CENTRO UNIVERSITÁRIO NOSSA SENHORA DO PATROCÍNIO
FACULDADE DE SALTO-SP
CURSO DE DIREITO
REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
O descarte dos embriões excedentes
SANDRA REGINA FURNKRANZ DE ARAUJO
SALTO – SP
2009
SANDRA REGINA FURNKRANZ DE ARAUJO – RGM 38.092
REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
O descarte dos embriões excedentes
Trabalho de conclusão de curso, apresentado ao
Centro Universitário Nossa Senhora do
Patrocínio, como parte dos requisitos para a
obtenção do grau de bacharel em Direito.
Orientador(a): Profª Daniela Ribeiro Coutinho
Santos
SALTO – SP
2009
A663r
Araujo, Sandra Regina Furnkranz de.
Reprodução humana assistida: o descarte dos embriões
excedentes. / Sandra Regina Furnkranz de Araujo. - Salto:
Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, 2009.
144p.
Monografia (Graduação em Direito). CEUNSP – SP.
Orientador: Profa. Daniela Ribeiro Coutinho Santos.
1. Biodireito. 2. Procriação. 3. Legislação. 4.
Criopreservação. 5. Descarte. 6. Responsabilidades.
Título.
I.
CDD – 340
Catalogação elaborada por Maria José Saracini
Bibliotecária - CRB-8/3969
Coordenadora de Biblioteca – CEUNSP-Salto
(obs: esta ficha catalográfica vai impressa no verso da contra-capa e não conta
como folha pré-textual)
TERMO DE RESPONSABILIDADE
“O Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio não
se responsabiliza pelas informações contidas neste
Trabalho de Conclusão de Curso. Essas informações são
de responsabilidade exclusiva da autora, Sandra Regina
Furnkranz de Araujo, RGM 38.092”.
___________________________________
Sandra Regina Furnkranz de Araujo
SANDRA REGINA FURNKRANZ DE ARAUJO
REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
O descarte dos embriões excedentes
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao
Centro Universitário Nossa Senhora do
Patrocínio, como parte dos requisitos para a
obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientadora: Profª Daniela Ribeiro Coutinho
Santos
A banca examinadora dos Trabalhos de Conclusão
de Curso em sessão pública, realizada em
___/___/___, considerou o (a) candidato (a):
SANDRA REGINA FURNKRANZ DE ARAUJO
________________________________________
1) Orientadora :Profª Daniela Ribeiro Coutinho Santos
2) Examinador (a):
3) Examinador (a):
DEDICATÓRIA
Dedico esta obra à minha família, que representa o
meu maior e melhor projeto de vida. Farei com que o
conhecimento adquirido na realização deste trabalho esteja
sempre voltado para o aprimoramento da nossa convivência e,
sobretudo, para que eu possa ajudá-los a serem cada vez mais
felizes e realizados; e para eu jamais esquecer que a
verdadeira felicidade se encontra na materialização do amor
fraterno.
AGRADECIMENTOS
Sou obrigada ao meu Deus, por me eleger Sua filha e permitir participar da Vossa
Criação; obrigada pelo amparo, cuidado, inspiração e amor infinitos. Agradeço aos meus pais,
Carlos e Áurea, por acreditarem em minha capacidade e por todo afeto que sempre deles recebi.
Eterna gratidão, ao meu querido marido, Geraldo Luis, e aos nossos adoráveis filhos, Natália e
Arthur, pelo incentivo, entusiasmo, paciência e inesgotável amor, muitas vezes representado
pelas xícaras de chá servido quentinho nas madrugadas frias de estudo; agradeço por todas as
vezes em que abdicaram da minha companhia por acreditarem no poder do conhecimento como
principal fator transformador de vidas humanas. A minha orientadora Profª. Daniela, por todo
carinho e atenção, e especialmente por compartilhar comigo seu vasto conhecimento e deixar um
belo exemplo de pessoa que nutre um profundo sentimento de respeito e amor pelos seres
humanos; agradeço as palavras de incentivo que me fizeram acreditar que tudo é possível quando
se tem fé. Que Deus ilumine seus caminhos. À Profª Jessia Picichelli de Arruda Sampaio e à Profª
Valquiria Belomo, pela correção e formatação deste trabalho. Agradeço a todos os meus queridos
professores, por me permitirem o acesso aos seus consistentes saberes jurídicos de maneira tão
harmoniosa. Agradeço ao Prof. Rubens Anganuzzi Filho, Pró-Reitor Administrativo do Centro
Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, pelo generoso gesto de concessão da bolsa de
estudos, me permitindo concluir a jornada acadêmica tão sonhada e almejada. Agradeço a todos
os funcionários do Ceunsp que colaboraram na realização desta etapa da minha vida. Finalmente,
agradeço aos meus queridos e ilustres colegas de turma, pelo respeito, colaboração e amizade,
mas, sobretudo agradeço-lhes por demonstrarem quão nobres nos tornamos quando tratados com
autêntica urbanidade.
O caminho foi longo, porém hoje percebo que, na verdade, ele é apenas o início de uma
jornada destinada ao bem comum.
A vida é um talento que nos foi confiado para que
possamos transformá-la e ampliá-la, para que ela seja
uma dádiva para os outros. Nenhuma pessoa é um
“iceberg” à deriva no oceano da História. Todos
pertencemos a uma grande família na qual cada um tem o
seu lugar e o seu próprio papel a desempenhar.
JOÃO PAULO II
RESUMO
O presente trabalho faz uma abordagem sobre a evolução da Bioética e do Biodireito,
visando melhor compreensão do tema. Apresenta a consistente influência social sobre o
planejamento familiar e os direitos reprodutivos dos seres humanos. Aborda as técnicas de
reprodução humana assistida, dentre as quais está enfatizada a Fertilização in Vitro (FIV) com
seus avanços biotecnológicos, suas implicações e consequências que recaem sobre a sociedade
em geral, pela carência de legislação específica, além de apresentar uma abordagem da precária
legislação pátria, alcançando também os Projetos de Lei em análise no Congresso Nacional. Não
nos esquecemos de apresentar e comparar as tendências normativas existentes em diversas
nações. O presente feito procurou demonstrar quais correntes doutrinárias atualmente existem
com relação à natureza e à personalidade jurídica do embrião humano, para que, a partir desse
entendimento, pudéssemos apresentar os possíveis destinos para embriões ultranumerários.
Aborda também a responsabilidade civil dos médicos, hospitais e das clínicas especializadas em
fertilização humana assistida. Todos os aspectos alcançados por este trabalho foram cingidos
pelos Princípios Constitucionais do Direito à Vida e da Dignidade da Pessoa Humana,
considerando tanto o ser humano extra como o intrauterino.
.
Palavras-Chave: Biodireito; Procriação; Legislação; Criopreservação; Descarte; Responsabilidade.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
RHA
Reprodução Humana Assistida
ONU
Organização das Nações Unidas
CIPD
Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento
OMS
Organização Mundial de Saúde
CCB
Código Civil Brasileiro
DNA
Ácido desoxirribonucleico
TRA
Técnicas de Reprodução Assistida
SBRA
Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida
SBRH
Sociedade Brasileira de Reprodução Humana
AIH
Artificial Insemination by Husband
AID
Artificial Insemination by Donor
TRA
Técnicas de Reprodução Assistida
IA
Inseminação Artificial
IIU
GIFT
Inseminação Intrauterina
Gamet Intrafallopian Transfer
CF
Constituição Federal
UFJF
Universidade Federal de Juiz de Fora
ZIFT
Zygote Intrafallopian Transfer
FIV
Fertilização In Vitro
ICSI
Intra Cytoplasmatic Sperm Injection
CTNBio
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
UNIFESP
Universidade Federal de São Paulo
ADIN
Ação Direta de Inconstitucionalidade
STF
Supremo Tribunal Federal
ECA
Estatuto da Criança e do Adolescente
OGM
Organismo Geneticamente Modificado
CFM
Conselho Federal de Medicina
CONEP
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
CEPs
Comitês de Ética em Pesquisa
Conselho para as Organizações Internacionais de Ciências
Médicas
CIOMS
CDC
EUA
Código de Defesa do Consumidor
Estados Unidos da América
CNBB
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CEUNSP
Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio
CP
Código Penal
ADCT
Atos das Disposições Constitucionais Transitórias
TJSP
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
STJ
Superior Tribunal de Justiça
CNS
Conselho Nacional de Saúde
REsp
Recurso Especial
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....... ............................................................................................
13
1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA BIOÉTICA.................................................
16
1.1 Conceitos de Bioética e sua Evolução .............................................................
16
1.2 Princípios Bioéticos Básicos .........................................................................
22
1.2.1 Princípio da Autonomia................................................................................
22
1.2.2 Princípio da Beneficência.............................................................................
23
1.2.3 Princípio da Justiça .......................................................................................
23
2 FERTILIDADE E O DIREITO DA PROCRIAÇÃO ...................................
26
2.1 Causas de Infertilidade ....................................................................................
28
2.2 Consequências da Infertilidade........................................................................
29
2.3 Direitos Reprodutivos .....................................................................................
31
3 A BIOÉTICA E O BIODIREITO...................................................................
37
4 TÉCNICAS DE FERTILIZAÇÃO – PRINCIPAIS MÉTODOS ...............
45
4.1 Conceitos ........................................................................................................
45
4.2 Técnicas de Reprodução Assistida – TRA .....................................................
47
4.2.1 Coito Programado .......................................................................................
48
4.2.2 Inseminação Artificial – IA .........................................................................
48
4.2.3 Inseminação Intrauterina – IIU .................................................................
48
4.2.4 Transferência Intratubária de Gametas – GIFT ...........................................
48
4.2.5 Transferência Intratubária de Zigotos – ZIFT..............................................
49
4.2.6 Fertilização in Vitro seguida de Transferência de Embriões – FIV ............
49
4.2.7 Injeção Intracitoplasmática de Espermatozóide – ICSI ..............................
50
4.2.8 Outras Formas de Utilização da FIVETE – FIV..........................................
51
5 A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA E O ORDENAMENTO
53
JURÍDICO BRASILEIRO..................................................................................
5.1 Abordagem Constitucional ..............................................................................
53
5.1.1 O Estado Democrático de Direito e o Princípio da Dignidade Humana.......
53
5.1.2 Inviolabilidade Constitucional do Direito à Vida ........................................
55
5.2 Aspectos Jurídicos Abordados pelo Direito Civil ...........................................
57
5.2.1 Teorias sobre a Natureza do Embrião ..........................................................
59
5.2.2 Personalidade e Capacidade Jurídica do Embrião .......................................
61
5.2.2.1 Características dos Direitos da Personalidade ...........................................
62
5.2.2.2 Classificação dos Direitos da Personalidade .............................................
63
5.2.3 Os Direitos do Nascituro ..............................................................................
70
5.3 A Regulamentação Atual e os Projetos de Lei ................................................
73
5.3.1 Regulamentação Vigente sobre Reprodução Humana Assistida .................
73
5.3.2 Dos Projetos de Lei ......................................................................................
77
6 OS EMBRIÕES HUMANOS EXCEDENTÁRIOS.......................................
80
6.1 A Criopreservação de Embriões Humanos Fertilizados in Vitro.....................
80
6.2 A Doação de Embriões Humanos ...................................................................
82
6.3 Utilizações em Experiências Científicas .........................................................
83
6.4 Descarte de Embriões Humanos Criopreservados ..........................................
85
7 DAS RESPONSABILIDADES NAS CIÊNCIAS MÉDICAS.......................
89
7.1 Deveres do Profissional da Saúde ...................................................................
89
7.2 Responsabilidade Civil dos Profissionais da Saúde .......................................
92
7.3 Responsabilidade Criminal Segundo a Lei de Biossegurança ........................
96
7.4 Responsabilidade Social na Reprodução Humana Assistida .........................
98
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................
101
REFERÊNCIAS .................................................................................................
103
ANEXOS ............................................................................................................
109
14
INTRODUÇÃO
Quais avanços científicos podem mudar tudo a nossa volta? Todos eles - é a resposta. O
ano de 2.009 é marcante, pois se comemora o bicentenário de Darwin, sesquicentenário de sua
obra A Origem das Espécies e o quadringentenário do telescópio de Galileu. Como afirmou
Sergio Augusto (Especial para o Jornal O Estado de São Paulo), “diga adeus ao homo sapiens, o
homo evolutis já está a caminho”. Diante dessa realidade humano-científico-social, surge uma
forte corrente mundial contemporânea que estimula a união da cultura humanística com a
científica. Sendo assim, não podemos contemplar a evolução biológica sem o amparo, assistência,
interesse e delimitação que as ciências jurídicas podem e devem proporcionar.
No Brasil há um crescimento expressivo do número de clínicas que realizam a reprodução
humana assistida, em decorrência de uma grande demanda dos interessados, fato que justifica a
urgência em legislar de forma a estabelecer critérios e responsabilidades dos profissionais que
utilizam suas técnicas, bem como resguardar os direitos das pessoas que investem esperanças e
patrimônio na busca da realização do sonho de ter um filho biológico. A população brasileira
passa pelo rápido processo de envelhecimento, processo já experimentado pelos países europeus.
Já está constatado que nos anos 50 as famílias tinham, em média, seis filhos; hoje, é comprovado
que a média de filhos para cada família brasileira é de 1,8, ou seja, não chega a dois filhos por
casal. Essa circunstância ocorre em razão de que uma considerável parcela da população brasileira
não deseja procriar, preferindo investir na carreira ou numa vida descomplicada, sem os
inevitáveis compromissos e responsabilidades que a prole acarreta. Atualmente a população idosa
formada por pessoas com mais de 65 anos de idade, na sociedade brasileira, corresponde a 53
idosos para cada 100 crianças; estima-se que no ano de 2.050 serão 172 idosos para cada 100
crianças; no ano 2.000 havia 15 pessoas com vida ativa e produtiva para cada 100 brasileiros, e em
2.050 serão 03 indivíduos economicamente ativos para cada 100 brasileiros. Esses dados
demonstram a urgente necessidade de políticas públicas e legislação eficaz que proporcionem
condições seguras de procriação para os casais estéreis que demonstram interesse em constituir
uma família. Essas medidas são imprescindíveis para a manutenção das atividades econômicas e
das relações jurídicas que, certamente, garantirão o desenvolvimento da nação brasileira.
A reprodução humana foi tema marcante nas últimas quatro décadas. A chamada
Revolução Sexual ocorreu nos anos sessenta e setenta, quando houve a introdução dos métodos
15
contraceptivos, que possibilitam a relação sexual sem gravidez, enquanto que nos anos oitenta e
noventa, contrariamente, a Reprodução Humana Assistida – RHA – possibilitou a gravidez sem
sexo. Esses avanços só ocorreram em razão de inúmeras pesquisas científicas realizadas. Contudo,
nos dias de hoje, as pesquisas são limitadas e regulamentadas, em nome da Bioética e do
Biodireito. Porém, há um intenso debate jurídico e ético, pois novas famílias vão se formando e
carregam consigo situações inusitadas, como mães de aluguel, filhos que desconhecem sua origem
biológica, o dilema sobre o descarte dos embriões criopreservados, entre outras possibilidades.
