1 CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE ­ FAC CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL ANA WLÁDIA TEMÓTEO DE SOUSA AS MÚLTIPLAS JORNADAS DE MÃES NO MERCADO DE TRABALHO 2 FORTALEZA 2014 ANA WLÁDIA TEMÓTEO DE SOUSA AS MÚLTIPLAS JORNADAS DE MÃES NO MERCADO DE TRABALHO Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social. Orientador: Prof. Ms. José Cleyton Vasconcelos Monte. 3 FORTALEZA 2014 ANA WLÁDIA TEMÓTEO DE SOUSA AS MÚLTIPLAS JORNADAS DE MÃES NO MERCADO DE TRABALHO Monografia apresentada como pré­requisito para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense ­ FAC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data da aprovação:___/___/___ BANCA EXAMINADORA _____________________________________________ Prof. Ms. José Cleyton Vasconcelos Monte (orientador) Faculdade Cearense ­ FAC _____________________________________________ 4 Profª Ms. Eliane Nunes de Carvalho Faculdade Cearense ­ FAC _____________________________________________ Prof.ª Ms. Maria de Fátima Farias de Lima Faculdade Cearense ­ FAC 5 A Deus e ao doce Espírito Santo que nunca me abandonaram nessa caminhada às vezes tão solitária, pois sempre pude senti­los bem próximos a mim, iluminando­me, inspirando­me e me dando a paz de que preciso para seguir em frente. AGRADECIMENTOS A Deus, por esta sempre ao meu lado nessa caminhada, dando­me sabedoria e me ajudando na conclusão de mais uma etapa de minha vida. Aos meus pais, Luís Hélio Araújo e Maria Herbene Temóteo, meus alicerces, que sempre me incentivaram em meus estudos, o apoio e a paciência de vocês foram indescritíveis. Amo vocês. À minha filha, pela compreensão, pois o amor incondicional que sinto por ela me leva sempre a querer ser melhor. Ao meu irmão Wladson Luís Temóteo e à sua noiva Ana Carolina Barcelos, que sempre se fizeram presentes, proporcionando­me momentos de descontração e leveza em meio às dificuldades. A todos os meus familiares, que torceram pelo meu sucesso, saibam que vocês me enchem de alegria. Ao meu orientador, professor José Cleyton Vasconcelos Monte, a minha gratidão, por todo seu profissionalismo e comprometimento com meu trabalho. Seus ensinamentos foram fundamentais para o desenvolvimento da minha pesquisa. Às professoras Eliane Nunes de Carvalho e Maria de Fátima Farias de Lima pela disponibilidade de participarem da banca examinadora e por cederem uma parte de seu tempo precioso para a avalição deste trabalho. 6 Às amigas do Curso de Serviço Social, Emanuela, Janaína, Patrícia, Marileide e Juliana, pela amizade que foi além da faculdade. Às mães e minhas amigas de trabalho que participaram e contribuíram com suas colaborações em minha pesquisa de campo. Meu nome é Mulher No princípio eu era Eva Nascida para a felicidade de Adão E meu paraíso tornou­se trevas Porque ousei libertação! Mais tarde fui Maria Meu pecado remiria Dando à luz Aquele Que traria a salvação! Mas isso não bastaria Para eu encontrar perdão! Passei a ser Amélia “A mulher de verdade” Para a sociedade! Não tinha a menor vaidade Mas sonhava com igualdade! 7 Muito tempo depois decidi: “Não dá mais!” Quero minha dignidade, “Tenho meus ideais!” Mas o preconceito atroz Meus 129 nomes queimou Então o mundo acordou Diante da chama lilás! Hoje não sou só esposa ou filha; Sou pai, mãe, arrimo de família; Sou ourives, taxista, piloto de avião, Policial feminina, operária em construção! Ao mundo peço licença Para atuar onde quiser! Meu sobrenome é Competência O meu nome é Mulher! (Fátima Pérola Negra) RESUMO As mulheres vêm a cada dia ganhando mais visibilidade dentro da sociedade e sua figura já pode ser encontrada em todos os espaços antes delimitados apenas como masculino. Isso se concretizou a partir de sua inserção no mercado de trabalho que cresce a cada dia. Este trabalho propõe­se a realizar um estudo sobre a percepção das mulheres que são mães e se encontram inseridas no mercado de trabalho, bem como mostrar como elas conseguem em seu cotidiano conciliar suas múltiplas jornadas. Para tal, realizou­se pesquisa bibliográfica que permeia os estudos sobre a temática. Trata­se de uma pesquisa qualitativa a qual permite uma visão crítica do objeto de estudo. Também se realizou uma pesquisa de campo, tendo como cenário uma empresa privada multinacional, onde foram entrevistadas sete funcionárias. Os resultados apontados neste estudo, evidenciam que as profissionais ainda continuam exercendo seus papéis de mães e donas de casa, de modo que ainda vivenciam, em seu cotidiano, múltiplas jornadas. Percebe­se também que a mulher ainda é a principal responsável pelas atividades domésticas e pelos cuidados com 8 seus familiares e que muitas delas passam a trabalhar fora não apenas para sua realização pessoal ou profissional, mas para serem colaboradoras ou provedoras do sustento de seus lares. Palavras­chave​
: Mulher. Maternidade. Família. Trabalho. ABSTRACT The women come every day gaining more visibility within society and your figure can now be found in all the spaces before delimited only as masculine. This came about from its insertion in the labor market that is growing every day. This work proposes to conduct a study on the perception of women who are mothers and are in the labor market and show how they can in their daily lives reconcile its multiple journeys. To this end, there was literature that permeates the studies on the subject. This is a qualitative research which allows a critical view of the subject matter. Also conducted a field survey, against the backdrop of a private multinational company, where seven employees were interviewed. The results indicated in this study show that the professionals are still performing their roles as mothers and housewives, so that still 9 experience in their daily lives, multiple journeys. We notice also that women are still primarily responsible for housework and the care of their families and many of them go on to work out not only for their personal or professional achievement, but to be collaborators or providers keep their homes. Keywords​
: Woman. Motherhood. Family. Work. LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS DISO
C FaC IBGE IPEA PNAD Diretoria de Estudos e Políticas Sociais Faculdade Cearense Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Pesquisa Nacional de Análise por Domicílio 10 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.............................................................................................. 2 HISTÓRIA E GÊNERO: AS MULHERES DO ESPAÇO PRIVADO AO PÚBLICO..................................................................................................... 2.1 Sociedade patriarcal e gênero.................................................................... 2.2 Divisão sexual do trabalho e seus desafios............................................... 2.3 Mulheres nos espaços públicos e privados na contemporaneidade.......... 11 17 17 25 28 11 3 MULHERES: DA CASA PARA O UNIVERSO DO TRABALHO.................. 3.1 Trabalho produtivo e reprodutivo: uma questão de gênero........................ 3.2 As transformações sociais no universo feminino....................................... 3.3 Maternidade e suas múltiplas jornadas...................................................... 4 A APROXIMAÇÃO COM O CENÁRIO DA PESQUISA............................... 4.1 Conhecendo a instituição........................................................................... 4.2 Categorias presentes................................................................................. 4.3 Análises das entrevistas............................................................................. 4.3.1 Necessidade econômica ou sobrevivência............................................. 4.3.2 Trabalho.................................................................................................. 4.3.3 Atividade profissional.............................................................................. 4.3.4 Maternidade............................................................................................ 4.3.5 Apoio da rede de familiares................................................................... 4.3.6 Ausência................................................................................................. 4.3.7 Múltiplas jornadas.................................................................................... 4.3.8 Trabalho X Família.................................................................................. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS​
.......................................................................... REFERÊNCIAS​
................................................................................................ APÊNDICES​
.................................................................................................... 34 34 38 43 49 49 52 53 53 54 56 57 58 60 61 62 66 69 73 1 INTRODUÇÃO Um novo contexto social no qual as mulheres estão ocupando mais espaços públicos vem se consolidando, em que, nas últimas décadas, eram 12 ocupados majoritariamente pela presença masculina, o que faz surgirem novas percepções de mundo, de indivíduos, de comportamentos e de relações. A mulher dos novos tempos se divide nas mais diversas atividades, assim ela sai do anonimato de seus lares para ganhar visibilidade dentro da sociedade, sendo notoriamente percebida nos espaços públicos. No universo feminino, novas funções e responsabilidades se agregam aos papéis de mãe, esposa e dona de casa, elas adicionam a suas múltiplas jornadas uma vida profissional e muitas vezes estudantil. O trabalho e os estudos agora passam a ganhar uma maior ênfase na vida dessas mulheres que tentam se equilibrar e se dedicar a cada área que atua com a mesma dedicação e competência. É pensando na figura dessa “nova mulher”, que concilia lar, trabalho e maternidade que houve o despertar para a produção deste trabalho. O principal objetivo deste estudo é analisar as percepções dessas mulheres que, além de serem mães, encontram­se inseridas no mercado de trabalho, procurando conhecer um pouco mais sobre elas, suas identidades, suas representações externas e internas, assim como entender como essas mães vêm conseguindo administrar suas rotinas. Além disso, pretende­se alcançar os objetivos específicos que são: promover reflexões sobre os processos de transformação da sociedade, as dificuldades, os desafios e as conquistas enfrentadas por mulheres ao longo dos anos; identificar as motivações que levam as mulheres a cada vez mais buscarem seu espaço dentro do mercado de trabalho e compreender a rotina/dinâmica vivenciada por mulheres entre família e trabalho. Durante o percurso acadêmico, a pesquisadora deparou­se com uma diversificação de temas, nos quais muitas temáticas a instigaram a buscar a compreensão em relação às diversas realidades vivenciadas pelos indivíduos. Contudo, foram os estudos acerca de gênero que lhe despertou o interesse, apesar de se ter revelado um estudo prazeroso, este não foi sua primeira opção. Minha primeira opção era bem distante da temática aqui exposta, pois estagiei no sistema penitenciário, um cenário que também me desperta muito interesse e que a princípio era minha primeira escolha, mas devido ao trabalho e a dificuldade de ir ao campo 13 acabei optando por outro tema não menos importante, mas tão interessante quanto o primeiro. Somente ao final de um dia intenso de trabalho, percebeu que, depois de todo o desgaste e da correria das atividades diárias, teria de se deparar com mais algumas horas de estudo em uma sala de aula. Após uma reflexão já dentro da sala de aula, a pesquisadora enxergou que aquela situação não era só dela, era compartilhada também por muitas de suas colegas que estavam ali também cansadas, mas firmes e fortes, acreditando que ali seria o começo da construção de um futuro melhor. Há quatro anos, a pesquisadora faz parte do quadro de funcionários de uma empresa privada no ramo alimentício e de bebida. No meio de sua busca, acabou observando ao redor e notou que estava trabalhando dentro de um campo de pesquisa muito rico. Na verdade, ela estava cercada pelo objeto o qual desejava compreender, assim analisou que, em todos os setores, elas eram muitas, parecidas em alguns aspectos, mas tão diferentes no pensar, no agir, no falar, em suas experiências de vidas, em suas formas de viver. Daí, percebeu­se que, dos serviços gerais à presidência, havia várias mulheres exercendo diversos papéis, elas são mães, esposas, filhas, donas de casa, profissionais, chefes de família, estudantes, entre outros adjetivos, mas com algo em comum: todas tinham o desafio de encarar suas múltiplas jornadas. Passou­se, então, a observar com mais atenção as rotinas por elas enfrentadas e a questionar as percepções delas diante deste contexto. Em decorrência dessa reflexão, procurou­se um aprofundamento na temática que logo se tornou algo de interesse da pesquisadora e resultou neste estudo. Logo, buscou­se um campo o qual proporcionasse condições necessárias para aplicar a pesquisa, observar, perguntar e começar a identificar as motivações que levam as mães a cada vez mais buscarem seu espaço dentro do mercado de trabalho. Desse modo, busca­se promover reflexões sobre os processos de transformação que ocorrem na sociedade e que impactam, de alguma forma, nas vidas dessas mulheres, as estruturas familiares, as dificuldades, os desafios e as conquistas enfrentadas ao longo dos anos. 14 O estudo aqui apresentado se lançou sobre a luz de diferentes perfis de mulheres, as quais são o foco de desenvolvimento da pesquisa. Elas foram escolhidas por se enquadrarem no perfil daquilo que a pesquisadora buscava que era serem mães e estarem inseridas no mercado de trabalho e convidadas a participarem das entrevistas por se encontrarem diretamente ligadas ao objeto de estudo, constituído nas categorias: trabalho, maternidade e família. Em se tratando do percurso metodológico realizado, a pesquisa revelou­se um processo construtivo de saber no qual o pesquisador parte de um conhecimento empírico sobre um objeto de sua observação para a formação de um conhecimento científico, no entanto apresenta como característica principal sua verificabilidade. Portanto, é necessário identificar os caminhos os quais se utilizaram ao longo desse processo para se obter determinado conhecimento (GIL, 2011). Com a intenção de querer compreender os aspectos subjetivos dessas mães, que se encontram inseridas no mercado de trabalhando, qualificando­se cada vez mais e competindo de forma igualitária com os homens, optou­se pela pesquisa de cunho qualitativo, a qual proporciona respostas a muitas questões particulares. Esse tipo de pesquisa se ocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes (MINAYO, 2007) O trabalho iniciou­se com a pesquisa bibliográfica, a qual possibilita uma fundamentação teórica que trata das categorias levantadas pelo objeto de estudo. De acordo com Gil (2011), a principal vantagem obtida em uma pesquisa bibliográfica está em permitir que o investigador tenha a ampla cobertura de uma gama de fenômenos bem mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente. Para coleta de dados, elaborou­se uma entrevista semiestruturada. De acordo com Minayo (2008), essa técnica permite que a subjetividade dos entrevistados seja observada, pois é baseada na comunicação verbal e articula perguntas abertas e fechadas, permitindo a liberdade de expressão do entrevistado em relação às questões abordadas. 15 Para a participação da pesquisa, solicitou­se a permissão dos entrevistados, mediante a assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido (APÊNDICE B). As entrevistas foram gravadas e transcritas, preservando a integridade do conteúdo. As identidades dos sujeitos pesquisados também foram preservadas por meio de nomes fictícios que foram escolhidos pela própria pesquisadora. Essas mulheres acabaram conquistando a admiração da pesquisadora que teve o prazer de entrevistar e conhecer um pouco mais das suas realidades e experiências enriquecedoras. Assim, foi dado a elas um codinome de pedras brasileiras, para que suas identidades fossem preservadas. As entrevistas foram realizadas no próprio local em que as mulheres trabalham em uma empresa privada multinacional. Elas se dispuseram a responder dez perguntas subjetivas voltadas à vida pessoal, doméstica, profissional e estudantil, conforme se verificará nas análises do capítulo quatro (APÊNDICE A). Foram realizadas sete entrevistas que se enquadravam no perfil o qual a pesquisadora buscava elas são mães, com idade entre 29 e 53 anos, que exercem diferentes cargos dentro da empresa, como assistente administrativo, promotora, vendedora e gerente de vendas. Essas mulheres têm uma renda entre R$ 900,00 a R$ 5.000,00, possuem filhos com a faixa etária de 2 a 16 anos, algumas pararam de estudar no ensino médio, umas estão cursando o ensino superior e outras já são formadas e pós­graduadas. Gil (2011) refere­se às entrevistas como a técnica por excelência na investigação social, por ser a técnica mais adequada na busca pela obtenção de dados acerca das pessoas. Sendo assim, se utilizou de critérios para a seleção das mulheres entrevistadas, as quais precisavam ser mães e estarem inseridas no mercado de trabalho. Dentro desse contexto, a empresa pesquisada se mostrou um excelente local para realização de tal estudo por possuir um elevado índice de trabalhadoras do sexo feminino ocupando diferentes cargos na organização. Outros critérios não foram adotados pela pesquisadora, pois o interesse era conhecer as percepções de diferentes perfis de mulheres que têm vários estilos de vida e que conseguem conciliar as suas múltiplas jornadas. 16 Para a compreensão, será descrito mais detalhadamente o perfil das entrevistadas, abordando, inclusive, como são suas estruturas familiares, seus filhos, suas rendas e os cargos ocupados dentro da empresa. A entrevistada Safira, 35 anos, casada, o marido trabalha com frete e é mãe de duas meninas, uma de 5 anos e a outra de 13 anos. Tem casa própria. Está na empresa há seis anos, e começou como promotora de vendas. Atualmente, está atuando na área de vendas, tem uma renda média de R$ 3.000,00 e está cursando o ensino superior. A entrevistada Rubi, 33 anos, casada, o marido trabalha em seu próprio negócio, uma ​
