VITÓRIA, ES, DOMINGO, 26 DE JANEIRO DE 2014 ATRIBUNA 35 Economia ARQUIVO/AT — 12/12/2012 E-MAIL E CELULAR Monitoramento deve ser avisado aos funcionários N ão há no Brasil uma lei que estabeleça parâmetros para o monitoramento de ferramentas de trabalho utilizadas pelos empregados, mas a Justiça do Trabalho tem considerado que é direito dos empregadores monitorar e-mail, computador e celular corporativos. Para evitar problemas para empresas e empregados, advogados e juízes são unânimes ao afirmar a importância de os profissionais serem informados previamente de que estão sob vigilância. “O ideal é que os empregados sejam comunicados previamente sobre a prática de monitoramento. De preferência, essa informação deve constar no contrato, termos ou normativos”, explicou o advogado especializado em Direito do Trabalho José Carlos Rizk Filho. O juiz do Trabalho substituto, que atua na 3ª Vara do Trabalho de Vitória, Alvino Marchiori Junior, destaca que não há uma legislação específica sobre o tema. “Mas, a partir dos casos julgados, já se permite fazer uma linha de jurisprudência de que e-mail e celulares corporativos fornecidos pelos empregador são ferramentas de trabalho e que a empresa pode verificar se elas estão sendo utilizadas para esse fim”, destaca Marchiori. Essa ideia também ganha respaldo no fato de a empresa poder ser responsabilizada judicialmente, caso o empregado faça uso indevido da ferramenta, acrescenta o juiz titular da 3ª Vara do Trabalho de Vitória, Marcelo Tolomei Teixeira. É o caso, por exemplo, de o e-mail corporativo ser usado para disseminar conteúdos ofensivos. Mas o titular da 8ª Vara do Trabalho de Vitória, Ney Pimenta, faz uma ressalva sobre o direito do empregador: “Se os e-mails e celulares forem fornecidos pelas empresas como ferramentas de trabalho e isso estiver devidamente esclarecido ao trabalhador, o monitoramento é aceitável. Mas se forem recompensas pelo trabalho executado, ainda que as usem para solucionar assuntos corporativos, não pode haver monitoramento.” Já o e-mail pessoal não pode ser vigiado, podendo caracterizar invasão de privacidade, alertam os magistrados. “É importante que os profissionais saibam que estão sendo vigiados para evitar tratar de assuntos pessoais no trabalho”, reforça o juiz da 10ª Vara do Trabalho de Vitória, Luís Cláudio Branco. ENTENDA Legislação > NÃO HÁ NO BRASIL legislação espe- cífica sobre o monitoramento de ferramentas utilizadas pelos empregados, como e-mail, computador e celular corporativos. Decisões > PORÉM, tem prevalecido nas deci- sões dos tribunais trabalhistas o entendimento de que a empresa pode fiscalizar as informações enviadas e recebidas por meios desses equipamentos, desde que os recursos sejam fornecidos pelo empregador, como ferramenta de trabalho. Privacidade > NO ENTANTO, vigiar o e-mail pessoal dos empregados pode ser interpretado pela Justiça como invasão de privacidade e violação de correspondência, direitos previstos na Constituição Federal. Termos > PARA QUE OS PROFISSIONAIS consi- gam evitar expor informações sobre a vida pessoal no ambiente de trabalho e a conduta das empresas não seja questionada na Justiça, a orientação é que os empregados sejam comunicados previamente sobre a prática de monitoramento e que a informação conste em contrato, termos ou normativos. Prática > NOS ESTADOS UNIDOS, já é comum que o empregado, no ato de sua admissão, assine um termo pelo qual se declara ciente de que a empresa tem o poder de, sem aviso prévio, monitorar suas ligações telefônicas e mensagens enviadas ou recebidas pelo correio eletrônico. Fontes: Juízes e advogados especializados em Direito do Trabalho citados. LUÍS CLÁUDIO e outros juízes alertam: e-mail pessoal não pode ser vigiado Empresas são investigadas Embora nos tribunais prevaleçam as decisões judiciais que não consideram o monitoramento de informações invasão de privacidade quando a ferramenta vigiada foi fornecida pelo empregador, o Ministério Público do Trabalho no Espírito Santo (MPT/ES) está investigando a conduta de empresas para evitar abusos. Três inquéritos civis foram instaurados em 2013 sobre o tema pelo órgão. “O objetivo é apurar se os empregadores denunciados se ex- Celular antiespionagem