A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS DE
COMÉRCIO ELETRÔNICO
Vinícius Barbosa Scolanzi1
Patrícia Irina Loose2
RESUMO
A Internet tem sido usada, a cada dia com mais freqüência, nas relações de compra e oferta de produtos e
serviços. Assim, o número de consumidores lesados ao fazer compras “on-line” tem aumentado
significativamente e, portanto, esse campo merece toda atenção. Este trabalho destina-se ao estudo da
responsabilidade civil dos “comerciantes eletrônicos”, mais precisamente do site e-commerce MercadoLivre que
tem sido alvo de denúncias de consumidores que foram lesados ao adquirirem produtos através do mesmo para,
depois, expandir os resultados obtidos com essa investigação a outras empresas que atuam no mesmo ramo. A
princípio, foi pertinente traçar breves considerações sobre a Internet e o e-commerce e fazer uma análise sobre a
responsabilidade civil no âmbito mercantil. Posteriormente, a possibilidade de se imputar ao MercadoLivre a
responsabilização por danos a terceiros suscitou a necessidade de se estudar, especificamente, as relações
comerciais as quais ele possui participação, bem como todas as variáveis que com ela se relacionam. Por fim, o
trabalho permitiu considerar que, no tocante à responsabilidade civil, é possível imputar às empresas de ecommerce o dever de reparar danos causados a consumidores devido às práticas de comércio as quais elas atuam
como fornecedoras, aplicando os dispositivos encontrados no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor.
Palavras-chave: E-commerce; Internet; Direito do Consumidor; responsabilidade civil.
ABSTRACT
Internet has been used, every day with more frequency, in the relationships of purchase and offer of products and
services. So, the number of consumers harmed when they buy things "on-line" has been increasing significantly
and, therefore, that field deserves all attention. This article aims to study the "electronic" merchants' civil
responsibility, more precisely of the MercadoLivre’s e-commerce web site, that has been targed of accusations of
consumers that were harmed when they acquired products through this one, for later to expand the results
obtained with that investigation to other companies that act in the same area. At first it was pertinent to trace
brief considerations about the Internet and the e-commerce and to do an analysis about the civil responsibility in
the mercantile ambit. Later, the possibility to impute MercadoLivre the responsibility for damages caused
consumers suscitaded the necessity of studying, specifically, the commercial relationships which he possesses
participation, as well as all the variables it has a relation to. Finally, this article allowed considering that,
concerning the civil responsibility, it is possible to impute to the e-commerce companies the duty of repairing
damages caused to consumers as a result of the trade practices which they act as suppliers, applying the devices
found in the Brazilian’s Consumer’s Defense Code.
Key-words: E-commerce; Internet: Consumer’s right; civil responsibility.
1
Bacharelando em Direito pela Faculdade Estácio de Sá de Ourinhos. Endereço eletrônico:
[email protected]
2
Professora da Faculdade Estácio de Sá de Ourinhos (SP).
1
INTRODUÇÃO
A Internet tem revolucionado o mundo dos negócios. Devido à comodidade
que ela proporciona por possibilitar compras sem que os consumidores saiam de casa, as
compras “on-line” estão se tornando íntimas da população.
Tendo em vista este tipo de comércio, como não há uma relação direta entre o
consumidor e o fornecedor dos produtos ou serviços ofertados na rede e, às vezes, nem há
garantias que este de fato existe, aquele freqüentemente é lesado e não tem condições de
reclamar por seus direitos. Desse modo, esse tipo de comércio é o palco ideal para a prática de
fraudes e estelionatos, pois o fornecedor tem a chance de permanecer às obscuras por meio de
dados e informações falsas passadas para o consumidor.
Por este motivo, o presente trabalho destina-se a estudar a responsabilidade
civil dos “comerciantes eletrônicos” em sua atividade mercantil, mais especificamente a
responsabilidade civil do MercadoLivre para, posteriormente, ampliar o resultado deste
estudo às outras empresas que atuam como fornecedores de produtos e serviços na Internet.
1. A INTERNET E O E-COMMERCE
1.1
Definição de Internet
Entende-se por Internet um grande grupo de computadores interligados em
rede de modo a permitir que seus usuários, em qualquer lugar do planeta, intercomuniquem-se
e troquem idéias, dados, arquivos, informações etc. Para isto, basta estar na frente de um
computador conectado a um provedor3.
Lévy (2000, p. 255) imputa à Internet a seguinte definição:
O nome Internet vem de iternetworking (ligação entre redes). Embora seja
geralmente pensada como sendo uma rede, a Internet na verdade é o conjunto de
todas as redes e gateways que usam protocolos TCP/IP. Note-se que a Internet é o
conjunto de meios físicos (linhas digitais de alta capacidade, computadores,
roteadores etc.) e programas (protocolo TCP/IP) usados para o transporte de
informação. A Web (WWW) é apenas um dos diversos serviços disponíveis através
3
Provedor é a central que propicia o acesso dos computadores à Internet.
2
da Internet, e as duas palavras não significam a mesma coisa. Fazendo uma
comparação simplificada, a Internet seria o equivalente à rede telefônica, com seus
cabos, sistemas de discagem e encaminhamento de chamadas. A Web seria similar a
usar um telefone para comunicações de voz, embora o mesmo sistema também
possa ser usado para transmissões de fax ou dados.