lan­house, e é mãe de uma menina de 2 anos e 9 meses. Tem casa própria. Está na empresa há dois anos, atua na área administrativa, tem uma renda média de R$ 1.300,00 e é pós­graduada. A entrevistada Jade, 29 anos, casada, o marido se encontra desempregado e é mãe de uma menina de 2 anos e um menino de 7 anos. Tem casa própria. Está na empresa há quatro anos, tem sua atuação na área de vendas, com uma renda média de R$ 1.500,00 e tem ensino médio completo. A entrevistada Pérola, 35 anos, casada, o marido trabalha em uma loja de material esportivo, é mãe de uma menina de 13 anos e está grávida do seu segundo filho. Tem casa própria. Está na empresa há 8 anos, começou como promotora de vendas, atualmente tem sua atuação na área de gestão, com uma renda média de R$ 5.000,00 e é graduada. A entrevistada Esmeralda, 32 anos, solteira, mora com o irmão e é mãe de uma menina de 12 anos. Não possui casa própria. Está na empresa há 3 anos, atua na área administrativa, com uma renda média de R$ 1.100,00 e está cursando o ensino superior. A entrevistada Topázio, 33 anos, casada, tem um marido que trabalha com vendas de carros, é mãe de uma menina de 12 anos e um menino de 15 anos. Tem casa própria. Está na empresa há 4 anos, começou como atendente de telemarketing​
, atualmente atua na área de gestão, com uma renda média de R$ 2.500,00 e é graduada. 17 A entrevistada Diamante, 28 anos, solteira, mora só com a filha de 12 anos. Tem casa própria. Está na empresa há 4 anos, atua na área administrativa, com uma renda média de R$ 1.800,00 e é graduada. Essas mulheres se tornaram o objeto de estudo desta pesquisa por suas características como: garra, força, determinismo e pelo sorriso difícil de sair do rosto, não desanimando pelos mais diversos obstáculos levantados na vida. Assim, conseguiram se fazer alvo de admiração e respeito, executando suas atividades em todas as áreas com empenho e determinação, assim resultou em uma crescente notoriedade de sua figura. Desse modo, dar­se­á início às respostas da pesquisa pela qual se procura saber as perspectiva das mães inseridas no mercado de trabalho. Para fins didáticos, a presente monografia foi dividida em três capítulos que serão explicitados a seguir. No primeiro capítulo, abordar­se­ão temas voltados à história das mulheres no Brasil. Também buscou­se, nas fontes teóricas, registros de como elas aos poucos foram saindo de seus lares para ganharem as frentes das fábricas, seguindo passos contrários a uma educação patriarcal. Ainda se abordou a luta por seus direitos, como o sufrágio e a educação, por meio dos movimentos de mulheres, assim como se explanou sobre a divisão sexual do trabalho e busca pela igualdade de gênero. No segundo capítulo, discutir­se­á como estão essas mulheres na contemporaneidade que, ao logo das décadas, vêm consolidando sua atuação no mercado de trabalho e dando cada vez mais visibilidade a sua figura nos espaços públicos, a ponto de ganhar a notoriedade de vários estudiosos que buscam compreender essa mulher tão multifuncional da atualidade. No terceiro capítulo, depois de todo o trajeto percorrido, conhecendo mais a fundo sua história e com os devidos embasamentos teóricos, partir­se­á para o campo, onde essas mulheres atuam e no qual diariamente modificam e constroem suas histórias. 18 Portanto, evidenciam­se as percepções e as relações vivenciadas por essas mulheres ao desempenhar e conciliar os mais diversos papéis como ser mães, donas de casa e ainda por se dedicarem a sua profissão. 2 HISTÓRIA E GÊNERO: AS MULHERES DO ESPAÇO PRIVADO AO PÚBLICO Neste capítulo, discorrer­se­á a respeito da história das lutas e conquistas das mulheres; de como elas conseguiram enfrentar o sistema patriarcal, no qual a figura masculina exercia forte domínio sobre a conduta das mulheres que eram totalmente submissas; de como por meio da literatura elas começaram a se expressar e chegaram à frente das fábricas. Outro tópico debatido será a divisão sexual do trabalho e como elas vêm lidando com alguns preconceitos. Também será dada ênfase na discussão em torno do tema gênero e sua importância no que se refere ao tema mulher. 2.1 Sociedade patriarcal e gênero As mulheres na contemporaneidade vêm assumindo novas identidades sociais de acordo com as transformações ocorridas ao longo da história da 19 humanidade. Elas são frutos de uma sociedade enraizada em um sistema patriarcal, o qual, aliado a um forte viés ideológico religioso, disseminou padrões de conduta e controle rigoroso ao comportamento e à sexualidade feminina: Das leis do Estado e da Igreja, com frequência bastantes duras, à vigilância inquieta de pais, irmãos, tios, tutores, e à coerção informal, mas forte, de velhos costumes misóginos, tudo confluía para o mesmo objetivo: abafar a sexualidade feminina que, ao rebentar as amarras, ameaçava o equilíbrio doméstico, a segurança do grupo social e a própria ordem das instituições civis e eclesiásticas (ARAÚJO, 2013, p. 45). Rocha (2009) declara que os papéis eram definidos com base na relação de poder e na forte influência de um discurso moralizador e opressor o qual determinava que as mulheres eram seres inferiores e que por isso deveriam ser submissas aos homens, os quais eram superiores. Essa relação era fundamentada na divisão sexual das tarefas e no controle da sexualidade feminina. Ainda de acordo com a autora, no sistema patriarcal, as mulheres nasciam com destino traçado e com sua educação pautada para desempenhar seus papéis de esposa, mãe e dona de casa em tempo integral, apenas visando um possível casamento. Todos os desejos e sonhos eram ignorados, nem sequer tinham o direito de se manifestarem, pois eram educadas para o silêncio, a resignação e a obediência. Os sonhos e as realizações femininas eram derivados de uma coerção social, uma determinação externa que se vinculava ao papel de boa filha, esposa e mãe, em que o discurso masculino buscava reforçar a ideologia da maternidade, em que ser mãe era o principal papel da mulher no mundo. No Brasil, não era diferente: Os positivistas, os liberais, os médicos, a Igreja, os industriais e mesmo os muitos operários anarquistas, socialistas e, posteriormente, os comunistas incorporaram o discurso de valorização da maternidade, progressivamente associado ao ideal de formação da identidade nacional. Nos anos 20 e 30, a figura da ‘mãe cívica’ passa a ser exaltada [...]. (RAGO, 2013, p. 591­592). Sem ter o direito de qualquer manifestação, de expor seus desejos e anseios, as mulheres buscaram na literatura o aliado ideal para se expressar. De acordo com Rago (2013), foi no campo das letras que elas encontraram a primeira forma de se expressar, visto que, até o século XIX, o domínio na literatura era 20 masculino, e somente algumas mulheres mais audaciosas tiveram a coragem de deixar algum registro. Logo, pode­se asseverar que é somente com um discurso pautado na modernização que a educação para as mulheres se tornará de relevância. Ainda de acordo com Rocha (2009): No século XIX, a sociedade tomou consciência da importância do papel materno na educação infantil, e a formação da mulher passou a ser considerada fundamental para o aperfeiçoamento físico e moral das futuras gerações do País. A importância da educação tornou­se um assunto constante não só nos jornais, mas também em outros meios, sendo vista como indispensável para o aprimoramento social. A partir desse momento, as mulheres assumiram a educação das crianças [...], a educação feminina deve­se ao fato de as mulheres serem reconhecidas como ‘pouco racionais’, não podendo ser responsáveis pelos seus atos; portanto, o melhor a se fazer era dar­lhes esmerada educação para que cumprissem sua principal função: a maternidade (p. 53). Essa educação chega com acesso restrito e controlado para as mulheres, ainda carregada de uma ideologia patriarcal. Louro (1997) ressalta que a mulher precisava ser uma mãe virtuosa, o pilar de sustentação do lar, a educadora das gerações futuras, por isso sua educação foi possível, com a justificativa de uma função social de educadora dos filhos. A autora ainda enfatiza que “Ainda que o reclamo por educação feminina viesse a representar, sem dúvidas, um ganho para as mulheres, sua educação continuava a ser justificada por seu destino de mãe.” (LOURO, 1997, p. 447). O relativo ganho na educação só se tornou possível por estar diretamente vinculado à modernização e à consolidação de um sistema capitalista que trouxeram consigo muitas transformações tanto no meio social como no seio das famílias. Surgiram as mais variadas invenções voltadas para o avanço industrial, e, com a automatização dos meios de produção, apareceu o espaço fabril. Esse processo de modernização é pautado com a vinda da industrialização que eclodiu na Inglaterra no final do século XVIII e pôs fim à transição do sistema feudal para o sistema capitalista, o que ocasionou grande impacto na figura feminina que antes tinha seu papel bem definido e moldado pela 21 sociedade como doméstica e passou por diversas transformações (MARTINELLI, 2011). Para Martinelli (2011), o processo de modernização e as inovações tecnológicas originadas pela Revolução Industrial1 em conjunto com o desenvolvimento do mercado e o incremento do processo de produção, ampliou­se a necessidade de mão de obra. Essa mesma conjuntura originava mudanças no processo de produção. Ainda de acordo com a autora: Ao longo da primeira metade do século XIX, o capitalismo avançou em sua marcha expansionista, instaurando concomitantemente um processo de contínua desvalorização do ser humano. A valorização do mundo das coisas correspondeu à desvalorização do mundo do homem. A força da vida, criadora de valores humanos, foi tragada pela mercadoria, símbolo do capital. O próprio movimento da vida humana foi substituído pelo movimento da mercadoria no mercado: à medida que esta se tornava valor, o homem se tornava mercadoria; as relações entre as pessoas já não eram mais humanas, mas relações entre coisas (MARTINELLI, 2011, p. 42). Segundo Rago (2013), a industrialização brasileira iniciou no século XIX, no Nordeste do país, com a indústria de algodão, na Bahia, só depois passou a se deslocar para a região Sudeste, iniciando­se assim o sistema capitalista o qual, modificou profundamente as relações sociais e alteraram a sua essência, dificultando, assim, a questão da sobrevivência do trabalhador e de toda a sua família. Rago (2013, p. 591) também ressalta que esse momento de industrialização acabou absorvendo das mulheres várias atividades, outrora exercidas na unidade doméstica, como, por exemplo, “a fabricação de tecidos, pão, manteiga, doces, vela, fósforo – desvalorizou os serviços relacionados ao lar”. São essas transformações e os reflexos dessas desigualdades de gênero e divisão social e sexual que leva as mulheres a se articularem de forma organizada, 1
Com a invenção da máquina a vapor por James Watt (1736­1819) e sua aplicação à produção, surgiu uma nova concepção de trabalho que modificou completamente a estrutura social e comercial da época, provocando profundas e rápidas mudanças de ordem econômica, política e social que, em um lapso de um século, foram maiores do que as mudanças ocorridas em todo o milênio anterior. É a chamada Revolução Industrial, que se iniciou na Inglaterra e que pode ser dividida em duas épocas distintas: 1780 a 1860: 1ª Revolução Industrial ou revolução do carvão e do ferro; 1860 a 1914: 2ª Revolução Industrial ou do aço e da eletricidade. A Revolução Industrial alcançou todo seu ímpeto a partir do século XIX. Ela surgiu como uma bola de neve em aceleração crescente. (CHIAVENATO, 2000, p. 30). 22 dando início assim ao movimento feminista que seria a forma pela qual elas expressariam a luta por seus direitos. Foi com muita cautela e de forma racional que as feministas divulgaram seus ideais, com um discurso que apontavam os benefícios do trabalho feminino, no qual falavam que uma mulher profissionalmente ativa e politicamente participante possuía melhores condições de desenvolver seu lado materno (RAGO, 2013). Esses ideais tinham como principal alvo as mulheres de mais alta condição social, que enfrentavam dificuldades para ingressarem no mundo do trabalho, pois esse mesmo discurso afetava muito pouco o conceito que as feministas liberais possuíam sobre as operárias e demais trabalhadoras pobres. (RAGO, 2013). Nos periódicos femininos, as feministas se diziam responsáveis pelo futuro das trabalhadoras pobres, mas pouco falavam a respeito do modo como pretendiam encaminhar, na prática, essa filantropia. As operárias, tão vitimadas pelas péssimas condições de trabalho, pelos baixos salários, pela quantidade de filhos que deveriam criar, tão presas à condição biológica, eram consideradas até mesmo pelas feministas como incapazes de produzir alguma forma de manifestação cultural. (RAGO, 2013, p. 591). Diante da descrença, às vezes até mesmo das próprias colegas feministas, as operárias e demais trabalhadoras pobres conseguem se organizar, fazendo, então, com que a sociedade voltasse os olhos para a situação em que elas se encontravam, ganhando espaço e expressando, diante de todos, que “o movimento operário protestou contra as inúmeras formas de exploração do trabalho feminino e infantil.” (RAGO, 2013, p. 594). [...] Sem uma legislação trabalhista que pudesse proteger o trabalho feminino, as reclamações das operárias contra as péssimas condições de trabalho, contra a falta de higiene nas fábricas, contra o controle disciplinar e contra o assédio sexual encontram espaço na imprensa operária. (RAGO, 2013, p. 584). Foram elas, a união delas, feministas, operárias, sindicalistas, donas de casa, trabalhadoras, enfim, mulheres de muitas faces que foram à frente da batalha, que, com ou sem medo, expressaram­se, manifestaram­se, quebraram tabus, 23 retrocederam, aliaram­se, tudo em busca de um objetivo em comum, lutar por aquilo que acreditavam. Foi por intermédio do movimento feminista que as mulheres conseguiram mudar sua realidade, dando visibilidade às questões enfrentadas como discriminação e subordinação. São as lutas travadas por essas feministas que possibilitaram a construção de novos valores sociais, na busca de uma sociedade democrática com base na igualdade entre homens e mulheres. Como ressalta Soares (1994): [...] uma das vertentes deste movimento traduzem a rebeldia das mulheres na identificação de sua situação de subordinação e exclusão do poder, e buscam construir uma proposta ideológica que reverta esta marginalidade. Sua concreção se dá a partir da construção de uma prática social que negue aqueles mecanismos que impedem o desenvolvimento de uma consciência como ser autônomo e que supere a exclusão. (p. 15). A primeira onda do feminismo aconteceu a partir das últimas décadas do século XIX, quando as mulheres, primeiro na Inglaterra, organizaram­se para lutar por seus direitos, sendo que o primeiro deles que se popularizou foi o direito ao voto (PINTO, 2010). O sufragismo, como foi chamado o direito ao voto, é que dá maior destaque às manifestações e reivindicações femininas, despertando o interesse de várias mulheres para outras questões relacionadas a seus direitos, à família, aos estudos e às profissões. No Brasil, é somente em 1964, com o golpe militar, no qual se instaura um regime ditatorial, cerceando liberdades democráticas e instaurando a censura e a repressão política, que as mulheres não ficam passivas, logo se engajam ativamente nos debates políticos e culturais da época, lutando em defesa dos filhos e companheiros, por transformações políticas, percorrendo cada vez mais pelos caminhos da política, das artes, da literatura, da técnica, da ciência e da comunicação (BONAN; FERREIRA, 2005). Ainda de acordo com as autoras supracitadas, a década de 1970 fica na história como um marco político e simbólico da formação das gerações feministas que conduziriam a bandeira da cidadania e da emancipação das mulheres ao século 24 XXI, assim, as feministas ficaram marcadas como um grupo de reflexão, de organização e de manifestações que se opunha diante do regime ditatorial (BONAN; FERREIRA, 2005). Segundo Soares (1994, p. 13), “O movimento de mulheres nos anos 70 trouxe uma nova versão da mulher brasileira, que vai às ruas na defesa de seus direitos e necessidades e que realiza enormes manifestações de denúncia de suas desigualdades.”. A autora ainda afirma que, com a participação nestes movimentos, as mulheres conseguiram reunir condições de questionar as relações de gênero, suas relações igualitárias com seus maridos, famílias e comunidades. (SOARES, 1994). As mulheres saíram do privado para desbravar e conseguir seu espaço no público, alcançando visibilidade e reconhecimento social, não aceitando seu papel resumido tão somente a de mulher submissa. Dessa forma, elas emergiram como um novo sujeito social, assumindo o papel de cidadãs políticas, profissionais, enfim, múltiplas, permitindo vivenciar na realidade aquilo que antes foi só um ideário. Foi com garra e por meio de muitas lutas que elas marcaram suas trajetórias, ampliando e consolidando cada vez mais seus direitos e sua atuação nos espaços públicos. Para que se possa continuar avançando nas estruturas desse universo feminino, precisa­se, em um primeiro momento, compreender as relações que se enredam em torno dessa figura feminina, para isso não se pode deixar de percorrer a discussão que se faz envolta da temática ​
gênero​
. As discussões acerca de gênero são de fundamental importância, pois se afastam do indivíduo como mero ser biológico e passam a destacar o caráter social do masculino e feminino, levando em consideração as diversas sociedades e os diferentes contextos nos quais estão inseridos. No Brasil, os estudos de gênero acompanham os diferentes momentos dos movimentos feministas. Muitas pesquisadoras já demonstravam interesse pela temática, e os principais trabalhos dedicavam­se aos estudos sobre mulher e trabalho. 25 Na década de setenta, ‘estudo sobre mulher’ foi a denominação mais comum utilizada para caracterizar essa nova área. Livros, artigos e seminários fazem constar de seus títulos o termo mulher e pretendem, principalmente, preencher lacunas do conhecimento sobre a situação das mulheres nas mais variadas esferas [...]. A partir da década de oitenta, observa­se uma gradativa substituição do termo mulher, uma categoria empírica/descritiva, pelo termo gênero, uma categoria analítica, como identificador de uma determinada área de estudos no país. (​
HEILBORN; SORJ, 1999, p. 187). ​
