Anderson Comin - O que você entende por compromisso social? Por compromisso entendo responsabilidade ou obrigação assumida perante alguém ou alguma situação. Já social é o que abarca uma coletividade, estão implícitas relações, convívio e interações em sociedade. Para mim, portanto, compromisso social diz respeito às responsabilidades que individual ou coletivamente assumimos na sociedade em que vivemos. Embora algumas formas de relações em sociedade sejam estipuladas pela via legal, penso que compromisso social abarca um modo de vida que vai além, devendo ser pautado pelo princípio da alteridade. - Você acredita que sua prática, especialmente na área da Avaliação Psicológica, está relacionada a esse conceito? Se sim, como se dá essa relação? Se não, por que acredita que muitas vezes o compromisso social não faz parte ou não aparece no exercício da Psicologia? Na minha prática profissional procuro ter presente quais implicações sociais que uma intervenção ou avaliação tem não somente para a pessoa, mas também para o seu contexto de interação social. Sabemos que a repercussão social da atuação do psicólogo, e em especial da avaliação psicológica, pode se configurar como uma forma de auxílio ou exclusão. Um parecer ou laudo psicológico pode ter um efeito libertador ou estigmatizador na vida de um indivíduo. Por mais que a testagem psicológica auxilie objetivamente a avaliação,esta abarca um juízo valorativo que se ampara nos conceitos de Homem e Sociedade que embasam o entendimento do psicólogo avaliador. Uma Avaliação Psicológica entrelaçada pelo conceito de compromisso social é aquela que prima pela exatidão técnica, pela clareza teórica, pela ética e pela perspectiva político-social que seu resultado terá para indivíduo e sociedade. Acredito que o compromisso social é inerente ao exercício profissional da Psicologia, todavia entendo que diversos trabalhos de qualificada precisão técnica e ética, em muitas situações não estendem seu olhar para além da tarefa estrita da avaliação psicológica independentemente do seu objetivo. Na minha concepção isto não diz, na maioria das situações, descaso ou incompreensão, mas configura sim uma lacuna na formação profissional. - Em sua opinião, o que caracteriza a Psicologia neste momento em que vivemos? Como a profissão é percebida pelos próprios psicólogos e pela sociedade em geral? Dentre muitas possibilidades de abordagem teórica ou política para esta questão, penso que a dinamicidade (ou o movimento) caracterizou, caracteriza e seguirá caracterizando a Psicologia. As questões sociais são temas pungentes do movimento da Psicologia neste momento, no sentido da busca pela promoção da saúde e da cidadania. No campo político temos a defesa da regulamentação da jornada de trabalho de 30 horas e a defesa contra o projeto de lei do Ato Médico. Além destes aspectos, o campo acadêmico vive um momento que merece especial destaque pela quantidade e qualidade de pesquisas científicas nas mais diversas áreas da Psicologia. Quanto à sociedade, vejo que a percepção é de que nossa profissão é detentora de um saber e, por conseguinte, da possibilidade de respostas para as mais variadas questões de ordem emocional e comportamental. Somos questionados a responder sobre temas variados como qual a interferência que o barulho de vizinhos em condomínios traz ao bem estar subjetivo do indivíduo, até qual o potencial de periculosidade terá um adolescente infrator ao tornar-se adulto. Esta distorção ou desconhecimento sobre limites e possibilidades da profissão provoca equivocadas opiniões da sociedade que ora pode ver a Psicologia como uma solução mágica, ora como um artifício técnico de pouca utilidade. Este é um cuidado que o psicólogo deve ter, pois aceitar qualquer um destes lugares implica em um risco para si enquanto profissional, para a imagem da profissão e para o compromisso social que a mesma busca afirmar perante a sociedade. Julgar-se capaz de responder uma demanda sem levar em consideração o limite da resposta possível ou, ao contrário, não perceber sua capacidade de oferecer uma possibilidade de reflexão, pode implicar que o Psicólogo desvalorize seu potencial profissional, a profissão que escolheu ou ambos. Daí a importância de utilizar os recursos disponíveis para se instrumentalizar tecnicamente além de olhar pra dimensão ética de seu fazer tanto relativo as normativas, resoluções e no código, quanto numa perspectiva social e de direitos humanos para a pessoa que busca seus serviços. - O CRPRS vem ao longo de seus 40 anos de história firmando seu compromisso social na construção da Psicologia. De que forma você vê essa trajetória? Como tem acompanhado esse movimento? Penso que inicialmente o compromisso social era tido ou entendido quase exclusivamente envolvendo a normatização da atuação profissional com intuito de oferecer um serviço de qualidade a sociedade. A regulamentação da profissão exigiu e exige toda uma estruturação física e de pessoal que esta também constantemente em movimento. Neste período muitas bandeiras foram levantadas algumas em defesa da profissão como em projetos como o Ato Médico (e projetos precursores do mesmo), quanto em questões sociais relativas a saúde mental como a luta pela desinstitucionalização da loucura. Entendo que estes objetivos são permanentes mas hoje se estendem, pois além de buscar proteger a sociedade através da orientação e fiscalização da profissão, o CRP/RS busca promover debates e questionamentos que promovam a construção de uma Psicologia crítica e reflexiva a respeito das mais diversas questões sociais, com especial destaque para as políticas públicas de saúde e assistência, pela promoção igualitária de direitos, acesso a cidadania e pela inclusão social. - Como você percebe a relação entre categoria e CRPRS? Infelizmente ainda existe distanciamento e/ou desconhecimento nesta relação. De forma geral a categoria não se apropria ou o faz em ínfima medida dos trabalhos e ações que o conselho promove e executa e acaba participando bem menos do que poderia de comissões e eventos. Nossa gestão tem por nome Mobilização, justamente por ter como perspectiva realizar um movimento de aproximação com a categoria pela participação e promoção de debates em temas relevantes para o exercício profissional e em questões sociais na sede e nas subsedes que se intensificará com a política de descentralização. - O que você espera e projeta para os próximos anos do CRPRS? Projeto e espero muito trabalho na promoção da psicologia enquanto ciência, profissão e veículo social de luta pela garantia de direitos e contra quaisquer formas de segregação ou discriminação. Espero também que possamos trabalhar o compromisso social da Psicologia de forma transversal aos mais diversos campos de atuação da categoria, possibilitando que ela possa ver seu conselho como parceiro na busca pelo reconhecimento da profissão e por uma sociedade mais humana e mais justa.