PARQUE PATRIMONIAL - O CASTRO DE SÃO MIGUELO-ANJO Autores: Couto, Isabel*; Monteiro, Patrícia*; Mavilde, Catarina*; Curado, Mª José**; Marques, Teresa** Afiliações: *Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, ** Faculdade de Ciências da Universidade do Porto; CIBIO/INBIO – Research Network in Biodiversity and Evolutionary Biology, Portugal Palavras-chave: Monte castro, valor patrimonial, parque DE MONTE CASTRO A PARQUE PATRIMONIAL Da constante e prolongada relação estabelecida entre o Homem e o meio biofísico diversas marcas, mais ou menos vincadas, foram sendo impressas na paisagem deixando, ao longo do tempo, testemunhos e evidências da ação humana. Estas marcas, suscetíveis de serem compreendidas, estudadas e exploradas, podem ser colocadas ao dispor da comunidade para interpretação e fruição pública, resgatando memórias passadas e reforçando identidades. A construção nos cabeços dos montes, nas Idades do Bronze e Ferro, de povoados fortificados com estruturas petrificadas e a gestão agrícola e florestal das paisagens associadas, constituem algumas dessas marcas, particularmente importantes na região do Noroeste peninsular. Esses espaços, muitos deles hoje desconhecidos e abandonados, apresentam-se como lugares de considerável interesse histórico e cultural - arqueológico, em particular - e de significativo valor paisagístico. São espaços remotos, de caráter muito distinto das paisagens urbanas onde as pessoas maioritariamente habitam, com grande amplitude visual e apreciável qualidade ambiental. Neste trabalho são apresentados princípios e estratégias de intervenção em lugares de valor arqueológico, tomando como caso de estudo um castro - o de S. Miguel-oAnjo, em Calendário, Vila Nova de Famalicão. O castro de São Miguel-o-Anjo é um dos inúmeros povoados existentes na paisagem do vale do Ave e que serviu como caso de análise, interpretação e aplicação projetual das estratégias de intervenção de um arquiteto paisagista, desenvolvidas em âmbito académico no mestrado em Arquitetura Paisagista da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (2013 e 2014). Pretende-se demonstrar que a componente histórica e arqueológica do castro é merecedora de atenção e que, em conjunto com o valor da paisagem onde se insere, contribui para o potencial recreativo e pedagógico dos monte-castros, nomeadamente para a sua adaptação a espaços de recreio e fruição paisagística, preservando e valorizando o seu cárater identitário. A PAISAGEM DO MONTE DE SÃO MIGUEL-O-ANJO O castro de São Miguel-o-Anjo localiza-se no outeiro de São Miguel no concelho de Vila Nova de Famalicão. É um povoado da Idade do Ferro que apresenta indícios de romanização e está classificado como Imóvel de Interesse Público, desde 1990. O monte tem grande expressão na paisagem. Simultaneamente, é um local privilegiado de observação pois confere vistas alargadas tendo, em primeiro plano, o vale do rio Pelhe e a cidade de Famalicão. O cabeço corresponde a um espaço aberto que permite uma visibilidade significativa sobre a paisagem envolvente. O coberto vegetal é dominado por uma mata esparsa de Eucalyptus globulus, espécie exótica que prejudica não só a qualidade visual do monte como também os vestígios arqueológicos que se apresentam ainda soterrados, constitui uma barreira visual, nem sempre desejada, para a paisagem envolvente e um elevado risco de incêndio. Contudo, verifica-se a presença significativa das espécies vegetais da associação do carvalho alvarinho, desde o estrato herbáceo ao arbóreo. Há vários afloramentos graníticos, nomeadamente sob a forma de bolas graníticas, que geram diversidade e oportunidades várias para a intervenção paisagística. PROPOSTA DE INTERVENÇÃO A intervenção no Monte tem como objetivo a criação de um parque para o recreio da população tirando partido do seu valor patrimonial, das vistas que daí se podem alcançar e da proximidade física com a cidade. Assim, na elaboração da proposta foi decisivo o desenvolvimento de um modelo de orientação de vistas, permitindo destacar os elementos paisagísticos mais interessantes e diminuir o impacto das paisagens mais degradadas. Desta forma, as vistas serão reduzidas para Oeste, devido