AS PRÁTICAS EDUCATIVAS DA PROFESSORA TEODORA VALE NA VILA DE
SÃO MIGUEL DE JUCURUTU (1930-1934)
Nanael Simão de Araújo1
Mestrando em Educação - PPGEd-UFRN
e-mail: [email protected]
Maria Arisnete Câmara de Morais2
Professora Doutora Titular – UFRN
Pesquisadora do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq
E-mail: [email protected]
RESUMO
O presente trabalho analisa a atuação da professora Teodora Vale no atual município de
Jucurutu-RN entre os anos de 1930 a 1934. Os documentos utilizados em nosso estudo
compreendem: Mensagens Governamentais, Leis e Decretos, localizados no Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Livro de Atas da Escola Rudimentar de São
Miguel de Jucurutu e depoimentos de familiares dessa professora. Tratando-se de uma
investigação pautada na perspectiva da História Cultural, elencamos autores como: Certeau
(2002), Chartier (1990) e Morais (1996). Ao pesquisar as práticas educativas dessa professora,
constatamos suas contribuições para a formação educacional dos jucurutuenses,
principalmente na aprendizagem da leitura e da escrita.
Palavras-chave: Professora. Leitura. Escrita.
Introdução
O trajeto da pesquisa
Ao iniciarmos esta pesquisa, consultamos o acervo do Grupo Escolar Antônio
Batista, situado no município de Jucurutu-RN, nesse arquivo localizamos o Livro de Atas da
Escola Rudimentar de São Miguel de Jucurutu (1926-1934). Ao tomarmos contato com esse
documento, elegemos como objeto de estudo deste artigo as práticas educativas da professora
Teodora Vale na referida Escola Rudimentar entre os anos letivos de 1930 e 1934.
1
Mestrando em Educação (PPGEd) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Professora Doutora Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Pesquisadora do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
2
Delimitamos esse recorte temporal considerando o período em que essa professora lecionou
na Vila de São Miguel de Jucurutu, suas práticas, elencavam atividades como: Lições de
Coisas, passeios pedagógicos e eventos escolares, organizados, nessa instituição de ensino.
Segundo Magalhães (2004) numa pesquisa histórica as práticas educativas são
entendidas sob o ponto de vista teórico e prático. Nesse âmbito, a atuação dos educadores se
concretiza na disseminação dos saberes ensinados nas instituições educacionais,
transformando a educação num objeto de dizeres e fazeres pedagógicos. Nessa perspectiva
Enquanto objeto epistêmico, as práticas interpretam-se a partir de uma hermenêutica
e estão informados com base em artefatos, registros verbais e escritos; é o registro
escrito que as dá a conhecer enquanto processo e construção. A informação sobre as
práticas é, por consequência, de natureza discursiva, arquivista e museológica.
(MAGALHÃES, 2004, p. 102).
Ao investigarmos as práticas educativas da professora Teodora Vale na Vila de São
Miguel de Jucurutu, buscamos esses registros verbais e escritos. Desse modo, entrevistamos
familiares, dessa professora como a senhora Déa Lopes Cardoso (filha) e o senhor Otomar
Lopes Cardoso Junior (neto). Com essa tarefa obtivemos relatos verbais sobre a professora
estudada.
No tocante aos registros escritos, obtivemos com os mencionados familiares, páginas
digitalizadas de um diário, no qual a professora Teodora Vale escreveu sua biografia
focalizando aspectos de sua atuação profissional no interior potiguar. Nesse documento, a
referida professora narrou como se deu a sua formação pedagógica, em quais instituições de
ensino lecionou bem como, os respectivos períodos e localidades do interior potiguar onde
lecionou. Obtivemos também, outros documentos como diversas fotografias, que nos
permitiram conhecer a fisionomia dessa professora bem como, uma cópia da sua carteira de
sócia da Associação de Professores do Rio Grande do Norte. Esses documentos registram,
parcialmente, o magistério exercido pela professora Teodora na Escola Rudimentar de São
Miguel de Jucurutu. Nesse percurso os estudos de Lopes e Galvão (2001, p. 52) nos mostram
a importância de pesquisarmos sobre a atuação de educadoras, uma vez que
As pesquisas mais recentes também tem considerado relevantes para se compreender
a história do ensino questões como a inserção das meninas e mulheres nos sistemas
de ensino (como alunas e professoras), as discussões em torno da implementação da
co-educação, a formação dos (as) professores (as) e os próprios processos de como
se deu a progressiva afirmação da escola no interior das diferentes sociedades como
instituição central, ou seja, como espaço privilegiado para a transmissão do
conhecimento.
