de São
Gonçalo/RJ”, e aceito dela participar livre e voluntariamente.
Rio de Janeiro,
____________________________
Participante
Identidade:
de
2010.
_____________________________
Natasha Ventura da Cunha
Pesquisadora
ANEXO 5
DIAGNÓSTICO
SITUACIONAL DA DESCENTRALIZAÇÃO DO CONTROLE DA TUBERCULOSE
PARA A ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA EM JARDIM CATARINA/SÃO GONÇALO - RJ, 2010.
SITUATIONAL DIAGNOSIS OF TUBERCULOSIS CONTROL DECENTRALIZATION TO FAMILY HEALTH
STRATEGY IN JARDIM CATARINA / SÃO GONÇALO - RJ, 2010.
Resumo
Avaliação normativa, abordagem qualitativa, para verificar a descentralização do
controle da TB na Estratégia Saúde da Família (ESF) no bairro Jardim Catarina/São GonçaloRJ. Para isso, foi construído Modelo Lógico das atividades de controle da tuberculose (TB) na
saúde da família (SF) do bairro. Utilizou como instrumentos de análise entrevistas,
observação com registro em diário de campo, e análise documental. As entrevistas foram
realizadas com a Coordenação regional de SF do município, e profissionais de Equipes de SF
do bairro Jardim Catarina. Na análise, consideraram-se as seguintes categorias: atividades
(prevenção, diagnóstico e tratamento) do Programa de Controle da Tuberculose (PCT) no
âmbito das Unidades de Saúde da Família (USF), estrutura das USF, percepção dos
profissionais de saúde sobre o controle da TB na SF. Os resultados apontaram um processo de
descentralização lento, devido a problemas de estrutura e planejamento como a escassez e
rotatividade de recursos humanos e desarmonia entre o planejado e o executado nas USF.
Conquanto, os profissionais entrevistados compreendem os benefícios trazidos se o controle
da TB estiver próximo da população através da ESF.
Palavras-Chave: Saúde Pública; Atenção Primária à Saúde; Tuberculose; Avaliação em
Saúde; Saúde da Família; Estratégias.
ABSTRACT
Normative evaluation, qualitative methodology, which aims to verify the tuberculosis
(TB) control decentralization to the Family Health Strategy (FHS) in Jardim Catarina/São
Gonçalo- RJ. For that, was built a Logic Model of the TB control activities by the health
family (HF) in the neighborhood. The study used as instruments of analysis interviews,
observation with register in diary of field, and documental analysis. The interviews were
made with regional Coordination of FHS, and with professionals of HF Teams in the
neighborhood of Jardim Catarina. The analysis considered these categories: activities
(prevention, diagnosis and treatment) of the TB Control Program in the Units of Family
Health (UFH); UFH structure and perception of health professionals about the
implementation of TB control activities by the FH. The results pointed to a slow process of
decentralization, due problems of structure and planning as the scarcity and rotation of human
resources, lack of harmony between the planned and executed in the HFU. However, health
professionals interviewed, understand the benefits brought if the TB control remain next to
the population with the FHS.
Key-words: Public Health; Primary Health Care; Tuberculosis; Health Evaluation; Health
Family; Estrategies.
1. INTRODUÇÃO
A Estratégia Saúde da Família (ESF) visa à reorganização da atenção básica de acordo
com os preceitos do SUS (universalidade, integralidade, descentralização e participação da
comunidade), mediante a ampliação do acesso, a qualificação e a reorientação das práticas de
saúde. É apresentada pelo Ministério da Saúde (MS) como um modelo de atenção focado não
apenas no indivíduo doente e sim na família, modificando o processo de intervenção em
saúde por não esperar a população procurar atendimento e agir preventivamente1.
A descentralização do controle da tuberculose para a ESF tem sido recomendada e
incentivada pelo Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT)2, pois amplia o
acesso dos doentes ao serviço de saúde. Além disso, proporciona maior adesão ao tratamento
através do vínculo criado entre as equipes e a comunidade. A descentralização do controle da
TB para a Saúde da Família consiste em incluir na rotina das equipes, o desenvolvimento das
seguintes ações de controle da TB: busca ativa de sintomáticos respiratórios (BSR);
solicitação de exames para diagnóstico (baciloscopia, raio-x e cultura); preencher os
instrumentos de registro de informações (ficha de notificação de casos, livro de sintomáticos
respiratórios e livro de registro e acompanhamento dos casos); tratamento supervisionado e
acompanhamento do paciente (consultas mensais); exame de contatos e busca de faltosos e;
alta3.
