RECURSO DE REVISTA NAS EXECUÇÕES DE TÍTULOS EXTRAJUDICIAIS Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho1 SUMÁRIO: 1 – Introdução; 2 – Títulos executivos extrajudiciais no processo do trabalho; 3 – execução de multas administrativas na Justiça do Trabalho; 4 – Histórico do Recurso de Revista na Execução; 5 – Hipóteses de Cabimento de recurso de revista em execução de título extrajudicial; 6 – Considerações finais; 7 – Referências bibliográficas. 1 – INTRODUÇÃO Como salientam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, os títulos executivos extrajudiciais nada mais são do que “pedaços de papel” ou “documentos” que fazem concluir que provavelmente um direito existe. Eles diferem de outros da mesma natureza apenas em razão de o legislador, levando em consideração a probabilidade da existência desse direito e o fato de ele não poder demorar muito tempo para ser concretamente realizado, atribuir-lhes uma qualidade que dispensa o credor de propor ação de conhecimento e possibilita o imediato aforamento da ação de execução. Com isso permite-se a pronta agressão do patrimônio do devedor através da penhora2. Segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial dominante, o Processo do Trabalho, como inicialmente idealizado, não previa a hipótese de execução de títulos extrajudiciais. Esta conclusão alicerçava-se na literalidade do artigo 876 da CLT original que previa execução na Justiça do Trabalho apenas para os casos de decisões e acordos lá proferidos ou celebrados. Analisando-o em sua versão inicial, Manoel Antônio Teixeira Filho destacou que o legislador deliberadamente não incluiu os títulos extrajudiciais no elenco dos executivos. O fundamento de sua conclusão residia na observação de que texto consolidado surgiu quando já em vigor o Código de Processo Civil de 1939, onde estavam previstas as denominadas ações 1 Advogado militante. Especialista em Direito do Trabalho. Mestrando em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo. Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da Universidade Cruzeiro do Sul. 2 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 74. executivas, baseadas em títulos extrajudiciais (art. 298). Em seu entendimento, se o legislador trabalhista tinha conhecimento desta classe de ações e optou por não incorporá-las ao texto da CLT, limitando-se, ao contrário, a atribuir executoriedade apenas aos títulos judiciais, o fez de caso pensado e não por omissão3. Referido autor apontava ainda razões de ordem prática para não aceitar a execução de título executivo extrajudicial, como se depreende da seguinte passagem: Ainda que nos fosse possível ignorar, por inteiro, a manifestação literal do art. 876 da CLT – e a clareza que ele espelha – razões de ordem prática recomendariam a inadmissibilidade da execução lastreada em títulos extrajudiciais, pois a aparente celebridade na satisfação do crédito, que eles propiciariam (pela eliminação da fase de conhecimento), seria, em muitos casos, comprometida pelas inevitáveis controvérsias que se estabeleceriam a propósito da regularidade formal do título, da origem da causa debendi e o mais; comprovada que fosse a inexigibilidade do título, a execução seria declarada nula (CPC, art. 618, I), com absoluta perda de tempo para o credor e dispêndio inútil de atividade jurisdicional, cabendo ao empregado, diante disso, ajuizar ação ordinária (“reclamação”, sic) para, provando no processo cognitivo o seu crédito, munir-se, agora sim, de um título judicial que o habilitará a promover a correspondente execução 4 forçada . Com o advento da Lei n. 9.958/00 esta discussão perdeu força. Referida norma modificou o artigo 876 da CLT para possibilitar expressamente que os termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia, inquestionavelmente títulos executivos extrajudiciais, fossem executados na justiça especializada. A partir de então passou a haver consenso acerca da possibilidade de execução de título extrajudicial na Justiça do Trabalho. A discussão remanescente passou a ser quanto a taxatividade ou não do rol legal. Em outras palavras, passou-se a discutir se outros títulos judiciais previstos no artigo 585 do CPC, poderiam ser executados na Justiça Especializada, o que será objeto de estudo em tópico próprio deste trabalho. A Emenda Constitucional n. 45 gerou novas discussões acerca da rol de títulos exeqüíveis na Justiça do Trabalho. A partir da nova redação do artigo 114, VIII do texto constitucional, muitos magistrados e renomados juristas passaram a defender que a execução de multas administrativas passou para o 3 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Execução no processo do trabalho. 