A partir dessa reflexão, acreditamos ser possível reconstituir em parte, a história
educacional do município de Jucurutu a partir das práticas educativas da professora Teodora
Vale. Para tanto, nos apoiamos na História Cultural na compreensão de que:
[...] os eventos, ou tudo que se refira à atividade humana, são considerados objetos
de análise histórica. Portanto, pequenos gestos, os sentimentos, os valores, a mulher,
a infância, a morte, a loucura, o corpo, a festa, a fotografia, a pintura, a maneira de
ler, escrever, por exemplo, são práticas culturais que não estão perdidas para a
história. Esses objetos de análise são tão importantes no estudo histórico quanto os
tradicionalmente analisados [...]. (MORAIS, 1996, p. 3).
Chartier (1990) explicita para a história cultural um conceito de história das
representações, sendo essa, a história produzida pelos indivíduos e pelas sociedades, ao pensar
(representar) uma realidade vivida. A partir desse conceito entendemos a que as práticas
educativas da professora Teodora Vale representam o contexto educacional do período em
que lecionou, sendo, portanto, originárias de culturas educacionais como regulamentos e
normatizações, as quais essa profissional esteve submetida.
Considerando que no Livro de Atas da Escola Rudimentar de São Miguel de
Jucurutu (1926-1934) localizamos registros oficiais mais precisos acerca das práticas da
professora Teodora Vale como professora primária. Durante a elaboração desse estudo,
tomamos como espaço a Vila de São Miguel de Jucurutu.
Segundo Cascudo (1968, p. 199), a Vila de São Miguel de Jucurutu originou o
município de Jucurutu/RN criado no ano de 1935. A Escola Rudimentar dessa vila foi criada
no ano de 1922 durante o governo de Antonio José de Mello e Souza quando “[...] foram
criadas 22 escolas rudimentares nas seguintes povoações: Campestre e S. Bento no município
de Nova Cruz, Jardim de Piranhas e S. Miguel de Jucurutú no de Caicó [...].” (RIO GRANDE
DO NORTE, 1922, p. 14).
Ao estudarmos a legislação educacional que orientou as práticas educativas da
professora Teodora Vale na referida vila, realizamos uma consulta ao acervo do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Nessa instituição localizamos o Regimento
Interno das Escolas Rudimentares do Rio Grande do Norte. Segundo Araújo (1998) esse
documento foi elaborado com base na Lei n. 405 de 29 de novembro de 1916 e continha o
plano didático de cada matéria, o quadro de horários e os livros escolares recomendados aos
professores que lecionavam nessa modalidade de ensino primário.
Todos esses registros constituem o principal corpus documental da nossa pesquisa.
Conforme afirma Certeau (2002, p. 81), “[...] em história, tudo começa com o gesto de
separar, de reunir, de transformar em ‘documentos’ certos objetos distribuídos de outra
maneira.” Assim, atribuímos valor histórico a objetos como: documentos pessoais,
depoimentos orais, manuscritos, etc, transformando-os em documentos que ganham sua
importância ao serem contextualizados com os registros oriundos dos arquivos institucionais e
referências bibliográficas de autores que analisam a história da educação brasileira e norterio-grandense.
Quem foi a professora Teodora Vale?