A dificuldade de tratamento e cura, as taxas de abandono e recidiva da doença se
concentram nas camadas sociais mais pobres, entre os grupos descobertos de atenção e
acompanhamento à saúde continuados4. Assim, torna-se fundamental no enfrentamento e
controle da tuberculose, um modelo assistencial que seja permanentemente vinculado à
comunidade, que seja assistida por uma equipe multiprofissional cujos objetivos de trabalho
se estendam além das fronteiras das Unidades de Saúde, e essas características estão em
sintonia com a ESF1.
No ano de 2007, o Estado do Rio de Janeiro apresentou uma taxa de incidência de
tuberculose de 71,7 casos por 100.000 habitantes, a maior do país, seguida do estado do
Amazonas. A maioria dos casos de tuberculose (TB) no Rio de Janeiro concentram-se em
treze municípios da Região Metropolitana, onde se inclui o município de São Gonçalo5 .
Em 2009 o município apresentou incidência de tuberculose de 54 casos por 100.000
habitantes. Em 2008, do total de casos novos de TB (546), o percentual de cura da doença foi 71,8%, o
percentual de abandono 11,4%, e a proporção de óbitos 4,1%6. Isso demonstra que o município ainda
não conseguiu atingir a meta do Ministério da Saúde (MS) de curar 85% dos casos de TB e reduzir o
abandono para menos de 5%1, demandando a ampliação do acesso e a qualidade da atenção, contando
com a ESF através do vínculo com o paciente e sua família para tentar reduzir a proporção de
abandono e aumentar a proporção de cura da doença.
São Gonçalo é um município de grande porte com expressiva cobertura de Saúde da
Família (65% em novembro de 2010), e está descentralizando as ações de controle da TB para
a estratégia6. O bairro Jardim Catarina foi escolhido como campo de pesquisa por ser o bairro
que apresenta o maior número de casos de TB ao ano do município, além de ser um bairro
extenso e populoso. O bairro possui ao todo 17 equipes de SF compostas por médico,
enfermeiro, téc. de enfermagem e de quatro a seis agentes comunitários de saúde (ACS).
Desta forma, este estudo teve por objetivo realizar um diagnóstico situacional do
processo de descentralização do controle da TB para a SF no bairro Jardim Catarina avaliando
em que medida o que foi planejado está sendo cumprido no bairro, e assim identificar as
barreiras de um processo de descentralização em curso, ante a percepção dos sujeitos
entrevistados.
2.METODOLOGIA
Constitui uma avaliação normativa7 com objetivo de verificar se as ações de controle
da tuberculose estão sendo realizadas pela ESF do bairro Jardim Catarina, em conformidade
com o planejado no município, e assim realizar um diagnóstico situacional do processo de
descentralização do controle da TB para a SF no bairro Jardim Catarina. Para isso, foi
utilizado como ferramenta avaliativa o Modelo Lógico do PCT na ESF. Como referencial
teórico para a construção do Modelo Lógico utilizou-se o modelo proposto pelo Centers for
Disease Control and Prevention (CDC), além de outros documentos como o Manual de
recomendações para o controle da TB no Brasil (2010) 2, 3, 8, 9. Além disso, para adequação do
modelo à descentralização planejada no bairro, foi utilizada a entrevista realizada com a
Coordenadora do PCT municipal no âmbito do estudo “Avaliação do sistema de informação
da tuberculose nos treze municípios de abrangência do Fundo Global Tuberculose Brasil no
Estado do Rio de Janeiro”6. A Figura 1 apresenta o Modelo Lógico do PCT na ESF do bairro
Jardim Catarina. Nesta figura, os insumos e as atividades marcados com um círculo tracejado
referem-se aos pontos falhos do modelo, que serão apresentados e explicitados nos resultados.
Figura 1- Modelo Lógico do PCT descentralizado na ESF de Jardim Catarina. Baseado no
Modelo proposto pelo CDC9. Os círculos tracejados indicam os pontos falhos, que serão
explicitados à diante.