Ainda de acordo com Heilborn e Sorj (1999), são esses avanços teóricos que favoreceram a mudança do determinismo biológico e beneficiaram os aspectos ligados à construção social dos indivíduos​
. ​
As supracitadas ainda mencionam que foi a partir daí que “os homens passaram a ser incluídos como uma categoria empírica a ser investigada nesses estudos, e uma abordagem que focaliza a estrutura social mais do que os indivíduos e seus papéis sociais foi favorecida.” (HEILBORN; SORJ, 1999, p. 188). Segundo Louro (1997), evidencia­se que o termo ​
gênero passou a ser usado com o propósito de marcar as diferenças entre homens e mulheres, que não são apenas de ordem física e biológicas, mas que precisam ser pensadas além, levando em consideração as construções sociais e culturais da qual fazem parte. Uma compreensão mais ampla de gênero exige que pensemos não somente que os sujeitos se fazem homem e mulher num processo continuado, dinâmico [...]; como também nos leva a pensar que gênero é mais do que uma identidade aprendida, é uma categoria imersa nas instituições sociais (o que implica admitir que a justiça, a escola, a Igreja etc. são ‘genereficadas’, ou seja, expressam relações sociais de gênero). (LOURO, 1997, p. 103). A autora supramencionada aponta que a categoria ​
gênero se classifica por características sociais e relacionadas à construção de papéis masculinos e femininos, os quais seguem padrões e regras arbitrárias que a sociedade estabelece a seus membros, os quais definem comportamento, roupas, modos de se relacionar e se portar. Segundo a doutrinadora, “através desses papéis, cada um deve conhecer o que é adequado (e inadequado) para um homem ou para uma mulher numa determinada sociedade e responder as suas expectativas.” (LOURO, 1997, p. 24). Nessa mesma perspectiva teórica, Saffioti (2004) assevera que “gênero também diz respeito a uma categoria histórica, cuja investigação tem demandado 26 muito investimento intelectual [...]. O gênero é a construção social do masculino e do feminino” (p. 44­45). A relevância de se explorar o conceito de gênero dá­se devido a sua vasta utilização nos estudos feministas, por possibilitar ampliação dos conceitos masculinos e femininos. A utilização do termo gênero proporciona analisar a sociedade não mais dividida por sexo, ou seja, seres biologicamente definidos como homens e mulheres, ela vai além, permitindo analisar os indivíduos a partir de sua construção social. Saffioti (2004) defende que o conceito de gênero é mais amplo que o conceito de patriarcado, uma vez que gênero contempla as relações igualitárias e o patriarcado se refere especificamente às relações entre os sexos baseados na dominação masculina, sendo assim, o patriarcado é um caso específico das relações de gênero. Ainda conforme a autora, essa ordem patriarcal de gênero ressalta a dominação­exploração das mulheres pelos homens, mas, no interior dessa relação, os dois polos possuem poder, todavia de maneira desigual. De acordo com Scott (1991), o termo gênero está ligado à concepção de poder e é advindo das relações sociais. São as relações de poder entre homens e mulheres que remetem às primeiras relações sociais e com as quais se foram desenvolvendo o mundo ao redor das pessoas, reproduzindo essa hierarquização no meio público e privado. De acordo com Scott (1991): O gênero é uma primeira maneira de dar significado às relações de poder, ou seja, gênero é um primeiro campo no seio da qual, ou por meio do qual, o poder é articulado. O gênero, portanto não é o único campo, mas ele parece ter constituído o meio persistente e recorrente de dar eficácia à significação do poder em relação à identidade de gênero (p.16). Portanto, a discussão da categoria gênero torna­se de grande relevância ao que se refere à compreensão das complexas e dinâmicas formas das relações sociais que ocorrem entre homens e mulheres dentro do mercado de trabalho, pois ela desnaturaliza as desigualdades e vai para além da classe social, cultura, regionalidade ou da opção sexual imposta pela sociedade. Segundo Fontenele­Mourão (2006), havia uma representação do feminino e do masculino classificada nas diferenças sexuais. Somente mediante a análise do 27 processo de transformação dos papéis masculinos e femininos, e consequentemente a participação da mulher no mundo do trabalho, pode­se perceber as mudanças ocorridas nas relações de gênero. As reflexões sobre as aproximações entre representações sociais e as relações de gênero permitem extrair algumas implicações importantes. Uma vez que possamos ampliar as associações de elementos constitutivos das representações sociais acerca de mulheres no contexto globalizado e inserido no mundo competitivo do trabalho [...] onde o encontro entre teorias diferentes, porém em muitos aspectos complementares, acarreta a reflexão permanente sobre as representações sociais de gênero. (FONTENELE­MOURÃO, 2006, p. 39). Os estudos de gênero representam um avanço teórico, eles crescem em qualidade e quantidade, à medida que se afastam dos papéis impostamente desempenhados na sociedade pelos indivíduos, para analisar as relações sociais que envolvem homens e mulheres em todos os campos de atividades. 2.2 Divisão sexual do trabalho e seus desafios Ainda dando continuidade às reflexões anteriores, pretende­se colocar em questão as transformações ocorridas em relação às mulheres inseridas no mercado de trabalho, a distribuição de seus papéis entre homens e mulheres dentro dos espaços privado e público, e os desafios enfrentados diante da divisão sexual de trabalho. A pesquisa aqui descrita busca conhecer um pouco mais esses fatores e como eles vêm impactando a vida dos diferentes perfis de mulheres que, inseridas no mercado de trabalho, procuram conciliar suas múltiplas competências, dentro e fora de seus domicílios, sua maternidade, e sua carreira profissional. Como a mulher contemporânea, mesmo com a ampliação de sua atuação na sociedade, vem conseguindo fazer uma conexão desses papéis que lhe são atribuídos, ou seja, como elas conseguem relacionar a maternidade com as atividades domésticas? Como conseguem lhe dar com as atribuições fora de casa e, muitas vezes, a sala de aula? Qual a posição tomada por elas diante dos desafios enfrentados?. 28 Nesse tópico, abordar­se­á a respeito da divisão sexual do trabalho e de como ela age de forma classificatória em todos os espaços, tanto privado como público, e atinge a vida de homens e mulheres. Em sua fala, Lobo (1991) declara que a divisão sexual do trabalho permite perceber a exploração capitalista, na qual, muitas vezes, a naturalização da subalternidade da mulher na sociedade não é notada. Analisar, portanto a divisão sexual do trabalho é indispensável para desvelar o antagonismo de classe e, concomitantemente, da opressão e exploração das mulheres. Em outros termos, é necessário ‘desomogeneizar’ a classe trabalhadora, percebendo que ela tem dois sexos. (LOBO, 1991, p.119). Isso se dá devido à divisão de tarefas em que as atividades são definidas dentro da sociedade, separando quais são os papéis desempenhados pelo homem e pela mulher. Dessa forma, Lobo expõe que “uma vez feminilizada, a tarefa passa a ser classificada como menos ‘complexa’” (p.150), o que levaria essa tarefa a sua desqualificação. O trabalho feminino vem aumentando ainda mais significativamente no mundo produtivo fabril. Essa incorporação, entretanto, tem desenhado uma (nova) divisão sexual do trabalho em que, salvo raras exceções, ao trabalho feminino têm sido reservadas as áreas de trabalho intensivo, com níveis ainda mais intensificados de exploração do trabalho, enquanto aquelas áreas caracterizadas como de capital intensivo, dotadas de maior desenvolvimento tecnológico, permanecem reservadas ao trabalho masculino (ANTUNES, 2000, p. 108). De acordo com Antunes (2000), há uma expansão significativa do trabalho feminino, porém a sua presença seria mais notada no universo de trabalho 2
part­time ​
, precarizado e desregulamentado, em que os salários não acompanhavam esse crescimento, sendo seu percentual de remuneração abaixo do aferido aos homens, mesmo tendo seu grau de escolaridade acima dos homens. Sobre este assunto, Hirata (2007) salienta que a divisão sexual do trabalho parte de princípios organizadores impostos e legitimados socialmente e culturalmente pela sociedade. ​
Part­time​
é um trabalho com a carga horária reduzida, meio período, portanto os benefícios e os salários também são menores. 2
29 [...] o princípio de separação (existem trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o princípio hierárquico (um trabalho de homem ‘vale’ mais que um trabalho de mulher). Esses princípios são válidos para todas as sociedades conhecidas [...]. Pode ser aplicada mediante um processo específico de legitimação a ideologia naturalista. Esta rebaixa o sexo biológico, reduz as práticas sociais a ‘papéis sociais’ sexuados que remetem ao destino natural da espécie. (HIRATA, 2007, p. 599). Hirata (2007) também enfatiza que a divisão sexual do trabalho é diferenciada segundo as atividades que são de produção e reprodução social. Essa é uma forma modulada, histórica e social que tem como características a designação dos homens à esfera produtiva e das mulheres à reprodutiva, e simultaneamente aos homens às funções com maior valor social. Ainda para a autora, o trabalho produtivo é o realizado na esfera pública e está voltado para a produção da vida material, ou seja, aqueles que produzem bens de consumo e serviço, sendo este atribuído aos homens. O trabalho reprodutivo está voltado à reprodução humana, aos cuidados com pessoas, as tarefas domésticas, sendo este atribuído às mulheres. Neste sentindo, Antunes (2000) também declara que: [...] no universo do mundo produtivo e reprodutivo, vivenciamos também a efetivação de uma construção social sexuada, onde os homens e as mulheres que trabalham são, desde a família e a escola, diferentemente qualificadas e capacitadas para o ingresso no mercado de trabalho. [...] o capital incorpora o 3
trabalho feminino de modo desigual e diferenciado em sua divisão social e sexual do trabalho (p. 109). Antunes (2000) ressalta que, nesse sentido, a mulher trabalhadora realiza suas atividades de trabalho dentro e fora de casa, exercendo, no espaço público, seu trabalho produtivo, e, no universo da vida privada, seu trabalho doméstico. Ainda para Antunes (2000, p. 110), “o capital tem sabido também se apropriar intensificadamente da polivalência e multiatividade do trabalho feminino [...] da experiência que as mulheres trabalhadoras” ​
para seu próprio interesse e reprodução, intensificando assim a exploração dessas mulheres, uma vez que estas 3
Divisão Social do Trabalho é a distribuição de tarefas na produção social. Segundo Marx (1983), a divisão do trabalho “manifesta­se também no seio da classe dominante como divisão do trabalho físico e intelectual [...]” (p.23). A divisão social é aquela em que os trabalhadores desempenham diversas funções na sociedade, funções econômicas, ideológicas e políticas. 30 trabalham fora de casa mediante pagamento e ainda ficam com a responsabilidade das atividades do lar. Cisne (2012) ratifica em sua fala que: Sem o trabalho doméstico não remunerado, o Estado capitalista teria que arcar, por exemplo, com restaurantes, lavanderias e escolas públicas em tempo integral em grande escala, de modo a atender à massa da classe trabalhadora. Outra opção seria aumentar significativamente o salário mínimo, de tal forma que um trabalhador pudesse pagar por alguns serviços necessários à reprodução de sua força de trabalho. Ambas as alternativas implicariam em um ônus significativo que afetaria diretamente os lucros do capital. (p. 115­116). Essa proposta, a qual a autora supracitada se lança e coloca em cheque o desenvolvimento do capital x benefícios aos trabalhadores, acaba não sendo interessante ao sistema capitalista que se alimenta diretamente dessa desigualdade e exploração, pois é daí que são retirados seus lucros, e a integridade de sua ordem se mantém. Mesmo diante das ordens de um sistema capitalista repressor, essas trabalhadoras não se intimidaram e se lançaram de corpo e alma no desafio exaustivo de conciliar múltiplos papéis, logo foi, com muito desempenho e muita dedicação, que a cada papel a elas atribuído, as mulheres transitaram de sua redoma privada para adentrar nos espaços públicos, fazendo­se ser notadas pela sua competência nos serviços prestados. 2.3 Mulheres nos espaços públicos e privados na contemporaneidade A figura feminina que antes tinha seus papéis bem definidos como 4
domésticos ​
passa por uma transformação no período da I e II Guerra, e é com o processo de industrialização que essas mudanças tomaram força. Então, as 4
Segundo Pinsky, os papéis domésticos atribuídos às mulheres são baseados na família­modelo a qual o homem era o único responsável pelo sustento da casa e tinha total autoridade e poder sobre a mulher. “A mulher ideal era definida a partir dos papéis femininos tradicionais – ocupações domésticas e o cuidado dos filhos e do marido – e das características próprias da feminilidade, como instinto materno, pureza, resignação e doçura.” (2013, p. 608­609). A autora ainda relata que “desde criança, a menina deveria ser educada para ser boa mãe e dona de casa exemplar. As prendas domésticas eram consideradas imprescindíveis no currículo de qualquer moça que desejasse se casar.” (PINSKY, 2013, p. 610). 31 mulheres passaram agora a deixar seus lares e ocupar espaços nas frentes de trabalho: No século XIX, com a consolidação do sistema capitalista inúmera mudanças ocorreram na produção e na organização do trabalho feminino. Com o desenvolvimento tecnológico e o intenso crescimento da maquinaria, boa parte da mão de obra feminina foi transferida para as fábricas. (PROBST, 2003, p. 2). As transformações econômicas e os avanços tecnológicos contribuíram para as mudanças no modo de produção e na organização do trabalho, o que demandou uma maior participação das mulheres nos espaços públicos, seja por necessidade financeira, seja em decorrência de novas necessidades de consumo, ou até mesmo por uma realização pessoal. Várias são as razões do ingresso acentuado das mulheres no mercado de trabalho [...]. A necessidade econômica, que se intensificou com a deterioração dos salários reais dos trabalhadores e que as obrigou a buscar uma complementação para a renda familiar é uma delas (BRUSCHINI, 1994, p. 179). De acordo com Bruschini (1994), evidenciam­se profundas transformações no comportamento e nos valores ligados ao papel da mulher, que recebeu incentivo direto dos movimentos feministas, e uma presença atuante dessas mulheres nos espaços públicos facilitou a oferta de trabalho para a classe feminina. Conforme Fontenele­Mourão (2006), “Uma das principais mudanças com respeito ao trabalho feminino e à posição da mulher nas relações familiares é o expressivo aumento da proporção de domicílios chefiados por mulheres [...]”. (p. 29). Esse fato pode ser confirmado pelos dados da pesquisa “Perfil das Mulheres Responsáveis pelos Domicílios no Brasil”, realizada pelo IBGE, no ano de 2000, que tinha como finalidade explorar as condições de vida das mulheres responsáveis pelos domicílios. O estudo revelou que a sociedade brasileira passou por profundas transformações demográficas, socioeconômicas e culturais, e alguns destaques desse processo foi o crescimento da proporção das famílias pelas quais as mulheres são responsáveis. 32 Em seu levantamento, o Censo Demográfico levantou que cerca de 24,9% dos domicílios tinham as mulheres como as principais responsáveis, como se observa na tabela 1 a seguir. Tabela 1 – Pessoas responsáveis pelos domicílios, por sexo, segundo as Grandes Regiões, em 2000. Os papéis sociais impostos as mulheres passam a se modificar, impactando diretamente na construção e consolidação de novos arranjos familiares, em que a mulher passa a dividir com o homem as responsabilidades pela manutenção familiar e, em casos não muito raros, torna­se a principal provedora do lar. O modelo da família tradicional de classe média brasileira, que consagrava uma divisão clara de papéis, em que geralmente o homem se envolvia com o trabalho remunerado, enquanto a mulher dedicava­se aos afazeres da vida familiar, incluindo a administração da casa e os cuidados com os filhos, passa a não ser mais tão comum em nossa realidade como no século XIX e início do século XX (FLECK; WAGNER, 2013, p. 31). As autoras também enfatizam que há um crescimento expressivo no número de mulheres que trabalham fora de casa e que a renda do trabalho feminino passa a representar a principal fonte de sustento econômico da família (FLECK; WAGNER, 2013). Esse fato acaba sendo decorrente da maior participação feminina nos grupamentos de atividades econômicas. Segundo uma pesquisa realizada, em 2012, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve um aumento 33 significativo da participação das mulheres nos serviços prestados a empresas em relação aos homens, em que “de 2003 para 2011, o crescimento foi de 3,2 pontos percentuais (de 11,9% para 14,9%) entre as mulheres e de 2,3 pontos percentuais entre os homens (de 14,8% para 17,0%).” Esse aumento não diminuiu as responsabilidades da população feminina em seus respectivos lares, pelo contrário, ela agregou múltiplas tarefas as quais as mulheres têm como competência. Atualmente as mulheres inseridas dentro desse novo contexto social enfrentam o desafio de uma dupla jornada a qual conciliam suas atividades domésticas as suas atividades remuneradas. As mulheres dedicam­se tanto ao trabalho quanto o homem e, quando voltam para casa, instintivamente dedicam­se com a mesma intensidade ao trabalho doméstico. Embora alguns homens ajudem em casa, não chegam nem perto da energia que a mulher tende a dar (PROBST, 2003, p. 4). Essa jornada está, a cada dia, tornando­se mais longa e intensa, visto que as mulheres estão conseguindo transpor todas as barreiras, mesmo com os mais diversos obstáculos, “não há um único gueto masculino que ainda não tenha sido invadido pelas mulheres” (PROBST, 2003, p. 2). Segundo Bruschini (1994), esse fator está ocorrendo devido a uma queda da fecundidade, sobretudo nas cidades e regiões mais desenvolvidas, a redução no número de filhos acaba deixando essas mulheres mais livres para exercer suas atividades. Essa redução da fecundidade tem impacto direto sobre o tamanho e a composição da família brasileira. Segundo pesquisa realizada pelo IBGE (2010), constatou­se que ocorreu uma queda substancial do tamanho da família, ​