Ao escrever uma Breve Genealogia da Família Vale (2009), José Hélio de Medeiros
esboçou em cinco páginas a biografia da professora Teodora Vale. Segundo este pesquisador,
a referida professora ficou conhecida na região do Seridó pelo cognome de “Dorinha Vale”,
que foi a “Quarta filha de Aleixo Augusto Valle e Leocádia Cordeiro Valle. Nasceu [na
cidade de Caicó] em 16/10/1901. [...] Aluna do Grupo Escolar Senador Guerra até 1915.
Estudou com o professor Pedro Gurgel e o Dr. Francisco Gurgel no ‘Externato Seridoense’
em 1916 e 1917”. (MEDEIROS, 2009, p. 113).
Medeiros (2009), também nos informou que, no ano de 1918, quando já havia
concluído o ensino primário, Teodora Vale foi nomeada professora da Escola Municipal de
São Fernando, tendo na época 16 anos de idade. Apesar de não deter o diploma de pedagoga
graduada pela Escola Normal de Natal (um desejo não realizado), essa professora, consolidou
sua formação educacional/profissional no Grupo Escolar Senador Guerra onde concluiu o
ensino primário.
Teodora Vale, registrou em seu diário, acontecimentos que marcaram sua atuação em
instituições de ensino seridoenses, durante as primeiras décadas do Século XX. Em seus
manuscritos, essa professora descreve detalhadamente sua carreira profissional, iniciando a
narrativa da seguinte maneira: “Em 1918, tio Berto arranjou uma nomeação para mim em S.
Fernando. Assim aos 16 anos comecei a ensinar. Era uma Escola Municipal.” (VALE, 1959,
p. 5).
Segundo noticiou o Jornal O Binóculo, Teodora Vale também colaborou na redação
de um jornal manuscrito denominado A Escola (1917, p. 33). Rocha Neto (2002, p. 75)
salienta que esse exemplar hemerográfico tratava-se de um órgão comprometido com a
educação das crianças de Caicó. Todavia, não localizamos exemplares deste jornal.
Em seu diário, Teodora Vale nos contou que foi professora também na Escola
Paroquial de Caicó nos anos de 1919, 1920 e durante o mês de junho de 1921. Sobre sua
atuação na região do Seridó em anos posteriores, ela registrou o seguinte: “Em 1921 fui
lecionar em Jardim de Piranhas e residia em casa do mano Cordeiro [trata-se do senhor
Cordeiro Vale, irmão dessa professora]. Até 1923, lá ensinei quando vim para casa de meus
pais [na cidade de Caicó] para ver se arranjava um meio de vir para Natal estudar na Escola
Normal. Não foi possível”. (VALE, 1959, p. 7).
Ao detalhar outros aspectos da sua trajetória profissional a referida professora assim
os descreve: “Em 1929, fui nomeada para a Escola Rudimentar de Ouro Branco e lá passei um
ano. Depois das férias fui ensinar em Jucurutu. Lá ensinei até 1934.” (VALE, 1959, p. 7-8).
Aos 28 dias do mês de março de 1930, Teodora Vale assumiu o cargo de professora
na Vila de São Miguel de Jucurutu, hoje atual município de Jucurutu-RN. Durante sua
atuação profissional nessa localidade,contraiu matrimônio “[...] em 5 de janeiro de 1934, com
Elísio Lopes de Araújo, um fazendeiro nascido em 11/07/1881, filho de Manuel Lopes
(Minéu) e Josefa Maria da Anunciação.” (MEDEIROS, 2009, p. 11). Dessa união, nasceram
os seguintes filhos: “Déa Lopes Cardoso, Maria Gislane Lopes de Araújo (falecida criança) e
Tarcísio Vale de Araújo (falecido criança).
Segundo informações da senhora Déa Lopes Cardoso, “[...] em 1936, [a professora
Teodora Vale] organizou uma classe em sua própria casa na Fazenda Adequê, após o seu
casamento, com o objetivo de ensinar aos moradores e aos seus filhos analfabetos por
absoluta falta de escola nas proximidades.” (CARDOSO, 2014).