6ª ed. São Paulo: LTr, 1998, p. 169. 4 Ibidem.. âmbito da Justiça Laboral. Este entendimento, que também será analisado ao longo deste texto, resulta em um aumento significativo não apenas de hipóteses, mas também de número de execuções de títulos executivos judiciais na Justiça Especializada. Por tudo isto, há que se reconhecer que esta modalidade de execução vem demandando um estudo mais aprofundado. Sobretudo porque, por questões históricas, a doutrina juslaboralista sempre dedicou pouca atenção ao estudo do tema e, em decorrência disto, algumas questões relevantes acerca da amplitude de cognição dos mecanismos de defesa e dos recursos interponíveis nesta modalidade de execução permanecem ainda obscuras. Especial atenção merece o recurso de revista que, em se tratando de execução, teve as suas hipóteses de cabimento seguidas vezes modificadas ao longo do tempo. O presente escrito visa dedica algumas linhas ao estudo da questão, visando contribuir para o esclarecimento das hipóteses de cabimento do recurso de revista no processo do trabalho. Não sem antes analisar quais os títulos executivos extrajudiciais exeqüíveis na Justiça do Trabalho. 2 - TÍTULOS EXECUTIVOS EXTRAJUDICIAIS NO PROCESSO DO TRABALHO Como inicialmente destacado, a Lei n. 9.958/00 pôs fim às controvérsias acerca da possibilidade de execução de títulos executivos extrajudiciais na Justiça. Após as alterações por ele promovidas, a discussão direcionouse para a taxatividade ou não do rol do artigo 876. Seria possível executar, por aplicação subsidiária, outros títulos executivos previstos no artigo 585 do CPC, quando com relações de trabalho (relações de emprego, antes da EC 45)? Carlos Henrique Bezerra Leite, defende que os demais títulos extrajudiciais previstos no artigo acima referido, ainda que decorrentes da relação empregatícia, continuam a depender de uma sentença que lhes confira força executiva para serem executados na Justiça do Trabalho, tendo em vista a regra procedimental instituída pela IN 27/2005 do C. TST5. Não obstante a respeitabilidade de seu autor, não há como se partilhar desta opinião. Uma vez aberto o caminho para o ajuizamento de execuções de títulos extrajudiciais na Justiça do Trabalho e diante da lacuna na CLT, não há razão para não se aceitar que as hipóteses previstas na legislação processual comum sejam utilizadas também no processo do trabalho quando compatíveis com seus princípios. Interpretando teleologicamente a lei 9.958/00, percebe-se que ausência de referência a outros títulos executivos extrajudiciais é lacunosa e não proposital. Com efeito, referida norma teve por escopo instituir as Comissões de Conciliação Prévia, visando com isso apresentar uma solução alternativa de solução dos conflitos trabalhistas que reduzisse o elevado número de demandas ajuizadas na Justiça do Trabalho. Para que esta medida se tornasse efetiva dotou os termos lavrados nestas comissões de eficácia executiva, fazendo o mesmo em relação aos termos de ajustamento de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho. Ora, se a alteração legal visou justamente criar mecanismos de desafogar o assoberbado Poder Judiciário Trabalhista, uma interpretação que permita a utilização de outros títulos executivos extrajudiciais por aplicação subsidiária do CPC, não pode ser tida como incompatível com o processo do trabalho. Afinal, executar diretamente outros títulos ajuda a reduzir a morosidade dos processos trabalhistas e, por conseguinte, o alto volume de processos inconclusos na medida em que as execuções de título extrajudicial são bem mais céleres do que as reclamações que seriam levadas a cabo caso elas não fossem admitidas. Feita esta conclusão, cumpre analisar individualmente as hipóteses de títulos executivos previstas no rol do artigo 585 do CPC. Confrontando-as com os princípios do processo do trabalho e com a competência material da Justiça Especializada, há que se concluir pela impossibilidade de nela serem executados contratos garantidos por hipoteca, penhor, anticrese e caução, bem como os de seguro de vida; o crédito decorrente de foro e laudêmio; o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio (artigo 585, III, IV, V do CPC com a redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). A explicação é simples. É praticamente