A LEXICOWGIA E A FORMAC;AO SOCIO-eULTURAL DO CAFE DA CIVILIZAC;AO Marcilene Rodrigues PEREIRA (PUC/SP) ABSTRACJ': This paper discusses one passage that is part of one ample research whose theme is "The Lexicology and the Cojfe's Civilization".We objective to understand and to overlap knowledge of Antropology, with the socials and culturals knowledge to situate one human type whide constituted and/or built the called "Cojfe's Civilization". KEY WORDS: Lexicology, world view and civilization process Esta comunic~o trata de om estudo fundamentado na EtnolingUfstica, na Antropologia e na Lexicologia e objetiva verificar em que medida 0 lexico atualizado em textos literarios e hist6ricos do inicio do seculo XX, tematizando a chamada "Civil~o do Cafe" 1, responde pela reconstituicao desse periodo da Hist6ria do Brasil no Vale do Parafba e, ao mesmo tempo, e marca do conhecimento especifico dessa fo~o s6cio-cultural. Partimos do principio de que lingua, sociedade e cultura do indissociaveis e procuramos encontrar as marcas desta unidade no lexico especifico de uma fo~o s6cio-cultural, compreendido, conforme a professora Barbosa (1981),como 0 modo que cada grupo s6cio-cultural depreende e organiza a substAncia semintica comom a todos os grupos. Somamos a isto, entretanto, 0 pressuposto antropo16gico de que 0 surgimento de uma formacao s6cio-cultural depende de processos civilizat6rios e responde a aplicaCao de diversas revolucoes tecno16gicas. Segundo Coseriu ( 1980), a EtnolingUfstica corresponde 0 estudo dos fatos de uma lingua motivados pelos conhecimentos particulares, ou, "saberes acerca das coisas" como crencas , ideias, concepeoes e ideologias. Especificamente, por exemplo, "de que modo uma determinada organizacao lexica corresponde a om tipo determinado de experiencia e conhecimento intuitivo do real." Atraves deste pensamento verifica-se que EtnolingUfstica , Lexicologia e Lexicografia p~o 142 1 Designa~ dada a urn perlodo da Hist6ria do Brasil em que a monocultura cafeeira monopolizou a ecoD6micado pais. interpenetram-se , sendo que para demonstrai·· a relacao existente entre lingua e realidade cultural, 0 lexica e 0 lugar privilegiado. Confonne Barbosa (1981)"0 lexico eo reflexo do universo das coisas, das modalidades do pensamento, do movimento do Mundo e da sociedade", e nele, portanto, que se investem os novos saberes sobre 0 Mundo. Importa dizer, no entanto, que os saberres mo 810 aleat6rios e surgem conforme uma ordem de imperativos e , fundamentalImmte, segundo a suces810 de revoluc6es teeno16gicas aplicadas a diferentes setores produtivos. Quem nos informa sobre a aquisi~o dos saberes e seu surgimento 6 a Antropologia, observando 0 modo de org~ao do homem no Mundo desde os prim6rdios da civiliza~ humana. Assim, a Etnolingiiistica, a Lexicologia , Lexicografia e Antropologia nos dao os fundamentos para analisar diversos tipos humanos da formacao s6cio-cultural denominada Civiliza~o do Cafe. Como tipo humano estamos considerando, adotando uma tipologia de papeis antropo-s6cio-culturais, os representantes de diferentes estigios civilizat6rios dentro do cicIo cafeeiro em Sao Paulo, a saber, 0 fazendeiro, 0 europeu e 0 grileiro. A tensao entre estes tipos humanos e seus "fazeres transformadores" parece constituir a tipicalidade desta civiliza~o ~ .flexibiliza diferentes visoes de DtandudentrQ-de \lJlla conjuntura cujo relevo e dado na economia da monocultura do cafe. Em 1968 Darcy Ribeiro escreve 0 Processo CivIIizat6rlo onde substituia compreensio corrente de evol~ como a sucessio de etapas fixaas e necessarias por uma perspectiva mais ampla e matizada