1.2
A Internet na atualidade
Atualmente, a Internet possui cerca de 40 mil redes4 que interliga mais de 600 milhões
de usuários5 e é mais de 300 mil vezes maior que sua genitora, a ARPANet. Em se tratando de
Brasil, 14% da população têm acesso à rede6 e, de acordo com Franco Junior (2003, p. 13),
“em 2000, o Brasil já se havia tornado o segundo país do mundo em número de provedores de
acesso à Internet e já mostrava a maior taxa de crescimento mundial em número de usuários
acessando-a”.
Devido a sua magnitude e a rapidez com que proporciona comunicação instantânea
entre os usuários da rede, ela se tornou um dos principais meios de comunicação e prestação
de serviços do mundo. Porém, ela pode ser considerada perigosa, já que ainda não há leis que
limitam o acesso e nem os atos praticados pelos internautas.
Segundo Scorzelli (1997, p. 17), “não há órgão de controle desta fantástica rede de
computadores chamada Internet. A Internet é por isso, considerada, anárquica, por não estar
submetida a governos, leis ou polícia”.
1.3
E-commerce
Há definições suficientemente complexas para caracterizar o e-commerce. Franco
Junior (2003, p. 25) profere que “o e-commerce é a parte visível do e-Business. É por meio
dele que as transações de compra e venda de produtos e serviços acontece”. Mas o que é eBusiness? Como funciona? O que mais ele engloba se o e-Commerce é apenas uma parte
dele? Enfim, para fins desta pesquisa não é necessário uma definição tão exata e complicada
de e-commerce, muito menos é preciso ter o conhecimento de todos esses outros conceitos
que ela abrange. Basta saber do que se trata o e-commerce.
4
Disponível em http://www.abranet.org.br/home/historiadainternet/nossosdias.htm. Acesso em 18 de maio de
2006.
5
Acessível em http://www.abranet.org.br/home/historiadainternet/numeros.htm. Acesso em 18 de maio de 2006.
6
Acessível em http://www.abranet.org.br/home/historiadainternet/numeros.htm. Acesso em 18 de maio de 2006.
3
O termo e-commerce nada mais é do que uma denominação técnica para comércio
eletrônico, ou seja, para o comércio estabelecido através da Internet. A IBM, uma das
pioneiras no uso do e-commerce, o define da seguinte maneira:
O e-commerce, numa definição objetiva, é a capacidade de comprar e vender
produtos e serviços pela Internet. Indo um pouco mais a fundo, o conceito abrange
também a exposição de bens e serviços on-line, a colocação de pedidos, a emissão
de faturas, o atendimento ao cliente e o manuseio de pagamentos e das transações.7
Em suma, é essa a idéia que deve ser aplicada à palavra e-commerce neste trabalho.
1.4
A evolução do e-commerce no Brasil
O comércio eletrônico, muito embora extremamente significativo, é jovem. Há apenas
cinco anos era simplesmente uma criança que tentava dar seus primeiros passos, porém, uma
criança muito esperta e astuta.
Segundo dados do site e-CommerceOrg, os indicadores de crescimento não poderiam
ser melhores: em seus primeiros anos de vida, 2001, o e-Commerce lucrava anualmente 549
milhões de Reais, que passaram para 850 milhões em 2002, 1.180 milhões em 2003, 1.750
milhões em 2004 e 2.500 milhões em 2005. Para 2006, a previsão é um faturamento de 3.900
milhões de Reais, ou seja, 56% a mais do que no ano anterior8.
O número de consumidores que se habilitam a essa prática também aumenta
arduamente; em 2003 eram 2.510 milhões, contra 3.284 milhões em 2004 e 4.771 milhões em
2005; ou seja, entre 2003 e 2005 houve um crescimento de pouco mais de 90% no número de
consumidores on-line9.
Em suma, pode-se considerar que o crescimento apresentado pelo comércio eletrônico
no Brasil é extremamente elevado, cerca de 355% entre 2001 e 2005 e, se a previsão para o
faturamento em 2006 estiver correta, entre 2001 e 2006 essa taxa subira para 610%. Tais
números relacionados com as taxas também colossais de crescimento do número de
compradores podem ser indicativos de que, num futuro iminente, o e-commerce derrube o
comércio tradicional e, assim, é necessário desde já que a população seja educada sobre o
assunto para evitar danos futuros ao realizarem compras através da Internet.
7
Disponível em: http://www-306.ibm.com/e-business/br/about_ondemand/integration/e-commerce.shtml.
Acesso em 19 de maio de 2006.
8
Dados todos retirados de http://www.e-commerce.org.br/STATS.htm#D.
9
Dados todos retirados de http://www.e-commerce.org.br/STATS.htm#D.
4
2. SOBRE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
2.1
Definição de consumidor
O Código de Defesa do Consumidor foi bastante abrangente em suas definições de
consumidor, fornecedor, produto e serviço. Em seu artigo segundo, define-se consumidor
como sendo “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final”10 (compreendendo como destinatário final aquele que retira o produto do
mercado e o consome, sem utilizá-lo para gerar lucros). O Código inclui ainda, na categoria
de consumidor, a coletividade de pessoas, determináveis ou indetermináveis, que tenham
interferido nas relações de consumo. Segundo Bulgarelli11 (apud, GRINOVER et al, 2005,
p.38), no CDC, o consumidor pode ser acatado como “aquele que se encontra numa situação
de usar ou consumir, estabelecendo-se, por isso, uma relação atual ou potencial, fática sem
dúvida, porém a quem se deve dar uma valorização jurídica”. Dessa forma, aquele que
adquire um bem com o intuito de aplicá-lo em qualquer meio de produção que seja, não é
considerado consumidor e, logo, não encontra respaldo no Código de Defesa do Consumidor.