Ao visitarmos outras reminiscências manuscritas pela professora Teodora Vale,
constatamos que sua atuação não se restringiu aos ambientes escolares. Já que a mesma,
também ocupou um cargo comissionado na prefeitura municipal de Jucurutu, sobre esse fato,
ela escreveu o seguinte: “Em 1937, passei a ser Secretária da Prefeitura de Jucurutu. Cargo
que exerci até 1939.” (VALE, 1959, p. 8).
No ano de 1940, Teodora Vale retornou com sua família para Caicó, residiu
inicialmente nos sítios Carnaubinha e Riacho da Serra. No sítio Carnaubinha, lecionou numa
Escola Subvencionada até o ano de 1946. No ano de 1947, passou a lecionar no Grupo
Escolar Senador Guerra, onde desempenhou suas funções até o ano de 1958. Esses fatos
foram registrados pela professora perfilada da seguinte maneira: “Assim, em 1940, fomos
residir nos sítios Carnaubinha e Riacho da Serra, onde abri uma Escola Subvencionada. Em
1946, fomos para a fazenda Santa Maria e deixamos Déa [trata-se da filha de Teodora Vale]
com Belú [irmã de Teodora Vale] em Caicó freqüentando o Colégio Santa Terezinha. Em
1947 voltei a ensinar no Grupo Escolar Senador Guerra até 1958”. (VALE, 1959, p. 9).
Após lecionar durante 12 anos no Grupo Escolar Senador Guerra (entre os anos 1947
a 1958), Teodora Vale transferiu-se juntamente ao seu esposo para a cidade de Natal, onde
lecionou até o mês de maio de 1959 no Grupo Escolar Áurea Barros. Posteriormente, foi
transferida para a Escola Regimental do 16º RI. Em seu diário, Teodora Vale narrou os
acontecimentos supracitados com a seguinte descrição: “Em novembro desse ano [1958]
viemos para Natal. Em 1959 arranjei um lugarzinho no Grupo Escolar ‘Áurea Barros’ e lá
ensinei até maio quando fui transferida para a Escola Regimental do 16º RI. Com os anos que
ensinei particular, tenho 49 anos de ensino [...]. Agora, estão os processos para a minha
aposentadoria”. (VALE, 1959, p. 10).
Segundo Medeiros (2009), a professora Teodora Vale aposentou-se do ano de 1959,
tendo lecionado durante 49 anos. Faleceu no dia 1 de junho de 1978 na UTI do Hospital
Universitário Onofre Lopes na cidade de Natal, quando assistida por um ex-aluno. Seus restos
mortais repousam numa antiga sepultura do cemitério São Vicente de Paula na cidade de
Caicó.
A professora Teodora Vale e a Escola Rudimentar da Vila de São Miguel de Jucurutu
Durante as primeiras décadas do século XX, as lideranças políticas e intelectuais do
estado do Rio Grande do Norte incumbiram-se em promover reformas na instrução pública.
Entre outras prerrogativas, tais reformas, objetivavam expandir o ensino primário no território
potiguar. Um exemplo dessa realidade, a Lei nº 249 de novembro de 1907, operacionalizada
pelo Decreto nº 178 de 29 de abril de 1908, que além de restaurar “[...] a antiga diretoria geral
de instrução, suprimida pelo decreto n.153 de 23 de fevereiro de 1905, criava um grupo
escolar em cada sede de comarca e uma escola mista nos demais municípios, e estabelecia a
Escola Normal desta capital, instalada a 13 de maio desse ano[...]”. (LIMA, 1927, p. 167).
Entre os Grupos Escolares fundados no interior do Rio Grande do Norte a partir das
prescrições da referida Lei, destacamos o Grupo Escolar Senador Guerra, criado no município
de Caicó pelo Decreto nº 180 de 16 de Fevereiro de 1909. Nessa instituição de ensino, a
professora Teodora Vale cursou o ensino primário concluindo-o no ano de 1915. Essa
formação proporcionou-lhe os subsídios pedagógicos necessários para atuar como professora
na Escola Rudimentar de São Miguel de Jucurutu entre os anos letivos de 1930 a 1934.