A observância dos princípios constitucionais que correspondem ao tema a ser desenvolvido
irá compartilhar com conceitos que disciplinam a bioética, a biologia, as ciências médicas, a
filosofia, a sociologia e o biodireito, que poderão, juntos, colaborar no traçado do perfil cultural e
humano, socialmente ético, sob a tutela jurisdicional proposta pela matéria. O Direito tudo rege,
sobretudo a manutenção da vida no planeta; destarte, a primazia da existência está condicionada
aos moldes de convivência e comportamento que somente as ciências jurídicas irão demonstrar.
A urgente necessidade de se adotarem leis para regular as práticas de reprodução humana
assistida se confronta com a dificuldade de consenso sobre determinados temas como, por
exemplo, produção, seleção, congelamento, pesquisa e descarte de embriões humanos, além do
sigilo, gratuidade das doações de material genético, determinação da filiação da criança e
assistência para casais carentes, desenvolvida por meio de programas gratuitos realizados pela
saúde pública, entre outros.
O Direito confere proteção jurídica ao nascituro, embora não haja consenso quanto a sua
natureza jurídica, alinhando-se várias teses. Sujeito de direito é aquele que é investido de poder
jurídico, aquele que se encontra em condição de fazer valer a norma, invocando a realização a
próprio favor. Destarte, para o pensamento jurídico, pessoa e homem não coincidem. Pessoa não é
o indivíduo racional e consciente e que tem vontade, mas simplesmente o subiectum iuris. Pessoa
é um conceito puramente jurídico-formal, que não implica qualquer condição de corporalidade ou
espiritualidade ao investido.
O homem é pessoa enquanto é reconhecido sujeito de direitos e obrigações. A
personalidade é um produto da ordem jurídica.
O homem, não por natureza, mas por força do reconhecimento do Direito Objetivo, é
pessoa; sendo assim, não se tem um direito inato e primordial à personalidade; este direito
16
personalístico será atribuído ao ser, em sua exata correlação com os institutos jurídicos formais
existentes na ordem político-social das diversas nações.
17
1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA BIOÉTICA
Uma ciência empírica privada de reflexão e uma filosofia
puramente especulativa são insuficientes; consciência sem
ciência e ciência sem consciência são radicalmente
mutiladas e mutilantes.
EDGARD MORIN
É pacífico o entendimento de que há profunda relação entre a moral e a ética; alguns
autores consideram os termos sinônimos. Etimologicamente ambas as palavras possuem
conotação similar, pois ética vem do grego, e moral, do latim – traduzidas, ambas significam
costumes, palavra esta que expressa os valores de determinado grupo social, em determinado
momento histórico. A moral relaciona-se diretamente com o comportamento pessoal, ou seja, diz
respeito aos valores restritos à pessoa ou a grupos com unidade ideológica, enquanto que a ética
nomeia os comportamentos relativos ao macromundo, ao conjunto da sociedade dos povos e
compõe-se das contribuições dos valores morais oferecidos pelos agrupamentos sociais.
Por sua vez, a palavra Bioética é um neologismo derivado das palavras gregas bios (vida)
e ethike (ética). Pode-se defini-la como sendo o estudo sistemático das dimensões morais –
incluindo visão, decisão, conduta e normas morais – das ciências da vida e do cuidado da saúde,
utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar. (Encyclopedia of
bioethics. 2. ed., v. 1, p. XXI, 1995 – in Léo Pessini).
1.1 Conceitos de Bioética e sua evolução
Etimologicamente Bioética significa ética da vida e prescinde de uma ética geral. Para
Bellino, esta ciência surge com o desenvolvimento de novas tecnologias e requer uma adaptação
daquela às situações que se apresentam. Ele frisa:
18
A bioética enquanto disciplina filosófica já é reconhecida em todo o mundo,
mesmo que a vida da razão pareça empobrecida. Para Engelhardt, as questões
bioéticas surgem sobre um fundo de uma crise moral e esta está ligada à crise
de uma série de convicções éticas e ontológicas. A filosofia se revelou incapaz
de preencher no mundo moderno o vazio deixado pela hegemonia do
pensamento cristão no Ocidente. As filosofias e as éticas filosóficas, amiúde em
competição entre elas, tornaram-se cada vez mais acadêmicas, portanto cada
vez mais afastadas das reais necessidades culturais. [...] A bioética, como ética
aplicada ao bio-reino, estrutura-se epistemologicamente segundo o paradigma
da complexidade. As dimensões que o ético deve tecer , do discernimento
moral, são essencialmente: as situações, os princípios ou valores e a consciência
moral pessoal. Em sua prática a bioética deve ajudar a consciência moral do
homem a discernir, até a inventar, o próprio modo de agir em uma dada
situação em conformidade aos princípios e aos valores morais (BELLINO,
1997 p. 22-23).
Van Rensselaer Potter – oncologista da Universidade de Wisconsin em Madison EUA, foi
quem primeiramente utilizou o termo bioethics (bioética) e André Hellegers – obstetra holandês,
fisiologista fetal, demógrafo e fundador do Instituto Kenedy na Universidade de Georgetow, foi
quem introduziu o termo na área em que hoje a reconhecemos, ou seja, ética da medicina e nas
ciências biológicas.
Num primeiro momento o termo foi marginalizado pela comunidade científica, pois Potter
expressou interesse nos conflitos existentes entre a ordem e a desordem no campo das ciências
biológicas. Estas foram suas palavras:
O objetivo desta disciplina, como eu vejo, seria ajudar a humanidade
em direção a uma participação racional, mas cautelosa, no processo da evolução
biológica e cultural. [...] Escolho bio para representar o conhecimento
biológico, a ciência dos sistemas viventes, e ética para representar o
conhecimento dos sistemas de valores humanos (POTTER in BELLINO 1997).
Somente pelos esforços de André Hellegers o termo bioethics tornou-se conhecido
internacionalmente, por meio de suas conferências.
O conceito da nova disciplina, resultado da fusão de duas originárias, proporcionou uma
grande repercussão social e ocasionou mudança nas idéias primitivas sobre ciências. Bellino
retrata esse quadro, afirmando:
19
No mundo moderno, com a transformação da perspectiva religiosa do
homem em perspectiva científica, verificou-se uma mudança em nossa visão:
de uma visão espiritual do homem como agente responsável no mundo e em
relação a este, para uma visão biológica do homem como organismo reagente
submetido às forças biológicas e sociais (BELLINO, 1997, p.88).
Diante dos pressupostos da organicidade e fechamento das culturas, do cumprimento dos
sistemas de valores e da relação necessária entre valores e grupos sociais, afirma Bellino que
podemos observar um relativismo éticomoral que impulsiona a transformação cultural em ação
no mundo contemporâneo, possibilitando a recíproca integração entre as culturas em nível
internacional, por causa da cultura científica e tecnológica, dos movimentos de libertação do
homem - da Declaração Universal dos Direitos do Homem - , e das lutas para atuá-los
historicamente, tornando o mundo unificado (BELLINO, 1997 p. 236).
Por ocasião do término das grandes guerras mundiais, surgem diversas visões a respeito
do desenvolvimento sóciocultural e moral das sociedades sobreviventes do caos bélico.
Primeiramente citamos que a visão social clássica predominante era eurocêntrica e considerava
as sociedades industriais como os paradigmas do progresso e do desenvolvimento. Todavia, era
possível observar o tímido afloramento de uma visão sistêmica, cuja finalidade era introduzir a
diversidade das culturas humanas e sociais, considerando-as todas igualmente válidas,
classificando-as só com base na sua sustentabilidade e nas satisfações proporcionadas aos seus
membros.
A visão newtoniana era materialista, concebia todas as coisas como diferentes e
mensuráveis. Já a visão cartesiana do mundo era atomista e individualista, concebia os objetos
separados e seu ambiente e as pessoas separadas umas das outras e de tudo que as circunda.
Contudo, a visão sistêmica percebe as conexões e as comunicações entre as pessoas, entre estas e
a natureza, supera a dicotomia sujeito/objeto e enfatiza as comunidades e a totalidade, tanto no
mundo natural como no mundo humano.
A visão atomista aplicada às ciências sociais colocava como noção dominante a luta pela
sobrevivência, ao benefício do indivíduo e assumia de maneira automática a coincidência entre o
bem social e o individual. Em comparação com a visão sistêmica, destacamos que nesta os
valores da competição são temperados pelos da cooperação, e a ênfase sobre o ethos do trabalho
individual é mitigada pela tolerância da diversidade e da experimentação de instituições e de
20
procedimentos que promovam a adaptação e a harmonia da relação homem-homem e homemnatureza.
Diante das visões e considerações apresentadas, é possível concluir que “se a pessoa é
essencialmente relacionalidade e intersubjetividade, a interexistêcia é a maneira da pessoa se
comportar em relação ao outro; não o domínio, mas o respeito” (BELLINO, 1997, p. 143).
A noção de vida humana é recente, aparecendo por volta de 1801, na obra de Jean
Lamarck. O conceito atual foi elaborado pela biologia e é a tradução na linguagem da divulgação
científica de uma série de pesquisas sobre fenômenos de reprodução, fisiologia, herança,
organização, evolução e morfogênese. Sendo assim, Bellino pondera que viver está identificado à
sobrevivência ou, mais radicalmente com a competição para a vida (BELLINO, 1997 p. 269).
Edmund D. Pellegrino classificou a evolução da ética em três momentos principais e
distintos: educacional, ético e global.
O primeiro estágio – educacional – ocorre entre 1960 e 1972, cujo período é recheado
de valores humanos predominantes, sobretudo os religiosos e teológicos. Nessa ocasião, as
profissões voltadas para a saúde são desumanizadas e inicia-se um grande esforço por parte dos
educadores e professores humanistas, atuantes nas escolas médicas, no sentido de introduzir
conceitos de humanização nos campi acadêmicos, embora já existindo a disciplina, mas não
sendo ainda predominante. Nessa época é criado o Instituto de Valores Humanos à Medicina, o
embrião da atual Sociedade Americana de Bioética e Humanidades.
O segundo momento – ético – desponta entre 1972 e 1985. Começam a surgir os dilemas
complexos a partir do rápido desenvolvimento das pesquisas biológicas; sendo assim, a ética
assume um papel dominante. O perfil inicial é o da ética filosófica. Resgata-se a origem do
pensamento de Potter e seus conceitos passam a abranger a biologia, a ecologia e o meio
ambiente. Nesse período, os trabalhos realizados pelo Instituto Kennedy – EUA foram
especialmente relevantes, e a ética clínica firmou-se como disciplina prática da bioética. Somamse a estas práticas ações de políticas públicas, ética organizacional e métodos de elaboração ética.
A partir de 1985 até chegarmos aos dias de hoje, vivenciamos o terceiro e último estágio
– global. Os eticistas deparam-se com uma crescente demanda de soluções para uma gama cada
vez maior de problemas.
Então se veem obrigados a considerar disciplinas que vão além de suas especialidades,
tais como o direito, a religião, a antropologia, a economia, a ciência política, a psicologia, entre
21
outras. Há um realce nas ciências sociais, e a idéia de ética global toma um formato de
movimento social e não mais uma mera disciplina acadêmica. Sendo assim, as questões éticas
passam a abranger a genética, a biologia molecular, a ética profissional, as políticas sociais etc. A
filosofia, embora na penumbra, integra a ética, pois qualquer empreendimento que busca normas
de boa conduta e do que é certo exige seus pareceres. Ao final da década de setenta, a bioética já
abrange um movimento de humanização da medicina, iniciado pelo menos uma década antes,
construindo, dessa maneira, o tripé: valores humanos, humanidades e ética médica. Como aponta
Pellegrino in Bellino:
Hoje a definição de bioética assumiu proporções mais amplas que a visão
da escola de Wisconsin (Potter). A amplidão das questões e das disciplinas
agora englobadas pela bioética é evidente trabalho dos comitês de ética e
consultorias, que contemplam questões psicossociais, econômicas, legais e
religiosas (PELLEGRINO apud BELLINO, 1997).
O problema mais recente sobre a justiça biossocial refere-se à extensão da competência e
responsabilidade ética, não só no âmbito político-social, mas também no biológico. O poder do
homem já integra também as esferas biológicas e genéticas. Sendo assim, é preciso definir os
critérios para remediar as desigualdades que surgem pela modificação na loteria genética.
Dúvidas aparecem sobre quem deve decidir esse impasse – os indivíduos, os casais, a sociedade?
Cabe sabermos se há um direito de decidir neste âmbito e, havendo, quem será seu titular. São
decisões que influenciarão as gerações futuras; decisões complexas que envolvem fatores e
valores sobre a vida, a morte e o tudo do homem, ao programar e selecionar os indivíduos. Sobre
esse dilema se manifesta Bellino:
A justiça biossocial neste setor iria de encontro a um paradoxo
fundamental, que a negaria como justiça, porque se buscaria abolir uma
desigualdade natural criando uma desigualdade artificial ainda mais injusta e
intolerável. Se a seleção (me refiro à intervenção artificial que altera a natureza,
22
não a que é curativa) passa do jogo natural dos possíveis à vontade inteligente
humana, da natureza ao artifício, se configura de qualquer maneira uma
situação inicial de desigualdade, porque a inteligência que decide mesmo se
inspirada no valor da justiça, se encontraria de fato em uma posição de
superioridade em relação ao indivíduo, de quem pretenderia programar as
características genéticas. Mesmo querendo abolir uma desigualdade, se termina
por determinar outra disparidade inicial, não mais natural, mas artificial. [...]
Um mundo demasiado previsível e privado do acaso seria um mundo sem
sentimentos, tedioso, sem fantasia e também aliberal (BELLINO, 1997 p.274 –
275).
Uma relação social aberta e complexa carrega desacordos, e os conflitos morais e sociais
existentes acontecem em variados níveis. Esses conflitos podem ser de atitude, de crença ou
morais. Então se deve considerar o princípio geral da ética, cujo fundamento é que se deve fazer
o bem e evitar o mal, e o princípio do efeito duplo, quando se justifica ou tutela o mal
indispensável para conseguir um bem necessário, com a devida proporção do meio ao fim.
Segundo Bellino:
A aplicação desses princípios se justifica pelas seguintes condições:
1. a ação de onde sai a má conseqüência deve ser em si boa ou indiferente,
mas não pode ser moralmente má;
2. a intenção do sujeito agente deve ser boa, isto é, a conseqüência má não
pode ser empreendida;
3. conseqüência má deve ser paralela ao efeito bom; diferentemente, ela
seria um meio para obter o efeito bom, e seria portanto intencionalmente
desejada;
4. deve haver um motivo proporcionalmente grave para permitir a
conseqüência má (BELLINO, 1997 p.277).
É imprescindível que se discuta a localização da ética no contexto multidisciplinar, uma
vez que todas as áreas se tocam, mas não são sinônimas. Desta maneira a Bioética deve decidir o
quanto a ética fará parte dela; qual identidade terá nas inter-relações da teoria e prática. A
evolução natural transformou o ideal educacional original em um movimento social, como afirma
Pellegrino, além de engajar-se nas soluções dos problemas éticos e biológicos da presente e das
futuras gerações humanas.