impossível 5 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 294. que estes títulos tenham consignações que demonstrem haver ligação entre o valor a ser pago e determinada relação de trabalho. Contudo, não há razão plausível para que não se aceite a execução de escritura pública ou de documento particular subscrito pelo empregador e por mais duas testemunhas estipulando o compromisso de pagar a determinado empregado um bônus caso atinja meta previamente estabelecida. Tampouco se justifica a recusa em executar, na Justiça do Trabalho, o crédito de serventuário de justiça, de perito, de intérprete, ou de tradutor, quando as custas, emolumentos ou honorários forem aprovados por decisão judicial nela proferida. Sobretudo agora que a sua competência alberga as relações de trabalho, categoria na qual se insere, inquestionavelmente, estes serviços. Outra possibilidade de execução de título extrajudicial na Justiça do Trabalho seria o acordo firmado pelos advogados da empresa e do empregado para, por exemplo, a quitação dos débitos relativos ao contrato de trabalho. Conquanto seja certo que referido acordo não poderá resultar na quitação plena do contrato de trabalho, consoante entendimento jurisprudencial dominante, nada impede que o empregado prefira executá-lo de imediato, sem discutir outros débitos, a ter que ajuizar uma reclamação trabalhista. Isto sem falar que a Lei nº 11.382 de 2006 inseriu o inciso VIII do referido artigo possibilitando que lei posterior atribua a determinado negócio a qualidade de título executivo extrajudicial, nada impedindo que sejam criados títulos exeqüíveis na Justiça do Trabalho. Ademais, as multas aplicadas pelos Órgãos de Fiscalização das Relações de Trabalho são inseridas na certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, o que as torna título executivo extrajudicial. E, como se verá no tópico a seguir, já se aceita a competência da Justiça do Trabalho para executá-las. Por fim, há que se ressaltar que, em uma primeira análise não seria exeqüível na Justiça do Trabalho a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque. A explicação é simples. A sua execução na Justiça Especializada demandaria cognição acerca de sua derivação de uma relação de trabalho. E uma cognição desta intensidade se mostra incompatível com o procedimento executivo. Nestes casos, embora eles não caracterizem títulos executivos extrajudiciais, certamente podem ser considerados documentos aptos a ensejar o ajuizamento de ação monitória. Como leciona Estêvão Mallet “A prova escrita, referida pelo legislador apenas no singular, não precisa necessariamente resumir-se a um único documento. Poderá resultar da combinação de distintos documentos”6. Neste caso bastaria que se ajuizasse a ação monitória juntando a letra de câmbio, nota promissória, duplicata, debênture, ou cheque ao contrato de trabalho ou qualquer outro documento que deixe transparecer que ela visava pagar obrigação decorrente de relação de trabalho. 3 – EXECUÇÃO DE MULTAS ADMINISTRATIVAS NA JUSTIÇA DO TRABALHO Após a Emenda Constitucional n. 45 o artigo 114 da Constituição Federal passou a contar com um inciso VIII que assevera competir à Justiça do Trabalho processar e julgar “as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho”. Muito embora o texto legal fale em “ações” e não em “execuções” relativas às penalidades administrativas, a doutrina vem, com acerto, se posicionando em sentido contrário. Irrepreensível neste ponto se mostra o entendimento de Carlos Henrique Bezerra Leite: em virtude do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, “qualquer ação”, seja ela de cognição, cautelar ou executiva, que tenha por objeto matérias relacionadas a penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização do trabalho. Logo, por ser a ação de execução fiscal uma espécie do gênero “ação”, parece-nos que não há como olvidar que a Justiça do Trabalho é agora a 7 competente para processá-la e julgá-la . Interpretar referido dispositivo de outra forma constituir-se-ia em desconsiderar o objetivo do legislador constituinte derivado ao inserir referido dispositivo. Como salienta Estêvão Mallet há que se considerar na interpretação deste dispositivo a finalidade da previsão legal, contida no artigo 114, 6 MALLET, Estêvão. Procedimento monitório no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2000, p.65. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 237. No mesmo sentido é o entendimento de Marcos Neves Fava, segundo quem “a competência para o gênero “ações” induz, por corolário lógico, a da espécie “execução”. As ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos Órgãos de Fiscalização das Relações de Trabalho – Primeira leitura do art. 114, VII, da Constituição da República.. In: COUTINHO, Gijalbo Fernandes e FAVA, Marcos Neves. Justiça do Trabalho: competência ampliada. São Paulo: LTr, 2005, pp. 354 7 inciso VII, ou seja, o problema que com ela se quis resolver. E este, segundo o mesmo autor, consiste em afastar a inconsistência e desarmonia provocada pelo fato de a competência mais restrita da Justiça do Trabalho abrir a indesejável possibilidade de, sobre o mesmo fato, surgirem provimentos divergentes, emanados de órgãos judiciários diferentes, sem espaço para uniformizá-los8. Em remate, afirmou o Professor da Universidade de São Paulo que “a finalidade da nova hipótese de competência leva a afirmar-se que a própria execução fiscal das multas e dos valores deve ser feita perante a Justiça do Trabalho, admitindo-se a discussão da legalidade do lançamento em embargos do executado”9. Outro festejado processualista do trabalho, o magistrado Marcos Neves Fava, ponderou ser incoerente, para dizer o mínimo, “exigir dos litigantes que se defendessem ou postulassem, perante a Justiça do Trabalho, mas que, consolidada a obrigação de pagamento da dívida, aforassem – ou se defendessem – perante a Justiça Federal, durante a execução”10. Além de em evitar decisões conflitantes, o legislador constituinte buscou também, ao transferir a execução das multas aplicadas pela Fiscalização das Relações de Trabalho, para a Justiça Especializada, “o interesse da União, no recolhimento dos valores impostos aos transgressores da legislação trabalhista, o que não vem, historicamente, sendo bem realizado pela Justiça Federal, premida pelo abarrotamento de processos” 11. Segundo Fava, este entendimento decorre do sucesso reconhecidamente alcançado pela execução das contribuições sociais, inovação trazida pela Emenda Constitucional n. 20/98, depôs regulada pela Lei n. 10.03512. As suspeitas do referido autor são corroboradas pela existência de Projeto de Emenda Constitucional que visa acrescentar o inciso XI ao art. 114 da CF que, uma vez aprovado, possibilitará que a Justiça do Trabalho execute, de ofício, as multas por infração à legislação trabalhista, reconhecida em sentença que proferir. 8 MALLET, Estêvão. Apontamentos sobre a Competência da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional n. 45. In: COUTINHO, Gijalbo Fernandes e FAVA, Marcos Neves. Justiça do Trabalho: competência ampliada. São Paulo: LTr, 2005, pp. 84/85. 9 Ibid, p. 86. 10 FAVA, Marcos Neves. As ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos Órgãos de Fiscalização das Relações de Trabalho – Primeira leitura do art. 114, VII, da Constituição da República. In: COUTINHO, Gijalbo Fernandes e FAVA, Marcos Neves. Justiça do Trabalho: competência ampliada. São Paulo: LTr, 2005, pp. 354. 11 Ibid, p. 345. 12 Ibidem. Inquestionável, portanto, que as execuções de multas aplicadas pelos Órgãos de Fiscalização do Trabalho passaram para a Competência da Justiça do Trabalho. Como corolário lógico desta conclusão, haverá um significativo aumento de execuções de títulos extrajudiciais que nela serão processadas, nos quais seguramente haverá muitos recursos que serão ajuizados. Entre as modalidades de apelo possíveis, o recurso de revista merece um estudo especial por sua cognição restrita e peculiaridades próprias, o que justifica o presente estudo. 4 – HISTÓRICO DO RECURSO DE REVISTA NA EXECUÇÃO. Como salienta Estêvão Mallet, para interposição de recurso de natureza extraordinária, gênero do qual o recurso de revista é espécie, não basta o simples fato da sucumbência, é preciso que o pronunciamento recorrido apresente determinado vício ou particularidade13. Enquanto os recursos de natureza ordinária destinam-se a corrigir qualquer injustiça contida na decisão, os de natureza extraordinária buscam eliminar injustiças pontuais, assegurar a supremacia e autoridade do direito nacional e uniformizar a jurisprudência. Segundo José Augusto Rodrigues Pinto, “na linha de evolução legal do Recurso de Revista, as decisões proferidas em execução de sentença, nos dissídios individuais, entraram e voltaram a entrar no seu campo de cabimento”14. Com efeito, em sua redação original o art. 896 possibilitava a interposição de recurso de Revista, nas hipóteses cabíveis em seus