Segundo consta no Livro de Atas da Escola Rudimentar de São Miguel de Jucurutu (19261934), essa professora registrou seu ingresso na referida Escola Rudimentar, nos seguintes
documentos, remetidos as respectivas autoridades: “Uma petição ao Dr. Diretor Geral do
Departamento de Educação, de uma caderneta diária. Um ofício ao Dr. Diretor Geral do
Departamento de Educação e outro ao presidente da Intendência de Caicó, comunicando a
reabertura desta escola. S. Miguel de Jucurutu, 1º de Fevereiro de 1930. Teodora Vale.
Professora”. (VALE, ANO, p. 77).
Apesar de não deter o diploma de pedagoga graduada pela Escola Normal de Natal,
Teodora vale pôde assumir o cargo de professora na Escola Rudimentar de São Miguel de
Jucurutu graças à regulamentação constante no Artigo 25 do capítulo VII do Regimento
Interno das Escolas Rudimentares do Rio Grande do Norte. Segundo esse documento
Na falta de professores diplomados, as Escolas Rudimentares poderão ser providas,
provisoriamente, pelos regentes contratados pelo Departamento de Educação, sendo
preferidos [...] os que tiverem o curso complementar ou elementar completo, ou os
que requererem e fizerem prática, durante um a três meses em Grupo Escolar
designado pelo Diretor do Departamento de Educação. (RIO GRANDE DO
NORTE, 1925, p. 16).
Enquanto professora atuante na Escola Rudimentar de São Miguel de Jucurutu,
Teodora Vale, teve suas práticas educativas submetidas às regulamentações impostas pelo
Regimento Interno das Escolas Rudimentares do Rio Grande do Norte. A primazia atribuída
ao ensino da leitura e da escrita no ensino primário potiguar é observada no artigo 13 do
Capítulo IV do referido regimento, pois determinava que nas Escolas Rudimentares haveria
“[...] todos os dias exercícios de leitura, escrita, linguagem e contabilidade, de acordo com os
programas anexos, e na quinta-feira, será dada a explicação das noções gerais, em que os
assuntos do programa serão continuamente revezados. Se a quinta-feira for feriado, a
explicação será dada na quarta-feira”. (RIO GRANDE DO NORTE, 1925, p. 10).
Ao cumprir essas normas, Teodora Vale documentava no Livro de atas da Escola
Rudimentar de São Miguel de Jucurutu (1926-1934) a realização de atividades como Lições
de Coisas, ministradas durante a realização de passeios pedagógicos, recitações poéticas e
encenações dramáticas apresentadas pelos alunos durante a realização das festas escolares.
Tais exercícios viabilizavam o ensino da leitura e da escrita aos alunos dessa instituição de
ensino, citamos como exemplo um Termo de passeio escolar lavrado por essa professora no
dia 5 de agosto de 1935, no qual consta o seguinte:
Aos vinte e cinco dias de Agosto do ano de mil novecentos e trinta e dois, a Escola
Rudimentar de São Miguel de Jucurutu, realizou um passeio escolar presente a
professora e trinta (30) alunos. O local escolhido para o referido passeio foi a
margem esquerda do Rio Piranhas. Chegados ao local supra, depois do
indispensável descanso os alunos receberam uma lição de coisas que versou sobre o
algodão, o sal, a mandioca, os cereais e a cana de açúcar, a qual foi ouvida com a
máxima atenção que se provou com um ligeiro interrogatório sobre a mesma.
Terminada essa parte, seguiu-se a parte recreativa que constou de merenda, jogos e
calistenica ao ar livre. Com a maior harmonia voltamos as nove e meia horas.
Terminado o passeio lavrei o presente termo que assino. Eu, Teodora Vale,
professora da Escola Rudimentar de São Miguel de Jucurutu. (VALE, 1932, p. 58).