1.2 Princípios Bioéticos Básicos
23
Os princípios da Bioética estão totalmente embasados nos Direitos do Homem. A ética
aristotélica, com seus conceitos teológicos, afirma Simone Born de Oliveira, perdeu espaço para
uma ética com visão laica e que se preocupa com o cotidiano das pessoas, além de comportar-se
de forma a solucionar conflitos de todas as espécies, inclusive preocupando-se com a não
extinção da espécie humana. Chegado certo momento, tornou-se necessário discutir sobre os
princípios norteadores da Bioética para orientar os atos humanos na visão da ética da vida; assim,
surge a trindade Bioética que agrupa seus princípios fundamentais: o princípio da autonomia, o
da beneficência e o da justiça.
Esta classificação foi elaborada por Alf Niels Christian Ross, que ficou conhecido com
um dos fundadores do realismo jurídico escandinavo e que, por sua vez, está relacionado com a
reflexão em torno dos fundamentos epistêmicos e metodológicos da construção teórica do direito
positivo, desenvolvida por um de seus mais admirados mestres e colegas - Hans Kelsen.
Suas idéias centrais caminhavam no sentido de tentar liberar o pensamento dos juristas
das idéias místicas e de pressupostos não verificáveis e sem embasamento na ciência.
1.2.1 Princípio da Autonomia
O princípio da autonomia, na visão de Bellino, “estabelece o respeito pela liberdade do
outro e das decisões do paciente e legitima a obrigatoriedade do consenso livre e informado, para
evitar que o enfermo se torne um objeto”.
Léo Pessini afirmou que a autonomia “diz respeito à capacidade que tem a racionalidade
humana de fazer leis para si mesma. Significa a capacidade de a pessoa governar-se a si mesma,
ou a capacidade de se autogovernar, escolher; dividir; avaliar; sem restrições internas ou
externas”.
A partir desse entendimento, o paciente passou a não ser mais considerado um objeto; a
relação se dá hoje entre sujeitos autônomos que compartilham as decisões, no gozo de pleno
direito. Fátima Oliveira, in Simone Born de Oliveira, aponta:
O ser humano tem o direito de ser responsável por seus atos, de exercer
o direito de escolha. Os serviços e profissionais de saúde devem respeitar a
24
vontade, os valores morais e as crenças de cada pessoa ou de seu representante
legal. Qualquer imposição é considerada agressão à inviolabilidade da
intimidade da pessoa (OLIVEIRA in OLIVEIRA, 2008).
Diante da urgente necessidade de se buscar a harmonia para os sujeitos que formam essa
relação de interesses e colaboração recíprocos, afirma Bellino:
Partindo de uma ética da simpatia, no sentido de imaginação
participante capaz de nos fazer sentir e viver como mostra a experiência de um
outro. [...] A simpatia gera o respeito e a tolerância; respeito e tolerância levam
à autonomia como capacidade de estabelecer regras a si próprio. E finaliza
dizendo que: a responsabilidade primeira do estudioso do homem está no nível
racional e científico e consiste na escolha da idéia do homem a ser colocado na
base do estudo ou da relação médico/paciente. Não é possível ciência alguma
do homem sem uma prévia idéia do mundo, ou sem a consciência de viver
segundo as próprias decisões (BELLINO, 1997).
1.2.2 Princípio da Beneficência
Sob a mesma ótica, para os princípios da Bioética, Bellino determina:
O princípio de beneficiação estabelece a obrigação de cumprir o bem
terapêutico do paciente. Junto a este princípio, mesmo que diferentemente, vem
o princípio de não-maleficência [...] que prescreve não prejudicar e não fazer
aos outros um mal ao qual o indivíduo não se opõe e presumivelmente
consente, para evitar danos e para justificar a necessidade de controlar a
imposição de riscos (BELLINO, 1997).
A este princípio é acrescentado o juízo de que se deve evitar danos corporais e mentais.
Diante deste princípio surge a tutela nas experimentações realizadas com seres humanos, pois o
bem da pessoa sujeita ao estudo é prioridade em relação aos interesses sociais e da ciência.
1.2.3 Princípio da Justiça
Sobre o princípio de justiça nos ensina Bellino que o mesmo “requer uma repartição
equânime dos benefícios e dos ônus, para evitar discriminações e injustiças nas políticas e nas
intervenções sanitárias”.
25
Com base no utilitarismo (conceito global) usa-se formular equações de custos e
benefícios com a finalidade de determinar se os benefícios da terapia proposta superam os riscos.
Sendo assim, os neokantianos dirigiram a atenção sobretudo aos direitos e deveres da pessoa,
anteriormente às consequências das ações adotadas. Assim foram elaborados também, com base
no conceito do personalismo, os seguintes princípios de segunda geração:
A) Princípio da defesa da vida física, cuja finalidade é sancionar o valor
fundamental da vida e sua inviolabilidade, sendo a vida um direito primeiro e o valor primeiro da
pessoa. Sem a vida nenhum outro valor poderia ser expresso.
B) Princípio de liberdade e responsabilidade, que implica a responsabilidade de
tratar o enfermo como um fim e jamais como um meio. Não há direito de dispor da própria
integridade física (eutanásia – recusa de tratamento indispensável à sobrevivência ou aborto),
porque o direito de defesa da vida vem ontologicamente antes do direito de liberdade.
C) Princípio da totalidade ou princípio terapêutico, que afirma que é lícito
intervir sobre a vida física da pessoa, até mesmo amputando sua dignidade, para salvaguardar sua
vida integralmente. Liga-se a este o Princípio da proporcionalidade das terapias (proporção
entre riscos e benefícios).
D) Princípio da sociabilidade, que estabelece que
toda pessoa deve viver
participando da realização dos próprios semelhantes. A solidariedade social convida a cooperação
responsável entre homens e empenha a comunidade a cuidar mais de quem necessita mais e a
gastar mais com quem está enfermo, mesmo que para isso dependa o sacrifício de bem-estantes,
garantindo a realização das livres iniciativas.
Para Ross, os princípios representam deveres, cuja hierarquia não é definida; ele os
denomina prima facie, ou seja, penúltimos ou relativos, pois cada um pode colidir com outro e,
portanto, nos obriga a escolher ao qual dentre eles prioritariamente devemos satisfazer.
O mínimo moral de toda sociedade democrática, contempla Bellino, está constituído em
Bioética pelos princípios aqui apresentados, portanto a ética civil é o mínimo moral comum
aceito por uma sociedade pluralista e reflete a unidade e a universalidade dos homens como seres
racionais. Ela está alicerçada na consciência da unidade e da universalidade do gênero humano.
Vidal aponta que a grande carência de ética civil acompanhada do vazio de ética social e
de autêntica moralidade pública é constatada pela ausência de uma educação moral de caráter
laico e pela falta de sensibilidade moral em relação à realidade pública; essa mesma falha
26
educacional fica constatada também pela carência de uma ética profissional madura e responsável
e, sobretudo, pelas pragas morais que contaminam a administração pública e a vida social em
geral.
Walzer entendia que não há nada mais importante do que a verdade e a justiça em seu
significado mínimo, porque todo minimalismo, sobretudo, fornece um ponto de vista crítico,
contribuindo assim para a formação da confortável e necessária solidariedade.
Vidal ensina, apud Bellino, que a ética civil é constituída de conteúdos morais. Entre eles
a Declaração Universal dos Direitos Humanos é o ponto central da moral civil e enumera três
preferências axiológicas:
a) viver é preferível ao não viver – é atribuído o valor absoluto da vida humana;
b) ser livre é preferível a ser escravo – a liberdade é o primeiro atributo do ser humano;
c) igualdade entre seres humanos é preferível à desigualdade – é o principio da não
discriminação por motivos de raça, sexo, opiniões etc.
Acrescenta ainda que não devemos nos esquecer de que os conteúdos da ética civil
dependem do conceito de homem vigente em cada época e, portanto, a ética é, na verdade, a
antropologia transformada em fonte de significados pela vida humana.
Diante do entender emocional dos conceitos éticos indispensáveis, Bellino afirma que “a
racionalidade de que o homem hoje em suas escolhas precisa é a razoabilidade. A legitimidade
nasce ao confluírem a vida da razão e as razões da vida”.
O homem razoável, mesmo pressupondo-se a pessoa racional, desta se distingue, pois,
enquanto a razão cria um vazio ao seu redor, a razoabilidade coloca-se na realidade vivida e
integral do conhecimento, inserido no conjunto da atividade humana de toda pessoa.
É na base da razoabilidade que encontramos a incidência do querer, do sentir e do
imaginar. A razoabilidade é a racionalidade humana de maneira teleológica, no sentido que torna
a razão do homem, pelo homem e ao serviço de todo homem, sendo ele o legítimo destinatário da
Bioética legítima.
2 FERTILIDADE E O DIREITO DA PROCRIAÇÃO
27
“A reivindicação de perenidade genética equivale à
afirmação de que esta carne, que é a minha, merece a
eternidade”.
FRANCESCO BELLINO
O processo de fertilização é o meio pelo qual se dá a reprodução humana. Este sistema é
naturalmente normal e ocorre com a fusão das células reprodutoras ou germinais – a da
mulher chamada óvulo e a do homem denominada espermatozoide. O anseio pela procriação
é inerente ao animal, especialmente ao ser humano, que, além de possuí-lo instintivamente, o
compreende, pois sabe que dessa continuidade dependerá sua própria existência. Entretanto, no
homem racional esse ato não está meramente relacionado ao sistema biológico, como ocorre com
os animais irracionais; naquele se trata de um ato pessoal, como bem demonstrou Maria Helena
Machado, quando afirmou que “a procriação humana exige um envolvimento livre e responsável
de cada uma das pessoas na sua totalidade, ou seja, o corpo, o coração e o espírito” (MACHADO,
2009 p. 20). E complementa seu pensamento com as palavras de Elio Sgreccia:
O ato procriador não pode ser um ato puramente biológico, como a
mistura de elementos bioquímicos, nem uma atividade de tipo produtivo própria
da produção dos objetos, mas, para ficar num nível personalista, próprio de uma
sexualidade responsável e de reciprocidade interpessoal, deverá se realizar por
meio do dom das pessoas, um dom que transcende e transfigura o fato
biológico, uma dimensão espiritual que não pode se igualar a uma técnica de
tipo produtivista ou a uma combinação de gametas (ELIO SGRECCIA apud
MACHADO, 2009 p.20).
O homem sempre almejou a eternidade e, por meio dos seus descendentes, poderá
satisfazer, mesmo que precariamente, este seu desejo. A vida humana é renovável por meio da
procriação, e as culturas, de um modo geral, cativam este sentimento entre seus adeptos; para os
antigos povos gregos, romanos e hindus, a procriação se constituía numa forma de imortalidade.
Desde as mais antigas civilizações é possível observarmos rituais de fertilidade e virilidade.
A impossibilidade de procriar é frustrante para aqueles que almejam a perpetuação da vida
através da cadeia familiar. Nesse sentido, salienta Marciano Vidal in Machado:
A descendência dos filhos constitui sempre uma esperança humana, a
frutificação de um projeto junto, a perpetuação de si próprio e sua falta destrói
uma ilusão fundamental. A imagem mais ou menos dramática que eles têm de
seu estado de infertilidade é então determinada, não pela extensão de seus
28
conhecimentos de biologia, mas, principalmente, por sua imaginação, crenças
antigas e tradições que geraram o infame mito da esterilidade. (VIDAL apud
MACHADO, 2003 p. 24).
A sociedade determina muitos padrões de comportamento, e as posturas vivenciadas num
relacionamento conjugal são apontadas de maneira determinantemente centradas nas noções de
virilidade e da reprodução, causando angústia e sentimentos de culpa nas pessoas que veem seu
projeto de paternidade fracassado pela infertilidade. A experiência reprodutiva faz parte do
processo de amadurecimento do ser humano, como ressaltado por Maurizio Mori:
Em muitos casos o desejo de ter um filho, não é em nada algo supérfluo e
frívolo; pelo contrário, a decisão de fazer nascer um filho é um aspecto
importante e crucial para o próprio projeto de vida, pois constitui um
compromisso profundo para com a existência. Como foi observado, somente na
maternidade e na paternidade, a maioria dos humanos atinge as mais altas
finalidades inerentes à nossa natureza. Muitos atingiram a plena maturidade da
personalidade apenas por meio da paternidade. Esta deve, portanto, ser
considerada como uma das vias mais importantes para o aperfeiçoamento da
personalidade humana (MORI, 2001 p. 67).
Maria Helena Machado demonstra a distinção entre esterilidade, que se trata de fator
irreversível de impedimento da fecundação, a incapacidade definitiva de conceber; e
infertilidade que é a incapacidade de gerar filhos vivos, mas possibilita a fecundação, ou seja,
trata-se de hipofertilidade ou baixa fertilidade.
Diante da infertilidade encontrada em inúmeros casais, os cientistas não negam esforços e
trabalham para desenvolver terapias e técnicas de Reprodução Humana que lhes proporcionem
reais condições para a concepção de filhos.
A sequência da cadeia da vida depende necessariamente de que o casal seja fértil para
conceber um filho. Diante do anseio pela procriação e do diagnóstico de infertilidade de um ou de
ambos os cônjuges, é possível entender o sofrimento de muitos casais.
2.1 Causas de Infertilidade
Estatísticas apontam que um em cada cinco casais apresenta diagnósticos de infertilidade.
29
Segundo pesquisa realizada pelo Centro de Reprodução e Genética – Criar, de Fortaleza –
CE, cerca de 20% da população têm problemas para ter filhos; nestes, 20% da infertilidade está
presente tanto no homem quanto na mulher, sendo 40% dos casos de infertilidade apenas
masculina.
A infertilidade humana constitui um problema de saúde pública reconhecida pela
Organização Mundial de Saúde - OMS. Epidemiologicamente pode ser classificada em causas
masculinas, femininas, mistas ou de origem desconhecida. No mundo, atinge de 15% a 20%
dos casais. Estando a causa masculina presente em 50% dos casos, isoladamente em 30% e,
associado aos fatores femininos em outros 20%.
Em geral, as causas de infertilidade são classificadas como: orgânicas – de ordem física;
ou psicológicas – mental, ambas passíveis de ocorrer tanto no homem como na mulher.
Conforme salientou Maria Celeste Cordeiro Leite Santos in Maria Helena Machado, o mal
causado pela dificuldade de procriação é dificilmente reconhecido, pois está inserido nas três
áreas dominantes da conduta humana: a biológica, a psicológica e a social. “Se o corpo e
mente se desenvolvem dentro de um mundo circundante, como falarmos em atribuir a
esterilidade a um fato desta ou daquela área como se não estivessem intimamente ligadas?”.
A vida moderna também traz causas de infertilidade, pois, quando a mulher prioriza seu
projeto profissional em detrimento da maternidade, o tempo não perdoa, e a busca tardia pela
gravidez expõe-na a uma série de infecções e viroses sexualmente transmissíveis, que poderão
dificultar a fecundação. O estresse é outro fator desencadeador de infertilidade e pode atingir
tanto homens como mulheres.
Outras causas de infertilidade consideradas como causas de origem desconhecidas
podem ser atribuídas ao uso prolongado de contraceptivos, práticas de abortos clandestinos, uso
de drogas e medicamentos, consumo excessivo de bebidas alcoólicas e carências vitamínicas.