A partir do Modelo Lógico construído, foram elaborados os roteiros de entrevista para
os profissionais das equipes de SF do bairro (20 perguntas), e para a Coordenação regional de
SF (10 perguntas). O trabalho de campo ocorreu entre os meses de setembro e outubro de
2010. Dentre os sujeitos entrevistados encontram-se, além da coordenadora regional de SF de
Jardim Catarina, a coordenadora regional de SF do bairro Rio do Ouro (2º bairro com maior
nº de casos de TB ao ano do município). Optou-se por entrevistar duas coordenadoras a fim
de captar diferentes visões da parte gestora. Os profissionais de saúde entrevistados compõem
equipes de SF do bairro Jardim Catarina, presentes no momento da visita. Quinze
profissionais de 10 equipes foram entrevistados – sete enfermeiros, cinco agentes
comunitários de saúde (ACS) e três técnicos de enfermagem. As entrevistas foram gravadas e
transcritas, com prévia autorização dos participantes que assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. Para a análise do material de campo, foi realizada a
leitura das transcrições, possibilitando a apreensão das idéias centrais e de relevância sobre o
tema, considerando as categorias: atividades do PCT no âmbito das USF, a estrutura das
USF, e percepção dos profissionais de saúde sobre o controle da TB na SF. A partir da
análise destas categorias, foi realizada a contextualização do processo de descentralização do
controle da TB para a ESF no bairro. Após a contextualização, procedeu-se a comparação
entre o Modelo Lógico elaborado, com o que foi encontrado, para avaliar se e o planejado e o
executado estão em harmonia.
Nesta pesquisa, entende-se como incorporar as atividades de Controle da TB, a
maneira como os profissionais de saúde tomam para si a realização destas atividades. Se na
percepção deles desempenhar tais ações corretamente é importante ou não, e se realmente os
profissionais realizam estas atividades.
Os entrevistados cujas falas são citadas foram codificados do seguinte modo: as
Coordenadoras Regionais de SF com as siglas C1 e C2; e os profissionais das equipes com as
iniciais de sua categoria profissional: enfermeiros (E1-E7); técnicos de enfermagem (TE1TE3); agentes comunitários de saúde (ACS1 e ACS2).
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IESC/UFRJ (processo nº
36/2010). Foi também submetido à aprovação da Secretaria Municipal de Saúde/Coordenação
de SF do município de São Gonçalo, bem como da Coordenação do Programa Municipal de
Controle da Tuberculose (processo nº 1333/10).
3.RESULTADOS
1.1.
ATIVIDADES DO PCT NO ÂMBITO DAS USF
No momento do trabalho de campo, São Gonçalo possuía 179 equipes de SF, e
cobertura populacional de 65%. A tabela 1 apresenta a população do município para 2010, a
população cadastrada na ESF e o percentual de cobertura.
O Bairro Jardim Catarina situa-se no 3º Distrito do Município de São Gonçalo
(Monjolos), fazendo divisa com os bairros de Alcântara, Guaxindiba, Laranjal e Santa Luzia.
É dividido em dois setores: Jardim Catarina Velho e Jardim Catarina Novo, sendo este último,
o setor mais urbanizado e com melhor estrutura. Durante o trabalho de campo, o bairro
possuía 17 equipes de SF. Dentre as dez equipes visitadas, o número de pessoas cadastradas
por equipe variava de 3.000 a mais de 6.000. Em 2009, foram registrados no bairro 38 casos
de tuberculose por todas as formas, sendo 36 da forma pulmonar e destes, 23 (63,9%) casos
foram curados10.
Em junho de 2009 teve início a descentralização do controle da TB para a SF em São
Gonçalo, quando foram introduzidos nas unidades os livros de registro relativos à TB.
Segundo as coordenadoras regionais e a do PCT, todas as equipes foram capacitadas para
realizar o atendimento de tuberculose aos casos novos e sem complicações. Os demais casos
são encaminhados para as unidades de referência, com médicos especialistas. A unidade de
referência em TB do bairro Jardim Catarina é o Pólo Sanitário Hélio Cruz, localizado em
Alcântara. Este Pólo de referência é de atenção secundária à saúde, com médicos especialistas
(pneumologistas) para tratar todos os casos de TB, além de possuir laboratório para exames
de baciloscopia.
A figura 2 descreve especificamente como foi planejada a operacionalização das
atividades de controle da TB pelas ESF, no que diz respeito aos mecanismos de coleta de
material (BAAR), obtenção de resultado, provimento de medicamentos, entre outros.
Figura 2 – Esquema da execução do controle da TB pela SF (mecanismos de coleta de amostras,
obtenção de resultados e provimento de medicação, proposta em São Gonçalo).
Apesar das Coordenadoras entrevistadas informarem que todas as equipes eram
capacitadas em TB, observou-se que nas 17 equipes de SF de Jardim Catarina, apenas sete
médicos realizam as consultas de tuberculose. Entre as justificativas, foi apontado que muitos
médicos que trabalham na SF do bairro, não se sentem seguros para atender aos casos de TB
devido à formação especializada. Além disso, nem todos os médicos estão capacitados em
TB, pois uma parcela não comparece às capacitações. Os perfis mais comuns dos médicos que
trabalham na SF do bairro são os recém-formados ou os aposentados, e segundo informação
de um profissional de saúde do município, poucos comparecem às capacitações. Ademais,
não há uma carga horária fixa, ou turnos fixos de trabalho para os médicos da SF, que
organizam seus horários da forma que lhes é conveniente.