2.2 Conceito de fornecedor
Em relação ao conceito de fornecedor, situado no artigo terceiro do diploma em
questão, o legislador foi mais abarcante ainda, considerando como fornecedor não apenas a
pessoa física ou jurídica que se relaciona diretamente com o consumidor, como também todos
aqueles que contribuíram para que o produto ou serviço chegasse ao consumidor. Dessa
forma, produtores, construtores, fabricantes, importadores e inclusive comerciantes são
considerados fornecedores, basta que pratiquem atividade comercial de forma habitual e com
geração de lucros que constituem renda. Nas palavras do artigo terceiro:
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de
10
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em:
http://dji.com.br/leis_ordinarias/1990-008078-cdc/codigo_de_defesa_do_consumidor.htm. Acesso em 4 de junho
de 2006.
11
BULGARELLI, Waldírio. Tutela do consumidor na jurisprudência de lege ferenda, in Revista de direito
mercantil, Nova Série, ano XVII, nº 49, 1984.
5
produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.12
2.3 Conceito de bem e serviço:
Para fins de comércio, considera-se bem “qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou
imaterial”13; serviço consiste em “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,
mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, de crédito e securitária, salvo as
decorrentes de relações de caráter trabalhista”14.
2.4
Definição de relações de comércio
Compreendem relações de comércio todos e quaisquer atos de compra e venda de
produtos ou serviços bem como a oferta destes. Desse modo, a publicidade também é
considerada relação de comércio e, logo, também é regrada pelo Código Brasileiro de Defesa
do Consumidor.
3. RESPONSABILIDADE CIVIL
3.1
Noção básica
A sociedade não está livre de conflitos; muito pelo contrário, conflitos são inerentes à
vida em conjunto. Os seres humanos são diferentes e, assim, pensam e agem de forma distinta
uns dos outros e isto, quase sempre, resulta em litígios os quais o ordenamento jurídico de
determinado local deve absorver.
Araldi (2006) pontua que:
A vida em sociedade impõe regras de conduta aos seres humanos. No convívio
diário, nas relações sociais, no exercício das atividades profissionais, no
12
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em:
http://dji.com.br/leis_ordinarias/1990-008078-cdc/codigo_de_defesa_do_consumidor.htm. Acesso em 10 de
junho de 2006.
13
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em:
http://dji.com.br/leis_ordinarias/1990-008078-cdc/codigo_de_defesa_do_consumidor.htm. Acesso em 10 de
junho de 2006.
14
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em:
http://dji.com.br/leis_ordinarias/1990-008078-cdc/codigo_de_defesa_do_consumidor.htm. Acesso em 10 de
junho de 2006
6
desempenho e execução do trabalho, na mercancia, enfim, em toda e qualquer forma
de relacionamento, as pessoas estão constantemente sujeitas a cometer ou sofrer
ações potencialmente danosas. Não por outra razão, os sistemas jurídicos prevêem
formas de reparação a serem empreendidas pelo causador do dano em favor daquele
que foi lesado.
Os legisladores brasileiros, atentos aos riscos da vida em sociedade descritos no texto
de Araldi, criaram dispositivos legais destinados a imputar ao indivíduo que causou dano a
outro, a obrigação de reparar tal lesão. Nisto consiste a Responsabilidade Civil, que
basicamente consiste no dever (imputado ao agente causador do dano) de se reparar a lesão
causada a outrem através de indenização, ou seja, através da liquidação do dano ou de sua
compensação.
O Código Civil vigente disserta sobre esse tema em seus artigos 186 e seguintes da
parte geral, e nos artigos 927 e seguintes da sua parte especial, sob o título “Da
responsabilidade civil”.
3.2
Responsabilidade objetiva e subjetiva
A responsabilidade civil se subdivide em duas vertentes: a responsabilidade objetiva e
a subjetiva. Esta, também denominada de teoria da culpa, fundamenta toda a responsabilidade
na culpa; não havendo culpa, não há obrigação de indenizar.
A responsabilidade objetiva (abalizada na teoria do risco), ao contrário, não se
fundamenta na culpa, pois esta é presumida devido ao fato de, em muitos casos, ser
extremamente difícil para o lesado provar a culpa do agente. Para ela, basta haver um nexo de
causalidade entre a conduta do agente que supostamente causou o dano e o fato que ocasionou
o dano ao lesado para se presumir a culpa do primeiro e, dessa forma, para que haja o dever
de indenizar. Segundo Gonçalves (2002, p. 10):
A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a idéia de risco, ora
encarada como “risco-proveito”, que se funda no princípio segundo o qual é
reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma atividade realizada em
benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi onus, isto é, quem aufere os
cômodos (lucros) deve suportar os incômodos ou riscos), ora mais genericamente,
como “risco criado”, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa,
expuser alguém a suportá-lo, em razão de uma atividade perigosa, ora, ainda, como
“risco profissional”, decorrente da atividade ou profissão do lesado, como ocorre
nos acidentes do trabalho.