que reconhece 0 progresso e 0 atraso como movim.entosnecessarios da dial6tica da evolu~o. 0 antroop6logo concebe a evolucao c6cio-cultural como "0 movimento hist6rico de mudancas dOS modos de ser e de viver dos grupos humanos, desencadeado pelo impacto de sucessivas revolUc6es teeno16gicassobre sociedades concretas, tendentes a conduzi-las a outras, ou de uma a outra fo~ s6cio-cultural" .Assim, 6 principio basilar de sua teoria o. da suces81p de revolUc6es teeno16gicas como elemento orientador do desenvolvimento das sociedades e das culturas. Para Ribeiro ( 1968), a certas transformacoes no equipamento humano de acao sobre a natureza correspondem alteracoes no modo de ser das sociedades, ou seja, "ao desencadeamento de cada revol~o tecno16gica, ou proporcao de seus efeitos sobree contextos s6cio-culturais distintos, atraves dos processos civilizat6rios, tende a corresponder a emergencia de novas formacOes s6ciaculturais."Atraves das revolUc6es tecno16gicas os homens passam da condi~o de coletores a de organizadores e provedores da pr6pria subsistencia. Assim, alteracOes teeno16gicas correspondem a mudancas civilizat6rias que 810 responsaveis por alteracOes nas formacoes s6cio--culturaisque redundam em novas visoes de Mundo. As novas visQes de Mundo sio marcadas no lexico, atraves do investimento semantico, estabelecendo concretamente a relacao existente entre .lfngua e cultura. Maria Aparecida Barbosa (1981)afirma que existe um continuo nascer de signos na lingua pois que respondem as necessidades criadas por uma nova si~ social, "6 um pr~so simultineo as novas descobertas cientfficas, com 0 progresso tecnico e industrial, e modificac6es da vida social, com novas maneiras de pensar e apreender 0 mundo." &fun, 0 lexico e 0 lugar privilegiado de manifestaeAo da ideologia, do movimento do Mundo e da sociedade e da dinAmica do pensamento humano. Para Bernard Pottier (1978), enquanto unidade do sistema, alexia e 0 resultado da formal~o ling(Ustica da lexe: amaIgama de semas conceptuais signifeitos pelo homem a partir das mediatiza¢es com o(s) universo(s) ou com os demais homens. Este "signifazer"compreende 0 saber recortar o(s) mundo(s) pela visao do grupo, motivo porque a .lexia e antropo-s6cio-ling(Ustica-eulturale ideol6gica. Compreende Pottier que, neste sentido, alexia e uma unidade de uma comunidade, uma virtualidade cuja pot~ncia sempre a possibilidadCde estar designando novos recortes que, ainda que sejam individuais, trazem as marcas dos social. Exemplificando as afmna¢es anteriores serAo transcritos trecho de textos literarios e hist6ricos em que a seletividade lexical dos autores confirme a inse~Ao'de urn tipo humano em uma determinada fo~io s6cio-cultural , com a visAode mundo resultante da etapa em que est! inserido. 0 tipo em questao e 0 fazendeiro valeparaibano assim designado por Monteiro Lobato ou 0 lavrador no dizer dos textos hist6ricos. E aquele que por DAopossuir e Dio se adaptar a conhecimentos tecnol6gicos av~ados perde sua riqueza no momento da superprodu~o cafeeira no Brasil e tambem de esgotamento do solo do Vale do Parafba. 