Passeios escolares como esse, aproximavam os alunos dos objetos estudados.
Justifica-se, portanto, o fato da professora Teodora Vale utilizar um espaço rural para o ensino
de uma Lição de Coisas que versou sobre o cultivo do algodão, o sal, a mandioca, os cereais e
a cana de açúcar. Dessa feita, era possível o contato direto dos alunos com esses exemplares
da agricultura local. Diante da prática dessa professora, salientamos que de acordo com Faria
Filho (2010, p. 143) o professor poderia ensinar as Lições de Coisas a partir de objetos
diversos levados para a sala de aula “[...] ou realizando visitas e excursões à circunvizinhança
da escola, ou ainda, possibilitando aos alunos o acesso a gravuras diversas que tanto poderiam
estar nos livros, de ‘lições de coisas’, ou de outros conteúdos”.
As Lições de Coisas ministradas pela professora Teodora Vale aos seus alunos,
baseavam-se em aulas expositivas e interrogatórios realizados em localidades rurais que
circunscreviam a Vila de São Miguel de Jucurutu. Essa prática educativa estimulava o
desenvolvimento da linguagem, pois estimulava nos alunos a descrição oral dos objetos
estudados e a compreensão sobre a lição ministrada. Ao estudar a importância das Lições de
Coisas para o desenvolvimento da linguagem Vasconcelos Júnior (1917, p. 8) salienta que
São as coisas que com seus nomes, nomes de suas propriedades, de suas ações, nos
levam ao estudo da linguagem. É o estudo das formas dos objetos que produz a
geometria, bem como o seu número fez nascer o caçulo. É do exame da localidade e
de seus habitantes que resulta a geografia e a história. É do conhecimento dos
animais, vegetais e minerais que produz a zoologia, a fitologia ou botânica e a
mineralogia.
Parafraseando o estudo de Vasconcelos Júnior (1917), compreendemos a iniciativa
da professora Olívia Pereira em eleger determinados sítios e fazendas da Vila de São Miguel
de Jucurutu, para o ministério de lições de coisas. Pois, além de proporcionar aos alunos o
conhecimento sobre seu local de origem também contribuía para a aprendizagem da leitura e
da escrita, uma vez que, “[...] O ensino-aprendizagem da leitura e da Escrita centrava-se na
valorização da intuição como fundamento de todo o conhecimento e as Lições de Coisas
considerada a chave para desencadear a pretendida renovação do ensino”. (MORAIS;
COSTA; MORAIS, 2013, p. 174).
Entretanto, não é apenas nas Lições de Coisas ministradas pela professora Teodora
Vale que constatamos o ensino-aprendizagem da leitura e da escrita, no Livro de Atas da
Escola Rudimentar de São Miguel de Jucurutu (1926-1934). A professora Teodora Vale,
também documentou exercícios de linguagem trabalhados na escola, tratam-se de registros
escritos sobre dramas, monólogos, diálogos e poesias declamadas pelos seus alunos durante as
festas escolares. O Regimento Interno das Escolas Rudimentares do Rio Grande do Norte
(1925) instituiu três festas obrigatórias: A Festa da Natureza, Festa da Pátria e a Festa da
Bandeira, a serem realizadas respectivamente nos dias 03 de maio, 07 de setembro e 19 de
novembro. Cumprindo essa norma
Aos três dias do mês de maio de do ano de mil novecentos e trinta, a Escola
Rudimentar desta Vila de São Miguel de Jucurutu, presente a professora, alunos e
grande número de pessoas gradas, efetuou a festa da natureza com o seguinte
programa: ‘As bonecas’ (monólogo), ‘Eu cá não falo (monólogo)’, ‘A carta’
(monólogo), ‘Saudação a Bandeira’ (poesia), ‘A Escola’ (poesia), ‘Meu dever’
(poesia), ‘As duas colegiais’ (diálogo), ‘O canário cativo’ (diálogo), ‘3 de maio’
(comédia). Um discurso pela professora dissertando a data. Para encerrar a festa os
alunos cantaram o hino nacional. E para constar eu, Teodora Vale, lavrei a presente
ata que assino. (VALE, 1930, p. 80).