Maria Helena Machado afirma que “no Brasil as pesquisas realizadas constataram que metade
dos casos de esterilidade, deriva de seqüelas dos processos infecciosos ou doenças venéreas
aliados ao stress (MACHADO, 2003 p.25)”.
As causas de esterilidade mais comuns, atribuídas por Maria Helena Machado são:
Causas de infertilidade feminina:
30
1. Causas ováricas – ausência de gônadas (congênita ou adquirida através de
tumores, extração cirúrgica ou inflamações; anomalias da ovulação; alterações da
fase lútea; endometrioses e tendência letal do óvulo).
2. Causas tubáricas – é a obstrução tubárica, considerada a principal causa.
3. Causas uterinas – por lesões do endométrio; por falta de permeabilidade; por
fator mecânico.
4. Causas cervicais – alterações congênitas; posições anormais; alterações
morfológicas ou na dimensão do colo; miomas e pólipos cervicais; cervicites;
lesões traumáticas e alterações funcionais.
5. Causas vaginais – devido à má formação congênita, entre outras.
6. Causas psíquicas.
7. Outras causas: obesidade, alteração das glândulas renais ou das tireoides,
carências vitamínicas importantes, uso de drogas etc.
Causas de infertilidade masculina:
1. Testicular – alteração congênita por inexistência de espermatogenias por
anomalias cromossômicas; ausência de espergenia por destruição ou por
imaturidade.
2. Anomalias nas vias excretoras.
3. Alterações das glândulas acessórias.
4. Anomalias diversas na ejaculação ou na inseminação.
5. Defeitos estruturais ou morfológicos dos espermatozoides.
As causas mistas de infertilidade poderão ser consideradas como aquelas em que o fator
imunológico é considerado como um fato misto de esterilidade ou infertilidade e aquelas sem
causa aparente.
2.2 Consequências da Infertilidade
Neste momento cabe uma breve interpretação sobre o entendimento social de saúde e
doença. A infertilidade não pode ser caracterizada como uma doença; entretanto, como os seres
31
humanos só adquirem consciência da saúde por meio da doença, é inevitável qualificar a
infertilidade como detentora de um conteúdo negativo se comparada à capacidade de procriar.
Nas culturas primitivas a saúde era interpretada como graça, enquanto que a doença era uma
desgraça. Depois, na cultura grega antiga, a interpretação das coisas passa do anterior conceito
de graça e desgraça para natural e antinatural, em virtude da aproximação da realidade com a
natureza – physis. Sendo assim, deste conceito surgem os termos ordem – kosmos (natureza) – e
a dor e enfermidade era a desordem – khaos. Em seguida, a cultura moderna qualifica a saúde
como felicidade e a doença como infelicidade; assim, a felicidade (saúde) não se trata de fato,
mas de um valor positivo, enquanto que a doença passa a ser considerada um valor negativo.
Como já dissemos, o desejo de reprodução de homens e mulheres é inato, portanto afirma
Corrêa que esse desejo – de filhos, de família, de reprodução, de continuidade, entre outros
significados colados à procriação de seres humanos – é aquilo que vem legitimando, em última
instância, a proposição de uma série de inovações biotecnológicas, surgidas de forma contínua no
campo da medicina reprodutiva. A autora afirma em sua obra:
Procriar e constituir família são aspectos altamente valorizados em
sociedades como a em que vivemos - e em quase todas as sociedades humanas a
infertilidade é repudiada como um infortúnio. Nesse sentido, na maternidade e
na paternidade são mobilizados traços arraigados das identidades individuais e
sociais dos sujeitos humanos. Por tudo isso, é possível afirmar que a
impossibilidade de reprodução biológica fragiliza de forma importante homens
e mulheres, particularmente aqueles que se encontram em união (CORRÊA,
2001 p. 72).
Contudo, a falta de capacidade de gerar filhos não pode ser caracterizada, apesar dos
sofrimentos que pode causar, como uma simples doença, embora a infertilidade possa causar
patologias de ordem psicológicas, porque poderá ocorrer repulsa da família e do meio social a
que pertence o casal. A incapacidade de procriar poderá acarretar graves consequências
emocionais ao casal, que deverá procurar ajuda médica assim que perceba a incapacidade.
Maria Helena Machado aponta que, no Brasil, dos casais inférteis e que procuram ajuda
profissional, 77% sofrem de depressão, 70% de tristeza, 73% sofrem com sentimento de raiva e
frustração e 68% sentem-se culpados (MACHADO, 2009 p.24).
Ante as expectativas geradas durante toda a vida em torno do sonho da maternidade ou
paternidade não realizado, sobrevém a frustração e a rejeição; e, diante da impossibilidade de
32
dispor de altos recursos financeiros para se submeterem às técnicas de reprodução assistida,
aparecem sentimentos ainda mais fortes de impotência, frustração, culpa e inferioridade em
relação aos demais.
Diante dessa realidade surgem inúmeros programas com iniciativas assistenciais de
prevenção e de apoio a pessoas e/ou casais estéreis que buscam serviços bem organizados de
aconselhamento para fins de obter acesso aos tratamentos disponíveis nas redes públicas e
particulares, além de proporcionar conscientização aos casais inférteis sobre possibilidades de se
buscar a felicidade familiar por meio de alternativas, dentre elas a adoção.
Pessini ressalta que, diante da infertilidade, o casal, quando busca a solução com
harmonia consciente, torna-se mais unido diante das dificuldades físicas e psicológicas que
enfrentarão juntos, pois as técnicas de reprodução assistida constituem “uma prova de amor
recíproco do casal e prova de amor para com o nascituro” (PESSINI, 2005 p. 302).
Nas décadas de 80 e 90, houve uma redução média de 23% na fecundidade, cujo efeito foi
uma redução anual do crescimento da população, em média, de 1,9% a 1,6%. Na maioria dos
países europeus, as taxas de natalidade preocupam, pois têm diminuído muitos nas últimas
décadas. (PESSINI, 2005 p. 256).
Em decorrência da infertilidade, mais casais buscam os meios artificiais reprodutivos e,
em consequência, há um acelerado crescimento no número de clínicas especializadas nas técnicas
reprodutivas, as quais carregam desdobramentos que ultrapassam os limites da terapia individual
e atingirão as gerações futuras, implicando os conceitos de início da vida e o valor da vida
humana, comprometendo os limites da ética, da bioética e do biodireito.
Diante das causas de infertilidade, os especialistas apontam que não se deve retirar da
pessoa, independente do sexo, a vontade instintiva de conceber um filho que contenha sua
herança genética e que a reprodução assistida não pode ser interpretada como uma atitude
egoísta, uma vez que também requer sacrifícios.
2.3 Direitos Reprodutivos
Os Direitos Reprodutivos são inerentes à mulher, pois ela é a protagonista no processo da
procriação humana. O reconhecimento da sua importância no ato constitutivo da humanidade
colidiu com o desencadear da internacionalização dos Direitos Humanos, ou seja, em meados de
33
1919, com o advento das primeiras normas internacionais de proteção à maternidade e garantias
das mulheres no trabalho.
Como ideologia tutelada pela ONU, a organização internacional realizou em Teerã, no
ano de 1968, a Conferência Mundial de Direitos Humanos, e foi nessa conferência que surgiu
a primeira idéia sobre Direitos Reprodutivos no âmbito internacional. O documento carrega no
Artigo 16 este preceito: “Os pais têm o Direito Humano fundamental de determinar livremente o
número de seus filhos e os intervalos entre seus nascimentos.”.
As décadas de setenta e oitenta foram marcadas por tratados internacionais a favor dos
direitos da mulher no que diz respeito à proteção da saúde, garantias e liberdades individuais e
sociais.
A ONU realizou em 1979 a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Contra a Mulher, e foi por esse tratado que os Estados assumiram o dever de
adotar medidas de oposição à discriminação e eliminá-las. Somente após a realização da
Conferência das Nações Unidas da Década das Mulheres, em Nairobi, em 1985, e do Tribunal
Internacional do Encontro sobre Direitos Reprodutivos, em Amsterdã, ocorrido no ano de 1984, o
conceito de Direito Reprodutivo foi universalizado e ultrapassou suas fronteiras originais (EUA e
Europa). Contudo, em 1993, na Conferência de Direitos Humanos, realizada em Viena-Áustria,
foi explicitamente dito que os direitos das mulheres são Direitos Humanos Universais
inalienáveis e indivisíveis.
Um enfoque mais abrangente das políticas sociais que visavam direitos humanos e
igualdade de gênero, e que extrapolaram os aspectos específicos sobre o controle de natalidade,
planejamento familiar e a saúde materno-infantil, foi dado na Conferência Internacional sobre
População e Desenvolvimento (CIPD), realizada em 1994, no Cairo, e cujo ponto culminante foi
saúde, direitos sexuais e reprodutivos, proporcionando à mulher autonomia e poder de decisão
sobre sua própria fecundidade, para agir com responsabilidade social sobre o exercício da
maternidade, com garantias de acesso à informação e aos serviços pertinentes ao exercício. Da
mesma forma, foi estabelecida aos homens a responsabilidade pessoal e social, a partir de seu
comportamento sexual, pelos efeitos de seus atos, sobre a saúde e o bem-estar de suas
companheiras e filhas.
34
Contudo, em 1995, em Beijin, a ONU realizou a IV Conferência Mundial da Mulher,
quando então se deu a aprovação de medidas de ação a favor das mulheres, cujo assunto aqui
estudado foi tratado nos termos propostos por Jardim:
Os direitos reprodutivos abrangem certos direitos humanos, já reconhecidos em
leis nacionais, nos documentos internacionais sobre direitos humanos e em
outros documentos pertinentes das Nações Unidas aprovados por consenso.
Esses direitos baseiam-se no reconhecimento do direito básico de todos os
casais e indivíduos a decidir livre e responsavelmente o número de filhos e o
intervalo entre eles, a dispor da informação e dos meios para tal e o direito de
alcançar o nível mais avançado de saúde sexual e reprodutiva. Inclui também o
direito a tomar decisões referentes à reprodução sem sofrer discriminação,
coação nem violência, conforme estabelecido nos documentos de direitos
humanos. No exercício desse direito, os casais e indivíduos devem levar em
consideração as necessidades de seus filhos já nascidos e futuros e suas
obrigações com a comunidade. A promoção do exercício responsável desses
direitos de todos deve ser a base primordial das políticas e programas estatais e
comunitárias no âmbito da saúde reprodutiva incluindo o planejamento familiar
(JARDIM, 2003).
Os tratados internacionais, de uma maneira geral, constroem uma cultura nacional (local)
sobre os inúmeros elementos neles destacados, além do precedente jurídico que estabelece. Não
existe possibilidade de criar-se padrão sobre a reprodução humana; o número de filhos que um
casal deseja ter ou a forma encontrada para concebê-los é livre, desde que observados os padrões
legais e preservados os direitos dos envolvidos.
Flávia Piovesan conceitua os Direitos Reprodutivos como um conjunto de direitos civis,
políticos, sociais e culturais que se relacionam com a liberdade de exercício da sexualidade e
reprodução humana. Assim como os demais direitos e garantias, o Estado deve tutelar os direitos
reprodutivos de maneira que sejam respeitados, mantidos e ampliados por meio, por exemplo, da
informação e da educação, para possibilitar o acesso aos meios adequados e seguros, tanto de
controle de natalidade – desejo de não procriar (liberdade negativa) – quanto para procriação sem
riscos para a saúde (liberdade positiva). Referidos direitos surgem a partir de uma nova visão,
mais expandida, do conceito de cidadania, como analisa Renata Teixeira Jardim. Os dois
diferentes aspectos de procriação apontados anteriormente foram idealizados por Maurizio Mori
– professor de Bioética da Universidade de Turim – Itália. Mori afirma:
35
A noção de “procriação”, entendida em seu sentido biológico, é aquele processo
através do qual se dá a transmissão da vida de uma nova geração. Nesse sentido, a
procriação compreende tudo aquilo que se refere ao nascimento e ao crescimento de
uma nova pessoa até que alcance a maturidade biológica, ou seja, a capacidade de
transmitir, por sua vez, a vida a novos indivíduos. [...] As várias fases do processo de
procriação devem comportar uma divisão adequada:
a)
do ato sexual à fecundação in vivo (natural);
b)
da fecundação à nidação;
c)
da nidação ao nascimento (a gravidez);
d)
do nascimento ao desmame (criação dos filhos) (MORI, 2001 p.62).
Mori afirma que a liberdade negativa de procriação (direito de não procriar) é
absoluta, visto que não afeta nem prejudica ninguém, pois não há de se causar dano a quem não
existe. Entretanto, ele ressalta que a liberdade positiva de procriar, sobretudo aquela que se serve
de auxílio técnico, deve ser cautelosamente controlada e limitada, porque o seu exercício poderia
causar danos àquele que nasce, visto que é evidente que todo e qualquer critério orientador do
direito de procriação deve tutelar o bem-estar do nascituro e, para tanto, é imprescindível que se
lhe deem garantias de direito fundamental.
No Brasil, este processo de igualdade e autonomia independente do sexo, cuja base foi o
Princípio da não discriminação e iniciou-se com a ratificação da Declaração Universal dos
Direitos Humanos em 1948. Mas, foi a partir do início da construção dos entendimentos sobre a
igualdade de gênero (ocorridos principalmente na década de 70), mediante inúmeros
movimentos feministas, que a sociedade passou a buscar espaços para a construção de uma
cidadania feminina. A garantia dos Direitos Reprodutivos é de grande importância, pois com eles
também são garantidos os direitos individuais, que, por sua vez, são os instrumentos de
efetivação dos direitos sociais. Os direitos reprodutivos são frutos dos princípios constitucionais
da cidadania, dignidade humana, do bem-estar geral, sem distinção de raça, origem, sexo ou
idade – todos essenciais para implementar direitos individuais e coletivos.
A Carta Magna trata da saúde reprodutiva e do planejamento familiar em seu Título VIII,
“Da Ordem Social”, consagrando a saúde como direito de todos e dever do Estado em garanti-la
(Art. 196 CF/88). A OMS – Organização Mundial de Saúde – e a Conferência do Cairo,
afirmaram que o direito à saúde não se restringe à ausência de doenças, mas compreende um
bem-estar físico, mental e social.
36
O Artigo 201, II da CF/88, determina que a previdência social, mediante contribuição,
dará proteção à maternidade, especialmente à gestante; já o art. 203 do mesmo instituto jurídico
prevê que a assistência social será prestada a todos que dela necessitarem, independente de
contribuição, e especificamente em seu inciso II objetivará a proteção à família, à maternidade, à
infância, à adolescência e à velhice.
Toda convivência compartilhada e relacionamento afetivo entre os indivíduos será
tutelada pela Carta Magna em atendimento aos direitos reprodutivos, cujo entendimento é
salientado por Renata Teixeira Jardim:
[...] contempla a Constituição Federal, em seu artigo 226, § 7º, o direito ao
planejamento familiar, fundado nos princípios da dignidade humana e da
paternidade responsável. Tal dispositivo constitucional contempla a liberdade
de decisão do casal no que tange sua reprodução, bem como obriga o Estado a
proporcionar recursos tanto de informação (educacionais) como científicos para
o exercício desse planejamento. Veda, ainda, qualquer forma coercitiva de
planejamento familiar (JARDIM, 2003).