Surgindo um Sintomático Respiratório (SR) em uma área onde o médico não tenha
sido capacitado em TB, ou simplesmente não atenda casos de TB, este paciente será
encaminhado ao pólo de referência para ser avaliado. Se for um caso, e concordar, poderá
realizar o tratamento supervisionado (TS) com a equipe de SF da sua área. No entanto, parte
dos pacientes opta por realizar o tratamento inteiramente no pólo de referência. Também foi
relatado que muitos pacientes procuram diretamente o Pólo Sanitário quando apresentam
algum sintoma respiratório, pois preferem realizar o tratamento no Pólo.
São realizadas reuniões mensalmente entre a Coordenação regional e as equipes, bem
como reuniões entre a coordenação de TB e de SF para planejamento conjunto. Quanto à
descentralização do controle da TB para a SF ambas coordenadoras de SF se mostraram
favoráveis, porém a lentidão deste processo foi apontada como um fator negativo: “... acho
que são só coisas boas mesmo, é pra ajudar mesmo... É até mais fácil pra enfermeira e pro
agente...Então é mais fácil pra gente do PSF do que de um posto comum... (C1)”
“... contra, eu acho que é essa questão mesmo da lentidão, a gente tá tentando envolver mais
os profissionais de saúde, é um processo lento (a descentralização (C2)”
Como não são todos os médicos que realizam atendimento de TB no bairro, o fluxo de
atendimento aos casos de TB toma outra conformação, diferente da planejada. A Figura 3
descreve as atividades relacionadas à TB do modo como ocorre nas unidades visitadas, bem
como
o
fluxo
de
atendimento
aos
pacientes.
Figura 3- Fluxograma da execução das atividades de controle da TB nas USF visitadas (bairro Jardim
Catarina, São Gonçalo/RJ, Brasil).
Notou-se que os profissionais das equipes de SF não estão habituados a desenvolver
estas atividades, devido ao fluxo de atendimento desses casos na USF ser muito baixo. É
preciso destacar que, no período de trabalho de campo, em nenhuma das unidades
investigadas havia pacientes tuberculosos em acompanhamento, o que reforça a idéia de que,
na prática a descentralização das atividades de controle da TB para as USF no bairro ainda é
incipiente (em especial por se tratar de unidades situadas no bairro com maior incidência de
TB do município).
1.2.
ESTRUTURA DA USF
Quanto à estrutura das dez unidades visitadas, existem algumas diferenças entre elas.
Três unidades chamaram a atenção pelas boas condições de suas instalações, talvez pelo fato
de serem unidades mistas (posto e USF). Já as outras não apresentavam estrutura física tão
satisfatória, e uma em particular, era bastante precária. Com relação aos recursos humanos, a
escassez e alta rotatividade dos médicos constituem os maiores problemas mencionados. No
bairro estudado, os médicos das equipes de SF não trabalham todos os dias, e nos dias
trabalhados, permanecem na unidade somente meio turno. Das 10 equipes estudadas, apenas
cinco médicos eram capacitados para atender casos de TB, e uma equipe estava sem médico.
Foram observados problemas operacionais, como a falta de insumos no município. A
falta de material, como potes para baciloscopia (BAAR), além de material para uso dos
profissionais (livros de registro), foram apontados por profissionais de equipes, como falhas
que prejudicam este processo de descentralização: “... Por que aí ele vem e a gente faz a
baciloscopia, mas o problema é: material! Às vezes a gente se compromete com o paciente
pra fazer e não tem... Já tem uns trinta dias... (E3)”.
“... E agora tem o DOTS, que foi implantado em São Gonçalo, quer dizer,
ficou de ser implantado... Só que tudo que foi prometido não foi cumprido
em relação ao DOTS... Então veio a proposta, mas a gente não vê
fidelidade deles... Há um ano e pouco que eu estou aqui, eles sabem que eu
não tenho esse livro... Esse curso que teve já tem mais de dois anos... (E7)”
Em algumas circunstâncias, a realização do BAAR depende do próprio paciente
comprar o pote na farmácia, e se ele não puder, o exame não é realizado. Além disso, uma
equipe capacitada não realizava as atividades de controle da TB, alegando não possuir os
livros de registro do PCT.