O Código Civil de 2002 acata como regra a responsabilidade civil subjetiva, ao
colocar a culpa ou dolo como pressupostos da responsabilidade civil, mas ele não deixa de
7
lado a modalidade objetiva, pois pontua, em seu artigo 927, parágrafo único, que “haverá
obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,
risco para os direitos de outrem”. 15
4. RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR
4.1
A responsabilidade civil objetiva e solidária como regra
O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (CDC), fundamentado na teoria do
risco, adota como regra a responsabilidade civil objetiva e solidária. Esta teoria, no que diz
respeito ao CDC, promulga que todo aquele que exerce atividade mercantil cria o risco de
dano a terceiros e, se concretizado tal dano, deve repará-lo independentemente da existência
de culpa. O fornecedor obtém proveito (lucro) através de sua atividade (lícita) e, em
contrapartida, deve arcar com os riscos da atividade. Além dessa teoria, o CDC atenta ao fato
de o consumidor ser a parte mais fraca das relações de comércio (e não o fornecedor, como se
figurava antes da Revolução Industrial). Assim, há mais um motivo para se utilizar a
responsabilidade objetiva.
Dessa forma, tendo em vista a vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor (ou
seja, a falta de conhecimentos técnicos sobre os produtos a venda e de condições monetárias
para travar disputa jurídica com as empresas fornecedoras) e a teoria do risco, o CDC passou
a utilizar a inversão do ônus da prova, ou seja, o acusado deve provar sua inocência ao invés
de o consumidor provar a culpa de quem o lesionou.
A adoção da responsabilidade civil objetiva pelo CDC é evidente em seu artigo doze
(“o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem,
independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores”16); e a responsabilidade solidária dos fornecedores é explícita no parágrafo
15
BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
http://dji.com.br/codigos/2002_lei_010406_cc/010406_2002_cc.htm. Acesso em 29 de agosto de 2006.
16
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em:
http://dji.com.br/leis_ordinarias/1990-008078-cdc/codigo_de_defesa_do_consumidor.htm. Acesso em 5 de
setembro de 2006.
8
único do artigo sétimo (“tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente
pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”17).
Deve-se frisar, porém, que o CDC não abandonou a responsabilidade civil subjetiva,
pois disciplina que, em relação aos profissionais liberais, a responsabilidade será apurada
através da verificação de culpa; ao menos, que a atividade exercida pelo profissional liberal
for de caráter finalista, isto é, se os resultados do serviço prestado dependem só dele.
Um outro fato relevante a ser citado é a caracterização de fornecedor como sendo
pessoa que exerce atividade (logo de caráter habitual) de produção, montagem, fabricação etc.
Destarte, um contrato de compra e venda celebrado entre pessoas (sem que nenhuma possa ser
considerada fornecedora) é regido pelo Código Civil.
4.2
Diferença entre vício e defeito
O Código de Defesa do Consumidor diferencia vício de defeito da seguinte forma:
vício consiste em simples inadequação do produto ou serviço para os fins a que se destinam;
assim, o vício se limita à esfera do produto ou serviço, não atinge diretamente o consumidor.
Em contrapartida, defeito se refere à insegurança do produto ou serviço (trata-se de vício
agravado). Ele ultrapassa a esfera material e pode atingir a integridade do consumidor
(acidentes de consumo). Esta divisão fica clara pelo fato de o CDC tratar sobre a
responsabilidade relacionada ao defeito do produto e do serviço separadamente à
responsabilidade pelo vício do produto e do serviço.
4.3
Responsabilidade pelo fato do produto e do serviço
O Código em questão regra a responsabilidade relacionada ao defeito – ou seja, à
insegurança que o produto ou serviço apresenta – e a acidentes de consumo em seu capítulo
quarto, seção três. Ele trata, em seu artigo doze, sobre a responsabilidade dos fornecedores
reais (fabricantes, construtores e produtores); dos fornecedores presumidos (importadores) e
dos fornecedores aparentes (aqueles que colocam o nome ou a marca no produto final como,
por exemplo, os franqueadores) em relação ao produto. Sempre que alguém for lesado devido
17
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em:
http://dji.com.br/leis_ordinarias/1990-008078-cdc/codigo_de_defesa_do_consumidor.htm. Acesso em 5 de
setembro de 2006.
9
à comercialização de um produto defeituoso ou em decorrência de acidentes de consumo
envolvendo um produto, o fornecedor deste é obrigado a reparar o dano.
Este artigo também conceitua produto defeituoso (parágrafo primeiro) como sendo os
que não oferecem “a segurança que deles legitimamente se espera, levando-se em
consideração as circunstâncias relevantes”18, como a sua apresentação, ou seja, a forma como
foi colocado no mercado; os riscos que dele se espera e a época em que foi colocado em
circulação, isto é, o risco que corre o fornecedor ao descobrir um defeito no produto após a
sua colocação no mercado (teoria dos riscos de desenvolvimento). É pertinente salientar que,
conforme o parágrafo segundo do artigo doze, a inovação tecnológica não concretiza defeito,
ou seja, um produto de qualidade inferior não é considerado defeituoso pelo fato de outro com
melhor qualidade ser apresentado ao mercado.
A responsabilidade objetiva do comerciante é abordada no artigo treze, sendo ele
responsável pelo fato do produto e do serviço quando os fornecedores que contribuíram para a
chegada do produto até ele não puderem ser localizados ou não forem identificados no
produto, ou quando ele não acondicionar os produtos perecíveis de maneira apropriada.
O CDC pontua, ainda, que quem ressarcir o prejuízo ao consumidor prejudicado pode
exercer direito de regresso contra os outros responsáveis pelo evento e que se houver mais de
um autor, todos respondem solidariamente.