Em 12 de janeiro de 1996 foi promulgada a Lei nº. 9.263 ou “Lei do Planejamento
Familiar”, que Regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento
familiar e define, em seu artigo 2º, a expressão legal de planejamento familiar: “Art. 2º. Para fins
desta lei, entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da
fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela
mulher, pelo homem, ou pelo casal”.
Com o advento do Nobel Código Civil Brasileiro, o direito de família reger-se-á por
princípios fundamentais, entre eles destacando o princípio da paternidade responsável e
planejamento familiar e o princípio da liberdade, que se encontram fundamentados no
correspondente princípio constitucional da dignidade humana. Sendo assim, o artigo 1.565 §
2º do Código Civil de 2002 proclama que: “O planejamento familiar é de livre decisão do casal
[...] é vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições públicas e privadas”. Caberá ao
Estado aquilo que se encontra no dispositivo do art. 4º da Lei 9.263/96:
37
Art. 4º O planejamento familiar orienta-se por ações preventivas e educativas e
pela garantia de acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas
disponíveis para a regulação da fecundidade.
Parágrafo único - O Sistema Único de Saúde promoverá o treinamento de
recursos humanos, com ênfase na capacitação do pessoal técnico, visando a
promoção de ações de atendimento à saúde reprodutiva.
Nesse sentido, é feita a ressalva de que é legítima a intervenção do Estado apenas em sua
competência de propiciar recursos educacionais e científicos ao exercício desse direito [...]
(DINIZ, 2007 p.22).
Carlos Roberto Gonçalves salienta que a paternidade responsável convocada com a
aprovação do Código Civil de 2002 é responsabilidade de ambos os cônjuges, genitores ou
companheiros, e é consequência de uma realidade familiar, em que os vínculos de afeto se
sobrepõem à verdade biológica.
38
3 A BIOÉTICA E O BIODIREITO
O futuro da humanidade depende das pessoas que confiam
na verdade e cujas vidas são iluminadas por nobres
princípios morais que dão ao seu coração a capacidade de
amar a ponto de se sacrificarem.
JOÃO PAULO II
Existem vários textos que tratam diretamente sobre os procedimentos éticos pertinentes à
biotecnologia. Podemos citar como exemplo a Convenção Européia dos Direitos do Homem,
alguns pactos das Nações Unidas e especialmente a Declaração de Helsinque, da Associação
Médica Mundial. Os documentos citados, entre outros, formam o conjunto de fontes do Direito
Internacional da Bioética.
A Declaração Universal do Direito do Homem reconhece a dignidade a todos os humanos
e proclama seus direitos iguais e inalienáveis, que constituem o fundamento da liberdade, da
justiça e da paz no mundo (BARACHO, 2001). Os Pactos Internacionais sobre os direitos civis e
políticos e o relativo aos direitos econômicos, sociais e culturais (Nova York – 1966) consagram,
entre outros muitos direitos, que todos podem beneficiar-se do progresso científico e suas
aplicações. A Declaração Universal da Unesco sobre o Genoma Humano foi representação de
grande avanço para a Bioética, pois visa o ideal democrático de dignidade, igualdade e respeito à
pessoa. Reconheceu o direito ao patrimônio genético, e sobre esta questão Baracho afirma:
Este direito ao patrimônio genético desenvolve-se, também, através de
temas gerais que procuram seu conceito e a evolução da genética, com
exposições no Direito Comparado, visto que seus aspectos específicos:
condição jurídica dos nascituros, embriões excedentários, crio-preservação,
investigação de embriões humanos, inseminação artificial post-mortem, mães
portadoras, anonimato do doador, escolha do sexo, clonagem e descoberta do
genoma. Cada indivíduo tem direito ao respeito de sua dignidade e direitos,
quaisquer que sejam suas características genéticas (BARACHO, 2001 p. 137).
39
Os princípios da solidariedade e da cooperação internacional deverão ser considerados
em face das pesquisas genéticas, visando e favorecendo as atividades relacionadas aos
indivíduos, às famílias ou às coletividades particularmente vulneráveis às doenças genéticas.
Aristóteles distingue o que é justo por natureza e o que é justo por lei. A ideia de um
direito imutável é limitada por ela aos deuses. Gadamer, in Bellino, interpreta o sentido do direito
natural assim: “há coisas estabelecidas pela lei que são só objeto de convenção (por exemplo, as
regras do tráfego); mas há também, e sobretudo, coisas que não são deixadas para um acordo
somente convencional dos homens porque ‘a natureza da coisa’ se impõe [...]”. Foi este
entendimento que impulsionou a celebração dos importantes tratados internacionais citados
acima, pois eles formam a bússola indicadora do norte a ser seguido por aqueles que desejam
alcançar a justiça, a harmonia social e a paz entre os povos. A ideia de direito natural para
Aristóteles é indispensável para completar e aperfeiçoar as leis positivas por meio da
interpretação do direito. O ser persona (homem, vida) não é simples res (objeto) - é sim evento
[...] (BELLINO, 1997 p. 131).
Diante dessa premissa, é possível percebermos que a evolução tecnológica deve carregar
em seu bojo certo enobrecimento dos sentimentos humanos, sem o qual não haveria razão de
existirem esforços da inteligência. Nesse sentido são colocadas as sábias palavras de Bellino:
O autocontrole moral cede lugar à necessidade de controles externos, que,
fazendo com que não surjam jamais as condições de possibilidade de culpa,
tende a eliminá-la completamente do mundo espiritual, inclusive quando se
deveria experimentar sentimento de culpa, diante da gravidade objetiva de
certas ações cometidas, pelo crescimento e o melhoramento de nossa vida
moral e pelo sentido de responsabilidade que nos liga aos outros seres
humanos e evita a barbárie (BELLINO, 1997 p. 89).
A ciência moderna é um saber que preceitua como é o mundo fisicamente, porém não diz
nada sobre a finalidade e o sentimento da vida. Para encontrar as respostas certas para esta
indagação, é primordial refletir sobre aquilo que se deve fazer e aquilo que não se deve
conhecer ou fazer; as escolhas humanas se deparam com determinados efeitos que vão além dos
limites do indivíduo, pois não são raras as circunstâncias em que a decisão tomada provocará
resultados e consequências universais, quando muitos seres serão afetados (viventes e não
viventes).
40
Carcaterra aponta que o objeto da ética já não é o ser e sim o não ser do homem, ou seja,
aquele que ainda não é ou o que não é mais, o que se poderia se fazer ou se é ou não ser
humano – o não concebido, o feto, o moribundo, o corpo e os órgãos do defunto. Ao se
decidir quanto ao que é e ao que não é, ou ao que é coisa e ao que não se trata de simples coisa,
lembramos a filosofia aristotélica, que procurava negar o relativismo pelo direito natural, como
bem citou Bellino:
Para Aristóteles há alguma coisa que podemos chamar de natureza da
coisa, porque o homem elabora os conceitos sobre aquilo que deve ser, não
somente pelo produto das convenções e conceitos morais elaborados pelos
povos em diversas épocas, constituindo o sentido da história e em cujo devir
convergem às civilizações passadas, presentes e futuras. Nenhum povo ergue-se
ao modelo de outro, mas todos são senão experiências diante da Humanidade
em devenir. Cada cultura além de buscar a sobrevivência busca também o
aperfeiçoamento do homem, e nenhuma cultura até agora realizou todas as
potencialidades humanas. Para tanto é necessário iniciar um processo de
recíproca fecundação das culturas para obrigá-las a avaliar-se para adiante,
projetando-se em direção da realização da plenitude do ser humano (BELLINO,
1997 p.260-261).
A formação do caráter e a prática da virtude constituem a base da experiência e da
bioética. A ética não deve ser considerada como mera solução de problemas intelectuais, mas
como aquisição de hábitos, de qualidade de caráter. A moral da virtude precedeu historicamente e
deve preceder à moral dos princípios e das regras (BELLINO, 1997 p.207).
O bom senso, o sentido comum, lembra René Descartes, é precisamente esta faculdade de
“ajustar por tentativas sucessivas o equilíbrio dos valores que desejamos ver respeitados em uma
dada situação”, é a faculdade de julgar, como dizia Kant - “afinada pela experiência”.
Quando se admite que a única regra moral universal é a do respeito às pessoas lembramos
Reich com sua visão casuística voltada para desenvolver uma ética do cuidar-se ou
assistencial.
A busca e a reflexão sobre a solicitude em relação aos outros requerem que se dê espaço a
um raciocínio moral que deixe um intervalo importante para a compaixão e os sentimentos que
nos induzem a cuidar uns dos outros. (BELLINO, 1997).
41
O critério decisivo na consciência ética não é o sujeito, mas o encontro da interioridade do
homem com a verdade; é a escuta da verdade existente no interior do ser humano, assim
confirmado por Bellino:
Em nossos juízos não nos seria possível dizer que uma coisa é melhor do que
outra – escreveu Santo Agostinho – se não tivesse sido impressa em nós a
noção do bem autêntico. Como disse Platão, no ser humano ficou infundido
uma memória originária (anamnesis) do bem e da verdade, um senso inato, uma
capacidade conceitualmente não articulada de reconhecimento do mal; portanto
essa voz interior deve ser escutada, suscitada, reconhecida e liberada pelo
homem para que ele possa disso dar testemunho na vida e deixar-se iluminar a
razão (BELLINO, 1997 p.213).
Diante dessa reflexão éticofilosófica é possível construir-se um pensamento sobre a
melhor maneira de se tutelar todos os componentes do bem ora destacado, ou seja, o bem da vida
- dignamente vivida, o único e maior fundamento da própria existência. Bellino citou Guillen
para definir a estrutura processual da ética, como um procedimento por meio do qual se
constituem as normas concretas para a resolução dos problemas éticos, quando então devem
constar dois momentos: um a priori, que conterá uma análise retrógrada em comparação aos
princípios éticos, e outro a posteriori, cujo objetivo é avaliar as possíveis consequências,
lembrando que os princípios são universais e as consequências particulares (BELLINO, 1997
p.215).
O atual contexto social nos mostra uma carência de normas éticomorais específicas para
tutelar os atingidos pelos efeitos das descobertas tecnológicas, e diante desse quadro nos socorre
o Direito – ciência humanitária cujo fim é resgatar a ordem e prevenir o caos. Nesse sentido,
afirma Oliveira:
O direito, ordem social mutável sofre a exigência de uma grande
transformação em virtude da substancial mudança social determinada pela
bioética. Ainda que se tome a bioética em seu sentido estrito, ou seja, ética
relacionada com as novas conquistas biotecnológicas, abrangente, então, de
questões como manipulação genética, reprodução assistida, transexualidade,
manutenção da vida artificial, eutanásia etc. (com todas as suas derivações),
somente o ‘limitado’ âmbito de problemas delas decorrentes já é suficiente para
impor ao Direito uma modificação substancial. Quando se adentra as derivações
de cada um desses campos, ainda, se amplia sua abrangência para temas como
meio ambiente, então, ampliado fica também o desequilíbrio a que é submetido
o Direito” (SALDANHA, BRANDÃO E FERNANDES, in OLIVEIRA, 2008 p.
66).
42
O antigo dilema sobre a existência ou não dos limites no agir do homem destaca-se na
matéria ora estudada, pois não há resposta legal completa e regular existente.
É urgente a necessidade de se traçar um marco moral e jurídico com base nas duas
ciências (Bioética e Direito) para defender a pessoa humana diante dos perigos e dúvidas dos
avanços biotecnológicos. Como afirma Oliveira, o ponto de conexão entre elas está assim
definido:
É a necessidade de haver uma perfeita sincronia entre o ser e o dever
ser, e o poder fazer; onde a conduta humana é o ponto comum do estudo,
combinando o bem e o mal com o justo e o injusto [...] caberá à bioética buscar
respostas aos questionamentos sociais existentes, enquanto que caberá ao
direito traduzir e transformá-las em normas jurídicas. Ao biodireito caberá
regular juridicamente os desafios apresentados em nome da segurança jurídica
(OLIVEIRA, 2008 p. 67).
O Estado moderno é capitalista, e neste diapasão, aponta Oliveira:
Em se tratando de normas que venham a regular as pesquisas que
envolvem seres humanos é imperioso lembrar que as empresas que
desenvolvem biotecnologia, hoje, são empresas que possuem como
financiadores principais (para não dizer - exclusivos) de seus projetos os
grandes laboratórios mundiais, que, com o resultado das pesquisas, almejam
auferir tão-somente grandes lucros (OLIVEIRA, 2008 p. 68).
Todo desenvolvimento é formado de aspectos positivos e negativos, e para que se tenha
controle sobre o potencial resultado é fundamental não deixar de informar e esclarecer
amplamente a sociedade sobre estas relevantes questões. Deve-se adquirir consciência real dos
objetivos que estas pesquisas carregam; dos riscos e benefícios a curto e a longo prazo e, então,
após o devido esclarecimento, buscar saber a opinião das classes sociais interessadas, para que
efetivamente a legislação viabilize os interesses da sociedade e não de um pequeno grupo direta e
egoisticamente interessado nos resultados.
Junges in Oliveira, quando se refere à clonagem humana, afirma:
43
A ética tem sempre uma pretensão de universalidade ética, e, por isso, não
pode ser reduzida a uma pura justificação do que aparece ou se faz. A ética não é
constatação sociológica, mas proposição ou projeção de fins (pergunta pelo
sentido de algo; pelo por que se faz algo). A ciência cria uma sempre maior
sofisticação quanto aos meios, acompanhada de uma sempre maior confusão
quanto aos fins. A potência das novas criações instrumentais não vai
acompanhada de uma maior lucidez da consciência moral (OLIVEIRA, 2008 p.
111).
Sobre a importância do Biodireito, Oliveira afirma que o mesmo esperado para cumprir os
princípios da bioética, para não correr o risco de haver norma jurídica que venha a regulamentar
estas atividades e que venha a levar em consideração o principal objeto da questão que é o ser
humano, e ressalta a autora que este, por sua vez, não possui valor venal no mercado e sua
dignidade não tem preço (OLIVEIRA, 2008 p. 117).
No Estado Democrático de Direito a substancialização da democracia se dá pela
observância da regra da maioria e o respeito da minoria, em conformidade com o exercício ético
do político, enquanto legislador, com a finalidade de expressar o verdadeiro compromisso com os
direitos da humanidade. Nesse contexto, nos ensina Reinaldo Pereira e Silva:
A originalidade pragmática do Biodireito está no reconhecimento de que a
dimensão operacional do Direito não deve se nortear, pura e simplesmente, pelo
critério da validade formal; o Biodireito, como corolário da reflexão ecológicojurídica, expressa o compromisso operacional com a validade substancial, isto
é, com a validade ética, tanto no plano de lege lata quanto no plano de lege
ferenda. Radicalizando a originalidade do Biodireito, importa afirmar que, aos
direitos reconhecidos, promovidos e garantidos pelo ordenamento (face
jurídica), se vinculam, na mesma pessoa humana, os respectivos deveres para
consigo e para com as demais pessoas humanas (face ética) (PEREIRA E
SILVA, 2000 p. 257).