é criado Enquanto algumas empresas de tecnologia se dedicam a desenvolver programas para rastrear e vigiar computadores e celulares, outras indústrias se empenham em criar aparelhos antiespionagem. Entre as novidades que vão chegar ao mercado com essa finalidade estão o smartphone Blackphone e um dispositivo da McAfee capaz de bloquear qualquer tentativa de fiscalização digital. No próximo mês, será lançado o celular que promete ser à prova de bisbilhotagem. Segundo o fabricante do Blackphone, os usuários vão poder fazer ligações, trocar mensagens de texto, compartilhar e armazenar arquivos e se comunicar com outras pessoas por vídeo a partir de uma rede segura. O aparelho vai rodar uma versão personalizada do Android, sistema operacional do Google chamado PrivatOS. O Blackphone foi desenvolvido pelo programador americano Phil Zimmerman, o mesmo que em 1991 criou o sistema de criptografia chamado PGP, considerado um dos mais seguros e populares do mundo. Já o criador do antivírus McAfee, John McAfee, informou que está desenvolvendo um aparelho que poderá bloquear qualquer tipo de espionagem em computadores. O produto, ainda sem nome, que criará uma rede privada inacessível para invasores, deve ser comercializado por menos de US$ 100 (cerca de R$ 240). O público-alvo que os criadores das duas ferramentas querem atingir é bem abrangente, já que não é só no meio corporativo que as mensagens costumam ser “vasculhadas”. Nem mesmo religiosos e líderes políticos estão livres de terem suas conversas espionadas, como denunciou recentemente o ex-técnico da inteligência americana Edward Snowden. Documentos entregues por ele indicam que o Papa Francisco e a presidente Dilma Rousseff estão entre as personalidades que tiveram conversas telefônicas interceptadas pela Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA). Além disso, há a suspeita de que o órgão americano possa ter implantado programas de vigilância em quase 100 mil computadores no mundo. DIVULGAÇÃO BLACKPHONE permitirá fazer ligações, trocar mensagens e compartilhar arquivos a partir de uma rede segura CAROLINA: normatização interna cederam na forma como realizaram o monitoramento sobre os emails e acesso à internet pelos empregados”, conta a procuradora do Trabalho, Carolina De Prá Camporez Buarque. Ela explicou que as investigações estão na fase de colheita das provas necessárias, que poderão comprovar ou não os fatos. A procuradora acrescenta que empregadores que violam as regras de proteção à intimidade e à vida privada dos seus empregados estão sujeitos a serem obrigados a indenizar o dano causado, individualmente, a cada empregado lesado, e coletivamente. “O empregador não pode agir às escondidas. É imprescindível que o empregado saiba que pode estar sob monitoramento, que ele conheça previamente as regras. A normatização interna da empresa é um importante instrumento para auxiliar patrão e empregado a conhecerem os limites de como proceder”, enfatizou. ANÁLISE Legislação não é capaz de garantir direito à privacidade “A questão da privacidade na rede, ainda que não seja um tema novo, é um dos pontos mais sensíveis nos debates que envolvem direito e internet. Napoleão Bonaparte costumava dizer que, para dominar o homem, apenas era preciso descobrir seus 'medos e desejos'. Ao meditar um pouco sobre isso, acaba-se por perceber que buscadores, como o Google Search, trabalham justamente sob essa lógica: diariamente, milhões de indivíduos usam os motores de busca para encontrar assuntos de interesse e soluções para seus medos. O problema está no fato de que essas informações de busca são Bruno Costa Teixeira, professor de Direito Digital na FDV registradas em bancos informáticos, configurando um sem igual conjunto de dados sobre o comportamento das pessoas, cujo valor comercial é inestimável. Ainda que a privacidade tenha caráter de direito fundamental previsto na Constituição Federal, a legislação infraconstitucional, vaga e insuficiente, não é capaz de garantir tal direito aos cidadãos. Mas essa vigilância não está restrita à vida pessoal. Cada vez mais, as empresas têm monitorado também os seus empregados como forma de conhecer os seus hábitos, evitar prejuízos e se resguardar juridicamente.”