Entre os exercícios de linguagem constantes no Regimento Interno das Escolas
Rudimentares (RIO GRANDE DO NORTE, 1925, p. 27) era recomendado aos alunos “[...]
recitar monólogos, diálogos e poesias.” Acatando essa prescrição, a professora Teodora
registrou a participação dos seus alunos em eventos escolares como a Festa da Natureza
realizada pela Escola Rudimentar de São Miguel de Jucurutu no ano de 1930. Participando de
eventos como esse, seja declamando poesias, seja apresentando monólogos, poesias e
diálogos, os alunos expressavam o domínio sobre a leitura e a escrita. Ao analisar as maneiras
de ler nas escolas primárias brasileiras no alvorecer do século XX, Morais e Silva (2011, p.
271) constatam que “As condições de produção, de apropriação da leitura são determinadas
pelas práticas. No século XIX, por exemplo, a leitura em voz alta era uma prática bastante
utilizada como forma de socialização. Na escola primária republicana, esse era um hábito
ainda em voga”.
Ao estimular a leitura em voz alta, entre as atividades realizadas com os seus alunos,
como por exemplo as declamações poéticas, a professora Teodora vale difundia uma técnica
de leitura presente nas escolas primárias brasileiras desde o século XIX. Diante desse
contexto, a linguagem como veículo de comunicação verbal era uma reprodução do domínio
que esses alunos detinham sobre a leitura e a escrita, tornando-se inerente à maneira com era
praticada. Corroborando com essa idéia Gvirtz e Vidal (1999, p.79) afirmam que
A ‘boa linguagem’, definida como clara e concisa, e, assim, veloz, estava
intimamente relacionada à ‘boa escrita’, para a qual os atributos da clareza e
velocidade eram, também, fundamentais. Clareza e velocidade somente poderiam
ser obtidos pelo desenvolvimento do pensamento lógico e racional e das técnicas
apropriadas de expressão. Ao expor suas idéias, as crianças seriam levadas a buscar
em tais princípios e técnicas as maneiras adequadas de ordenação do pensamento,
tanto no que se refere ao conteúdo, quanto à forma. À disciplina do falar/pensar
estaria associada à disciplina do escrever.
Considerando esse estudo, enquanto exercícios de linguagem, as declamações
poéticas realizadas pelos alunos da professora Teodora vale, constituíam as práticas que essa
professora utilizava para ensiná-los a ler e a escrever. Durante tais exercícios, os alunos
expressavam em suas falas o ordenamento lógico das idéias presentes nos conteúdos escritos
reproduzindo oralmente a estética textual que dominavam.
Considerações Finais
A professora Teodora Vale, teve práticas educativas voltadas para o ensino da leitura
e da escrita aos seus alunos. Para tanto, ministrava atividades como Lições de Coisas, e
exercícios de Linguagem recomendados pela legislação educacional que geria as suas
práticas.
O Livro de Atas da Escola Rudimentar de São Miguel de Jucurutu (1926-1932), bem
como,os documentos pessoais e os depoimentos de familiares da professora Teodora Vale,
narram parcialmente, as metodologias de ensino por praticadas. Esses documentos registram
as contribuições dessa educadora para a construção de uma sociedade letrada no interior
norte-rio-grandense, mais precisamente na Vila de São Miguel de Jucurutu.
A metodologia que utilizamos no presente estudo nos permite vislumbrar aspectos da
história educacional do sertão potiguar, a partir das práticas de uma professora primária, que,
a pesar de leiga, muniu-se dos subsídios pedagógicos adquiridos no Grupo Escolar Senador
Guerra para o exercício do seu magistério.
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AS PRÁTICAS EDUCATIVAS DA PROFESSORA TEODORA VALE