Com relação à rotina de atendimento à tuberculose, alguns depoimentos evidenciaram
a variação de condutas adotadas, em especial referentes à coleta da baciloscopia,
encaminhamento ao laboratório e entrega dos resultados nas USF. Isso também nos mostra
que talvez a proposta da descentralização do controle da TB para a SF não tenha sido
explicitada adequadamente para as equipes, bem como a operacionalização do planejamento
adotado pelo PCT para a descentralização para a SF. Os pontos em que ocorreram maiores
variações de discursos foram:
4-
Se o paciente deixa amostra de escarro na USF ou se leva direto ao Pólo;
5-
Deixando a amostra na USF, quem leva esta amostra ao laboratório (a coordenação
de SF, o motoboy, ou a enfermeira da equipe)?
6-
Quem pega o resultado (a coordenação de PSF, a enfermeira, o motoboy ou o
paciente)?
Trechos de depoimentos de enfermeiros demonstram com clareza essas variações: “...
vai ter pedido de escarro e Raio-X, vai ser enviado pro Hélio Cruz, ou por motoboy, que a
gente nunca acionou, mas a gente prefere até que a pessoa (paciente) vá levar, que acha até
melhor do que ficar esperando... (E4)”
“... e o próprio agente comunitário pode colher e ligar pro Hélio Cruz, ou pra coordenadora
responsável vir aqui pegar... (E2)”
Também não há uma normatização clara quanto à busca de faltosos. A demora por
parte do Pólo em comunicar à equipe responsável pelo TS o não comparecimento dos
pacientes às consultas realizadas no Pólo, além da demora da equipe em realizar a visita
domiciliar quando o paciente não comparece à consulta feita na USF foi evidenciada. Isto não
deveria acontecer a fim de evitar eventuais abandonos e prejuízos, como a resistência às
drogas e a falência do tratamento. Este fato demonstra pouco comprometimento e
preocupação com os pacientes, o que pode prejudicar a adesão ao tratamento: “Sim... Ele tem
30 dias... Por exemplo, a consulta tá marcada hoje... Tá fazendo 30 dias hoje, aí é
considerado abandono, aí... Vai fazer a busca dele... (E1)”
“Quando (o paciente) falta não, só quando ele tá muito tempo sem ir lá (na consulta no
Pólo)... Não, não é rápido não... (E6)”
1.3.
PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE SOBRE AS ATIVIDADES DE CONTROLE DA TB
Observou-se que as atividades de controle da TB foram pouco incorporadas pelos
profissionais, e que a BSR não é realizada adequadamente pelos ACS. Os profissionais ainda
esperam o paciente procurar atendimento, ao invés captar mais rapidamente os casos
prováveis, como é preconizado pelo MS. Os livros de SR das unidades que o possuíam foram
observados, e notou-se o esquecimento da BSR pelas equipes, pois havia pouquíssimos
registros nos livros, não chegando nem a 20. Além disso, foi encontrado um registro em
aberto, com resultado desconhecido. A amostra deste paciente foi encaminhada ao
laboratório, no Pólo de referência, porém ninguém procurou saber o resultado, nem o Pólo
entrou em contato com a unidade. Se o paciente fosse um caso, estaria sem tratamento e
infectando outras pessoas.
A falta de confiança no trabalho dos ACS, bem como o pouco comprometimento
deles, foi apontada por enfermeiros nas entrevistas: “... Então eu acho que pode até ter
paciente por aí e estar perdido, por eles não estarem passando, que tem que ser uma vez por
mês, mas tem casas que não quiseram cadastro há anos atrás, eles falam „Ah, não vou passar
lá‟... (E7)”
Em relação à percepção dos profissionais entrevistados sobre as atividades de controle
da TB, os discursos foram variados em aspectos positivos e negativos, principalmente em
relação ao Tratamento Supervisionado (TS). Alguns enfermeiros relataram achar que a Saúde
da Família deveria apenas ser um executor da BSR e do TS, e as consultas e acompanhamento
serem realizadas pelo Pólo de referência.