0 ocaso da cafeicultura no Vale do Parafba, utilizanc1o-nosdo vies da Antropologia, acontece pelo modo de ser e proceder do homem da regiio que ainda pratica uma agricultura presa as informacoes do que Ribeiro (1968) chama de Aldeias Agricolas Ind.iferenciadas, Dio sendo capaz de redimensionar sua visio de mundo para chegar a Revolu~o Urbana. e Fragmento 1, retirado do conto'Cafe, Cafe' - Cidades Mortas: "Todo ele rescendia a passado e rotina. Na cabeca ja branca habitavam ideias de pedra. Com essas' famnias de caboclos que vegetam ao pe dos morros numa casa de palha, cercada de taquara, com urn terreirinho, moerida e 0 chiqueiro e toda a imensidade azul e verde das serras e dos ceus a insula-Iasda civil~o, assim a cabeca do major. As primeiras ideias que ali abicaram, e isso ja de sessema anos, nas remotas eras' do be-aha na escola Ganimedes, meteram a foice na capoeira, fincaram os paus da cerca, aprumaram os esteios da morada, cobriram-na de sape; e lentamente, a medida que vinham entrando, compelidas pela vara de mann.elo e a rija palmatoria do feroz pedagogo, foram erigindo a casa mental do nossoheroi. Depois, no comeyo da vida pratica, como administrador da fazenda paterna, novas ideias e novos conhecimentos, fllhos da experiencia, tiveram guarida na ch~a daquele cerebro, acrescendo-o de mais uns puxados ou telheirinhos. Juizos sobre 0 governo, aprecia¢es sobre Suas Majestades, coneeitos transmitidos por pais de familia e coroneis da Guarda Naciorial, ideias religiosas embutidas pelo rolico padrePimenta, oraculo da familia, receitas para quebrantos, a trenzama toda moral e intelectual da sua psiquica de matuto ricayo, por ta se arrumou com 0 tempo, apesar do acanbamento da ch~ e das dependendias. Para 0 chiqueirinho foram as anedoras frescas e as chalayas pesadas aprendidas na botica do Uca Pirula. E ficou nisso 0 meu major; se uma ideiazita nova voava para ele, batia de peito em seus ouvidos moucos, como rolinhas em paredes caiadas, caindo mortas no chao; ou como borboletas em casa aberta, entrava por uma orelha e sma por outra. Picou naquilo 0 major Mimbuia, uma pedra, urn.verdadeiro monolitoque sOcuidava de colher cafe, de secar cafe, de beber cafe, de adorar 0 cafe. " o fragmento acima, caracterizador do tipo humano fazendeiro valeparaibano, de superestrutura descritiva, desenvolve em uma linha de progressio temporal a individua~10 da personagem, de toda a "trenzama moral e intelectual da sua psiquica de matuto ric~o". 0 recorte dado no continuo da existencia do Major Mimbuia pelo fragmento de texto destaeado vai do - acurn.ulativoao + acurn.ulativo, isto porque, pelo investimento semintico-conceitual das lexias do texto percebemos que nio houve flexibilidade na aquisi~o de conhecimentos, mas sim urn. acUmulo destes atraves do tempo, 0 que, analogicamente, nos mostra 0 autor, por meio da imagem das etapas de constru~o de uma ch~a: tl( ch~a) "meteram a foice na capoeira , fmcaram os paus da cerca, aprumaram os esteios da morada, cobriram-na de sape" - tl(psiquica) "as primeiras ideias que ali abicaram, e isso ja de sessenta anos, nas remotas eras do be-:aba "; t2(ch~a) "acrescendo-o de mais uns puxados ou telheirinhos"· t2(psiquica) "depois , no come~ da vida pratica, como administrador da fazenda paterna, novas ideias e novos conhecimentos, filhos da experiencia, tiveram guarida na ch~a daquele cerebro". No fmal do fragmento, 0 autor utiliza de modo avaliativo, lexias como monolito e pedra, refor~ando 0 investimento conceitual de esta~o, ja deixado claro pelas formas "ficou nisso" - "ficou naquilo". A ideia de endurecimento, de nioflexibilidade, de esta~o aparece no inicio e no final do fragmento por: "passado e rotina" - "urn. verdadeiro monolito". Para monolito, enquanto lexia dicionarizada, encontramos em Buarque de Holanda ( ) que e uma pedra de grandes dimensOCsou uma obra ou monurn.enetofeito de urn. s6 bloco de.pedra. A expansao da desi~ corresponde, portanto, ao conceito de esta~ que deseja dar Monteiro Lobato. Formado por urn.Unico bloco de conhecimentos, 0 fazendeiro nio os desdobrou, ou, segundo a Antropologia, nio adquiriu processos civilizat6rios