incisos, “das decisões de última instância”, sem distinguir entre decisões proferidas em recurso ordinário e decisões proferidas em agravo de petição. Nesta época os recursos de revista podiam ser interpostos nas execuções em hipóteses idênticas as que poderiam ser interpostos no processo de conhecimento. Diante do injustificável aumento de recursos insterpostos para o Tribunal Superior do Trabalho, a Lei 5.442, de 24.5.1968 passou a restringir as hipóteses de subida de recursos para a terceira instância do Judiciário 13 MALLET, Estêvão. Do recurso de revista no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 1996, p.14. PINTO, José Augusto Rodrigues. Execução trabalhista: estática, dinâmica, prática. 11ª edição. São Paulo: LTr, 2006, p 456. 14 Trabalhista. Nesta ocasião foi acrescentado um artigo 4º ao artigo 896 da CLT estatuindo que “Das decisões proferidas pelos Tribunais Regionais ou por suas Turmas, em execução de sentença, não caberá recurso de revista para o Tribunal Superior do Trabalho”. Analisando os resultados da referida alteração legislativa, José Augusto Rodrigues Pinto assim se manifestou: Como dissemos a pouco, o ato foi falho, em relação ao resultado a que visava, pois não causou diminuição significativa de movimento dos recursos para aquela alta Corte. Ao contrário, trouxe um complicador, o dilema de quem desejava levar até o Supremo Tribunal Federal a discussão de lesões constitucionais no julgamento de Agravo de Petição sem 15 conseguir acesso em virtude do bloqueio da via ao TST . Em verdade, pode-se dizer que o tiro saiu pela culatra na medida em que as partes passaram a tentar fazer subir o seu recurso extraordinário sem antes passar pelo recurso de revista, o que elevou o número de agravos de instrumento e de mandados de segurança. Para minimizar os efeitos colaterais da mudança legislativa, o TST editou, em dezembro de 1987, a Súmula 266 com os seguintes dizeres: “A admissibilidade do Recurso de Revista contra acórdão proferido em Agravo de Petição, na liquidação de sentença ou em processo incidente na execução, inclusive os Embargos de Terceiros, depende de demonstração inequívoca de violência direta à Constituição Federal”. Com isso, os acórdãos proferidos no julgamento de Agravo de Petição recuperaram, de uma forma absolutamente contra legem, o seu caminho de subida ao TST e, posteriormente, ao STF, conforme o caso. Visando sanar a irregularidade criada com edição de Súmula em flagrante contrariedade ao disposto legal, foi promulgada a Lei 9.756/98 que inseriu um §2º no artigo 896 da CLT praticamente repetindo a Súmula acima transcrita. A diferença que há restringe-se à ênfase da qualificação dada à violação do texto constitucional, que já não precisa ser apenas literal, há que ser também direta. Com base neste histórico, José Augusto Rodrigues Pinto defende que “o Recurso de Revista na execução trabalhista visa à exclusiva finalidade de resguardar a função guardiã da Constituição reservada ao Supremo Tribunal Federal, permitindo-lhe corrigir os atos de julgamento que violem a inteireza 15 Ibidem. de seu texto” 16 . Esta conclusão, embora perfeita em relação às execuções de títulos judiciais, não aplica no que diz respeito às execuções de títulos extrajudiciais, como se demonstrará no próximo tópico. 5 – HIPÓTESES DE CABIMENTO RECURSO DE REVISTA EM EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Os recursos de revista interpostos em execução de títulos extrajudiciais, ao contrário do que ocorre com os interpostos em execuções de títulos judiciais, não se limitam apenas às hipóteses de contrariedade à dispositivo constitucional, nos termos do art. 896, § 2º, da CLT. A explicação é simples. Referido dispositivo legal 2º é expresso ao somente restringir as hipóteses de cabimento de recurso de revista das decisões proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho, ou por suas Turmas, em execução de sentença. O texto legal não deixa espaço para dúvida: “Das decisões proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho ou por suas Turmas, em execução de sentença, inclusive em processo incidente de embargos de terceiro, não caberá Recurso de Revista, salvo na hipótese de ofensa direta e literal de norma da Constituição Federal.” Ora, os títulos executivos não são decisões judiciais. Não são sentenças. O artigo 876 da CLT deixa clara a distinção entre sentenças e títulos extrajudiciais ao elencar, de forma exemplificativa e não taxativa, como visto, o rol destes: “As decisões passadas em julgado ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo; os acordos, quando não cumpridos, os termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia serão executados pela forma estabelecida neste Capítulo.” Deste modo, se o artigo 896, §2º da CLT apenas restringiu o conhecimento do recurso de revista nas hipóteses de execução de sentença, resta evidente que às demais formas de execução são aplicáveis as regras gerais atinentes ao cabimento desta modalidade recursal, as quais estão dispostas no caput, e alíneas “a”, “b” e “c” do dispositivo celetista. 