Todos os pacientes que são acompanhados pela SF no município realizam o TS, seja
domiciliar ou na unidade. No entanto, o TS foi apontado como paternalista e não necessário a
todos os casos, somente àqueles em que há extrema necessidade de supervisão como os
psiquiátricos, alcoólatras, idosos, entre outros: “Cada caso é um caso... Não acho necessário
estabelecer aquilo (TS) pra todo mundo... (E5)”
“... Eu acho que essa coisa de supervisão é muito paternalista, (...) só falta a gente tomar o
remédio por ele, eu acho que isso tem que acabar... (E4)”
Quanto à BSR, os profissionais se mostraram favoráveis de um modo geral, como se
pode observar neste depoimento: “E essa questão dos agentes estarem dentro das casas das
pessoas faz com que o PSF tenha um poder de penetração muito maior dentro da comunidade
do que um lugar separado... (E5)”
Apesar da percepção por parte dos profissionais da importância da ESF estar mais
próxima da população, o Pólo sanitário foi apontado como sendo melhor para o tratamento da
TB, justamente por possuir mais estrutura: “... Eu acho que algumas coisas são mais fáceis de
acesso e resolutividade no Pólo (...). E no PSF é muito complicado, por que as coisas são
meio soltas... (E5)”
Apesar disso, os discursos foram favoráveis ao TS e à BSR em grande parte,
demonstrando que aparentemente os profissionais compreenderam a importância do
tratamento de tuberculose estar mais próximo da população por meio da supervisão feita pelas
equipes, e que isto contribui para diminuir o abandono do tratamento: “E aqui o contato é
maior, até mesmo com a família do paciente, e lá eles não tem essa proximidade com o
paciente (no Pólo)... (TE3)”.
Mesmo assim, observou-se que apesar dessa compreensão, o controle da tuberculose
na SF não constitui uma prioridade, ficando em segundo plano em relação às demais ações
realizadas nas USF. Por possuir uma demanda menor de atendimento aos casos de TB, as
equipes acabam preocupando-se mais com as outras áreas programáticas de sua
responsabilidade, e que possuem um fluxo de atendimento muito maior (hipertensão, diabetes,
saúde da mulher, do idoso, etc.), em detrimento das ações de controle da tuberculose.
A sobrecarga de trabalho dos profissionais das equipes também contribui para a
lentidão do processo de descentralização do controle da TB para a SF. Depoimentos
demonstraram essa sobrecarga de trabalho, e em decorrência, os profissionais expressam uma
visão contrária quando questionados sobre a Saúde da Família assumir o controle da TB:
“Não! Até por que a gente tem muitas outras atividades, então não tem como o PSF assumir
(controle da TB), tem que auxiliar o pólo... Agora, a gente ficar responsável por tudo fica
complicado... (E6)”.
A insatisfação profissional gerada pela baixa remuneração e más condições de
trabalho também foi apontada podendo contribuir muito para o pouco comprometimento
profissional:
“Por falta de tudo... É a falta de um lugar adequado... A falta de material...
A falta de dinheiro! O agente comunitário sabe que em outros lugares
ganha-se muito mais... São muitos anos enfermeiro, médico e auxiliar sem
aumento... Então eu acho que a insatisfação faz com que eles (ACS) não
corram atrás, nadar, nadar, nadar e morrer na praia... É muita proposta,
mas a gente vê pouca solução... Eu acho que os agentes comunitários estão
muito desestimulados... (E7)”
Além disso, foi relatado por uma enfermeira, que muitos profissionais se sentem
desvalorizados e desestimulados por possuírem vínculos trabalhistas precários, o que favorece
à falta de comprometimento profissional, bem como a rotatividade deles entre os municípios
em busca de melhores salários.
1.4.
MODELO LÓGICO: O QUE FOI PLANEJADO FOI CUMPRIDO NO BAIRRO?
A partir dos resultados encontrados, pôde-se realizar uma análise com base no Modelo
Lógico do PCT na ESF proposta no bairro, e avaliar se o que foi planejado está ocorrendo.
A começar pelos componentes da estrutura do Modelo Lógico, podemos observar falta
de estrutura adequada para que a descentralização das atividades de controle da TB ocorra
definitivamente. A falta de estrutura física (em menor grau), insumos necessários, recursos
humanos e rotina de atendimento bem definidos, acabam por comprometer os outros
componentes do Modelo Lógico (processo e resultados). Esta precariedade de estrutura
decorre de falha nos mecanismos gestão, e embora pareça que há uma integração muito boa
entre as coordenações envolvidas no processo de descentralização, essas falhas permanecem.
Em relação aos componentes de processo do Modelo Lógico, se observa falha no
componente “capacitação das ESF”, pois nem todos os médicos das equipes comparecem às
capacitações. Quanto à BSR, observou-se que esta busca não é feita adequadamente, e que os
profissionais esperam que o paciente sintomático procure atendimento, e não o captam
precocemente, como é preconizado pelo MS. Este fato compromete todos os outros
componentes das atividades do Modelo Lógico, pois não há detecção precoce de situações de
risco, diagnóstico precoce, e acompanhamento desse paciente, se ele não for detectado pela
BSR. Além disso, os relatos quanto às atividades educativas relacionadas à TB junto à
comunidade revelaram que estas são realizadas com baixa freqüência, como todas as
atividades relativas à TB (no período do trabalho de campo não havia nenhum paciente com
tuberculose em acompanhamento nas unidades investigadas).