ao elevado número de construções de grande escala, tirando apenas partido das vistas para os montes a longa distância; para Norte e Sul valorizar-se-ão as vistas sobre as paisagens de cárater agrícola; e, para Este, serão privilegiadas as vistas sobre o centro urbano de Famalicão. Propõe-se a criação de três acessos principais ao Monte: (1) pedonal, no Monte; (2) ciclopedonável e automóvel, no sopé do Monte, facilitando modos de deslocação diversos e permitindo o parqueamento de automóveis e bicicletas; (3) apenas ciclopedonável na ligação do Monte aos principais pontos de interesse cultural e aglomerados populacionais. Propõe-se o melhoramento da infraestrutura verde existente através da gestão da mata, da arborização de arruamentos e da reabilitação da galeria ripícola do rio Pelhe. Quanto à intervenção dentro do povoado fortificado, propõe-se a criação de um sistema de percursos pedonais aproveitando os que já existem de modo a diminuir o impacto da intervenção no sítio arqueológico e, ainda, a implementação de zonas de estadia ao longo do percurso principal. Propõe-se, ainda, a criação de caminhos de interpretação das ruínas seguindo a orientação das linhas de muralha conhecidas. Estes percursos serão, sempre que possível, sobrelevados proporcionando a interpretação dos vestígios arqueológicos e a criação de miradouros associados a locais estratégicos e com vistas singulares. GESTÃO DA VEGETAÇÂO A gestão da vegetação tem como objetivos a abertura e fecho de vistas sobre a paisagem envolvente ao Monte e no próprio monte; a promoção da qualidade paisagística e ecológica através da substituição gradual das espécies exóticas por espécies autóctones, ou seja, a redução substancial da área de eucalipto a favor da regeneração do carvalhal atlântico; e a definição de áreas de mata densa, mata, mata esparsa e clareira. Assim, foi desenvolvido um plano de gestão com ações distintas destinadas a estas 4 áreas, desde o sopé (mata densa) até ao topo do monte (clareira): • Fase 1 - Início da gestão que varia entre o corte total dos eucaliptos ao corte gradual e ao controlo da sua regeneração; diminuição da densidade arbustiva, através do corte e da utilização de pastoreio dirigido, e criação de clareiras. • Fase 2 - Evolução natural da vegetação e plantação de espécies autóctones do carvalhal da zona temperada húmida. • Fase 3 – Por fim, nas áreas de clareira no topo do monte, com mais vestígios arqueológicos, deixam-se crescer algumas árvores para conforto bioclimático, enquanto na restante área há controlo através do corte, favorecendo a sucessão ecológica. A proposta explora a sustentabilidade do projeto de arquitetura paisagista na medida em que se recorre da topografia natural do monte, das suas associações históricas e dos seus vestígios arqueológicos, das vistas que dele se podem obter, da vegetação nativa que, através de uma gestão adequada, naturalmente recobrirá o monte em substituição das exóticas potencialmente invasoras. A infraestruturação será mínima, apenas prevendo a consolidação e criação de caminhos, a abertura de clareiras para estadia, fruição de vistas e compreensão da remota ocupação castreja e a efetiva ligação à cidade consolidada, estimulando o recreio das populações vizinhas. REFERÊNCIAS Costa Pinto, Paulo (2008). “A Rede de Castros do Noroeste - Um projeto em desenvolvimento”. Oppidum, Volume especial, pp. 227-263. Dinis, António P. (1993). Ordenamento do Território do Baixo Ave no I Milénio a.C. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Ferreira de Almeida, C. A., Acuña Castroviejo, F. (1993). “A cultura castreja - ontem e hoje”. Portugalia, Nova Série, (1996/1997), Vol. XVII-XVIII, pp. 97-99. Ferreira da Silva, Armando C. (2012). “A ocupação do espaço e a modelação da paisagem proto-histórica do norte de Portugal”. Brathair 13 (2), pp. 22-51. Martins, N., Costa, C. (2009), “Património, paisagens culturais, turismo, lazer e desenvolvimento sustentável. Parques temáticos vs parques patrimoniais’. Exedra, Nº Temático - Turismo e Património. Matos, O (2008). ‘Valorização de Sítios Arqueológicos”. Praxis Archaeologica. Escola Superior de Tecnologia e Gestão - Instituto Politécnico de Viana do Castelo.