Em seguida, o artigo quatorze fundamenta a responsabilidade dos fornecedores em
relação à prestação de serviço. Sem fugir à regra, a responsabilidade aplicada é a objetiva. O
fornecedor tem a obrigação de indenizar o consumidor sempre que o serviço, sobre o qual ele
tem responsabilidade, apresentar algum defeito.
O serviço, da mesma forma que o produto, é considerado defeituoso:
Quando não fornece a segurança que dele o consumidor pode esperar, levando-se em
consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: o modo de seu
fornecimento; o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; e a época
em que foi fornecido.19
18
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em:
http://dji.com.br/leis_ordinarias/1990-008078-cdc/codigo_de_defesa_do_consumidor.htm. Acesso em 6 de
setembro de 2006.
19
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em:
http://dji.com.br/leis_ordinarias/1990-008078-cdc/codigo_de_defesa_do_consumidor.htm. Acesso em 6 de
setembro de 2006.
10
Novamente, o CDC adverte sobre o fato de a evolução tecnológica não caracterizar
defeito. No parágrafo segundo do artigo quatorze, ele pontua que “o serviço não é
considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas “.20
É importante, também, a dimensão dada para consumidor pelo artigo dezessete, ao
dizer que, para efeitos da responsabilidade civil pelo fato do produto e do serviço, equiparamse a consumidores todas as vítimas dos danos causados durante o consumo.
4.4
Responsabilidade pelo vício do produto e do serviço
Como foi visto anteriormente, vício se refere à mera inadequação do produto ou do
serviço para os fins a que se destina. Tais vícios, em relação a produtos, são divididos em
vícios de qualidade - aqueles que tornam o produto inadequado, impróprio ou lhe diminuam o
valor; e vícios de quantidade - aqueles referentes a disparidades do conteúdo do produto em
relação a sua rotulagem, mensagem publicitária etc., respeitadas as variações da sua natureza.
A responsabilidade em relação ao vício do produto é estudada nos artigos dezoito e dezenove
do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor.
O artigo dezoito rege que todos os fornecedores – inclusive os comerciantes – são
responsáveis solidariamente pelos vícios de quantidade e qualidade do produto, e prevê, em
seu parágrafo primeiro, sanções a que podem ser submetidos os fornecedores diante de um
produto viciado caso o vício não seja sanado num período de trinta dias, ou em período
estipulado pelas partes, não podendo ser inferior a sete e superior a cento e oitenta dias
(parágrafo segundo). Os parágrafos seguintes do referido artigo regram outras medidas as
quais o consumidor pode acatar para restituir os prejuízos causados pelo produto viciado; e o
parágrafo sexto apresenta os produtos que são absolutamente impróprios ao uso e consumo.
Sobre os vícios de quantidade, o caput do artigo dezenove regra a responsabilidade
dos fornecedores da mesma forma que a responsabilidade referente aos vícios de qualidade.
Seus incisos e parágrafos apresentam sanções aos quais podem ser submetidos os
fornecedores à escolhe do consumidor lesado, para que a este seja restituído o dano sofrido.
O fornecedor de serviços é responsável pelas atividades que exerce, ficando obrigado
a reparar todo e qualquer dano que sua atividade provocar ao consumidor. Sendo o dano
referente a vícios (no caso de serviços vícios de qualidade), assim como nos casos de vícios
20
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em:
http://dji.com.br/leis_ordinarias/1990-008078-cdc/codigo_de_defesa_do_consumidor.htm. Acesso em 6 de
setembro de 2006.
11
de produtos, o consumidor pode exigir qualquer uma das sanções dispostas nos incisos e
parágrafos do artigo vinte do CDC para sanar seu prejuízo.
4.5
Excludente de responsabilidade
Alguns artifícios de exclusão de responsabilidade dos fornecedores, como por
exemplo a “estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a
obrigação de indenizar”21 (artigo vinte e cinco), são estritamente vedados pelo CDC. Além
disso, este postula que a ignorância do fornecedor em relação à inadequação de produtos e
serviços não caracteriza excludente de responsabilidade.
Em contrapartida, o CDC indica algumas situações em que o fornecedor não é
responsável pelos danos causados ao consumidor: se ele comprovar que não colocou o
produto no mercado (por exemplo: se um lote de mercadoria for roubado e colocado em
circulação por terceiros); se o defeito não existe ou se o culpado pelo dano é exclusivamente o
consumidor ou terceiro. Há de se observar que a culpa exclusiva do consumidor ou terceiro
exclui totalmente a responsabilidade do fornecedor, mas a culpa concorrente entre o
consumidor e fornecedor somente atenua a responsabilidade deste.
Além desses casos, há exclusão de responsabilidade por causa fortuita ou de força
maior. Embora não esteja previsto no CDC, a doutrina e a Jurisprudência a acatam como
excludente de responsabilidade quando o fato referente à causa fortuita ocorre após a
colocação do produto no mercado ou após a execução do serviço.
5. O MERCADOLIVRE
5.1
O que é MercadoLivre
Fundada no Brasil em 2 de agosto de 1999 sob o nome MercadoLivre Atividades de
Internet Ltda., a empresa de comércio eletrônico MercadoLivre constitui o maior complexo de
e-commerce da América Latina, com mais de 15,5 milhões de usuários. Além de presente na
nação brasileira, encontra-se presente também na Argentina, Colômbia, Chile, Equador,
México, Peru, Uruguai e Venezuela e possui parceria com grandes empresas como Google,
21
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em:
http://dji.com.br/leis_ordinarias/1990-008078-cdc/codigo_de_defesa_do_consumidor.htm. Acesso em 6 de
setembro de 2006.