“​
o tamanho da família brasileira diminuiu em todas as regiões, o número médio de filhos nascidos vivos por mulher ao final de seu período fértil, no Brasil, foi de 1,90 filho. Isso pode ser verificado na tabela 2 abaixo. Tabela 2 – Taxa de fecundidade total e diferença relativa, segundo as Grandes Regiões, em 2000/2010. 34 Os novos valores de comportamento, ou seja, a mudança de papel exercida pelas mulheres dentro do núcleo familiar faz com que a atuação da mulher no mercado seja cada vez mais expressiva, uma vez que muitas se deparam com a realidade de colaboradoras ou provedoras do seu lar. O aumento no nível de instrução da população feminina também garante uma maior preparação, facilitando a presença da mulher nos espaços públicos. De acordo com Probst (2003), a história da mulher no mercado de trabalho brasileiro está sendo fundamentada em dois quesitos que seriam a queda de fecundidade e o aumento no nível de instrução. Esses fatores vêm acompanhando a inserção da mulher no mercado de trabalho e provocando a elevação de sua renda. O número ascendente de mulheres que buscam as instituições de ensino, principalmente de nível superior, indica a preocupação com a preparação de uma maior capacitação. Fontenele­Mourão (2006) salienta que: O aumento da atividade feminina se reflete também no acesso, cada vez mais pronunciado, das mulheres às funções mais qualificadas e de maior prestígio da estrutura ocupacional. Isso se tornou possível, em parte, devido ao crescimento dos níveis de escolaridade feminina que se igualaram, ou mesmo superaram, os da população masculina. (p. 23). Probst (2003, p.2), nesse sentido, ressalta que, apesar de toda dedicação e competência, as mulheres vêm demonstrando uma atuação igualitária nos postos de trabalho, entretanto elas ainda sofrem um elevado grau de discriminação, não só no que tange à qualidade das ocupações nos setores formais e informais do mercado, como também no que se refere à desigualdade salarial. 35 Existem nuances regionais e culturais quanto às percepções do papel da mulher no mundo do trabalho. Mesmo assim, ainda persiste um quadro geral onde a inferioridade feminina pode ser verificada tanto no mercado de trabalho do setor privado quanto no setor público (FONTENELE­MOURÃO, 2006, p. 25). São muitos os desafios lançados às mulheres que, com determinação, chegaram a lugares inimagináveis. Elas vêm se preparando, capacitando­se, conciliando suas jornadas e barganhando dia após dia seu espaço, derrubando os conceitos e preconceitos vivenciados, o que não as impedem de chegar aos espaços delimitados como masculinos. Não é a mais diversa dificuldade apresentada no bojo do mercado de trabalho a atuação das mulheres, o que as intimida, na medida em que elas mostram, em números relevantes, a conquista de novos espaços, em múltiplos setores, entre os quais, o setor público torna­se o mais expressivo. Segundo os dados do IBGE (2012), o setor público foi o mais impactado pela atuação das mulheres, em que, em 2011, “analisando a distribuição da população ocupada, exclusivamente no setor público, ele era composto por 55,3% de mulheres e 44,7% de homem”, como se confere no gráfico 1 a seguir. Gráfico 1 – Distribuição da população ocupada no setor público por sexo (%), em 2003 e 2011*. Um longo e árduo trajeto foi percorrido pelas mulheres para hoje elas estarem ocupando todos esses espaços. Esse foi o preço da busca pela igualdade, 36 para isso elas precisaram equilibrar os problemas domésticos e as necessidades profissionais. No próximo capítulo, pretende­se analisar como se encontram essas mulheres que precisam desse equilíbrio, o qual necessita ser mantido diariamente, entre o de ser mãe e ser profissional, haja vista que, mesmo assumindo o papel de profissional, ela não deixa de ser a principal responsável pelos cuidados com a família. Então se procura debater como é possível, na contemporaneidade, a mulher que está a cada dia mais sobrecarregadas, tendo que conciliar as múltiplas tarefas por ela realizadas, os preconceitos sofridos e as dificuldades vivenciadas em seus lares e em seus trabalhos. 3 MULHERES: DE CASA PARA O UNIVERSO DO TRABALHO Neste capítulo, discorrer­se­á acerca do trabalho reprodutivo, que é o trabalho geralmente destinado à mulher como os cuidados da família e do lar, bem como se mostrará sua importância para a reprodução do trabalho produtivo, que é a atividade remunerada, exercida fora de casa com fins lucrativos. Discutir­se­ão as transformações ocorridas dentro do universo feminino, como elas saíram de seus lares e vêm conquistando dia após dia seu espaço na sociedade, construindo uma nova história. A construção dessa nova história dá­se nos bastidores do cotidiano dessas mulheres. Ainda será salientada a forma que as mulheres estão lidando ao enfrentar as múltiplas jornadas ao longo de cada dia, como elas conseguem conciliar e desempenhar seus papéis, que é o foco principal da pesquisa em questão. 3.1 Trabalho produtivo e reprodutivo: uma questão de gênero 37 A discriminação e o preconceito acompanham as mulheres durante todo o processo de sua inserção ao mercado de trabalho, por isso, até os dias atuais, elas lutam pela igualdade de direitos. São diversos e árduos os desafios encarados nesse percurso que as mulheres resolveram trilhar para provar que também são capazes de trabalhar fora de casa. Sabendo­se que as pessoas vivem inseridas em sociedade capitalista, tem­se um debate que não se pode deixar de aprofundar que é sobre a relevância do trabalho produtivo e reprodutivo na vida das famílias e da sociedade no que se refere à reprodução de sua economia. Assim, essa atividade se volta de uma forma mais específica para o trabalho produtivo, para a sua importância para os membros de cada família. No Brasil, mesmo com a modernização e sua transição para uma sociedade capitalista, o país não conseguiu se afastar dos traços de uma cultura patriarcal5​
, pelo contrário, o capitalismo fortaleceu esses traços. Esses traços da sociedade patriarcal ainda continuam muito fortes, refletindo­se na divisão sexual do trabalho, tanto na esfera do trabalho produtivo como no reprodutivo. A divisão sexual do trabalho é, portanto um fenômeno histórico, pois se metamorfoseia de acordo com a sociedade da qual faz parte. Mas, na sociedade capitalista, ainda nos dias de hoje, o trabalho doméstico permanece predominantemente sob a responsabilidade das mulheres, estejam elas inseridas no espaço produtivo ou não. (NOGUEIRA, 2010, p. 59). Nogueira (2010) relata que, mesmo nos anos 1990 com a mundialização do capital, foram promovidos efeitos contraditórios que afetaram desigualmente o emprego feminino e o masculino, assim como ocorreu uma regressão do emprego masculino e uma ascensão do emprego feminino. Contudo, mesmo com essa ampliação da participação das mulheres no trabalho remunerado, as atividades domésticas ainda eram reservadas às mulheres, sendo a família patriarcal pouco 5
A cultura patriarcal a qual se faz referência está descrita no primeiro capítulo, por Rocha (2009, p. 18): as mulheres nasciam com o destino traçado, as jovens eram educadas para corresponder aos respectivos papéis de esposas zelosas, boas donas de casas e mães dedicadas em tempo integral. Todas as normas estipuladas e condutas exigidas tinham como único propósito prepará­las para corresponder às expectativas masculinas em um possível casamento. 38 alterada, em que o marido é o provedor, e a esposa a provedora complementar e dona de casa. Pensando nesses desafios enfrentados pelas mulheres, percebendo a importância das discussões sobre o debate em torno das questões de gênero no mundo do trabalho, busca­se aprofundar um pouco mais nessas dificuldades encaradas no mundo feminino e nas representações dos trabalhos produtivos e reprodutivos. Essa divisão sexual do trabalho reflete o fato que a maioria dos homens exerce suas atividades no mercado de trabalho capitalista (o chamado ‘trabalho produtivo’) e as mulheres dividem seu tempo ‘naturalmente’ entre a produção de mercadorias fora de casa e a realização das tarefas domésticas relativas aos cuidados da família (o dito ‘trabalho reprodutivo’). (MELO; CASTILHO, 2009, p. 137). De acordo com Melo e Castilho (2009), as atividades domésticas são culturalmente incumbidas às mulheres como algo natural da figura feminina e, por não ser remunerado, sequer é tido como um trabalho, tornando­se, muitas vezes, invisível. Já ao homem que tem sua figura vinculada como o mantenedor do lar, aquele que exerce uma atividade remunerada, é atribuído a ele todo o ​
status​
social. As autoras enfatizam que o trabalho reprodutivo proporciona o bem­estar das pessoas, mas como não possui caráter mercantil, passa a ser ignorado pelas ciências econômicas e desvalorizado pela sociedade. (MELO; CASTILHO, 2009). No caso da economia, as análises sobre o bem­estar humano normalmente se restringem à produção mercantil de bens e serviços, negligenciando os demais aspectos materiais e imateriais que garantem a reprodução humana (MELO; CASTILHO, 2009, p. 139). Nogueira (2010) ainda enfatiza que o trabalho, como forma de reprodução, na conformação capitalista, serve ao capital, não só como exploração da força de trabalho produtivo, como também as atividades domésticas realizadas pelas mulheres dentro de suas casas é que dão o suporte necessário para a manutenção de suas famílias, o que propicia aos homens e a elas próprias reproduzirem suas atividades no mundo do trabalho assalariado. 39 A mulher trabalhadora, em geral, realiza sua atividade de trabalho duplamente, dentro e fora de casa, [...] ao fazê­lo, além da duplicidade do ato do trabalho, ela é duplamente explorada pelo capital: desde logo por exercer, no espaço público, seu trabalho produtivo no âmbito fabril. Mas, no universo da vida privada, ela consome horas decisivas no trabalho doméstico, com o que possibilita (ao mesmo capital) a sua reprodução, nessa esfera do trabalho não diretamente mercantil, em que se criam as condições indispensáveis para a reprodução da força de trabalho de seus maridos, filhos e de si própria (ANTUNES, 2000, p. 108). Os serviços domésticos prestados por mulheres dentro de seus domicílios não lhes permitem folgas, visto que o trabalho é realizado da mesma forma no final de semana ou mais intensificado, já que, é quando geralmente todos os membros da família se encontram reunidos. Essas tarefas são essenciais para a vida das pessoas, e qualquer membro da família pode realizá­las, porém, na maioria dos casos, são executadas pelas mulheres, e nenhuma garantia lhe são asseguradas, mas é um dos trabalhos que as mulheres começam mais cedo a exercer e nunca deixam de fazê­lo. (MELO; CASTILHO, 2009). A pesquisa realizada por Melo e Castilho (2009) revela que 91% das mulheres ocupadas declaram realizar tarefas domésticas, já os homens apenas 51% declaram realizar, ambos possuem uma dupla jornada de trabalho, porém, para os homens, as atividades domésticas se configuram bem mais leve, pois até mesmo as horas dispendidas pelas mulheres para a execução das tarefas domésticas são superiores a dos homens. Segundo análise publicada em 2009, pelo grupo Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos Sociais (DISOC) do IPEA6​
, realizada sobre o 7
PNAD 2008, divulga que: “A diferença mais expressiva foi no número médio de horas trabalhadas em afazeres domésticos. As mulheres ocupadas dispendiam, em média, 20,9 horas semanais, e os homens, 9,2.” (IPEA, 2012, p.11). Dessa forma, a divisão sócio­sexual do trabalho expressa uma hierarquia de gênero que, em grande medida, influencia na desqualificação do trabalho feminino assalariado, no sentido da desvalorização da força de trabalho e consequentemente desencadeando uma acentuada precarização feminina no mundo produtivo (NOGUEIRA, 2010, p. 59). 6
7
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. 40 Essa desvalorização do trabalho reprodutivo se reflete até mesmo na desqualificação dos trabalhos desenvolvidos por essas mulheres, as quais irão à busca de empregos nos quais elas possam vir a conciliar as duas atividades, trabalhos esses que não lhes proporcionam direito algum. Segundo Bruschini (1998, p. 14), “o trabalho feminino não deixa de ser caracterizado como mais precário, em relação ao masculino. Ao contrário, há várias evidências de que a desigualdade de gênero continua a demarcar o mercado de trabalho brasileiro”. E ainda preleciona que: Nas atividades informais, no trabalho domiciliar, a contribuição econômica da mulher quase sempre permanece invisível e com ganhos instáveis. A flexibilização no uso do tempo, no entanto, que permite a conciliação entre atividades familiares e econômicas, continua atraindo mulheres com responsabilidades domésticas para atividades como essas, que não contam com nenhum tipo de garantia (BRUSCHINI, 1994, p. 191). Ainda de acordo com Bruschini (1994), as mulheres são influenciadas por dois mecanismos convergentes, o primeiro é o processo socializador que reproduzem por meio da família, da escola e do meio de comunicação que as direcionam a procurar atividades consideradas próprias para mulheres. Já o segundo será uma consciência de que irão desempenhar as atividades tanto familiares como profissionais e, por conta disso, as ocupações escolhidas possam vir a ser compatíveis com essa situação. O importante a reter é que o trabalho das mulheres não depende apenas da demanda do mercado e das suas necessidades e qualificações para atendê­la, mas decorre também de uma articulação complexa, e em permanente transformação, dos fatores mencionados (BRUSCHINI, 1998, p. 4). Essa desvalorização no trabalho reprodutivo realizado majoritariamente pelas mulheres como se viu ao decorrer das discussões dos autores reflete diretamente no trabalho produtivo, em que as atividades ditas como femininas não recebem o mesmo valor que as masculinas. Por conta disso, é de suma importância para o universo feminino o reconhecimento das atividades domésticas tanto pelo viés da economia como por ser essencial para a reprodução social. 41 3.2 As transformações sociais no universo feminino Grandes foram às transformações ocorridas no universo feminino, mudanças na sociedade e na economia mundial afetaram diretamente a participação das mulheres no mundo. De acordo com Bruschini (1998), muitas dessas mudanças ocorridas mundialmente impactaram em situações mais específicas do mundo feminino, tais como uma maior participação no mercado de trabalho, os índices de redução na taxa de fecundidade, a busca pela ampliação da escolaridade, a expansão de domicílios chefiados por mulheres, que, entre outros, resultaram em uma maior visibilidade na atuação da mulher na sociedade. Uma das mais importantes transformações ocorridas no país desde os anos 70, teria resultado não apenas da necessidade econômica e das oportunidades oferecidas pelo mercado, em conjunturas específicas, mas também, em grande parte, das transformações demográficas, culturais e sociais que vem ocorrendo no país e que tem afetado as mulheres e as famílias brasileiras. A intensa queda da fecundidade reduziu o número de filho por mulheres, sobretudo nas cidades e nas regiões mais desenvolvidas do país [...]. A expansão da escolaridade e o acesso às universidades [...] Por fim, transformações nos padrões culturais e novos valores relativos ao papel social da mulher [...] alteram a constituição da identidade feminina, cada vez mais voltada para o trabalho produtivo (BRUSCHINI, 1998, p. 3). Dentro desse contexto de um mundo dinâmico que está em constante transformação, não é só o papel feminino que vem mudando, mas também o conceito do que é ser mulher. São inegáveis as mudanças significativas ocorridas no âmbito feminino, não só as perspectivas que as mulheres têm delas mesmas, mas também a perspectiva do mundo sobre elas. O modelo imaginário socialmente construído para essas mulheres foi aos poucos sendo desconstruído de forma revolucionária, por intermédio do movimento de mulheres, como se constatou no primeiro capítulo, em que elas se articularam e foram às ruas em busca de seus direitos, de seu espaço. Com muito esforço, determinação e luta, elas foram retirando da sociedade a visão deturpada de sexo frágil, isto é, que a condição de ser mulher necessita de proteção e que sua vida 42 teria de ser de dedicação total àquele que seria seu marido e aos cuidados domésticos e maternos. As reinvindicações foram muitas, como a luta por seus direitos, como o sufragismo, uma das primeiras manifestações pelo direito ao voto, a busca por sua cidadania e emancipação, os questionamentos sobre as relações de gênero, entre outras, que as fizeram ganhar visibilidade e reconhecimento social, fazendo com que os resultados acontecessem. Hoje, se podem conferir os espaços sociais e econômicos serem alcançados, os direitos civis serem conquistados e respeitados, fazendo, assim, que a figura feminina ganhasse mais visibilidade e credibilidade em todas as áreas da sociedade. Devido aos novos tempos, às mudanças ocorridas nos costumes e valores das famílias e por diversos fatores, um deles, a necessidade econômica que dita novas necessidades de consumo, fizeram que a renda derivada do trabalho feminino fosse essencial para a sobrevivência de suas famílias. Elas passam a ser coparticipantes, senão a provedora principal de seu lar. Esses fatores contribuíram para o acesso dessas mulheres a se tornarem parte da população economicamente ativa. A princípio impulsionadas a serem meras contribuintes na manutenção de seu lar, em seguida buscam a liberdade e a autonomia. É notório que a mulher continua exercendo seu papel de mãe e esposa. O que ocorreu foi a adição de um aspecto na identidade feminina: a profissional. É inegável que sua representatividade, no âmbito familiar, sofreu modificações significativas a partir do momento em que esta se inseriu no campo do trabalho formal, não mais sendo responsável exclusiva pela ordem e manutenção da estrutura familiar (PEREIRA, ​
et al.​
, p. 72). Pereira ​
et al. ​