16 Ibid, p 457. A reforçar a proposição enunciada está o fato de a norma do § 2º, do art. 896, criar exceção ao regime geral do dispositivo. Como se sabe, as normas derrogatórias do direito comum, sujeitam-se forçosamente a interpretação restritiva. Exceptiones sunt strictissimoe interpretationis. A regra é acolhida expressamente no Código de Direito Canônico, em cujo Livro, I, Título I, Cânon 18, lêse, na sua versão italiana: “Le leggi che stabiliscono una pena, o che restringono il libero esercizio dei diritti, o che contengono un'eccezione alla legge, sono sottoposte a interpretazione stretta”. Também está presente no art. 11, do Código Civil do México: “Las leyes que establecen excepción a las reglas generales, no son aplicables a caso alguno que no esté expresamente especificado en las mismas leyes”. O mesmo vale no direito brasileiro, como mostra, com riqueza de detalles, Carlos Maximiliano17. Assim, não há como pretender ampliar a abrangência, reduzida pela letra do dispositivo, do regime excepcional do § 2º, do art. 896, da CLT para aplicá-lo também aos recursos em execução de título extrajudicial. Aliás, esta conclusão se coaduna também com a principiologia que rege as execuções de título executivo extrajudicial. Ora, em razão da inexistência de processo de conhecimento prévio, o devedor, nestas execuções, pode alegar em seus embargos qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de conhecimento (inteligência do artigo 745 do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho, por força do disposto no artigo 769 da CLT). Em decorrência disto, nada mais natural do que os recursos de natureza ordinária interpostos nestes tipos de processo apresentarem devolutividade mais ampla, e os de natureza extraordinária um rol de hipóteses de cabimento maior. Não fosse isto o bastante, cumpriria destacar, ainda, que as hipóteses de cabimento de recurso de revista, nos casos de execução de título executivo extrajudicial, são maiores do que as de recurso de revista em execução de título judicial, por expressa opção do legislador. Essa é a única maneira de interpretar a opção do legislador por alterar o caput do artigo 876 da CLT, para incluir entre os títulos executivos na justiça do trabalho os acordos, quando não cumpridos; os termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de 17 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro, Forense, 1991, n. 287, p. 234 e segs. conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia; e acrescentar o artigo 877 para estabelecer a competência do juiz que teria competência para o processo de conhecimento relativo à matéria para a execução de título executivo extrajudicial sem, contudo, modificar o artigo 896, § 2º. Quisesse o legislador que as restrições estipuladas para a interposição de recurso de revista, em execução de título executivo judicial, também se aplicassem às execuções de título extrajudicial, o que contraria a sistemática própria destes, teria ele alterado também o referido dispositivo, o que, não foi feito. Não fosse bastante tudo o que já foi dito, cumpre destacar que a restrição às execuções de sentença, prevista no § 2º do artigo 896 da CLT, não foi reproduzida nos textos de outros artigos. Veja-se, a título de exemplo, que o artigo 897 assevera caber agravo de petição “das decisões do Juiz ou Presidente, nas execuções”. Não se fala em execução de sentença, mas apenas em execuções. A única forma de interpretar sistematicamente os dois dispositivos é concluindo que os agravos de petição são cabíveis no prazo indistintamente em qualquer modalidade de execução, mas à restrição à interposição de recurso de revista somente se verifica em relação às execuções de título judicial. Em síntese, as hipóteses de cabimento de recurso de revista em execução de título extrajudicial são aquelas previstas no art. 896, alíneas “a”, “b” e “c”, da CLT, e não as restritas hipóteses do § 2º, do mesmo dispositivo. 