O mapeamento do sequenciamento do código genético – DNA – realizado pela
comunidade científica internacional propiciou um estupendo avanço biotecnológico. O presidente
norte-americano Bill Clinton referiu-se a esta descoberta como o “mais importante mapa feito
pela humanidade”. As discussões sobre os efeitos do desenvolvimento das ciências biológicas
ultrapassaram seus laboratórios e alcançaram as faculdades de Direito, visto a grande abrangência
social resultante das pesquisas. Os operadores do Direito passam a se preocupar com as
inevitáveis dúvidas existentes e com a urgente necessidade de se compatibilizar as reflexões
44
éticas com a racionalidade atribuída ao ordenamento jurídico. O Direito é instrumento destinado
a solucionar conflitos sociais de relevante interesse público e particular. No entendimento de
Martins-Costa, caberá às ciências jurídicas “saber o que é justo aqui e agora, pois a cada
problema social concreto, uma resposta, também concreta e imediata, deve ser dada pelos
tribunais” (MARTINS-COSTA, 2000 p. 230).
O Biodireito, como ramo nascente do Direito, também está alicerçado na célebre Teoria
Tridimensional do Direito concebida por Miguel Reale, cujas bases são: o fato, valor e norma.
O renomado autor preceitua:
Quando o homem tipifica determinadas formas de conduta e concretiza
aspirações e interesses em determinado modelo jurídico, há sempre dois
aspectos a examinar: um objetivo, relacionado com a validez adquirida pela
‘realidade jurídica’ em si (o que explica o caráter eminente e coercitivo, ou a
pressão social das estruturas normativas), e um outro subjetivo, pertinente à
situação dos homens que se inserem no âmbito da referida objetividade
conservando e buscando salvaguardar o seu ser próprio, isto é, a sua
irrenunciável capacidade de liberdade e de síntese (REALE, 1994 p. 85).
O anseio social comumente se demonstra na busca constante de segurança, e a legislação
deve amparar esta busca, de forma que não se estabeleça a desordem ou a incerteza, pois se a
justiça possui caráter objetivo quando qualificadora da ordem justa, esta nunca será atingida sem
o perfil subjetivo constituído pela virtude de justiça. Destarte, afirma Reale:
Na problemática da segurança, por exemplo, percebe-se algo de existente
ab extra, na relativa objetividade peculiar a todos os ‘seres históricos’, em
termos de certeza, e há, ao mesmo tempo, algo de subjetivo, um sentimento, a
atitude psicológica dos sujeitos perante o complexo de regras estabelecidas
como expressão genérica e objetiva da mesma segurança (REALE, 1994 p. 86).
As normas jurídicas são compostas por princípios (valores) e regras e situam-se num
ordenamento jurídico totalmente aberto para as proposições oferecidas por juristas, legisladores e,
sobretudo, pela comunidade. Hoje, como nos ensina Martins-Costa, por intermédio dos
princípios, o Direito reaproxima-se da dimensão ética e torna-se sistema axiologicamente
orientado.
45
O antigo modelo de incomunicabilidade entre o Direito e as demais ciências foi
substituído por um de conexão, comunicabilidade e complementaridade. Foram estas
transformações metodológicas que, segundo Martins-Costa,
[...] possibilitaram a crítica e a reconstrução de certos conceitos fundamentais
do Direito, abrindo espaço, por igual, à construção do Biodireito, termo que
indica a disciplina, ainda nascente, que visa determinar os limites da licitude do
progresso científico, notadamente da Biomedicina, não do ponto de vista das
‘exigências máximas’ da fundação e da aplicação dos valores morais na práxis
biomédica – ou seja, a busca do que se ‘deve’ fazer para atuar o ‘bem’ – mas do
ponto de vista da exigência ética ‘mínima’ de estabelecer normas para a
convivência social (MARTINS-COSTA, 2000 p. 233).
Tanto a Bioética como o Biodireito devem existir para sedimentar o bem comum da
coletividade, para que o homem possa e consiga reconhecer seu igual. Como afirma Ricouer, a
ética é “aspiração a uma vida vivida com e pelos outros, em instituições justas”, e a constituição
ética da pessoa tem uma estrutura ternária – de si mesmo, de cuidado do outro, de viver em
situações justas – e hoje, mais do que nunca, o universo pessoal define o universo moral até se
coincidirem. Assim sendo, o destino da ética torna-se cada vez mais o destino da pessoa. Baracho
aponta:
Os relacionamentos entre saúde e tecnologia propiciam inquietações no
que diz respeito à dignidade da pessoa humana. As pesquisas levam em conta a
solução de conflitos entre o respeito à liberdade e os imperativos de precaução.
A qualidade da saúde está relacionada com a questão da competência técnica,
as relações entre as outras pessoas e os indicativos referentes à qualidade e
equidade (BARACHO, 2001 p. 139).
Diante dessas indagações, é possível concluir que o Biodireito não irá cercear o
desenvolvimento científico, mas poderá e deverá assegurar a compatibilidade entre os avanços
biotecnológicos e os valores fundamentais da humanidade, que devem ser respeitados e
priorizados.
46
4 TÉCNICAS DE FERTILIZAÇÃO – PRINCIPAIS MÉTODOS
“O homem tornou-se o primeiro produto da evolução
capaz de dominar a própria evolução”.
F. JACOB
A evolução das técnicas de tratamento contra a infertilidade é atualmente uma das maiores
descobertas na pesquisa científica mundial, e a maioria dessas experiências são realizadas em
mulheres. Ao conjunto de técnicas que facilitam o processo da reprodução humana foi dado o
nome de Técnicas de Reprodução Assistida – TRA.
As primeiras experiências científicas
de fertilização e transferência de embriões foram realizadas em coelhos, no ano de 1875. Após o
período entre 1940 e 1944, houve a primeira tentativa de inseminação artificial em humanos.
Somente em 1949 foi descoberto o método de conservação do esperma, inicialmente congelado
em glicerol, visando-se utilização posterior. Em 1953 foram, pela primeira vez, utilizados para
reprodução artificial humana espermas congelados. No dia 25 de julho de 1978, na cidade de
Oldham - Inglaterra, nasce o primeiro bebê de proveta do mundo, chamada Louise Joy Brown,
mediante o trabalho dos Drs. Patrick Steptow (ginecologista) e Robert Edwards (biólogo). Em
1984 nasce, no Hospital Santa Catarina, em São Paulo, Anna Paula Caldeira, primeiro bebê de
proveta do Brasil e da América Latina, pelo trabalho do ginecologista Milton Nakamura. Hoje já
existe um grande número de bebês de proveta em nosso país. Os mais modernos métodos de
fertilização de que dispõem as técnicas de reprodução assistida são encontrados na Bélgica,
França, Austrália e Estados Unidos (Época. Edito Globo, n. 9, de 20.07.1998, p.42 apud
MACHADO). No Brasil houve um aumento de implantação de clínicas especializadas em
reprodução humana. As Sociedades Brasileiras de Reprodução Assistida (SBRA) e de
Reprodução Humana (SBRH) constataram que em menos de cinco anos, o número dobrou. Hoje,
são cerca de 200 (NUNOMURA, 2009).
47
4.1 Conceitos
A procriação artificial provocou a transposição da reprodução humana, que
originalmente estava restrita à intimidade do casal, para um ambiente de ampla participação, pois
os gametas passam a ser tratados fora do corpo humano.
Essas técnicas têm o escopo de prestar auxílio na solução dos problemas de infertilidade
humana, visando facilitar o processo de reprodução. Quanto à existência de técnicas laboratoriais
de reprodução humana medicamente assistida, Maria Helena Diniz considera:
Essa nova técnica para criação de ser humano em laboratório, mediante a
manipulação dos componentes genéticos da fecundação, com o escopo de
satisfazer o direito à descendência, o desejo de procriar de determinados casais
estéreis e a vontade de fazer nascer homens no momento em que se quiser e
com os caracteres que se pretende, tendo em vista a perpetuação da espécie
humana, entusiasmou a embriologia e a engenharia genética, constituindo um
grande desafio para o direito e para a ciência jurídica [...] (DINIZ, 2009, P.
544).
É importante destacar que as principais técnicas de Fertilização Medicamente Assistida
podem ser classificadas, de acordo com a procedência dos gametas, segundo Maria Helena Diniz,
em:
a) Inseminação homóloga - praticada na esposa ou convivente, com o sêmen do marido
ou convivente, no decorrer da vida deste ou após sua morte (AIH – Artificial Insemination by
Husband) “em regra, a inseminação homóloga não fere princípios jurídicos, embora possa
acarretar problemas éticojurídicos, apesar de ter o filho os componentes genéticos do marido
(companheiro) e da mulher (companheira)” (DINIZ, 2009, p. 544-549).
Dependerão sempre da anuência expressa dos interessados a coleta e a utilização do
material genético, uma vez que têm propriedade das partes destacadas de seu corpo - sêmen e
óvulo; dessa autorização dependerá também, por analogia, o compromisso consciente da criação
e educação do filho que, nos processos de Reprodução Humana Assistida - RHA, não poderá ser
considerado como simples meio de realização de um desejo íntimo, mas um fim em si mesmo,
pois o sujeito primário desse processo científico deverá ser a criança que nascerá. Diniz aponta
também que, se ausente a expressa declaração da vontade do cônjuge na RHA, nada impedirá
48
que, por exemplo, o marido possa alegar exceptio plurium concumbentium, ou seja, adultério da
mulher, por meio de exame do DNA que venha a provar que não é o pai, pois há possibilidade de
ocorrer uma simulação entre a mulher e o médico para uso de sêmen de terceiro sem o devido
consentimento do marido (companheiro).
Outras questões levantadas por Diniz dizem respeito: ao meio utilizado para se conseguir
o sêmen, que se espera seja lícito; à não utilização de qualquer tipo de violência contra a mulher,
seja por coação, por processo de maliciosa provocação, por dolo de aproveitamento por parte do
marido que a faz pensar que se trata de inseminação homóloga enquanto é heteróloga, além de
outras questões passíveis de acontecer. Ocorrida qualquer farsa nesse campo poderá haver
denúncia de injúria grave e até mesmo de estupro científico para pleitear o aborto legal
(DINIZ, 2009, p. 551).
b) Inseminação heteróloga - ocorre durante o matrimônio ou a união estável, feita em
mulher casada ou convivente, com esperma de terceiro (AID - Artificial Insemination by Donor)
(DINIZ, 2009, p.544).
Junges in Oliveira Almeida nos apresenta a fecundação heteróloga como “aquela que
dissocia a maternidade da paternidade”, isso certamente trará consequências quanto à definição
de filiação, e aponta que poderão existir três tipos de mães: a mãe genética, ou seja, aquela
responsável pelo gameta; a mãe gestacional, que é aquela responsável pela gestação, tenha
colaborado ou não com seu óvulo, neste último caso sendo chamada barriga de aluguel; e mãe
social, cuja educação é de sua responsabilidade. Observa também que poderá haver dois tipos de
pai: o genético e o social (JUNGES, apud OLIVEIRA ALMEIDA, UFJF).
No que tange esta modalidade de RHA, os comprometimentos jurídicos e morais são bem
mais abrangentes e em maior número, e como exemplos é possível citar: o desequilíbrio da
estrutura básica do matrimônio, por suposta contrariedade ao pressuposto biológico da
concepção; causas de infidelidade na procriação; arrependimento do doador ou do receptor,
causando infanticídio, rejeição, abandono ou maus tratos; separação do casal pelas divergências
de opiniões a respeito; paternidade incerta causada pelo dever de segredo do médico e pelo
anonimato do doador do sêmen ou, contrariamente, poderá haver o conflito de paternidade, pois a
criança terá dois pais, um jurídico e outro genético (DINIZ, 2009, p. 549-558).
49
4.2 Técnicas de Reprodução Assistida - TRA
As técnicas mais difundidas de reprodução humana medicamente assistida são:
4.2.1 Coito Programado
Trata-se de método de fecundação in vivo. É o método utilizado quando não foi detectado
qualquer problema físico; utiliza-se investigação sobre qual é o melhor momento para a
realização do ato sexual, através do acompanhamento do ciclo menstrual, objetivando-se
identificar o período de maior fertilidade da mulher (OLIVEIRA ALMEIDA, UFJF).
4.2.2 Inseminação Artificial – IA
O termo inseminação provém da junção dos termos latinos in – dentro e sêmen – semente.
Ocorre pela colocação do sêmen do marido ou companheiro (fecundação homóloga) ou de outro
doador (fecundação heteróloga) no interior do trato genital feminino, onde ocorrerá a fecundação
do óvulo. É método de fecundação in vivo (OLIVEIRA ALMEIDA, UFJF).
4.2.3 Inseminação Intra-Uterina – IIU
Ocorre pela estimulação hormonal para se obter de 1 a 4 óvulos que serão submetidos à
técnica de fertilização in vivo. O sêmen será colhido e passará por um processo de preparo e
aperfeiçoamento em laboratório. A inseminação será realizada com os espermatozoides
selecionados (melhores) que serão colocados no útero por meio de um cateter. Obtém-se melhor
resultado quando o processo é realizado no período de pico da ovulação feminina, pois a
concepção deverá ocorrer dentro das trompas, de forma natural (OLIVEIRA ALMEIDA, UFJF).
4.2.4 Transferência Intratubária de Gametas – GIFT
Trata-se também de método de fecundação in vivo. Nesse processo de fertilização
medicamente assistida, os espermatozoides e os ovócitos, colhidos previamente, são transferidos
50
para o interior da região ampolar da tuba uterina, através de um cateter, local onde se dará a
fusão. Foi o argentino Ricardo Asch, em 1984, quem iniciou a utilização desse processo em seres
humanos, como uma alternativa à fertilização in vitro (OLIVEIRA ALMEIDA, UFJF).
4.2.5 Transferência Intratubária de Zigotos – ZIFT
Refere-se à técnica de fertilização in vitro. É realizada a estimulação da maturação de
óvulos da mulher mediante tratamento hormonal, faz-se a pulsão de alguns para fora do corpo,
para que sejam manipulados numa placa de petri (não em uma proveta como se crê
popularmente). Esse material é exposto a milhares de espermatozóides, para que ocorra a
fecundação, forma-se o pró-núcleo masculino e feminino e estas células se dividem, após o que
os zigotos são transferidos para o interior da tuba (trompas uterinas). Essa colocação denomina-se
Zygote Intrafallopian Transfer – ZITF (MANO, 2008).
4.2.6 Fertilização In Vitro seguida de Transferência de Embriões – FIV
É método de fecundação in vitro, conhecido popularmente como bebê de proveta.
Assemelha-se ao método ZITF; contudo, naquele, o médico, em laboratório, vai criar condições
necessárias para que ocorram a fecundação e as primeiras etapas do desenvolvimento
embrionário, pois o zigoto será incubado in vitro, até sua segmentação em 02 até 08 células
(MANO, 2008). Conforme explica Maria Helena Machado:
O processo de incubação se dá em um novo tubo de cultura, chama-se “cultura
de crescimento”, em minúsculas provetas de plástico e desprovido de
espermatozóides. Nesse novo ambiente, o ovo fecundado permanece na mesma
temperatura, luz e condições, pelo prazo de 48 horas desde a punção folicular, e
então, realiza-se a transferência embrionária (MACHADO, 2009, p. 45).