(2011) também traz uma reflexão sobre a desnaturalização da figura feminina ligada somente à figura de reprodutora, bem como outras possíveis variáveis que influenciaram o acesso dessas mulheres ao mercado de trabalho, como a discussão da sexualidade no movimento feminista, a introdução da pílula anticoncepcional e a liberdade da sexualidade reprodutiva, o que permitiu ao público feminino se voltar mais ao trabalho produtivo. Com a ampliação desses debates voltados à liberdade sexual feminina, muitas mulheres acabaram optando por adiar a maternidade ou diminuir o número 43 de filhos para se dedicarem a uma carreira profissional. Ainda segundo Pereira ​
et al​
. (2011, p. 72), ​
“​
pode­se perceber uma relação significativa entre o aumento da inserção da mulher no mercado de trabalho e a diminuição da taxa de fecundidade nos últimos 50 anos.” A maternidade é um dos fatores que mais interferem no trabalho feminino, quando os filhos são pequenos. A responsabilidade pela guarda, cuidado e educação dos filhos na família, limita a saída da mulher para o trabalho remunerado, sobretudo, se os rendimentos obtidos são insuficientes para cobrir custos com formas remuneradas de cuidado infantil. (PEREIRA ​
et al​
., 2011, p. 74). Nesse sentido, Probst (2003) frisa que a mulher, para consolidar sua posição no mercado de trabalho, tem adiado seus projetos pessoais, como, por exemplo, a maternidade; e foi, precisamente, essa redução no número de filhos que contribuiu para facilitar a inserção e permanência da mão de obra feminina. “A redução da fecundidade ocorreu com mais intensidade nas décadas de 70 e 80. Os anos 90 já começaram com uma taxa baixa de fecundidade: 2,6% que cai para 2,3% no fim da década” (PROBST, 2003, p. 6). Esse adiamento da maternidade está diretamente ligado a fatores que as mães trabalhadoras tendem a enfrentar, como a difícil conciliação entre os compromissos profissionais e as atividades maternas, bem como a própria limitação que maternidade lhe impõe, como a redução da disponibilidade do tempo para o trabalho, já que a própria mulher terá de dividir seu tempo com seus filhos. De acordo com Bruschini (1998), “A intensa queda de fecundidade reduziu o número de filhos por mulheres, sobretudo nas cidades e nas regiões mais desenvolvidas do país, liberando­as para o trabalho” (p. 3). A constante necessidade de articular papéis familiares e profissionais limita a disponibilidade das mulheres para o trabalho, que depende de uma complexa combinação de características pessoais e familiares, como o estado conjugal e a presença de filhos [...]. Fatores como esses afetam a participação feminina, mas não a masculina, no mercado de trabalho. (BRUSCHINI, 1998, p. 4). Entretanto, esses resultados atingiram diretamente a estrutura das famílias brasileiras que agora têm uma redução em seu número de componentes, 44 acabaram resultando um maior índice de famílias cuja figura feminina passou a ser o núcleo central. O número de famílias atinge mais de 46 milhões e o declínio dos níveis de fecundidade provoca a redução no tamanho delas que, no final dos anos noventa, passaram a ter apenas 3,4 membros. Com a diminuição da fecundidade, o número de filhos por mulheres se reduziu, sobretudo nas cidades e nas regiões mais desenvolvidas do país, diminuiu­se o tamanho das famílias, o que acarretou o aumento do número de famílias chefiadas por mulheres. (PEREIRA ​
et al.​
, 2011, p. 74). No Brasil, a estrutura familiar predominante é do tipo casal com filhos de acordo com pesquisa publicada pelo IPEA (2009, p. 9): “nos últimos 10 anos, um aumento expressivo de chefia feminina nesse tipo de arranjo, ou seja, no formado por casais. A proporção de arranjos do tipo casal com e sem filhos chefiados por mulher passou de 4,5% em 1992 para 31,2% em 2008.” Pode­se perceber mais na frente, nos relatos que quatro das sete entrevistadas declararam ter uma maior participação nos gastos da manutenção de seu lar, sendo uma delas a principal provedora, devido ao fato de seu marido encontrar­se desempregado, mesmo assim, em momento algum de suas falas, elas se reconhecem como chefes de seus domicílios. Mesmo com esses índices, muitas mulheres não se reconhecessem como a principal provedora do lar, pois, no imaginário social, ainda impera a noção de que o homem é o legítimo provedor. Reduzindo a sua participação a uma mera colaboradora ou coparticipante na manutenção de seu lar. De acordo com Sarti (2005): Cumprir o papel masculino de provedor não se configura, de fato, um problema para a mulher, acostumada a trabalhar, sobretudo quando em precisão; para ela o problema está em manter a dimensão do respeito conferido pela presença masculina. Quando as mulheres sustentam economicamente suas unidades domésticas, podem continuar designando, em algum nível, um ‘chefe masculino’. Isto significa que, mesmo nos casos em que a mulher assume o papel de provedora, a identificação do homem com a autoridade moral, a que confere respeitabilidade à família, não necessariamente se alteram. (p. 67). 45 Araújo e Scalon (2005) dizem que, apesar de a figura da mulher ainda continuar vinculada à de dono de casa, mãe e esposa, é no trabalho fora de casa que cotidianamente elas vêm crescendo. Mesmo com esse aumento no mercado de trabalho, é o trabalho doméstico que ainda se encontra fortemente vinculado à imagem de mulher. O acesso das mulheres ao trabalho pago permanece condicionado pela domesticidade de suas relações, como se fosse uma dimensão exterior às suas vidas. Já o acesso dos homens continua naturalizado, considerado um imperativo e percebido a partir de suas trajetórias, possibilidades de ganhos e de realização pessoal dentro do mundo do trabalho (ARAÚJO; SCALON, 2005, p. 19). Nesse sentido, observa­se uma transformação, ainda que pequena, que vem ocorrendo no seio das famílias brasileiras, em que os papéis desempenhados pelos homens e pelas mulheres passam por uma transição na qual as tarefas tanto nos cuidados com a casa como com os filhos estão sendo compartilhadas e realizadas de uma forma não igualitária, no mínimo divididas equilibradamente. Portanto, o fato de que, mesmo sendo tímidas as mudanças nos padrões de divisão de trabalho doméstico, é no envolvimento masculino com os filhos que se percebe um quadro mais positivo. [...] pode­se verificar que no tocante às divisões das tarefas domésticas, as relações mais igualitárias e as relações mais tradicionais se mesclam. Isto indica faces modernas e faces conservadoras, as quais evidenciam as ambiguidades da sociedade contemporânea. (FRANÇA, SCHIMANSHI, 2009, p. 76). Entende­se que a declaração apontada pelos autores supramencionados pode ser observada ao longo das entrevistas realizadas, onde algumas delas declara ter companheiros mais compreensivos, existindo entre o casal um consenso mútuo no que se refere à manutenção do lar, ocorrendo uma divisão equilibrada da realização das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos. Araújo e Scalon (2005) destacam que está ocorrendo um declínio nos valores patriarcais, nos quais as mulheres passam a ter mais alternativas de escolhas, e o seu trabalho pode ser visto sobre três aspectos, sendo uma realização pessoal, pois ela sai do âmbito do privado onde seu trabalho não é remunerado e muitas vezes invisível para adquirir um ​
status social. Tal prestígio lhe permite se 46 nivelar à figura masculina. O outro valor seria por necessidade econômica, em que as mulheres são induzidas pela circunstância a buscar seu sustento, e o último seria a formação de sua identidade como indivíduo. É esse gradativo processo de transformação o qual a mulher contemporânea vem atravessando e que vai para além dos muros de seus lares, atingindo mudanças e resultando em transformações nas estruturas de uma sociedade que hoje se consegue vislumbrar e destacar a figura feminina sob nova óptica. 3.3 Maternidade e suas múltiplas jornadas As diversidades de papéis adquiridos pelas mulheres representam a história de sua emancipação, apesar de toda autonomia conquistada devido a sua inserção no mercado de trabalho, que só foi possível seu acesso por conseguir desempenhar todas as outras atividades que lhe foram atribuídas, entre elas o da maternidade que ainda se caracteriza como algo muito forte no âmago dessas mulheres as quais se equilibram e se dividem em suas múltiplas jornadas. O discurso social, apesar de ter incorporado este novo papel – o de profissional interessada e competente – à identidade feminina e de ter, até certo ponto, questionado a doutrina da maternidade como essência, mudou muito pouco a definição de mulher. Isto é, ele continuou e, nós acreditamos, continua a atribuir à mulher todos os encargos como a casa e a família, tributário ainda a características que, no fundo, a sociedade considera até agora como essencialmente femininas. Ou seja, na verdade, a identidade feminina não foi substancialmente alterada, mas sim ampliada para incluir este novo papel (ROCHA­COUTINHO, 2004, p. 5). Sendo assim, ainda temos a mulher como símbolo do elo familiar mais forte na sociedade, e se espera dela que haja um bom desempenho ao desenvolver tal tarefa, não deixando de lado seu papel de protetora de lar. Hoje se tem uma sociedade pautada no discurso da liberdade feminina, porém ele acaba sendo contraditório, visto que tanto as mulheres como os homens possuem a mesma liberdade de inserção no mercado de trabalho, todavia, diferentes deles, elas continuam carregando a mesma responsabilidade sobre suas casas, onde lhe é repassada sua principal atuação em seus domicílios. 47 Assim, foi possível constatar na pesquisa de campo que se está tornando mais comum nos lares a divisão das tarefas. Verifica­se que alguns lares não mudaram muitos dos padrões antigos, onde recai sobre as mulheres a responsabilidade da realização das atividades domésticas. Para algumas, isso se configura em uma sobrecarga, pois, ao chegarem a seus domicílios, o homem irá descansar em quanto ela começa uma nova jornada entre o cuidado com a casa e os filhos. Se comparar a mulher de hoje com a do início do século passado, a diferença é enorme. A grande maioria está sob a lógica do modo de produção capitalista e vem conseguindo obter certo status de cidadã, próprio de cada sociabilidade deste sistema. No entanto, a individuação se choca com a submissão. Por isso, o discurso tem de ser dúbio, pois deve ser um discurso que enaltece a liberdade, o trabalho, a escolarização feminina e, ao mesmo tempo, crie um efeito discursivo que não deixe as mulheres esquecerem que seu lugar primordial é a casa, que seu espaço fundante é a família [...]. (MAGALHÃES, 2005, p. 42). Embora as mulheres exerçam atividades externas a sua casa, ela não pode abandonar as tarefas domésticas e maternas. Mesmo que as mulheres não as realizem, delegando­as a terceiros, ainda assim continua do cunho de sua responsabilidade a efetivação das mesmas, para garantir a ordem de seu lar, proporcionando aos membros da família e a ela própria sua reprodução externa. [...] a responsabilidade com os cuidados dos filhos não é repassada nem quando a família faz uso de creches e outros mecanismos, pois admitir que as tarefas de reprodução cotidiana não são eminentemente femininas seria considerá­las desvinculadas da natureza da mulher [...] (MAGALHÃES, 2005, p. 35). Bruschini (1998) diz que a maternidade se constitui como uma grande barreira a ser transposta para a permanência dessas mulheres no mercado, pois a preocupação com os cuidados e a educação dos filhos também recaem sobre elas. Diante dessa situação, infere­se que a isenção do Estado diante da mãe trabalhadora, que constitucionalmente é amparada por lei, sendo o Estado o responsável pela criação de instituições que propiciem a essa mãe o cuidado com seus filhos menores. Art. 7º, XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes 48 desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré­escolas. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, p. 11). É o amparo de instituições como estas que serão cruciais para as mães retornarem aos seus trabalhos e se consolidarem no mercado. Segundo Bruschini (2004), “A idade dos filhos também tem consequências sobre a participação econômica feminina. Quando os filhos são pequenos, as mães são as principais responsáveis por eles” (p. 187). Mesmo diante dessa deficiência do aparato do Estado, é a necessidade econômica que realmente irá determinar a permanência ou não da mulher no mercado de trabalho. O efeito da presença de filhos varia em função dos níveis de rendimento do grupo familiar. Para as mulheres de renda mais baixa, a atividade mantém aproximadamente os mesmos níveis, caso ela seja ou não mãe (cerca de 18%) e aumenta quando ela tem mais de um filho (20%), revelando que a premência econômica supera os empecilhos decorrentes da maternidade.” (BRUSCHINI, 2004, p. 187). Bruschini (1998) relata que as mães trabalhadoras ainda se tornam mais sobrecarregadas, principalmente aquelas que possuem uma menor renda, devido à insuficiência de equipamentos coletivos que as ampare, como as creches, que só atendem uma parcela muito pequena das crianças brasileiras, fazendo assim com que essas mulheres recorram a terceiros. A autora ainda relata que, quando a necessidade econômica é tão premente que inviabiliza os cuidados da maternidade em tempo integral, outros arranjos como a rede de parentesco ou a vizinhança são acionados, permitindo o retorno da mãe ao seu trabalh​
o. Isso também se constitui em um reflexo da discriminação enfrentada pelas mulheres no mercado de trabalho atual, que, mesmo com importantes transformações ocorridas nos últimos anos, é preciso não superestimar a profundidade dessas mudanças, nem acreditar que as desigualdades tenham sido erradicadas dos espaços público e privado (Rocha­Coutinho, 2004). As mulheres continuam sofrendo discriminação, ainda que velada, no espaço público: geralmente seus salários são mais baixos do que dos homens, elas têm menos acesso do que eles às garantias trabalhistas, com frequência não ocupam postos de chefia, e continuam sendo, de certa forma, segregadas em 49 ‘guetos’ ocupacionais, isto é, a maioria ainda está ligada a trabalhos educacionais, assistenciais e à prestação de serviço. (ROCHA­COUTINHO, 2004, p. 4). É importante ressaltar que a inserção da mulher no mercado de trabalho vem sendo acompanhada por um elevado grau de discriminação, não só na qualidade das ocupações nos setores formal e informal. No que diz respeito à desigualdade salarial (PROBST, 2006). As mulheres ganham cerca de 30% a menos que os homens exercendo a mesma função. Conforme o salário cresce, cai a participação feminina. Entre aqueles que recebem mais de vinte salários, apenas 19,3% são mulheres (PROSBT, 2006, p.7). Rocha­Coutinho (2004) ressalta que as mulheres continuam enfrentando muitas barreiras em busca de empregos melhores e mais gratificantes, e que essas barreiras são decorrentes de estereótipos do gênero que continuam reforçando a ideia de que mulheres e homens têm características distintas e que foram designados para diferentes tipos de trabalho. Para mudar essa situação e ultrapassar esses obstáculos, muitas delas buscam na educação um modo de melhorar sua situação diante de um mercado de trabalho rigidamente competitivo e de discrepâncias salariais. As mulheres se estendem, pois, para mais uma jornada, como a de estudante, cujo fim é melhorar sua condição de trabalhadora dentro de um mercado que necessita, cada vez mais, de trabalhadores qualificados e especializados. No que diz respeito à educação das trabalhadoras, os dados confirmam [...] a intensa associação entre a escolaridade e participação das mulheres no mercado de trabalho. As mais instruídas são as que mais trabalham fora de casa, porque podem ter atividades mais gratificantes ou bem remuneradas, que compensam os gastos com a infraestrutura doméstica necessária para suprir sua saída do lar (BRUSCHINI, 1994, p. 187). É com o escudo da educação, seu aprimoramento e especialização que muitas buscam enfrentar os obstáculos que se levantam diante delas em seus trabalhos, nas entrevistas de campos, pode­se perceber que aquelas que estudam, apenas uma das entrevistas não estuda, por questões financeiras, todas dão 50 extrema importância à extensão de sua educação, pois depositam seu desejo de crescimento profissional e financeiro. Foi com este fator da expansão da escolaridade que as mulheres vêm se utilizando para derrubar o índice de desigualdade de cargos e salários ocupados antes majoritariamente por homens. Entre tantos outros fatores que impulsionam a busca do público feminino a se inserir no mercado de trabalho, foi o crescimento do grau de escolaridade das mulheres que as fizeram mais atuantes no mercado. De acordo com Bruschini (1998): O crescimento do trabalho das casadas e mães poderia ser tomado, de um lado, como um indício da pressão econômica que estaria forçando mulheres com essas características a procurar o mercado de trabalho. A diversificação das pautas de consumo, gerando novas necessidades e desejos, o empobrecimento da classe média e a necessidade de arcar com os custos da educação e saúde, devida à precarização dos sistemas públicos de atendimento, fariam parte desse processo. Contudo, esse aumento também é fruto de um intenso processo de modernização e de mudança cultural observados no Brasil a partir nos anos setenta, do qual faz parte a expansão da escolaridade, à qual as mulheres vêm tendo cada vez mais acesso. (p.7). Contudo, as jornadas femininas apenas se ampliam ao longo dos tempos, em que uma não substitui a outra, a mãe não deixa de ser trabalhadora e a trabalhadora não deixa de ser mãe. Esse é o novo quadro de contingentes de trabalhadoras, em que muitas vezes elas abrem mão de suas realizações individuais, suas aspirações profissionais, para conseguir dedicarem­se um pouco mais às necessidades de sua família. Torna­se comum o desdobramento da mulher no desempenho do seu duplo papel, o que dificulta para ela a visualização da sua própria condição. À mulher cabe, portanto, além do seu trabalho fora de casa, a incumbência da execução do papel de mãe, esposa e dona de casa (FRANÇA e SCHIMANSKI, 2009, p. 76). De acordo com França e Schimanski (2009), muitas mulheres encontram dificuldades em conciliar casa e trabalho devido ao acúmulo de tarefas desempenhadas, mas isso para muitas mulheres é considerado algo natural, mesmo que muitas vezes elas abram mão de seu próprio descanso no final de semana para dedicar­se a organização e realização das tarefas de seu lar. 51 As mulheres vêm assumindo mais responsabilidades, são diversos os espaços de sua atuação, como, por exemplo, casa, trabalho, instituições de ensino. Muitas delas ainda encontram um tempo para se dedicarem a sua aparência, conciliando entre uma jornada e outra, cuidados com a beleza e o corpo, padrões atualmente em destaque na sociedade. Acompanhando esse progresso do universo feminino, as responsabilidades cresceram e consequentemente suas jornadas também, ampliaram­se, as acarretando muitas vezes dias exaustivos, os quais muitas delas têm como realização. No decorrer deste capítulo, foi possível ter um maior aprofundamento da atual realidade vivida por mulheres inseridas no mercado, tendo o interesse especificamente nas mães que se predispõem a encarar múltiplas jornadas e desempenhar múltiplos papéis. Foi de extrema importância e necessidade a descrição realizada sobre as transformações ocorridas dentro do universo feminino. Pode­se nele se apropriar de mais conhecimentos a respeito das desigualdades produzidas no seio de uma sociedade capitalista dita moderna, mas que ainda carrega consigo traços de um patriarcalismo vivo, o qual ainda atinge essas mulheres e de como elas, diante de tudo, conseguiram reverter o quadro, desmanchando um ideário e produzindo não somente uma mudança interna, como também construindo e consolidando uma nova imagem do que é ser mulher. Os elementos no texto produzido proporcionaram margem e segurança a fim de prosseguir e progredir para adentrar ao campo de pesquisa, apropriando­se e embasando­se de conhecimentos os quais permitiram uma melhor análise sobre as respostas das entrevistadas como se verificará a seguir. 52 4 A APROXIMAÇÃO COM O CENÁRIO DA PESQUISA Neste capítulo, proceder­se­á a uma breve aproximação com o campo de pesquisa, o qual dará informações necessárias para que se possa entender a dinâmica do objeto de pesquisa em questão. No primeiro momento, discorrer­se­á um pouco sobre a fundação da empresa, o ramo em que esta atua, sua missão, visão, valores e benefícios ofertados; o quadro de funcionários vinculados à empresa, especificamente as mulheres, com focos nas que são mães, que são alvos desta pesquisa, a fim de contextualizar a pesquisa de campo. Assim, haverá um contato mais aprofundado por intermédio das entrevistas com o objeto de estudo da pesquisa, no nosso caso, com as mães, que estão inseridas no mercado de trabalho. Então, serão expostas as categorias que as mães trabalhadoras estão classificadas e as análises realizadas por intermédio dos 53 pontos que a pesquisadora considerou mais instigantes, para conhecer mais de suas histórias de vida, como fazem para conciliar suas rotinas e como é equilibrar esses múltiplos papéis que elas se propõem a enfrentar. 4.1 Conhecendo a instituição A pesquisa foi realizada em uma empresa privada multinacional, uma das maiores companhias de alimentos e bebidas do mundo8 ​