12
MSN, Yahoo, AOL, ICQ, UOL, Terra, Cidade Internet, CanTV, Starmedia, Grupo Clarin,
BOL, Organizações Globo, Inktomi, Kazaa, IG, Grupo Abril, HPG, Grupo Televisa, Virtualia
e Data Full, entre outras.
O MercadoLivre consiste em uma plataforma virtual de comércio. Ele permite que
seus usuários devidamente cadastrados comprem e vendam os mais diversos tipos de produtos
pagando uma taxa sobre o valor destes, referente aos serviços prestados pelo site. Ele conta,
também, com um sistema de avaliação de seus usuários o qual, assim que consumada uma
venda entre eles, o consumidor qualifica a sua relação com usuário fornecedor e este avalia
aquele.
Segundo o próprio MercadoLivre, sua comunidade de compra e venda possui 90% dos
usuários pessoas físicas ou pessoas jurídicas de pequeno e médio porte, mas grandes empresas
também usam a plataforma disponível no site para venderem produtos 22.
5.2 O cadastro no MercadoLivre
Para utilizar o MercadoLivre, basta cadastrar-se preenchendo um formulário no qual
deverá ser inserido o nome e sobrenome do futuro usuário, bem como o seu e-mail e telefone
fixo. Além disso, deve-se escolher um apelido pelo qual o novo usuário será identificado
pelos outros indivíduos que utilizam o site e, por fim, deve-se escolher a sua senha secreta de
acesso.
Os dados dos usuários são confidenciais de modo que somente depois de concretizado
um negócio entre dois usuários é que o consumidor terá acesso aos dados do vendedor.
Percebe-se que este cadastro pode ser facilmente falsificado, pois não exige outros
dados pessoais que sejam mais difíceis de serem burlados, e isto muito contribui para que
ocorram lesões aos usuários consumidores.
5.3
Das relações de comércio
As relações comerciais estabelecidas através do MercadoLivre possuem grande
complexidade e, por isto, são difíceis de serem estudadas genericamente. Sabe-se que o
usuário vendedor pode optar por vender um produto através do sistema de Leilão, no qual o
22
Disponível em:
http://www.mercadolivre.com.br/brasil/ml/p_loadhtml?as_menu=MPRESS&as_html_code=SML_01. Acesso
em 21 de outubro de 2006.
13
vendedor estipula um lance mínimo, um prazo em que poderão ser dados outros lances e, ao
final deste prazo, arremata o produto aquele que pagou mais; ou através da Compra Imediata,
modo pelo qual o usuário vendedor estipula um preço ao seu produto e negocia com os
usuários compradores (em ambos os casos, o MercadoLivre cobra uma taxa do usuário
vendedor pela concretização da venda do produto anunciado no site). Estes são os dois tipos
mais comuns de comércio no site em questão.
Também é possível comprar no MercadoLivre através do Mercado Pago, um sistema
PayPal, que permite maior segurança aos seus usuários ao comprar e vender produtos. Neste
sistema, o MercadoLivre atua como guardião da quantia paga pelo usuário consumidor
durante quatorze dias e age como intermediador da relação informando ao fornecedor que a
outra parte já efetuou o pagamento e protegendo o consumidor caso ele não receba o produto
ou caso o produto não seja compatível com o ofertado. Para fazer uso desse modo de
negociação, o MercadoLivre cobra do usuário consumidor taxas que variam de 2.99% a
9.99% do valor do produto.
5.4
Casos concretos de lesões a consumidores
Há vários casos relacionados a lesões de caráter consumerista ocorridas através do site
MercadoLivre vinculados na mídia. Dentre todos, alguns serão elencados neste trabalho com
a finalidade de dar uma dimensão fática aos crimes cometidos através da empresa em questão
e, assim, concretizar a idéia de que o MercadoLivre não constitui plataforma de e-commerce
suficientemente segura. Alguns casos mostram, ainda, que o entendimento jurisdicional atual
tem revelado o dever de indenizar do MercadoLivre.
5.4.1 Casos ainda não solucionados
No dia 26 de outubro de 2006, o usuário Francisco ofereceu reclamação ao site
Reclameaqui por não ter recebido o produto comprado do usuário vendedor BILBOARD
(uma câmera digital SAMSUNG modelo A 503), através do site de vendas MercadoLivre. No
relato, Francisco afirma que tentou várias vezes registrar o negócio no campo oferecido pelo
site relacionado às TRANSAÇÕES SUSPEITAS, porém não obteve sucesso, pois, segundo o
MercadoLivre, "o produto inserido não corresponde ao número do nosso registro". O usuário
lesado afirma, ainda, que tentou entrar em contato com o vendedor e com o MercadoLivre
14
através de e-mail, mas ambos não respondem. A questão ainda não foi solucionada e o
MercadoLivre ainda não respondeu à reclamação.23
O usuário Hedwander denunciou, no dia 23 de outubro de 2006, a lesão que sofreu ao
comprar no MercadoLivre. O denunciante foi prejudicado ao comprar da usuária vendedora
MARA_DELA, através do sistema Mercado Pago, uma câmera digital Olympus que nunca
recebeu. Segundo ele, houve tentativa de se estabelecer contato com a vendedora através de emails e telefones, porém ninguém respondeu; ele afirma, ainda, que o MercadoLivre também
não responde os e-mails a ele direcionados. Dois dias após a denúncia ter sido vinculada no
site Reclameaqui, o MercadoLivre se pronunciou sobre o caso, porém este ainda não foi
solucionado.24
Em 25 de outubro de 2006, a usuária Marilene postou, no site Reclameaqui, queixa
referente a uma compra feita através do MercadoLivre. Segundo ela, a mesma reclamação foi
apresentada ao próprio site de e-commerce e, também, à Delegacia de Repressão aos Crimes
de Informática - DRCI-RJ. A usuária foi lesada ao comprar, através do sistema de Leilão, um
Windows Xp Sp2 Professional Brasil Botável (com um cd-rom do Office e o frete relacionado
à
entrega
dos
produtos
inclusos
no
preço
total
do
negócio)
do
vendedor
RAULVIEIRAML(106) que, de acordo com o descrito na denúncia, enviou a ela produtos
falsificados ao invés dos originais. A consumidora afirma, ainda, que os telefones fornecidos
pelo MercadoLivre referentes ao usuário vendedor não pertencem a ele, e que o e-mail
fornecido também já foi modificado. O MercadoLivre pronunciou-se sobre o assunto dizendo
que não poderia fazer nada sobre o assunto e o caso ainda não foi resolvido.25
Outros
casos
podem
ser
visualizados
nos
sites
www.reclameaqui.net
e
www.mercadolivre.memebot.com.