Em relação aos produtos do processo no Modelo Lógico, também ocorre prejuízo, pois
se as atividades estão comprometidas, os produtos conseqüentemente estarão comprometidos.
Quanto aos resultados, embora prejudicados, ainda sim pode haver melhoria do acesso à rede,
melhoria do vínculo e redução do abandono devido à SF estar mais próxima da população,
sendo mais uma porta de entrada para esse paciente, e devido ao TS também estar mais
próximo, através dos ACS. A figura 1 traz os componentes do Modelo Lógico assinalados
com círculo tracejado, que não condizem com a realidade encontrada. Figura 1
2. DISCUSSÃO
Apesar das possíveis vantagens da ESF, estudos apontam algumas fragilidades
encontradas pelos profissionais de saúde que podem prejudicar a operacionalização das
atividades, e assim dificultar o processo de descentralização do controle da TB para a Saúde
da Família (SF). Dentre estas fragilidades destacam-se as mesmas observadas neste estudo,
como a sobrecarga de trabalho, a falta de recursos humanos e a visão fragmentada e
centralizada destes profissionais envolvidos com as tarefas de controle da TB, podendo assim
comprometer a integralidade da assistência à saúde e o vínculo com o paciente8, 11,12,13, 14.
Além disso, aspectos observados como o baixo número de sintomáticos respiratórios
examinados, dificuldades de operacionalização das ações planejadas e a alta rotatividade de
profissionais, também foram mencionados em estudos anteriores, e dificultam o processo de
descentralização do controle da TB tanto para ESF, quanto na atenção básica como um todo8,
15,16,17, 18
. A questão da BSR não ser realizada adequadamente nas equipes visitadas foi
observada, pois não seria possível que equipes que acompanham em média 4.500 pessoas, não
tenham sequer 20 registros nos livros, a não ser que a BSR não seja feita. Segundo o MS2, o
número de SR estimados de uma população é igual a 1% desta população, ou seja, uma das
equipes visitadas, que possui uma população de 5336 pessoas cadastradas, deveria ter pelo
menos 53 registros no livro de SR, e não somente 4 registros, como foi observado.
O fato de nem todas as equipes possuírem médicos, e nem todos os médicos
atenderem casos de TB, pode induzir os profissionais a preferir que o atendimento médico
seja sempre realizado no Pólo de referência, como já ocorre em algumas unidades, a fim de
reduzir um pouco a sobrecarga de trabalho.
Esses aspectos identificados demonstram que a descentralização do controle da TB
para a SF é um processo complexo, que envolve muitos fatores. É de extrema importância que
as equipes assumam realmente o controle da TB, e não considerem que a Saúde da Família
deva apenas ser um executor da BSR e do TS. Porém, a falta de estrutura e o fato dos médicos
das equipes não estarem nas unidades todos os dias são fatores que prejudicam
profundamente este processo de descentralização e incorporação.
Outro ponto em comum entre estudos analisados e os resultados apresentados, é a
visão centralizadora dos profissionais das equipes em relação às atividades de controle da TB,
manifestada pela preferência de que o tratamento dos casos seja feito pelas unidades de
referência e que as equipes sejam apenas executoras da BSR e TS
10, 11, 12, 13
. No entanto, a
sobrecarga de trabalho por falta de estrutura e planejamento adequados, a escassez e a
rotatividade de médicos na ESF, pode justificar essa visão.
Estudo de Medeiros et al (2010)19, analisou as causas do índice de rotatividade de
enfermeiros e médicos das ESF de municípios do RS, e mostrou uma tendência crescente na
rotatividade dos médicos e estabilização de enfermeiros. Como principais causas dessa
rotatividade foram apontados pelo autor a precarização dos vínculos trabalhistas, a
fragmentação da formação acadêmica desses profissionais, o estilo de gestão autoritário,
ausência de vínculo com a comunidade e más condições de trabalho. Alguns destes fatores
também foram observados e apontados nas entrevistas dos profissionais das ESF de São
Gonçalo. Para a autora ainda, a legislação do SUS contribui para a falta de estabilidade dos
profissionais das ESF, ao não definir parâmetros de remuneração dos profissionais das ESF,
nem tão pouco mecanismos de estabilidade, deixando à cargo das prefeituras municipais a
contratação de profissionais, e apenas recomendando a realização de concursos públicos18. A
variação de remuneração entre os municípios fomenta a migração dos profissionais de um
local de trabalho para outro em busca de melhores salários. Além disso, muitos profissionais
são contratados por indicação política.