posteriores, levando sua linha de aquisi~o de conhecimentos a uma inte~ brusca. Fragmento 2 - retirado do texto A fazenda de Cafe - A Civil~o do Cafe: "A principio, 0 lavrador plantou em lugares errados, sujeitos a vento e a umidade, ou em terrenos exauridos, hi mais de meio seculo, aproveitados para canaviais. Depois que descobriu as fraldas da Mantiqueira ou as ondulacoes da Quebra Cangalha, desmatando-as, queimando-as, ainda que, com grande desperdicio de materia orginica, destoeando os terrenos, pra neles enfileirar, nos covoes, as mudinhas de cafe, verificou que a terra, sendo novo, esquecia os maltratos e retriblilil, prodigamente dentro de quatro anas, em frutos verdes que encerejavam. " o texto hist6rico situa 0 lavrador em dois tempos: T1 "a principio plantou em lugares errados" - T2 "depois descobriu as fraldas da mantiqueira". 0 primeiro tempo e avaliado como negativo porque a configur~o natural do terreno e das condi¢es climiticas eram desfavoraveis ao desenvolvimento da cultura cafeeira. Encontrado 0 terreno ideal posteriormente, nio e mais a configur~o natural urn. empecilho. No entanto, e agora 0 modo de proceder, 0 fazer transformador do lavrador que ocasionara 0 esgotamento do solo destinado a planta~lo. Lexicalizados por "queimando-as, desmatando-as", percebemos os recortes da ~o humana dadas em um contfnuo que pressupOedois tempo: I. Queimar: ...•. ± _ cobertura vegetal natural cob. veg. Nat. 2. Desmatar:...• ± vege~o _ natural veg. Natural Pelas investimento lingiifstico e semintico no texto hist6rico percebemos que tambem 0 historiador enquadra 0 fazendeiro ou lavrador em uma etapa civilizat6ria que nio permite 0 progresso continuado, pois que sua pratica de agricultura Ilio pressupOe, no tempo em questio, tecnicas capazes de solucionar 0 problema do esgotamento da terra. Concluindo, verificamos que tanto 0 texto hist6rico quanto 0 texto Iiterano, lexicalizam 0 modo de ser e proceder de um determinado tipo humano - fazendeiro valeparaibano ou lavrador- e assim, 0 incluem em etapa civilizat6ria anterior a da Revol~o Urbana, motivo pelo qual 0 tipo em questio Ilio consegira ultrapassar os obstaculos naturais e comerciais A monocultura cafeeira do final do seculo XIX e infcio do seculo XX na regilo do Vale do Parll1'bano estado de Slo Paulo. Enfun, Ilio s6 a compreensio do destino econOmicoda regiio pode ser encontrado nas lexias do texto, mas tambem toda a dinimica de visAode mundo do homem regional que Ilio considerava 0 futuro como tempo a ser preparado para um maior progresso e sim ,que sua a~ no presente, ainda que desordenada, seria a Unica responsavel por sua riqueza ou pobreza; 0 que nos e claramente mostrado pela seqilCncia do texto litermo: "uma pedra, um verdadeiro monolito que s6 cuidade de colher cafe, de secar cafe, de beber cafe, de adorar 0 cafe. " RESUMO:Esta comunica¢o trala de um recorte dado em uma pesquisa mais ampla cujo tema e "0 Uxico e a Civilizapio do Cafe"e que estd sendo fundamentada por pressupostos teoricos da Etnolingilfstica, da Analise do Discurso e da Lexicologia. Objetiva-se compreeruJer e embricar conhecimentos anlropo-socio-culturais para situar um tipo humano que constituiu elou construiu a chamoda "Civilizllfilo do Cafe"· PALAVRAS-CHAVE: Lexico, visilo de mundo e processos civilizat6rios. HOLLANDA FERREIRA,A.B. (1986).Novo Dicion4rio do Ungua Portugutsa. Nova Editora. MONTEIRO LOBATO, J. B. (1951). Cidodes Monas. Sio Paulo. BmilitDse. MOTTA, ALVES, S.( 1968 ). .If Civilizafdo do CaP Sio Paulo: BmiIiensc. POTTIER, B. Lingfstica Gera1: Teoria e Descri~do.Rio de Janeiro: Preselll,;a, Universidade Santa Ursula.