, que foi eleita por treze vezes uma das empresas preferidas para se trabalhar, segundo uma pesquisa realizada pela revista Exame9 ​
. No site da companhia, encontra­se descrita a missão, a visão, os valores, os princípios, o código de conduta e um breve histórico da fundação e das atualidades que ocorrem dentro da empresa. Baseada no site, em dados fornecidos pelos responsáveis da empresa e, sendo conhecedora da realidade desta empresa da qual a pesquisadora faz parte, as próximas linhas tratarão a respeito do estudo de campo da pesquisa. Para receber o mérito de ser uma das melhores empresas de se trabalhar, a organização se pauta em valores social e ambientalmente responsáveis
10
. A empresa informa suas ideias, em suas redes sociais, sua busca por um crescimento sustentável e seu estímulo à inovação. Para entender como suas ações contribuíram para o futuro melhor, a empresa preocupa­se em tratar do crescimento das pessoas e da companhia, tem como princípios o cuidado com os clientes, consumidores e o mundo, assim ganha com a diversidade e a inclusão que se baseia no respeito às diferenças de cada indivíduo que ali presta serviço. A empresa está em território nacional desde 1953. No Brasil, possui mais de 100 filiais de vendas e conta com o trabalho de doze mil funcionários. Foi 8
Estes dados foram extraídos de fonte virtual de uma série de dados, cujo acesso foi autorizado e disponibilizado pelos responsáveis da Companhia. 9
Em 2010, a Companhia foi classificada, no Guia Você S/A Exame, como uma das melhores empresas para se trabalhar no Brasil. Sendo o 11º ano em que a empresa é eleita uma das melhores do Brasil. 10
A empresa já foi indicada quatro vezes para o índice de Sustentabilidade Mundial da Bolsa de Nova Iorque (Dow Jones). A inclusão nesse índice é um reconhecimento às empresas que exemplificam a liderança em sustentabilidade entre as 250 maiores empresas do mundo. 54 implantada, no Ceará, no ano 1999, a filial encontra­se hoje localizada na Rodovia Quarto Anel Viário, no Bairro Ancuri, na cidade de Fortaleza, no estado do Ceará. A empresa analisada, em Fortaleza­CE, possui 159 funcionários, entre eles 64 são mulheres, e dessas 64 mulheres, 31 são mães, as quais ocupam seu espaço em todos os cargos e em todas as áreas da empresa. Essas mulheres estão distribuídas da seguinte forma: as internas, que trabalham dentro da própria empresa e fazem parte do quadro administrativo, dando o suporte financeiro e apoio aos processos burocráticos, necessário à equipe de vendas. As externas, que trabalham dentro dos comércios em que a empresa fornece seus produtos, fazem parte da equipe de vendas. Essas funcionárias efetuam as vendas dos produtos, organizam as lojas dos clientes, contribuindo diretamente para o faturamento da Filial. Por esta pesquisa estar voltada para o universo feminino e para a inserção das mulheres no mercado de trabalho, deter­se­á agora apenas na descrição dos cargos somente ocupados por elas. Essa descrição será explicitada de forma bem detalhada a seguir. No quadro interno, tem­se uma coordenadora administrativa, a qual coordena toda a filial, apoiando o quadro de assistentes administrativos que, de 8 funcionários, 6 são mulheres, responsáveis pelos processos burocráticos. Também possui 5 aprendizes, 3 deles são mulheres, e todos estão vinculados à empresa pelo projeto do Governo Primeiro Passo11​
. Há também uma analista de RH, responsável pelas admissões e demissões, pela implantação e garantia dos benefícios ofertados na companhia; uma coordenadora de logística, responsável pelas entregas dos produtos aos clientes; uma assistente de vendas, que dá suporte ao gerente de vendas; e uma zeladora, que mantém a limpeza do escritório. No quadro externo, há uma gerente de vendas, a qual coordena e auxilia vendedores; uma vendedora, que efetua as vendas e é responsável pelas negociações diretas com os clientes; três promotoras líderes, que são responsáveis pelas propagandas dos produtos nas lojas e pelo apoio à equipe de promotores, que 11
Projeto social implantado pelo Governo do Estado do Ceará, que atende a jovens que querem ingressar no mercado de trabalho. O projeto é desenvolvido pela Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Governo do Estado, a qual criou a oportunidade para os jovens que não conseguem ingressar em um estágio de uma empresa privada ou pública. 55 organizam e repõem os produtos na loja de sua responsabilidade; e aprendizes, que em seus estágios acompanham os promotores. Todos os funcionários, estagiários e dependentes (cônjuges/filhos até 24 anos) possuem assistência de médica que inclui consultas, exames e internação, sem custo mensal; assistência odontológica que tem cobertura nacional; convênio farmacêutico, para o qual é disponibilizado um cartão em que o funcionário pode efetuar compras de medicamento nas redes de farmácia, tendo o desconto em folha de pagamento; complemento auxílio­doença disponível para os funcionários afastados por auxílio­doença ou acidente de trabalho, em que a empresa complementa o benefício pago pelo INSS durante 180 dias; seguro de vida a todos os funcionários, uma apólice coletiva que proporciona mais segurança e estabilidade para o profissional e sua família; auxílio funeral; auxílio alimentação e auxílio transporte. Para o extenso quadro de trabalhadoras femininas, a empresa acabou voltando sua preocupação ao bem­estar dessas profissionais e, dentro de uma lógica, na qual as funcionárias entendem que ter seus direitos garantidos não só as asseguram como promovem benefícios específicos a estas mulheres. E essas vantagens chegam até mesmo às mulheres de seus funcionários. Com essa visão, a companhia acredita gerar incentivos a seus funcionários para desenvolverem seus papéis com mais dedicação. A empresa possui um Programa chamado ​
Bem­Estar que visa levar aos seus funcionários uma nova cultura de saúde e qualidade de vida. Dentro desse programa, tem­se o projeto “Doce Começo”, no qual as mulheres gestantes têm sua licença­maternidade estendida, para que as mães possam aproveitar mais dois meses em casa com seus recém­nascidos, assim elas “terão mais tempo para se ajustar ao novo ritmo, cuidar de seus filhos e de si mesmas, além de desfrutar mais tempo com suas famílias”12​
; licença­adoção/guarda­judicial são oferecidas às mães por adoção e por guarda­judicial a possibilidade dos seis meses de licença maternidade; licença­paternidade que propicia aos funcionários que irão ser pai 5 12
Essas informações foram extraídas diretamente do portal virtual da empresa pesquisada. 56 dias a mais de afastamento, sendo 10 dias para acompanharem suas esposas e seus filhos nos primeiros dias de vida. Para as funcionárias que são mães, a empresa as auxilia com um ano e seis meses de auxílio­creche, uma quantia depositada em folha de pagamento no valor de R$ 373,00 a mais em seus salários. E aqueles que buscam uma extensão ou especialização em sua educação, a empresa disponibiliza um reembolso educacional e de idiomas, colaborando com 50% no valor das mensalidades dos cursos. Muitos são os benefícios prestados por esta empresa, que hoje são difíceis de serem encontrados no mercado de trabalho, mas não resulta dizer que essas mulheres não passem por dificuldades, nas lutas cotidianas, até porque são muitas, iguais em gênero, mas diferentes em seus estilos de ver, ouvir, sentir e viver e foi buscando esses elementos que este campo foi escolhido. No próximo tópico, será explorado como essas mulheres mães vêm enfrentando sua inserção no mercado, suas histórias e percepções que elas carregam do meio em que vivem. 4.2 Categorias presentes Foram realizadas 7 (sete) entrevistas e posteriormente suas respostas foram analisadas. Discutiu­se temas como o significado do trabalho e da família; o que as levaram a buscar o mercado de trabalho; como se dá a rotina dessas mulheres que desempenham os mais diversos papéis, como o de mãe, esposa, profissional, estudantes, entre outros; e qual a percepção em relação a si mesmas. Das análises realizadas, foram observadas diversas categorias como a necessidade econômica que foi apontada pelas mulheres como o principal fator que as levaram a buscar sua inserção no mercado de trabalho. Desenvolvimento profissional e pessoal, responsabilidade, cooperação, maternidade, mudança, ausência, sobrecarga e incapacidade também foram levantadas como categorias presentes nessas análises. 57 4.3 Análises das entrevistas 4.3.1 Necessidade econômica ou sobrevivência São os mais diversos os motivos pelos quais as mulheres buscam sua inserção no mercado de trabalho, entre eles, o que mais foi apontado entre as entrevistadas foi a necessidade de auxiliar na manutenção de seus lares e na própria sobrevivência e na de sua família. As mulheres, antes mesmo de serem mães e constituírem sua própria família, já buscam sua inserção no mercado, por causa de suas necessidades pessoais. Isso ocorre segundo Bruschini (2004, p. 179), devido “a necessidade econômica, que se intensificou com a deterioração dos salários reais dos trabalhadores e que as obrigou a buscar uma complementação da renda familiar”. Como relata a entrevistada Rubi ​
“o que me levou a trabalhar foi à necessidade mesmo, de ter uma renda pra ajudar a minha família, ajudar a minha mãe”. Já outra entrevistada revelou que: Bom, eu trabalho fora da minha casa desde 12 anos, e o que me levou, antes de eu ter filho, a trabalhar foi porque minha mãe tinha muitos filhos [...] e eu fui trabalhar porque eu queria ajudar minha mãe, tanto pra criar os meus irmãos, como pra comprar minhas coisas (ESMERALDA). Todas relataram que encontraram no trabalho a oportunidade de realizações pessoais, constituindo­se também como uma forma de ganhar autonomia, visto que foi pelas atividades laborais que elas conseguiram conquistar seus bens materiais. Nesse sentido, Bruschini (2004) ainda enfatiza: Face à proliferação de novos produtos e à grande promoção que dele se fez, redefiniu o conceito de necessidade econômica, não só para as famílias de camadas médias, mas também para as de renda mais baixa, entre as quais, embora a sobrevivência seja a questão crucial, passa a haver também um anseio de ampliar e diversificar a cesta de consumo (p. 180). Desse modo, constata­se esta situação na fala da entrevistada Jade quando revela: ​
“​
quando eu completei 18 anos, eu queria me bancar, ter as minhas 58 coisas e não precisar mais dos meus pais, aí eu já fui atrás de emprego.” Também a entrevistada Safira deixa claro que foi devido a novos desejos de consumo: Eu nasci em uma família muito humilde, né!?, que não tinha muitos recursos, então assim, tive que começar a trabalhar com 13 anos, não que os meus pais não pudessem me sustentar ou que precisassem de ajuda, mas foi mais que eu pudesse ter mais acesso, comprar aquilo que eu precisasse sem estar mexendo no orçamento deles (SAFIRA). Portanto, pode­se verificar que o trabalho representou para elas uma forma de obter realizações pessoais também. 4.3.2 Trabalho Evidencia­se por intermédio dos relatos a importância que o trabalho tem na vida de todas, no entanto, o que mais chamou atenção da pesquisadora foi a resposta da entrevistada Esmeralda que disse: “depois do Senhor Deus, ele fica em segundo lugar, porque [...] eu consigo ser independente, eu consigo manter a minha casa que eu não tenho marido, é só eu, minha filha e meu irmão.” Três das entrevistas estão mais voltadas ao desenvolvimento e à emancipação financeira que o trabalho proporciona em suas vidas e no prazer que sentem ao desempenhar tal atividade. Assim, a entrevistada Pérola ​
relata que “muita gente fala que é a questão do salário, financeiro, mas não é só isso, tem essa questão de conquista mesmo dos resultados.” Enquanto a entrevistada Safira revelou que: O trabalho pra mim é um ponto de equilíbrio, que é através dele que você consegue várias conquistas, crescimento profissional, crescimento pessoal, status também, querendo ou não, ele traz ​
status pra gente, então o trabalho, não me vejo sem trabalhar, não consigo me ver sem trabalhar (SAFIRA) Sobre a questão da emancipação, a percepção que se tem diante das respostas das “pedras preciosas” é que o trabalho produz na vida dessas mulheres dois extremos que serão expostos a seguir. O primeiro seria de uma realização, o trabalho lhes proporciona uma grande satisfação pessoal e profissional, permitindo­lhes agir de forma autônoma, 59 agora elas já podem tomar suas próprias decisões, pois, agora, o trabalho faz com que elas possuam recursos e meios para isto. A respeito disso, a entrevistada Topázio declarou: O que me levou a trabalhar fora de casa foi à necessidade de dependência profissional. Eu trabalho há seis anos fora de casa, comecei com 26 anos. O trabalho faz eu me sentir mais confiante, ter menos medo de assumir, de eu fazer alguma coisa [...], a independência, o poder, o fazer, eu poder comprar ou organizar alguma coisa dependendo só de mim. (TOPÁZIO) O segundo extremo é o de afastamento do seio familiar à medida que elas se inserem e se envolvem com o universo do trabalho acabam recebendo mais responsabilidades, o que acaba diminuindo seus momentos de lazer e dedicação à sua família. Segundo a entrevistada Diamante, “​
apesar do trabalho me proporcionar independência e algumas melhorias, a verdade é que trabalhamos muito e aproveitamos menos a vida e nossa família”. Observe o que revela sobre isso a entrevistada Jade: O trabalho tem seus pontos negativos também, eu fico pouco tempo com meus filhos, o máximo que eu fico com eles é só o domingo e o final do sábado, mas quando chego do trabalho tento ficar o máximo possível com eles, só que o tempo que é pouco, eu chego e com pouco tempo eles precisam dormir por causa da escola (JADE). Este segundo ponto levantado em relação ao trabalho foi negativo devido à ausência que ele promove em relação à família, já que as horas dedicadas ao trabalho acabam consumindo uma boa parcela do seu dia. A fala da entrevistada Rubi expressa muito bem o sentimento de todas as entrevistadas: “eu passo muito tempo ausente, como a gente é mãe, têm família, têm casa [...]. Eu acho que a carga horária de trabalho é muito sofrida pra quem têm família, principalmente pra quem têm filho pequeno.” Dessa forma, percebe­se que o trabalho traz satisfações, no entanto também promove inquietações com a ausência no seio familiar. 4.3.3 Atividade profissional 60 Quando perguntadas a respeito da execução das atividades domésticas, todas as entrevistadas, mesmo tendo quase todo o seu dia dedicado ao seu trabalho, afirmaram não serem isentas dessas atividades, e acabam realizando­as ao chegarem a seus domicílios. Acerca dessa questão, as escritoras relatam que: As tarefas historicamente conhecidas como sendo preferencialmente das mulheres, não foram eximidas do seu cotidiano, elas seguem, portanto, assumindo uma dupla responsabilidade e dupla jornada de trabalho. (FRANÇA; SCHIMANSKI 2009, p. 75­74). A entrevistada Esmeralda ​