6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS. A partir do estudo feito até aqui foi possível se chegar as seguintes conclusões: 1) O rol de títulos executivos extrajudiciais do artigo 876 da CLT é exemplificativo e não taxativo. Esta é a conclusão a que se chega interpretando teleologicamente a Lei 9.958/00 que alterou a sua redação, eis que esta norma objetivou diminuir o número de reclamações ajuizadas no Judiciário Trabalhista. E um aumento no leque de títulos executivos extrajudiciais ajuda a reduzir a morosidade dos processos trabalhistas e, por conseguinte, o alto volume de processos inconclusos, porquanto a sua execução é bem mais célere do que as reclamações que seriam levadas a cabo caso estas não fosse admitidas. Perfeitamente possível, portanto, a aplicação subsidiária do rol do artigo 585 do CPC ao Processo do Trabalho, quando compatível com os princípios e com a competência material da Justiça especializada; 2) Com a Emenda Constitucional n. 45/04, a Justiça do Trabalho passou a ser competente para a execução de multas aplicadas pelos Órgãos de Fiscalização das Relações de Trabalho. Esta conclusão se afina com as finalidades da referida alteração constitucional, pois afasta a inconsistência e desarmonia provocada pelo fato pela possibilidade de provimentos divergentes, emanados de órgãos judiciários diferentes, existentes quando esta competência era da Justiça Federal, e assegura o recolhimento dos valores impostos aos transgressores da legislação trabalhista, que antes nem sempre ocorria; 3) Ao longo dos anos, diversas foram as alterações que ocorreram em relação às hipóteses de cabimento de recurso de revista em execução. Inicialmente eles eram interponíveis, nesta fase, nas mesmas hipóteses que no processo de conhecimento. A Lei 5.442, de 24.5.1968 acrescentou § 4º ao artigo 896 da CLT restringindo as hipóteses de subida de recursos para a terceira instância do Judiciário Trabalhista. Como esta solução gerou problemas o TST editou a Súmula 266, cujos dizeres foram copiados com poucas alterações pela Lei 9.756/98, possibilitando a interposição de Recurso de Revista na execução apenas para resguardar a função de guardião da Constituição reservada ao Supremo Tribunal Federal; 4) Como o art. 896, § 2º, da CLT somente restringe as hipóteses de cabimento de recurso de revista às execuções de sentença, as execuções de títulos extrajudiciais são cabíveis nas hipóteses do caput, e alíneas “a”, “b” e “c” do dispositivo celetista. Ademais, em razão da inexistência de processo de conhecimento prévio, a cognição possível nestas execuções é bem mais ampla ( artigo 745 do CPC), o que torna natural que os recursos de natureza extraordinária apresentem um rol de hipóteses de cabimento maior. E mais. Se o legislador desejasse que as restrições estipuladas para a interposição de recurso de revista, em execução de título executivo judicial, também se aplicassem às execuções de título extrajudicial ele não teria alterado apenas o artigo 876 do texto consolidado, mas também o artigo 896, §2º da CLT para substituir a expressão execução de sentença por execuções, como consta no artigo 897, “a” da CLT. 7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 1) FAVA, Marcos Neves. As ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos Órgãos de Fiscalização das Relações de Trabalho – Primeira leitura do art. 114, VII, da Constituição da República. . In: COUTINHO, Gijalbo Fernandes e FAVA, Marcos Neves. Justiça do Trabalho: competência ampliada. São Paulo: LTr, 2005, pp. 345/361; 2) LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2007; 3) MALLET, Estêvão. Apontamentos sobre a Competência da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional n. 45. In: COUTINHO, Gijalbo Fernandes e FAVA, Marcos Neves. Justiça do Trabalho: competência ampliada. São Paulo: LTr, 2005, pp. 70/91; 4) ________________. Do recurso de revista no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 1996; 5) ________________. Procedimento monitório no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2000; 6) MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006; 7) MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro, Forense, 1991, n. 287; 8) PINTO, José Augusto Rodrigues. Execução trabalhista: estática, dinâmica, prática. 11ª edição. São Paulo: LTr, 2006; 9) TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Execução no processo do trabalho. 6ª ed. São Paulo: LTr, 1998.