5.4.2 Casos já apreciados pelo Judiciário
23
Reclamação disponível em:
http://www.reclameaqui.net/sec.htm?conteudo=reclamacoes&cat_id=24&em_id=928. Acesso em 01 de
novembro de 2006.
24
Reclamação disponível em:
http://www.reclameaqui.net/sec.htm?conteudo=reclamacoes&cat_id=24&em_id=928. Acesso em 01 de
novembro de 2006.
25
Reclamação disponível em:
http://www.reclameaqui.net/sec.htm?conteudo=reclamacoes&cat_id=24&em_id=928. Acesso em 01 de
novembro de 2006.
15
Foi publicada, em 24 de agosto de 2005, no site Forumdoconsumidor, uma matéria
que trata sobre condenação indenizatória imputada ao site MercadoLivre devido a não entrega
de produto vendido. Segundo o texto da notícia:
O site de vendas Mercado Livre terá de ressarcir uma consumidora por não cumprir
a promessa de entregar o produto que ela comprou. A decisão é do juiz da 33ª Vara
Cível de Belo Horizonte, José Antônio Braga. O juiz julgou o pedido parcialmente
procedente e condenou o site a indenizar a consumidora em R$ 205 por danos
materiais. Cabe recurso.
[...]
Para o juiz, “se há falhas e o serviço se torna defeituoso, não fornecendo a segurança
necessária e esperada pelos clientes, a empresa deve responder pelos danos
causados, mormente em se tratando de serviço eletrônico”. Os danos morais foram
julgados improcedentes.26
O MercadoLivre foi, também, em outro caso, condenado em segunda instância a
pagar indenizações por produtos não entregues. Em acórdão proferido pela 1ª Turma Recursal
dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal, a empresa ficou obrigada a
pagar ao usuário lesado uma indenização de R$ 640,00 por danos materiais e R$ 1.000,00
referentes a danos morais. O site também foi condenado a pagar as custas processuais e dos
honorários advocatícios, num valor de R$ 200,00.27
5.6
A responsabilidade civil
Tendo em vista uma negociação padrão (aquela que não utiliza dispositivos como o
Mercado Pago), o MercadoLivre, muito embora não atue diretamente no negócio, é
fornecedor de serviços tanto ao usuário vendedor (pois deste ele cobra uma taxa sobre o valor
do produto vendido referentes aos serviços prestados pelo site) como ao consumidor, pois as
taxas de serviços imputadas ao primeiro, normalmente, são repassadas a este no preço do
produto e, ainda, o negócio só pode ser realizado se houver a vontade do último.
Porém, esta idéia de enquadrar o MercadoLivre somente como prestador de serviços
está mudando. A referida empresa deve também ser considerada fornecedora dos produtos
ofertados através de seu site de e-commerce, uma vez que ela age como “vitrine” para o
usuário vendedor expor seus produtos e angaria lucros com as vendas. Dessa forma, o
26
Notícia completa disponível em: http://www.forumdoconsumidor.org.br/Boletim_new.asp?Num=387. Acesso
em 01 de novembro de 2006.
27
Acórdão disponível em: http://juris.tjdf.gov.br/docjur/246247/247030.txt. Acesso em 01 de novembro de
2006.
16
MercadoLivre compõe o pólo fornecedor concomitantemente com o usuário vendedor e deve
responder, solidariamente, pelas lesões ocorridas através do seu site, de acordo com as regras
dissertadas no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor.
Um outro argumento relevante para se imputar responsabilidade civil ao
MercadoLivre é a fragilidade do consumidor frente às relações de consumo. Como já
proferido, o consumidor figura o pólo frágil das relações comerciais: ele é vulnerável por não
ter capacidade técnica de conhecer profundamente o produto ofertado, além de não possuir
condições de avaliar a veracidade do que lhe é passado pelo usuário vendedor, muito menos
de descobrir se este, de fato, existe e se é confiável – pois o cadastro de usuários do
MercadoLivre, bem como seu sistema de avaliação, é frágil e pode ser facilmente burlado por
usuários mal intencionados. Além disso, o consumidor (pessoa física ou pessoa jurídica de
pequeno porte) é hipossuficiente, ou seja, ele não possui condições monetárias de competir
em pé de igualdade com seu fornecedor em futura ação jurídica. É devido a isso que o CDC
prima por conceder ao consumidor muito mais vantagens e muito mais proteção do que ao
fornecedor, dando ao primeiro a possibilidade de recorrer a qualquer um dos que contribuíram
para que o produto chegasse as suas mãos quando se sentir lesado em relação ao bem
adquirido.