mora somente com a filha e um irmão que também trabalha fora e passa a maior parte de seu tempo na rua, retornando apenas à noite para casa, e ele não a ajuda nas atividades domésticas. A entrevistada relata que: “como eu trabalho a semana toda, eu realizo no final da noite, quando eu chego da faculdade, e nos finais de semana”. Já a entrevistada Safira, apesar de morar com o marido, realiza também suas tarefas sozinha, somente às vezes recebe a ajuda de sua filha. Eu que realizo as atividades domésticas quando chego em casa do trabalho. Meu marido não me ajuda em nada, ele não lava nenhum prato, nada, nada, nada, a minha filha mais velha me ajuda. Eu que faço, vou limpar a casa, providenciar o jantar, organizar alguma roupa que esteja no varal, isso aí eu procuro fazer durante a semana pra que no final de semana eu tenha um tempinho mais livre (SAFIRA). Três delas, apesar de cuidarem da manutenção de seu lar, durante a semana, após um dia de trabalho, utilizam­se de uma diarista que as visitam quinzenalmente para auxiliarem na organização e proporcionarem uma maior limpeza em seus domicílios. De acordo com Magalhães (2010), “embora cumprindo atividades externas a casa, a mulher é impedida de abandonar as tarefas domésticas, e mesmo que não as faça, é ela que deve garantir que sejam realizadas.” (p.182). Observe as declarações das entrevistadas: Eu pago uma diarista, que vai quinzenalmente a minha casa fazer esse serviço mais pesado, no dia a dia quem faz sou eu. Diariamente, varro a casa, lavo banheiro, essas rotinas diárias mais leves [...] à noite ainda ao chegar do trabalho e no final de semana, sábado e domingo (RUBI). 61 Eu realizo o trabalho doméstico na minha casa, eu terceirizo muita coisa, fico dividindo as tarefas, eu faço uma coisa, minha filha faz outra e o meu marido outra, isso durante a semana, mas eu tenho uma diarista, por quinzena, mas eu realizo também no final de semana (PÉROLA). Das sete entrevistadas, quatro que são casadas relatam que recebem ajuda do marido e dos filhos maiores nas execuções das tarefas domésticas, como mostra a entrevistada Topázio: ​
“​
os meus filhos me ajudam, cada um cuida das suas coisas, e eles mantém a casa limpa [...]. Meu marido me ajuda muito, ele lava prato, olha o caderno dos meninos, compra algo que falta em casa.” Corroborando com essa declaração, vejam­se as declarações das seguintes entrevistadas: Eu não faço nada só, também meu esposo me ajuda, lava banheiro, estende a roupa e tira a roupa do varal. Se eu não puder, vai ao supermercado, minha filha também tem suas tarefas de casa pra fazer também (PÉROLA). Meu esposo me auxilia, me dá um suporte, eu faço uma coisa, ele faz outra [...]. Quando a gente tá em casa ele fica mais com nossa filha do que eu, eu já fico mais voltada pra organização das coisas da casa, e ele fica mais com ela (RUBI). Levando em consideração o que foi mencionado no segundo capítulo pelos autores Araújo e Scalon (2005), os quais confirmam ocorrer um declínio nos valores patriarcais e revelam que as estruturas familiares estão se transformando, devido a isto, um equilíbrio na realização das atividades domésticas já pode ser visto dentro dos lares. 4.3.4 Maternidade Mas isso é apenas o começo de uma mudança, visto que, mesmo trabalhando fora, estudando e recebendo ajuda de terceiros e auxílio de seus maridos e filhos, todas relatam continuarem sendo as principais responsáveis e executoras das atividades domésticas. Cobrança essa que vem de seus familiares e delas próprias que colocam essas atividades em destaque em sua lista de prioridades. Ao perguntar o significado da maternidade na vida das entrevistadas, percebe­se uma comoção em geral, pois elas se emocionaram. Então se entende 62 que elas ficam mais à vontade para falar, até a fala torna­se diferente, pois a entonação fica com mais ternura. A entrevistada Safira expõe acerca de suas duas filhas: “a maternidade na minha vida significa tudo [...]. Elas [as duas filhas] pra mim são tudo na minha vida, o que eu faço, o que sou hoje é por elas.” Acerca do significado da maternidade, vale conferir as declarações das entrevistadas a seguir. Ai é uma coisa imensa, assim depois que eu fui mãe nunca mais eu fui a mesma pessoa, tudo é voltado para a criança. A gente trabalha pensando na criança, no filho, trabalha em função do futuro daquele filho, então a maternidade foi uma coisa assim que me fez mudar muito, ver a vida com outros olhos, com certeza (RUBI). A maternidade tem um significado imenso, eu mudei complemente, o meu ponto de vista [...], eu mudei de opinião, mudei de personalidade, de comportamento, mudei meus conceitos, princípios e valores, mudou tudo, pra melhor (TOPÁZIO). Percebe­se nos relatos que a inserção no mercado de trabalho toma outro significado depois da maternidade, o que antes era para suprir suas necessidades e da sua família (antes constituída pelos pais), agora toma outro sentido, vincula­se também em poder proporcionar um futuro melhor para seus filhos. A entrevistada Diamante relata um pouco desse sentimento: “a maternidade modificou minha vida por inteiro, tudo se transforma e você passa a viver por ele [o filho] e sua vida e seus sonhos passam a ser projetados para ele, para o bem­estar dele.” A maternidade não deixa de ser uma realização, porque tudo que eu sonhava em fazer, ou ter, eu me realizo nela, então é a realização mesmo. Eu vejo ela crescer, as atitudes dela, eu me vejo sabe, em coisas que eu queria e de repente na idade dela eu conseguia fazer, eu me realizo nela (PÉROLA). Dessa forma, entende­se que a maternidade tem uma influência muito positiva na vida dessas mulheres trabalhadoras, na medida em que suas atividades laborais passam a ter outro significado, e o objetivo principal agora é o bem­estar do filho. 4.3.5 Apoio da rede de familiares 63 Sabendo­se que a maternidade traz limitações para a vida de uma mulher, pois elas terão que se dedicar agora aos filhos, e ainda se tornam maiores para aquelas que estão inseridas no mercado, questionou­se como elas agiram depois da maternidade, com quem deixavam seus filhos, qual seu sentimento em relação a isso, em ter que deixá­los em casa para ir trabalhar? Todas, em unanimidade, recorram às suas famílias, mais especificamente ao apoio de suas mães para cuidarem de seus filhos enquanto vão para o trabalho. A entrevistada Pérola, que está grávida de 7 meses, declara: “Eu estou grávida, então, com meu bebê, quando eu retornar ao trabalho, ele vai fica com minha mãe, que era quem já ficava com minha filha, o dia inteiro, aí no final de semana comigo.” Outras entrevistas também recorrem aos familiares para deixar seus filhos e irem trabalhar, veja­se: Quando eu venho trabalhar, eu deixo as duas na casa da minha mãe, assim desde bebês que minha mãe fica com elas, para que eu possa trabalhar. Isso é uma rotina, então, eu deixo elas com muita tranquilidade, porque eu sei o quanto minha mãe é responsável e cuida muito bem delas (SAFIRA). Ao ir trabalhar, eles ficam com minha mãe e com meu pai, por ficar com eles, eu me sinto muito segura. Se fosse com outras pessoas, infelizmente eu ficaria desconfiada, mas, por ficar com minha mãe e meu pai, eu já me sinto muito segura (JADE). Nota­se essa dificuldade no segundo capítulo, quando Bruschini (1998) relata que, quando não há recurso o bastante para se dedicar totalmente à maternidade, ou seja, quando a necessidade econômica se sobrepõe à vontade que as mulheres têm de cuidar dos filhos, elas acabam recorrendo ao apoio de familiares para auxiliá­las com os cuidados dos filhos. Embora algumas mulheres só possam contar com o apoio dos familiares, conforme se confirma no depoimento da entrevistada Esmeralda a seguir. Eu tive que deixar minha filha com o pai dela, pois me separei do pai dela quando ela era muito pequena, e eu tinha que trabalhar pra sobreviver, foi difícil, ela foi criada pelos avós praticamente, hoje é que ela vive comigo, porque já está uma mocinha (ESMERALDA). 64 Percebe­se também na entrevistada Esmeralda que não foi fácil voltar a trabalhar depois da maternidade, pois ela se separou da filha ainda pequena e, por não ser da cidade, não possuía parentes, não tinha condições de sustentar uma criança e precisava trabalhar para se manter, então teve que ceder a guarda da criança ao pai. 4.3.6 Ausência Já os sentimentos que as autoras expressaram diante dessa situação de ausência que é promovida pelas horas dedicadas ao seu trabalho as quais absorvem a maior parte de seu dia ou de passarem para terceiros os cuidados de seus filhos, o sentimento é de abandono, apesar de deixarem com uma pessoa de sua total confiança, no caso delas com a mãe, há um sentimento de culpa. Me sinto ausente, muitas vezes, eu tenho que levar trabalho pra casa, então assim isso acaba me distanciando, eu não consigo participar de uma atividade escolar, eu tenho que pedir pra alguém fazer no meu lugar uma tarefa com minha filha menor, então assim é difícil (SAFIRA). Eu me sinto ausente da vida deles, porque muita coisa acontece, detalhes, que fazem a gente rir, ou reclamar, ou chamar atenção, e eu não tô nesse momento, e o fato de uma ligação ou duas ligações por dia não faz eu me sentir próxima a eles não, me faz só tipo responsável, eu tenho a responsabilidade de saber como é que tá (TOPÁZIO). Eu chorava um dia sim, um dia não, porque ela fica com minha sogra, mas é um sentimento de abandono, que parece que você tá abandonando aquela pessoinha, então você se sente muito mal, depois você vai se adaptando. Alguns momentos que você sente esse peso, é quando ocorre algum problema, ou fica doente, ai volta a pensar: ‘oh, meu Deus, ela tá sozinha, tá sem mim’, acontece algum probleminha na relação aí a gente vai voltar a ter o mesmo sentimento de que está muito ausente, que poderia tá perto mais um tempo, mas como se tenho que trabalhar? (RUBI). França e Schimanski (2009) mostram em sua pesquisa que as mulheres ainda são cobradas pela responsabilidade da educação dos seus filhos, conforme se pode verificar a seguir.
65 Na concepção da sociedade, isto ocasiona uma educação insuficiente e uma situação social problemática. Sendo assim, a mulher acaba por interiorizar tal ideologia, a qual coloca sobre ela toda a responsabilidade no cuidado com os filhos, e quando sente que não está cumprindo adequadamente com a sua função social, ela passa a se cobrar, os filhos cobram e a sociedade também cobra. (FRANÇA; SCHIMANSKI, 2009, p. 75) Dessa forma, entende­se que para as autoras, como a mulheres ainda são responsabilizadas pela educação dos filhos, elas tomam essa responsabilidade e tendem a gerar em si um sentimento de abandono e descuido em relação aos filhos devido à quantidade de horas ausentes. 4.3.7 Múltiplas jornadas Essa rotina ainda se torna mais extensa, porque, atualmente, cada vez mais, as mulheres buscam especialização e especificamente no campo de pesquisa da empresa na qual se encontram empregadas, visto que o conhecimento e a formação são bem valorizados, e, para aquelas que almejam crescer profissionalmente, é fundamental estar cursando ou ter concluído o ensino superior, até mesmo para se concorrer a cargos melhores. A entrevistada Topázio é uma das que mora mais próximo à empresa, por isso algumas vezes consegue passar em casa antes de se dirigir à faculdade. Ela afirma que “quando eu tenho aula, eu passo muito rápido em casa, falo com meus pais e meus filhos, e vou pra aula. Quando eu volto, geralmente os meninos já estão dormindo, e eu vou cuidar de organizar tudo.” No caso da entrevistada Esmeralda, ​
a realidade é outra, ela fala “eu saio do trabalho e vou direto pra faculdade, quando eu chego vou fazer comida para jantar e já deixar algo pra minha filha almoçar no dia seguinte.” Esmeralda mora distante da filial e não possui transporte próprio, como a empesa fica na Rodovia e os meios de transportes são bem escassos, ela depende de carona para se locomover até um local mais próximo a sua faculdade. Por compreenderem a importância e os benefícios dos estudos para sua vida pessoal e profissional, muitas ainda enfrentam a rotina de estudantes, que se 66 inicia para as entrevistadas após seu expediente de trabalho, ou como, no caso da entrevistada Safira, que, por não ter a compreensão de seu marido, após seu trabalho, dirige­se a sua casa para realizar suas atividades domésticas e só depois se dedicar aos seus estudos. Safira expôs: “quando eu consigo terminar de fazer tudo na minha casa, eu estudo ​
on­line​
, às vezes nove, dez horas da noite, é que vou conseguir sentar na frente do computador e encarar uma aula.” A maternidade e a ausência dada devido à inserção dessas mulheres no mercado de trabalho e a seus estudos acabam impactando diretamente em seus companheiros os quais acabam recebendo uma menor atenção e, apesar de ajudarem­nas, as funcionárias falam que eles acabam não compreendendo muitas vezes o cansaço e o estresse enfrentados por elas devido à sobrecarga de suas rotinas. No que tange à conciliação entre as responsabilidades familiares que socialmente lhe foram atribuídas e o trabalho, as condições tornam tanto mais agudas quanto mais estruturadas forem as atividades, sujeitando as trabalhadoras a regras mais rigorosas como horários e deslocamento casa/trabalho. (BRUSCHINI, 2004, p. 187­188) Quando as entrevistadas falam a respeito de seus cônjuges, relatam até receber ajuda deles em suas atividades diárias, porém são muito cobradas em relação a sua ausência, e sua presença é muito exigida. A entrevistada Safira ​
chega a se emocionar ao falar que “meu companheiro reclama, ainda tem a cobrança do marido, fala da minha falta de tempo, porque, querendo ou não, a gente fica cansada e acaba deixando o papel de esposa um pouco de lado.” É difícil, é muito difícil, não é nem tanto pelos meus filhos, mas o marido às vezes não entende, porque tem o estresse da loja, o cotidiano, eu pego três transportes, porque eu deixo meu filho. Ao chegar do meu trabalho, aí eu tô muito estressada da loja, do dia a dia e às vezes ele não entende, que a gente tá cansada, estressada, mas eu tento fazer o máximo que dá pra mim, que é possível pra mim (JADE). Dessa forma, constata­se que as entrevistadas são muito cobradas pelos seus companheiros, pois acabam não dando tanta atenção a eles por estarem cansadas da rotina do trabalho e dos afazeres domésticos. 67 4.3.8 Trabalho x Família Em um determinado ponto, verifica­se que acaba ocorrendo um impasse no que diz respeito a sua vida pessoal e sua carreira profissional, visto que crescer para umas significa a melhoria para sua família e seus filhos, já para outras mais um passo em suas carreiras significaria assumir mais responsabilidades, o que tomariam mais seu tempo e as afastariam ainda mais de seus familiares, e algumas não se sentem preparadas como no caso da entrevistada Safira: Às vezes, eu reflito muito em relação a crescer profissionalmente, se eu posso, se eu consigo dar mais um passo em relação à carreira, porque até se eu tô aqui neste estágio e já tá tomando muito do meu tempo, imagina se eu consigo adquirir mais responsabilidades, será que eu vou conseguir? Então, assim, eu ainda não amadureci essa ideia, eu já sou tão ausente, então se eu adquiro mais responsabilidade fora de casa, eu vou ter menos tempo ainda pra minha família. Principalmente o relacionamento com as filhas, porque meninas são difíceis [...], já existe uma certa distância, elas sentem minha falta, porque sente, então às vezes, eu sei que vai ter um momento que eu vou ter que escolher. Eu não amadureci a ideia de dar mais um passo, eu vou ver, vai ser de acordo realmente com as necessidades, se um dia eu tiver a oportunidade de um emprego que me torne mais próxima delas, porque eu procuro qualidade de vida, então em um momento você vai ter que optar, entre seu trabalho e seus familiares. Outras já se mostram mais focadas e voltadas ao desenvolvimento de sua carreira profissional, como no caso da entrevistada Pérola, que começou como promotora de vendas, fazendo reposição de produtos nos supermercados, hoje ela se encontra no quadro da gerência da empresa. Eu penso em fazer hoje, pra colher lá na frente, lógico, eu estou me esforçando muito no meu cargo atual, vou me desenvolver, vou crescer, vou fazer tudo que possível para quando eu chegar lá frente, eu estar em um patamar diferenciado, mais tranquila, pelo menos eu penso que vai ser assim, mesmo sabendo que aqui na empresa não é assim. Parece que quanto mais você cresce, mais responsabilidade você tem, e eu penso em dar um passo maior um ano após o outro, é uma coisa que não sai da minha cabeça. Acaba afetando minhas relações familiares, é inevitável, mas essa questão, ela afeta assim, mas no início até você conseguir controlar sua rotina, se estabelecer, a gente fica sempre equilibrando (PÉROLA). No trabalho, eu penso em assumir mais responsabilidades, porque eu tô adquirindo conhecimento, automaticamente isso significa que eu vou ser responsável por mais coisas, então quando eu me formar eu pretendo sim 68 assumir mais responsabilidade, assumir mais coisa, ser mais alguma coisa dentro do meu trabalho, agregar mais (TOPÁZIO). Essa dedicação e essa importância dadas hoje ao trabalho se derivaram de diversos fatores, um deles, o econômico que as levou para as frentes do mercado de trabalho, fazendo surgir uma nova posição ocupada pelas mulheres em seu núcleo familiar, a de coparticipante e até mesmo a de ser a principal provedora de seu lar. Conforme a entrevistada Jade declara “eu preciso trabalhar, eu tenho que trabalhar, meu marido me ajuda como pode, mas hoje ele está desempregado e terminando de construir minha casa, não posso parar.” Bruschini (1998) relata isso, em sua pesquisa, ao afirmar que as mulheres casadas estão procurando cada vez mais o mercado de trabalho devido à necessidade de complementar a renda familiar ou impulsionadas por sua escolaridade elevada. A entrevistada Rubi também relata precisar complementar a renda de sua família, pois só a renda do marido não é o suficiente para todas as despesas, da casa, como a escola da filha pequena, saúde e alimentação: “quando eu engravidei, meu esposo ficou desempregado, ele montou uma ​
lan­house​
, mas eu precisei trabalhar, porque não dava pra viver só com o que ele ganha.” A realidade das múltiplas jornadas acaba sobrecarregando­as. No momento da entrevista, em que são indagadas sobre a percepção que elas têm de si mesmas, desempenhando vários papéis, percebeu­se que elas paravam e refletiam antes de falar, deparando­se com a suas realidades e falavam que o sentimento era de incapacidade. Todas relataram não conseguir se dedicar igualitariamente a todos os papéis que desempenhavam. Eu acho que é a sensação de não dá conta, são muitas tarefas e muitos papéis, então muita das vezes eu tenho a sensação que não vou dar conta de atendê­los de uma forma que seja suprido, que seja uma forma correta, a gente consegue atender todo mundo, mas não é de uma forma bem feita, sei lá, não consigo estar 100% com o meu marido como deveria, não consigo ser 100% mãe como eu gostaria, 100% filha como eu queria, 100% profissional, porque quando a gente tá no trabalho é se preocupando com o marido, com a filha, com a casa, então é uma rotina difícil mesmo, então eu acho que a sensação maior é de que não vou conseguir dar conta de tudo. (RUBI) É difícil porque em alguma área você sempre acaba achando que está sendo falha e geralmente é na maternidade. Eu tento buscar um equilíbrio, mas o 69 sentimento é de impotência, tem horas que você acha que não vai conseguir, mas vamos seguindo, porque tem gente que depende de nós. (DIAMANTE) Percebe­se ao final das entrevistas, ao falarem do que esperam, do que almejam de futuro para suas vidas, que o que acaba prevalecendo é a família, são os filhos, e que todo o contexto enfrentado não é para a vitória individual, mas sim a melhoria daqueles a quem elas amam e se dedicam. Assim a entrevistada Esmeralda ​