Entre outros fatores que interferem na ESF de um modo geral, podemos mencionar a
formação acadêmica dos profissionais de saúde e os aspectos culturais presentes na
população. A base cultural da população é médico-centrada e curativa, como foi apontado por
uma enfermeira entrevistada. É neste pensamento dos pacientes que a ESF deve atuar através
da educação em saúde, mas muitas vezes, os profissionais não sabem como agir, por não
terem sido instrumentalizados durante a graduação20.
Um fator que chamou atenção em relação aos pontos falhos do Modelo Lógico (Figura
1) é o fato de que os componentes das atividades que não foram assinalados com círculo são
justamente as atividades que eram desenvolvidas pela SF antes da descentralização do PCT na
ESF (TS e visitas domiciliares). Isso demonstra que a descentralização de fato não ocorreu no
bairro estudado, apesar da tentativa.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de descentralização do controle da TB para a Saúde da Família é um
processo muito complexo e que envolve muitos fatores, tanto estruturais como
organizacionais, e sendo assim, necessita que um município possua estrutura adequada, assim
como planejamento minucioso para a realização do controle da TB de forma pertinente pelas
ESF. É necessário que a operacionalização da rotina de atendimento programada no bairro
seja bem estabelecida e planejada, para que não ocorram dificuldades no momento de se pôr
em prática, e assim potencializar o processo de descentralização das atividades de controle da
tuberculose para a ESF.
Os problemas evidenciados nesta pesquisa demonstram que o processo de
descentralização do controle da TB no bairro estudado ainda é incipiente, caminhando em
passos lentos. Porém deve-se considerar o período de tempo desde o começo da
descentralização do controle da TB para a ESF no município, até o período de trabalho de
campo, que é de pouco mais de um ano. Sendo assim, conclui-se que bairro ainda está em fase
inicial de descentralização, sofrendo ajustes, portanto sugere-se a realização de estudos
posteriores.
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Nacional de DST e AIDS. Manual da oficina de capacitação em avaliação com foco na
melhoria do programa. Brasília, 2007. 112 p.
10
RIO DE JANEIRO. Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil. Programa Estadual
de Controle da Tuberculose. Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Dados
coletados em abril de 2011.
11
FIGUEIREDO, T. M. R. M. et al. Desempenho da atenção básica no controle da
tuberculose. Revista de Saúde Pública, v. 43, n. 5. 2009.
12
MONROE, A. A. et al. Envolvimento de equipes da atenção básica à saúde no
controle da tuberculose. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 42, n. 2, p. 262-267.
2008.
13
OLIVEIRA, S. A. C. et al. Serviços de saúde no controle da tuberculose: enfoque na
família e orientação para a comunidade. Revista Latino-americana de Enfermagem, v. 17, n. 3.
maio-jun. 2009.
14
MARCOLINO, A. B. L. et al. Avaliação do acesso às ações de controle da
tuberculose no contexto das equipes de saúde da família de Bayeux- PB. Revista Brasileira de
Epidemiologia, v. 12, n. 2, p. 144-157. 2009.
15
FFIGUEIREDO, T. M. R. M. et al. Desempenho da atenção básica no controle da
tuberculose. Revista de Saúde Pública, v. 43, n. 5. 2009.
16
MONROE, A. A. et al. Envolvimento de equipes da atenção básica à saúde no
controle da tuberculose. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 42, n. 2, p. 262-267.
2008.
17
OLIVEIRA, S. A. C. et al. Serviços de saúde no controle da tuberculose: enfoque na
família e orientação para a comunidade. Revista Latino-americana de Enfermagem, v. 17, n. 3.
maio-jun. 2009.
18
MARCOLINO, A. B. L. et al. Avaliação do acesso às ações de controle da
tuberculose no contexto das equipes de saúde da família de Bayeux- PB. Revista Brasileira de
Epidemiologia, v. 12, n. 2, p. 144-157. 2009.
19
MEDEIROS, C. G. R. et al. A rotatividade de enfermeiros e médicos: um impasse na
implementação da Estratégia de Saúde da Família. Ciência e Saúde Coletiva, v. 15, Supl. 1, p.
1521-1531. 2010.
20
BESEN, C. B. et al. A estratégia saúde da família como objeto de educação em saúde.
Saúde e Sociedade, v. 16, n. 1, p. 57-68. jan./abr. 2007.
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Integração entre a Estratégia de Saúde da Família e o Programa de