Este método requer maior supervisão e controle por parte do Conselho Federal de
Medicina, em virtude da possibilidade de gestações múltiplas, que cada vez se tornaram mais
frequentes. Em virtude desse fato, no início da utilização da técnica de fertilização in vitro
51
seguida de transferência de embriões, ocorreu, como afirma Maria Helena Machado, um
verdadeiro
[...] assassinato de fetos em massa. É como pode-se classificar a atitude dos
médicos que implantavam até dez embriões no útero. A fim de resolverem o
problema de excesso, os especialistas em medicina fetal localizavam no útero,
os embriões ou fetos e através de uma injeção de cloreto de potássio no
coração, matavam três dos cinco, ou quatro dos seis fetos (MACHADO, 2009,
p.43).
Com a finalidade de controlar a ocorrência de gravidez múltipla, criou-se determinação
mundialmente reconhecida quanto à limitação de números de embriões a serem transferidos. A
Organização Mundial de Saúde (OMS) denunciou os acontecimentos decorrentes dessa prática,
que possibilitava o nascimento de bebês muito abaixo do peso e com limitada capacidade de
sobrevivência. Dessa maneira, as atuais legislações pertinentes ao assunto delimitaram entre três
e quatro o número permitido de embriões a serem transferidos para o útero materno.
4.2.7 Injeção Intracitoplasmática de Espermatozóide - ICSI
Trata-se
de
técnica
de
micromanipulação
e
constitui-se
na
inseminação
intracitoplasmática, que é a inserção in vitro de um único espermatozoide diretamente dentro do
citoplasma do óvulo, através de uma agulha. Essa técnica foi aperfeiçoada na Bélgica e
corresponde ao resultado de importante avanço das pesquisas biotecnológicas realizadas no
campo da reprodução assistida, hoje sendo responsável pelo aumento de até 25% nas chances de
sucesso na gravidez. A técnica é utilizada principalmente para os casos de infertilidade masculina
causada por hipofertilidade (considerada irreversível) e ofereceu aos homens que praticamente
não produzem espermatozóides a chance de se tornarem pais biológicos.
A técnica reprodutiva por ICSI – Intra Cytoplasmatic Sperm Injection foi pioneiramente
utilizada na América Latina, em março de 1997, pelo médico brasileiro Franco Junior, em
Ribeirão Preto-SP, quando então houve a inseminação que resultou na gravidez da jornalista
Fátima Bernardes, inseminada com o sêmen de seu marido Willian Bonner. Naquela ocasião,
52
quatro óvulos foram fertilizados; destes, três se fixaram no útero, e em 21 de outubro de 1997
nasceram os trigêmeos (MACHADO, 2009, p.47-48).
4.2.8 Outras formas de utilização da FIVETE (FIV)
Perante a tecnologia de ponta desenvolvida na ciência reprodutiva, possibilitou-se a
utilização de várias técnicas de reprodução humana. A Fivete permite a realização de inúmeras
combinações. Sendo assim, a família social da criança nascida pelo método medicamente
assistido poderá englobar o casal (pai e mãe), um só ou nenhum dos genitores. A manipulação da
Fivete fora do corpo humano permite que o ovo seja modificado através de transferência ou
adição de gene, alterando a identidade cromossômica do embrião antes de sua transferência para
o útero; esse procedimento dará oportunidade de seleção entre os ovos, que constitui prática não
autorizada pela legislação atual. Sobre este aspecto, assim comenta Maria Helena Machado:
A grave questão ética e jurídica diz respeito à alteração dos genes nas
células germinais. A alteração do patrimônio genético de um gameta se integra
com um novo código na descendência, provocando a troca genética irreversível
para as sucessivas gerações de descendentes. Esses experimentos são realizados
com embriões vivos, o que causa maior indignação nos meios éticos e jurídicos
(MACHADO, 2009, p. 59).
Com a Fivete vislumbra-se no meio científico a fecundação de um óvulo por outro óvulo;
a autoprocriação; gestação entre animais de espécies diferentes; animal transgênico; clone
humano; implantação de embrião em útero de mulher em estado vegetativo, entre outros
procedimentos pertencentes à cadeia de horrores possíveis por meio desse processo, como
demonstra Elida Sá in Machado: “Essa possibilidade fere a dignidade humana pela
instrumentalização e coisificação do homem sendo contrária aos princípios que regem os direitos
humanos”. Sendo assim, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) resolveu
proibir atividades com humanos, tanto em relação à manipulação genética de células germinais
como a qualquer experimento de clonagem, pelo art. 2º da Instrução Normativa nº. 08 de 09 de
julho de 1997. A proteção ao embrião e a restrição das referidas práticas estão orientadas pela Lei
8.974/95 pelos arts. 8º, II, III, IV e 13, que visam vedar: a) manipulação genética de células
germinais humanas; b) intervenção em material genético humano in vivo, salvo para o tratamento
de defeitos genéticos; c) produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos
53
destinados a servir de material biológico disponível, como também, considera tais atos
criminosos, com previsão de punição severa (MACHADO, 2009, p. 65).
É preciso alerta diante de todas as possibilidades que possam causar perversidades contra
a raça humana, sobretudo quando mascaradas pelo escudo do aperfeiçoamento e bem-estar da
espécie; por isso, cada vez mais, os profissionais que se utilizam das mais variadas técnicas de
fertilização assistida e que consequentemente se favorecem dos avanços alcançados pela ciência
médica, anseiam pela regularização positiva dos pontos fundamentais da questão, sob as garantias
e direitos do homem quanto ao nascer e viver. Como destaca Antonio Meneghetti in Maria
Helena Machado, “tudo o que é uma contribuição à melhoria do homem deve ser feito, mas é
preciso proceder com muita cautela porque, se variarmos a natureza do homem para pior, é um
ato impuro, antes de tudo contra nós mesmos e, depois, contra o humano”.
54
5 A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA E O ORDENAMENTO
JURÍDIDICO BRASILEIRO
Nenhum homem é uma ilha completa em si: cada um é um
pedaço de continente, uma parte da terra. Se um torrão é tirado
pela onda do mar, a Europa fica diminuída. [...] Cada morte
humana me diminui porque participa da humanidade. Assim,
não mande jamais perguntar por quem toca o sino: ele toca por
você.
JOHN DONNE
5.1 Abordagem Constitucional
5.1.1 O Estado Democrático de Direito e o Princípio da Dignidade Humana
O Estado Democrático moderno nasceu das lutas contra o absolutismo, sobretudo pela
afirmação dos direitos naturais da pessoa humana. Os três grandes movimentos político-sociais
que ultrapassaram o plano teórico e materializaram a democracia foram: a Revolução Inglesa –
Bill of Rights, 1689; a Revolução Americana – Declaração de Independência das treze colônias
americanas, 1776; e a Revolução Francesa – Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
1789. O Prof. Dalmo de Abreu Dallari (2005, p.149) considera que as frases iniciais da
Declaração de Independência de 1776 formam uma síntese perfeita dessas influências, que assim
proclamam:
Consideramos verdades evidentes por si mesmas que todos os homens são
criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis,
entre os quais a Vida, a Liberdade e a procura da Felicidade; que para proteger
tais direitos são instituídos os governos entre os Homens, emanando seus justos
poderes dos consentimentos dos governados. Que sempre que uma forma de
governo se torna destrutiva, é Direito do Povo alterá-la ou aboli-la e instituir um
novo governo, fundamentado em princípios e organizando seus poderes da
forma que lhe parecer mais capaz de proporcionar segurança e Felicidade (Apud
DALLARI, 2005, p. 149).
55
O Estado Democrático é o ideal supremo, destarte é comum os governos, em geral,
admitirem que sejam democráticos, inclusive aqueles que ferem os princípios norteadores da
democracia. O Estado Democrático de Direito é regido por princípios que atendam: a) a
supremacia da vontade popular; b) a preservação da liberdade; c) a igualdade de direitos.
A Constituição Cidadã Brasileira de 1988 consagrou a fórmula do Estado Democrático de
Direito para nossa nação, efetivando a participação popular no processo político, cujos direitos
humanos passam a ser resguardados constitucionalmente.
A dignidade da pessoa humana é o fundamento do Estado Democrático de Direito e está
localizada no núcleo (parte essencial) do ordenamento jurídico, e assim dispõe: “CF, art. 1º A
República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III
– a dignidade da pessoa humana”.
Conforme a doutrina de Alexandre de Moraes in Eduardo Rala:
A dignidade da pessoa humana: concede unidade aos direitos e
garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse
fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de
Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor
espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na
autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a
pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo
invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente
excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos
fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem
todas as pessoas enquanto seres humanos (ALEXANDRE DE MORAES, 2002,
p. 50, apud RALA, 2004).
Qualquer Estado ou sociedade estarão condenados ao desvalor e ao descrédito, se houver
prevalência dos avanços científicos e tecnológicos sobre a dignidade humana.
Nesse sentido, nos ensina Gebler in Diniz que:
[...] o Direito deve aceitar as descobertas científicas cuja utilização não se
demonstre contrária à natureza do homem e de sua dignidade. O Direito como a
56
biologia, parte a observação dos fatos. Devem ignorar as ciências tudo que
estiver em detrimento do homem (GEBLER apud DINIZ, 2009, p. 16).
Afirma também a autora que a ciência deve servir de auxílio para a vida do homem, pois
considera que nem tudo que é cientificamente possível é moral e juridicamente admissível,
contudo o conhecimento deve servir à humanidade. Em reconhecimento a este princípio
fundamental do ser humano, é inadiável que se estabeleçam limites à atuação das ciências
médicas, para que o homem seja respeitado em todas as suas fases evolutivas - antes de nascer,
no nascimento, no viver, no sofrer e no morrer (DINIZ, 2009, p. 17).
As nações, em geral, já contemplam em seus ordenamentos jurídicos o Princípio da
Dignidade Humana no que se refere ao progresso biotecnológico; sendo assim, o art. 6º da
Declaração sobre a utilização do Progresso Científico e Tecnológico no Interesse da Paz em
Benefício da Humanidade, realizada pela ONU em 1975, prioriza que todos os Estados adotarão
medidas tendentes a proporcionar para os interessados o acesso ao desenvolvimento tecnológico,
assim como protegê-los, tanto nos aspectos sociais como materiais, de quaisquer efeitos
negativos pelo uso indevido do progresso científico e tecnológico e da utilização que possa
comprometer os direitos individuais e sociais, sobretudo no que toca o respeito à vida privada e à
proteção da pessoa humana e de sua integridade física e intelectual.
Todo ato que culmine com a descaracterização da pessoa humana como sujeito de
Direitos e que posicione o homem como meio e não como um fim em si mesmo estará
desrespeitando a dignidade humana.
Pimentel ressalta que é inequívoco, uma vez que expresso está no texto constitucional que
a dignidade humana é fundamento da República Federativa do Brasil, e que o Estado deve
empregar seus esforços para consagrá-la plenamente; assim sendo, o legislador agora é
prisioneiro da declaração constitucional que se eleva a princípio, pois será inconstitucional a
norma legal que não resguarde o respeito à dignidade humana, assim como será exigido dos
juízes, diante do fato concreto, que inspirem suas decisões no princípio gravado na Carta Magna,
por ser representação legítima de valor axiológico contemplado pela sociedade.
5.1.2 Inviolabilidade Constitucional do Direito à Vida
57
Sem a vida nada terá sentido, pois ela tem prioridade sobre as demais coisas. Como nos
ensina Diniz, o Direito à vida prevalecerá sobre qualquer outro; havendo conflito entre dois ou
mais princípios, em consequência haverá de se considerar a primazia do princípio de maior
relevância e densidade. Sob este foco, Maria Zoê Espindola aponta:
A adequada aplicação dos princípios no caso concreto, sempre dependerá
da opção de valores que se pretende realizar, já que “os princípios fornecem
indicações gerais de comportamento, mas é o valor ético do bem da pessoa
como fim último a ser atingido que confere o sentido último da ação”. Por isso,
deve-se entender que nem todos os princípios fundamentais são validos apenas
prima facie: o princípio bioético da não-maleficência, por exemplo, jamais
poderá ser afastado no caso concreto, constituindo sempre um dever
fundamental prioritário. Da mesma forma, jamais poderá ser restringido o
principio biojurídico da dignidade da pessoa humana (ESPINDOLA, 2006).
A Convenção Americana dos Direitos Humanos determina a proteção do Direito à vida,
em geral; desde a concepção, a vida deve receber proteção legal (Pacto de San José da Costa
Rica, Capítulo II – Art. 4º, § 1º). A Constituição Federal Brasileira atribuiu à vida o status de
direito fundamental. Todos os demais direitos estão condicionados ao direito à vida, que é
essencial ao ser humano; a vida é um bem jurídico tutelado desde a concepção, por se tratar do
momento biologicamente específico da formação da pessoa.
O art. 5º caput da CF/88, como cláusula pétrea que é, assegura a inviolabilidade desse
direito como garantia da existência humana que decorre do Direito Natural. O respeito à vida e
aos demais bens e direitos correlatos advêm, como afirma Diniz, de um dever absoluto erga
omnes, ao qual a ninguém é lícito desobedecer. É ilegítima qualquer conduta que torne vulnerável
ou coloque em risco a vida humana, pois esta contém valor absoluto. Pela tutela constitucional
que abrange a inviolabilidade dos direitos à vida e à saúde, não serão admitidos o aborto, a pena
de morte, a discriminação das pessoas deficientes, a eugenia negativa, a tortura, o tratamento
degradante e os experimentos científicos ou as terapias que rebaixem a dignidade humana
(CF/88: art. 1º inciso III; art. 5º caput, incisos III e XLVII; arts. 194 e 196; art. 3º inciso IV; art.
203 inciso IV; e art. 227, § 1º inciso II).
A Carta Magna consagrou a inviolabilidade desse direito, que está inserido no respectivo
Direito Natural de Viver, e lhe dá garantias de proteção contra a violência dos mais fortes, uma
58
vez que a “igualdade de todos os seres humanos coloca-se à luz de suas desigualdades” (MARIA
CLAUDIA CHAVES, 2004).
A autora destaca que, ao se referir pelo direito à vida, o beneficiário será o próprio sujeito
do direito. O ser humano é, ao mesmo tempo, sujeito do direito à vida e objeto desse mesmo
direito. Portanto, um homem não é direito de outro. Ives Gandra Martins in Chaves lembra:
O direito à vida, talvez, mais do que qualquer outro, impõe o
reconhecimento do Estado para que seja protegido e, principalmente, o direito à
vida do insuficiente. Como os pais protegem a vida de seus filhos após o
nascimento, os quais não teriam condições de viver sem tal proteção a sua
fraqueza, e assim agem por imperativo natural, o Estado deve proteger a vida
do mais fraco a partir da teoria do suprimento. Por essa razão, o aborto e a
eutanásia são violações ao direito natural à vida, principalmente porque
exercidos contra insuficientes. No primeiro caso, sem que o insuficiente possa
se defender (GANDRA MARTINS apud CHAVES, 2004).