expõe que “O que eu viso pro meu futuro é me formar e trabalhar na minha área [...], pro meu futuro familiar. Eu quero poder dar um futuro melhor pra minha filha, pra ela não ter que viver o que eu vivo hoje.” Depois que eu tive minha filha, tudo eu penso no futuro alinhando o futuro dela, ‘ah, ela vai crescer, então eu vou ter mais tempo pra mim’, ‘ah, ela vai crescer, então eu vou ter mais tempo pro meu esposo’, ‘ah, ela vai crescer, eu vou conseguir voltar a estudar’, então eu fico projetando muito com, aliás, eu fico me projetando de acordo com o crescimento dela, entendeu!? Se hoje ela tem dois anos e nove meses, no ano que vem ela vai ter três anos e nove meses nessa mesma época, então eu conseguir fazer tal coisa que eu estou tentando fazer hoje e não consigo, porque na minha cabeça de mãe de primeira viagem que só tem uma filha, ela vai crescendo e vai melhorando pra mim, não sei se isso vai acontecer mesmo, mas tipo agora ela é pequena, me exige muito, mas amanhã ela vai estar maior, não vai me exigir tanto, e eu vou conseguir, eu vou conseguir exercer as outras funções que eu quero fazer hoje e não consigo (RUBI). Acho que projeto muito meu futuro nela, vejo nela alcançar objetivos que não alcancei na idade dela, tento proporcionar a ela uma vida que não tive, abro mão de muito coisa por ela e para ela, tipo prefiro dar a oportunidade pra ela (DIAMANTE). Portanto, acredita­se que o termo correto para se usar não seria dupla jornada, mas sim, as múltiplas jornadas encaradas por essas mulheres. São múltiplas as jornadas dessas mães, esposas, donas de casa, estudantes, chefes de família, são vários desafios, no entanto todos esses obstáculos, dia após dia, são vencidos. Por fim, pode­se asseverar que a pesquisa de campo foi rica, fascinante e satisfatória, uma vez que as pedras preciosas as quais foram entrevistadas brilharam ao responderem às indagações feitas pela pesquisadora. Desse modo, verifica­se que os objetivos da pesquisa foram atingidos. Esse sucesso da pesquisa de campo deve­se à participação das entrevistadas, as quais, com muita sabedoria e 70 emoção, relataram suas histórias, falando de seus familiares, expondo suas dificuldades e suas conquistas. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Muitos são os fatores ao longo dos anos que vem influenciando e modificando os papéis das mulheres na sociedade e dentro de seus lares. Essas mudanças são decorrentes de suas lutas, de seus direitos adquiridos e do espaço no qual ganharam com muito trabalho, dedicação e garra. As mulheres vêm conseguindo dissolver a imagem construída por uma sociedade patriarcal em que se vinculava ao sexo feminino a fragilidade. Nesta, as mulheres teriam de ser educadas pelos pais para o casamento e, depois deste, conduzidas pelo marido o qual receberia a sua total dedicação, assim como os filhos 71 e o seu lar. Também seria de sua responsabilidade proporcionar o bem­estar de sua família. Busca­se aqui resgatar um pouco dessa trajetória tão fascinante percorrida por essas mulheres que saíram de meras espectadoras de suas vidas e se revelaram como principais protagonistas de suas histórias. No primeiro capítulo, discorreu­se de forma bem objetiva o percurso da evolução da mulher, como elas saíram de seus lares para as frentes de fábrica, local onde se deu o enredo de seu primeiro contato com o mercado de trabalho. Também se mostrou como as mulheres se articularam e deram início ao movimento feminista, que foi de grande importância para o processo emancipatório no que se refere à busca de seus direitos, à luta por suas melhorias, fazendo­se ser reconhecidas pela sociedade que, até então, não tinha noção da força e da proporção que aquele movimento iria tomar. Ainda foi possível, nesse primeiro momento, apropriar­se das discussões que permearam o debate sobre gênero e divisão sexual do trabalho que mostra a discriminação que as mulheres sofrem desde que o seu nascimento devido a uma construção social pré­definidas de seus papéis a serem desempenhados. Além de mostrar como, diante de toda essa situação contrária, elas conseguem reverter o quadro e tomar cada vez mais lugares nos espaços públicos. No segundo capítulo, já apropriada de mais conhecimentos a respeito do universo feminino, procurou­se ver como está a figura feminina na contemporaneidade dentro de uma sociedade capitalista, realizando o trabalho produtivo e reprodutivo, assim se percebe que ambos se complementam e são necessários para as famílias e a sociedade. Além disso, explorou­se como essas mães inseridas no mercado de trabalho vêm conciliando suas múltiplas rotinas entre seus lares e seus trabalhos. No terceiro capítulo, com base nas autoras, realizaram­se as análises que buscavam saber as percepções das mães inseridas no mercado de trabalho sobre as múltiplas jornadas encaradas em seu cotidiano. Ainda com relação à pesquisa de campo, por intermédio de entrevistas realizadas e de informações dadas pelas funcionárias, constatou­se que, apesar de realizarem atividades remuneradas e de 72 terem muitos espaços conquistados dentro da sociedade, com muitos direitos garantidos e respeito adquirido, as mulheres ainda continuam sendo as principais responsáveis pelos cuidados com seus familiares e pela manutenção de seus lares. Agora, elas assumem mais que a mera manutenção, pois estão desempenhando a função de colaboradoras e até mesmo de provedoras de seus lares. Percebe­se também que, apesar de se dedicarem a seus trabalhos e depositarem neles uma boa parte de sua energia, é na maternidade que elas se realizam e que, depois da maternidade, o trabalho passa a ter outro significado que é o de melhoria para sua prole. Neste momento, nota­se a isenção do Estado quando se omite da responsabilidade de prover essas mães de instituições que as auxiliem nos cuidados com seus filhos, como creches e escolas, o que está constituído por lei, no entanto o que ocorre, muitas vezes, é o apoio recebido por familiares. Contudo, pode­se afirmar que foi bastante interessante realizar esta pesquisa de campo e observar a emoção a cada relato descrito, assim como constatar que, apesar de todas as dificuldades enfrentadas com a rotina de casa/trabalho, essas mulheres não se intimidam e vão além, buscando cada vez mais a ampliação de seus estudos, propondo­se a enfrentar mais uma jornada. Para o Serviço Social, esta pesquisa revela­se de grande importância por contribuir para o amadurecimento em relação às reflexões em torno da temática: mães inseridas no mercado de trabalho e suas múltiplas jornadas. As análises aqui descritas também pretendem compreender como se dá a construção desse novo contexto familiar dos quais essas mulheres fazem parte e buscam promover as assistentes sociais um novo olhar no que se refere a percepções dessas mães em torno de vários papéis desempenhados em seu cotidiano. Portanto, deixa­se aqui aberta a pesquisa para a contribuição de outros pesquisadores, a quem o tema possa vir a interessar. Por fim, salienta­se o quanto o presente estudo foi relevante para o amadurecimento da pesquisadora em relação à realidade dessas mulheres inseridas no mercado de trabalho, visto que foi possível se aproximar delas e tomar conhecimento de suas conquistas e suas dificuldades. Dessa forma, espera­se que 73 o conteúdo exposto possa vir a ser alvo de interesse de futuros leitores e/ou pesquisadores a partir das observações relatadas, podendo despertá­los a buscar novas percepções por meio desta pesquisa desenvolvida, o que tornaria o estudo cada vez mais rico e incentivaria o interesse de outros sobre a temática. REFERÊNCIAS 74 ANTUNES, Ricardo. ​
Os sentidos do trabalho: ​
ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 3. ed. São Paulo: Boi Tempo, 2000. ARAÚJO, Emanuel. ​
A arte da sedução: ​
sexualidade feminina na colônia​
.​
​
In:​
Priore, M. (org.). História das mulheres no Brasil​
. ​
São Paulo: Contexto, 2013. ARAÚJO, Clara; SCALON, Celi. ​
Percepções e atitudes de mulheres e homens sobre a conciliação entre família e trabalho pago no Brasil​
. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vagas, 2005. BONAN, Cláudia; FERREIRA, Cláudia. Mulheres e movimentos. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2005. BRASIL. Constituição (1988). ​
Constituição da República Federativa do Brasil​
. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. BRUSCHINI, C.; PUPPIN, A. B. ​
Trabalho de mulheres executivas no Brasil no final do século XX​
. Cadernos de Pesquisa, v.34, n.121, p. 105­138, jan./abr. 2004. BRUSCHINI, Cristina. ​
O trabalho da mulher brasileira nas décadas recentes. Revista Estudos Feministas. vol. 2, nº 3, out/1994. IFCS/UFRJ­PPCIS/UERJ. Rio de Janeiro,1994. ______. ​
Trabalho feminino no Brasil​
: novas conquistas ou persistência da discriminação?. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/lasa98/Bruschini.pdf>. Acesso em: 9 de maio de 2014. CISNE, Mirla. ​
Gênero, divisão sexual do trabalho e serviço social. ​
1. ed. São Paulo: Outras Expressões, 2012. FERREIRA, Claudia; BONAN, Cláudia. ​
Mulheres e movimentos.​
Rio de Janeiro, Aeroplano, 2005. Disponível em:<http://www.mulheresemovimentos.com.br/p_livro_capitulos00.html>. Acesso em: 9 de maio de 2014. FLECK, Ana Cláudia; WAGNER, Adriana. ​
A mulher como a principal provedora do sustento econômico familiar.​
Psicologia em Estudo, Maringá, v. 8 n. esp, p. 31­38, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pe/v8nspe/v8nesa05.pdf>. Acesso em: 8 de maio de 2014​
. FONTENELE­MOURÃO, Tânia M. ​
Mulheres no topo de carreira: Flexibilidade e persistência. ​
Brasília: Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, 2006. FRANÇA, Ana Letícia de; SCHIMANSKI, Édina. ​
Mulher, trabalho e família​
: uma análise da dupla jornada de trabalho feminina e seus reflexos no âmbito familiar. Ponta​
​
Grossa: Emancipação, 2009. Disponível em: 75 <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/view/687/641>. Acesso em: 9 de maio de 2014. GIL, Antônio Carlos. ​
Métodos e técnicas de pesquisa social.​
6. ed. São Paulo: Atlas, 2001. HAGUETTE. Teresa Maria Frota. ​
Metodologias Qualitativas na Sociologia. ​
10ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. HEILBORN, Maria Luiza; SORJ, Bila. ​
Estudos de gênero no Brasil. ​
In​
: MICELI, Sérgio (org.). O que ler na ciência social brasileira?, (1970­1995), ANPOCS/CAPES. São Paulo: Sumaré, 1999, p. 183­221. HIRATA, Helena. ​
Flexibilidade, trabalho e gênero​
. ​
In​
: HIRATA, Helena; SEGNINI, Liliana (Orgs.). Organização, Trabalho e Gênero. São Paulo: Senac, 2007. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. ​
Perfil das mulheres responsáveis pelos domicílios no Brasil. ​
2000. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/perfildamulher/​
. Acesso em: 11 de outubro de 2014. ______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mulher no Mercado de Trabalho. ​
2010. Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/. Acesso em: 11 de outubro de 2014. ______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. ​
Estatística/Trabalho e rendimento​
. 08 de março de 2012. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/ estatistica/indicadores/trabalhoerendimento>. Acesso em: 10 de outubro de 2014. IPEA. ​
PNAD 2008​
. Disponível em: <http://www.spm.gov.br/arquivos­diversos/nucleo/dados/09­10­01­comunicapresi­31­
pnad2008­trabalho.pdf>. Acesso em: 12 de agosto de 2014. LOBO, Guacira Lopes. ​
Mulheres na sala de aula.​
​
In​
: Priore, M. (org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013. LOBO, Elisabeth Souza. ​
A classe operária tem dois sexos​
. São Paulo: Brasiliense, 1991. LOURO, Guacira Lopes. ​
Gênero, sexualidade e educação: ​
uma perspectiva pós­estruturalismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. MARTINELLI, Maria Lúcia. ​
Serviço Social​
:​
identidade e alienação. 16 ed. São Paulo: Cortez, 2011. MELO, Hildete Pereira; CASTILHO, Marta. ​
Trabalho Reprodutivo no Brasil​
: Quem faz?. Revista de Economia Contemporânea, Rio de Janeiro, vol. 13, n 1, p 135­158, 76 2009. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/rec/v13n1/06.pdf>. Acesso em: 12 de agosto de 2014. MINAYO, Maria Cecília de Sousa (Org.). ​
Pesquisa Social​
: teoria, método e criatividade.​
​
26. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. MOREIRA, Camila. Creche: direito da mãe trabalhadora ou direito da criança? Disponível em: <​
http://cmoreira2.jusbrasil.com.br/artigos/112347105/creche­direito­da­mae­trabalha
dora­ou­direito­da­crianca​
>. Acesso em: 12 de agosto de 2014. NOGUEIRA, Claudia Mazzei. ​
As Relações Sociais de Gênero no Trabalho e na Reprodução​
. Unesp, ano IV, n 6. AURORA. Agosto, 2010. Disponível em: <http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Aurora/6%20NOGUEIRA,%
20Claudia%20Mazzei.pdf>. Acesso em: 12 de agosto de 2014. PEREIRA FERNANDES, Mônica ​
et al​
. ​
Trabalho feminino e diminuição da taxa de fecundidade no Brasil nos últimos 50 anos​
. Revista Saúde Coletiva, São Paulo, vol. 8, n 49, p 71­76, 2011. Disponível em: <http://www.redalyc.org/pdf/842/84217104003.pdf>. Acesso em: 12 de agosto de 2014. PINTO, Célia Regina. ​
Feminismo, história e poder. ​
In​
: Revista Sociologia Política. v. 18. n. 36. Curitiba, jun. 2010. p. 15­23. PRIMEIRO PASSO. ​
Criando oportunidades​
. Disponível em: <http://www.stds.ce.gov.br/index.php/noticias/40­unidades­setoriais/117­projeto­prim
eiro­passo​
>. Acesso em:​
12 de agosto de 2014. PROBST, E. R.​
A Evolução da mulher no mercado de trabalho.​
Disponível em: <http://www.posuniasselvi.com.br/artigos/rev02­05.pdf>. Acesso em: 12 de agosto de 2014. RAGO, Margareth. ​
Trabalho feminino e sexualidade.​
​
In​
: Priore, M. (org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013. ROCHA, Patrícia Magda Souza.​
Mulheres sob todas as luzes:​
a emancipação feminina e os últimos dias do patriarcado. Belo Horizonte: Leitura, 2009. ROCHA­COUTINHO, Maria Lúcia. ​
Novas opções, antigos dilemas: mulheres, família e relacionamento no Brasil​
. Rio de Janeiro: Temas em Psicologia da SBP, vol. 12, p. 1­17, 2004. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1413389X2004000100002&script=sci_art
text>. Acesso em: 9 de maio de 2014. ______. ​
Trabalho, Gênero e Educação​
. ​
In​
: MAGALHÃES, Belmira; BERTOLDO, Edna (org.). Trabalho, Educação e Formação Humana. Maceió: Edufal, 2005. 77 SAFFIOTI, Heleieth. ​
Gênero, patriarcado, violência.​
São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. SARTI, Cynthia Anderson. ​
A família como espelho​
: um estudo sobre a moral dos pobres. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2005. SCOTT, Joan. ​
Gênero:​
uma categoria útil para analise histórica. Recife: SOS/Corpo, 1991. SOARES, Vera. ​
Movimento Feminista:​
paradigmas e desafios. Revista Estudos Feministas. 2º semestre, n. e. 1994. 78 APÊNDICES APÊNDICE A ­ Roteiro de Entrevista DADOS PESSOAIS NOME: D. NASCIMENTO: GRAU DE INSTRUÇÃO: ESTADO CIVIL: QUANTOS FILHOS:
1.
IDADE (s) : O que a levou a trabalhar fora de casa? Desde quando trabalha fora de casa? 2.
Qual a importância do trabalho na sua vida? 3.
Quem realiza as atividades domésticas em sua casa e qual o momento elas são realizadas? 4.
Você tem alguém que a ajude ou auxilie nas atividades domésticas? 5.
Que significado tem a maternidade na sua vida? 6.
Ao vir para o trabalho, com quem ficam os seus filhos e qual seu sentimento em relação a esta situação? 79 7.
Diante de suas horas dedicadas ao seu trabalho, como você lidar com a ausência no cotidiano de seus filhos? 8.
Como você se vê desempenhando esses múltiplos papéis entre a família e o trabalho (filha/mãe/esposa/chefe de família/estudante)? 9.
Quais as dificuldades enfrentadas no cotidiano ao desempenhar esses múltiplos papéis (filha/mãe/esposa/chefe de família/estudante)? 10.
Quais suas expectativas para o futuro na família e no trabalho? 80 APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Prezado(a) participante, Eu, ​
Ana Wládia Temóteo de Sousa​
, sou estudante do curso de graduação de Serviço Social da Faculdade Cearense ­ FAC. Estou realizando uma pesquisa, sob a orientação de Hamilton Teixeira, cujo objetivo é analisar as mulheres inseridas nos mercado de trabalho e suas percepções entre trabalho e a maternidade. Sua participação será por meio de uma entrevista, que será gravada, se assim você permitir. A participação neste estudo é voluntária e se você decidir não participar ou quiser desistir de continuar a qualquer momento, tem absoluta liberdade de fazê­lo. Na publicação dos resultados desta pesquisa, sua identidade será mantida no mais rigoroso sigilo. Serão omitidas todas as informações que permitam identificá­lo (a). Mesmo não tendo benefícios diretos em participar, indiretamente você estará contribuindo para a compreensão do fenômeno estudado e para produção do conhecimento científico. Atenciosamente, 81 _________________________________ _____________________ Ana Wládia Temóteo de Sousa Local e data Consinto em participar deste estudo e declaro ter recebido uma cópia deste termo de consentimento. ________________________________ _____________________ PARTICIPANTE Local e data APÊNDICE C – Imagens da Empresa 82 83 DECLARAÇÃO Declaro, para os fins junto ao Curso de Serviço Social, da Faculdade Cearense – FaC, que o trabalho monográfico, intitulado “​
AS MÚLTIPLAS JORNADAS DE MÃES NO MERCADO DE TRABALHO​
”, de autoria da aluna ​
Ana Wládia Temóteo de Sousa, passou por revisão ortográfica e gramatical, bem como se encontra em conformidade com a norma culta da Língua Portuguesa e com as regras da Associação Brasileira de Normas Técnica – ABNT. Fortaleza, 12 de dezembro de 2014. 84 85 
Download

centro de ensino superior do ceará faculdade cearense fac curso de