Faz-se mister, ainda, pontuar um outro motivo para se imputar responsabilidade civil
ao MercadoLivreque no tocante às relações nele estabelecidas, argumento este referente ao
fato de grande parte das lesões – cujos consumidores são pacientes – ocorrer devido a
fragilidade do cadastro de usuários necessário para atuar em relações mercantis dentro do site.
5.7 Dos Termos e Condições Gerais do MercadoLivre Atividades de
Internet Ltda.
O texto referente aos Termos e Condições Gerais de uso do site MercadoLivre28
possui um tópico exclusivo referente às responsabilidades do site frente às relações de
consumo estabelecidas através dele. Nesse tópico, é alertado aos usuários que o site não se
responsabiliza pela existência e por qualquer característica dos produtos ofertados e tão pouco
oferece garantia referente a vícios e defeitos nas negociações estabelecidas entre usuários,
além de frisar que “cada Usuário conhece e aceita ser o único responsável pelos produtos que
anuncia ou pelas ofertas que realiza”.
28
Texto disponível em: http://www.mercadolivre.com.br/seguro_terminos.html. Acesso em 01 de novembro de
2006.
17
Segundo, ainda, o referido tópico, o “MercadoLivre não é o proprietário dos produtos
oferecidos, não guarda a posse deles e não realiza as ofertas de venda. Tampouco intervém na
entrega dos produtos cuja negociação se iniciem no site”; e:
MercadoLivre não será responsável pelo efetivo cumprimento das obrigações
assumidas pelos Usuários. O Usuário reconhece e aceita que ao realizar
negociações com outros Usuários ou terceiros faz por sua conta e risco. Em
nenhum caso MercadoLivre será responsável pelo lucro cessante ou por
qualquer outro dano e/ou prejuízo que o Usuário possa sofrer devido às
negociações realizadas ou não realizadas através do MercadoLivre.
Enfim, o MercadoLivre espalha no texto referente aos seus Termos e Condições
Gerais de uso, vários alertas dirigidos aos usuários de que não se responsabiliza por eventuais
danos decorrentes das atividades exercidas nas fronteiras do site.
Tendo em vista os regulamentos previstos no Código de Defesa do Consumidor e
encarando tais termos de uso como sendo um contrato ao qual todos os usuários estão
vinculados, pode-se encarar tais “cláusulas” como nulas, pois o Código acima citado pontua,
em seu artigo vinte e cinco, que “é vedada a estipulação de cláusula contratual impossibilite,
exonere ou atenue a obrigação de indenizar”.29 Dessa forma, tais avisos não vinculam os
usuários do site e, assim, estes podem pleitear ação junto ao poder competente para serem
ressarcidos de eventuais lesões sofridas através do MercadoLivre.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista todas as informações expostas neste estudo, pode-se considerar que,
no tocante à responsabilidade civil, é possível imputar ao MercadoLivre as regras
disciplinadas no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, pois o site é figurado como
fornecedor dos produtos comercializados através de sua plataforma de e-commerce. Dessa
forma, qualquer pessoa lesada, ao adquirir bens através do MercadoLivre, tem amparo legal
para ajuizar ação cível diante do poder judiciário e pedir ao site o ressarcimento pelos danos
sofridos.
Esta posição que situa o MercadoLivre como fornecedor encontra sustento na Teoria
do risco e nas qualidades do consumidor ante as relações de consumo, sejam estas a
29
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em:
http://dji.com.br/leis_ordinarias/1990-008078-cdc/codigo_de_defesa_do_consumidor.htm. Acesso em 01 de
novembro de 2006.
18
vulnerabilidade e a hipossuficiência pois, ao analisar estes três tópicos em conjunto, o Código
de Defesa do Consumidor define que, numa relação de comércio, quem se coloca em posição
de risco é o fornecedor, logo, é este quem deve privar pela efetiva concretização da venda,
sem prejuízo a nenhuma das partes.
Faz-se mister relatar, por fim, que as idéias alcançadas com este estudo tangem não
somente o MercadoLivre, mas podem ser estendidas a todas as outras entidades de ecommerce existentes, uma vez que o MercadoLivre constitui uma das plataformas de
comércio eletrônico mais complexas em atividade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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único do art. 927 do novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1070, 6 jun.
2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8474>. Acesso em 29
ago. 2006.
FRANCO JÚNIOR, Carlos F. E-business: tecnologia de informação e negócios na Internet.
São Paulo: Atlas, 2003. p. 13-60; 251-257.
GAMA, Hélio Saghetto. Curso de direito do consumidor. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das obrigações: parte especial (responsabilidade
civil). 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 171 p. (Coleção Sinopses Jurídicas).
GRINOVER, Ada Pellegrini et all. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado
pelos autores do anteprojeto. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 163-221.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução: Carlos Irineu da Costa. 2. ed. São Paulo: 2000. 234 p.
SCORZELLI, Patrícia. Comunidade cibernética e o direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
1997. p. 5-97.
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a responsabilidade civil das empresas de comércio eletrônico