A proteção da vida humana sobre a qual leciona a Constituição Federal de 1988 abrange o
direito à dignidade da pessoa humana, o direito à privacidade, à integridade física e moral e,
sobretudo, o direito de existir em seus múltiplos aspectos – físico, psíquico e espiritual.
É possível estabelecer uma diferente maneira de conceber o mundo, o ser, a vida, o
outro. A filosofia nos reporta à necessidade de dispensar atenção, não apenas ao limite do poder
do homem de transformar a realidade, mas sobretudo ao concreto da pessoa, em particular aos
aspectos relativos da vida e não só de manipulação de nossa relação com o mundo, mas de
abertura ao outro, sem capturá-lo no domínio de sua totalidade.
5.2 Aspectos Jurídicos Abordados pelo Direito Civil
Sem que houvessem ocorrido os avanços científicos a que assistimos nas últimas décadas,
a concepção se daria de forma natural dentro no útero da mulher e não haveria dúvidas sobre o
momento da concepção e o consequente começo da vida humana. Porém, hoje vivenciamos uma
nova realidade que se apresenta com o surgimento das técnicas de reprodução humana assistida,
especialmente aquelas em que a fertilização ocorre pelo manuseio dos gametas fora do ventre
materno.
59
As teorias jurídico-biológicas que tratam do momento em que se deva considerar o início
da personalidade jurídica do embrião com os fundamentos biológicos são:
a) Com a fecundação do óvulo pelo espermatozoide no interior do ventre materno ou no
momento da fecundação feita in vitro; para a Maria Helena Diniz a concepção ocorre quando o
espermatozoide penetra o óvulo, fora ou no interior no útero materno, pois nesse exato momento
surge uma vida nova e diferente daquelas que lhe deram a origem (genitores); passa o embrião, a
partir desse momento, a ser titular de um patrimônio genético único. O Professor de genética
fundamental Jérôme Lejeune, in Diniz, observa:
Cada ser humano tem um começo único, que ocorre no momento da concepção.
‘Embrião: ... Essa a mais jovem força do ser...’ Pré-embrião: essa palavra não existe.
Não há possibilidade de uma subclasse de embrião a ser chamada de pré-embrião,
porque nada existe antes do embrião; antes de um embrião existe apenas óvulo e
esperma; quando o óvulo é fertilizado pelo espermatozóide a entidade assim
constituída se transforma em um zigoto; e quando o zigoto se subdivide torna-se
embrião. Desde a existência da primeira célula todos os elementos individualizados
(tricks of the trade) para transformá-lo num ser humano já estão presentes. Logo após
a fertilização, o estágio de três células, um ‘pequeno ser humano já existe’. Quando o
óvulo é fertilizado pelo espermatozóide, o resultado disso é ‘a mais especializada das
células sob o sol’; especializada do ponto de vista de que nenhuma outra célula
jamais terá as mesmas instruções na vida do indivíduo que está sendo criado.
Nenhum cientista jamais opinou no sentido de que um embrião seja um bem
(property). No momento em que é concebido, um homem é um homem (JÉRÔME
LEJEUNE apud DINIZ, 2009, p. 478-479).
b) Com a nidação do zigoto ou ovo por ocasião da implantação ou fixação do óvulo
fecundado na parede no útero materno, por ser este o único meio possível para seu
desenvolvimento. Com isso, sua viabilidade estaria garantida, num estágio de sobrevida. Esse
caso trata especificamente da fertilização in vitro, ou seja, fecundação medicamente assistida fora
do ventre materno (na fertilização in vivo a fecundação e a nidação ocorrem respectivamente de
maneira natural), e ressalta a autora que a gravidez é elemento essencial para a configuração da
viabilidade do embrião (CHIVELLATO, apud CHAVES, 2000).
Neste sentido, citamos o que demonstrou Delton Croce em suas lições, a seguir:
60
Indaga-se se os pré-embriões criopreservados, que aguardam ser nidados
no endométrio uterino, fariam jus à pensão alimentícia ou à sucessão
patrimonial. Reconhecendo, embora, que os pré-embriões ou pré-nascituros são
pessoas in fieri, pois já dotados de carga genética própria, plenamente
diferenciada, somos pela negativa, posto entendermos por gravidez o estágio
fisiológico da mulher que concebeu, durante o qual ela traz em suas entranhas e
alimenta, o produto da concepção. E, na hipótese vertente, inobstante existir
fecundação, não há gestação propriamente dita, pois o ovo não nidou no
endométrio receptor, permanecendo quiescente, ausentes a circulação
intervilositária, a circulação fetoplacentária etc. (CROCE DELTON, 1.998, p.
427).
c) A partir do 15º dia após a fecundação (in vitro ou in vivo), ou seja, ocorrendo a
formação do sistema nervoso central do embrião, com a consequente individualização do
embrião. É a teoria que fornece suporte para basilar as experiências genéticas cuja finalidade é o
tratamento de patologias com as células tronco embrionárias.
Contudo, Casabona in Marinho critica a utilização de caráter apenas biológico para definir
quando começa a vida. Nesse entender, deve-se estabelecer um critério de valor para cada
situação biológica, pois somente assim serão identificados os valores determinantes para a
questão. No mundo jurídico é primordial que haja especificação sobre em qual momento começa
a vida humana, pois esta definição servirá de parâmetro para estipular os direitos pertencentes ao
embrião. Destarte, os doutrinadores jurídicos definiram teorias sobre o início da vida humana e a
natureza do nascituro, e sobre elas passamos a estudar.
5.2.1 Teorias sobre a Natureza do Embrião
A primeira teoria que trata da natureza jurídica do embrião emerge da doutrina tradicional
e sustenta ser esta a escolhida pelo direito positivo – se referindo à Teoria Natalista. Nesta
teoria, o nascituro não é considerado pessoa, embora receba proteção legal. O marco para a
existência da personalidade é o nascimento com vida.
A segunda teoria a ser considerada é a Teoria Concepcionista, propriamente dita,
defendendo que a personalidade começa desde o momento da concepção, quando então o
embrião já é considerado pessoa - detentor de interesses que devem ser protegidos e
assegurados por lei. Porém, surge a possibilidade de se considerar um estado condicional ou
61
resolutivo para a existência da eficácia desses direitos. Foi justamente esta possibilidade que
desencadeou uma divergência doutrinária em torno da natureza do embrião, fazendo surgir então
a teoria denominada Teoria da Personalidade Condicional ou Teoria Concepcionista
Imprópria, que, apesar de assegurar o momento da concepção como referência para o instituto
da personalidade, reconhece que este depende do nascimento com vida para sua plenitude. Nesta
teoria os direitos adquiridos desde a concepção ficarão subordinados ao evento futuro e certo do
nascimento com vida, portanto possuem condição suspensiva.
Maria Helena Diniz afirma que a personalidade do nascituro não é condicional, porque
apenas os direitos patrimoniais materiais dependem do nascimento com vida, que é o elemento do
negócio jurídico para eficácia e aperfeiçoamento total. Os casos de condição suspensiva ou
resolutiva estão previstos no art. 130 do Código Civil que permite ao titular de direito eventual
praticar atos destinados a conservar o direito futuro e eventual.
Em análise sobre a natureza do embrião, encontramos interpretações doutrinárias
divergentes no âmbito jurídico-científico; contudo, a que se apresenta mais bem definida, em
nosso entender, é aquela adotada por Silmara Chinelato, como segue:
Considerando a não taxatividade do art. 2º, a previsão expressa de direitos e
status ao nascituro, bem como o conceito de personalidade, sustento que o
Código Civil filia-se à corrente concepcionista que os reconhece, desde a
concepção, como já ocorria no Direito Romano. Não me parece adotar a
corrente natalista, prevista apenas na primeira parte do artigo e que não se
sustenta em interpretação sistemática. Nem é correto afirmar que se adota a
corrente da personalidade condicional, pois os direitos não patrimoniais,
incluindo os direitos da personalidade, não dependem do nascimento com vida,
e, antes, a eles visam (CHINELLATO, 2009, p. 29).
Vale destacar também a exposição de Chinellato sobre a Teoria Concepcionista, que
assim define:
O nascimento com vida apenas consolida o direito patrimonial, aperfeiçoandoo. O nascimento sem vida atua, para a adoção e herança, como condição
resolutiva, problema que não se coloca em se tratando de direitos não
patrimoniais. De grande relevância, os direitos da personalidade do nascituro,
abarcados pela revisão não taxativa do artigo 2º. Entre estes, avulta o direito à
vida, à integridade física, à honra e à imagem, desenvolvendo-se cada vez mais
a indenização de danos pré-natais, entre nós com impulso maior depois dos
62
Estudos de Bioética (CHINELLATO, 2007, p. 46, apud OLIVEIRA
ALMEIDA).
Em geral, a legislação vigente incorpora a idéia da proteção ao ser humano já concebido,
visto que este não se confunde com prole eventual, pois ele já está concebido, enquanto que
aquela poderá jamais sê-lo.
5.2.2 Personalidade e Capacidade Jurídica do Embrião
Segundo Kelsen, pessoa é a personificação da unidade de um complexo de direitos e
deveres. Para ele, pessoa não é um indivíduo ou uma comunidade de pessoas, mas a unidade
personificada das normas que lhe impõem deveres e lhe conferem direitos; assim sendo, pessoa é
uma construção da ciência do direito.
A personalidade é um conceito básico da ordem jurídica, que se estende a todos os
homens e está consagrada no direito constitucional da vida, entre outros.
Desde o desenrolar da antiga Roma, passando pela Grécia, pelo advento do Cristianismo
em seu conceito implícito de fraternidade e, logo após, já no decorrer da era Medieval, o entender
humano trouxe, embora acanhadamente, alguns conceitos sobre Direito e personalidade. Com o
estopim das grandes guerras mundiais e a Declaração dos Direitos do Homem, em 1789, passa-se
a valorizar a defesa dos direitos individuais e do ser humano. Finalmente há uma tomada de
consciência humana em relação ao instituto jurídico da personalidade que vem a ser resguardado
pela Assembléia Geral da ONU em 1948, pela Convenção Européia de 1950 e nos demais Pactos
Internacionais das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos. Embora contemplados
constitucionalmente pelos Estados, o instituto ainda se encontrava tímido no que se refere aos
direitos da personalidade na esfera privada. Somente ao final do século XX, com a construção
dos conceitos morais e jurídicos sobre a dignidade da pessoa humana, é que se começa a
constituir um efetivo corolário jurídico de proteção e reconhecimento da personalidade.
Esse reconhecimento surge em dupla dimensão: uma axiológica, para se materializar os
valores fundamentais e outra objetiva, cuja finalidade prevê uma restrição nas atividades dos três
poderes, com o objetivo de proteger o instituto contra qualquer abuso que possa existir ou advir
dos processos tecnológicos.
63
Conforme apontado por Goffredo Telles Jr., citado por Maria Helena Diniz:
A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar
que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apóia os
direitos e os deveres que dele irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da
pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que
é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra.
(...) Os direitos da personalidade são direitos comuns da existência, porque são
simples permissões dadas pela norma jurídica, a cada pessoa, de defender o que
a natureza lhe deu, de maneira primordial e direta. A vida humana p.ex. é um
bem anterior ao direito, e a ordem jurídica deve respeitar. A vida não é uma
concessão jurídico-estatal, nem tampouco um direito a uma pessoa sobre si
mesma. Na verdade o direito à vida é o direito ao respeito à vida do próprio
titular e de todos. Logo, os direitos da personalidade são direitos subjetivos
‘excludendi alios’, ou seja, direitos de exigir um comportamento negativo dos
outros, protegendo um bem inato, valendo-se de ação judicial (GOFFREDO
TELLES JR. Apud DINIZ, 2009).
5.2.2.1 Características dos Direitos da Personalidade
Os direitos da personalidade possuem características que fazem com que sejam
considerados:
a) Absolutos, pois estão oponíveis erga omnes.
b) Extrapatrimoniais, não suscetíveis à aferição econômica.
c) Intransmissíveis, por serem inseparáveis de seu titular, ninguém sendo autorizado a
usufruir ou dispor em nome de outro o bem da vida, a liberdade etc.
d) Indisponíveis, embora relativamente, podendo ocorrer disposição em prol do interesse
social quanto ao direito de imagem, por exemplo.
e) Irrenunciáveis, pois não ultrapassam a esfera do titular.
f) Impenhoráveis, insuscetíveis de penhora.
g) Imprescritíveis, não se extinguem nem pelo uso nem pela inércia na pretensão de
defendê-los; os direitos da personalidade são direitos próprios da pessoa e estão
resguardados em cláusula pétrea constitucional, por isso não é possível impor-lhe prazo
para sua aquisição ou defesa.
64
h) Necessários e inexpropriáveis, por se tratarem de direitos inatos e adquiridos no
momento da concepção e dizerem respeito à qualidade de humano, não podendo ser
retirados.
i) Vitalícios, por serem indispensáveis enquanto há vida, somente terminando com o óbito
do seu titular.
j) Ilimitados, pois diante das conquistas biotecnológicas e do progresso econômico-social, é
impossível precisar quais seriam os direitos da personalidade. Entretanto, o Centro de
Estudos Judiciários do Conselho de Justiça Federal possibilitou tal limitação, desde que
não seja permanente nem geral.
5.2.2.2 Classificação dos Direitos da Personalidade
Os Direitos da Personalidade são classificados, quanto aos seus aspectos fundamentais, da
seguinte maneira:
 Direito à integridade física:
a) Direito à vida: à concepção e à descendência; ao nascimento; ao aleitamento; ao
planejamento familiar; à proteção do menor; à alimentação; à habitação; à educação; ao
trabalho; ao transporte adequado; à segurança física; ao aspecto físico da estética humana;
à proteção médica e hospitalar; ao meio ambiente ecológico; ao sossego; ao lazer; ao
desenvolvimento vocacional profissional; ao desenvolvimento vocacional artístico; à
liberdade; ao prolongamento artificial da vida; à reanimação; à velhice digna, entre
outros.
b) Direito ao corpo vivo: ao espermatozoide e ao óvulo; ao uso do útero para procriação
alheia; ao exame médico; à transfusão de sangue; à alienação de sangue; ao transplante;
relativos à experiência científica; ao transexualismo; relativos à mudança artificial do
sexo; ao débito conjugal; à liberdade física; ao “passe” esportivo, entre outros.
c) Direito ao corpo morto: ao sepulcro; à cremação; à utilização científica; relativos ao
transplante; ao culto religioso.
65
 Direito à integridade intelectual:
a) Liberdade de pensamento.
b) Autoria científica, artística e literária.
c) Invenções.
d) Atividade esportiva nos espetáculos públicos.
 Direito à integridade moral
a) Liberdades civil, política e religiosa.
b) Segurança moral.
c) Honra.
d) Honorificência.
e) Recato.
f) Intimidade.
g) Imagem.
h) Aspecto moral da estética humana.
i) Segredo pessoal, doméstico, profissional, político e religioso.
j) Identidade pessoal, familiar e social.
k) Identidade sexual.
l) Nome.
m) Título.
n) Pseudônimo.
Diante dessa breve exposição sobre os direitos da personalidade é possível compreender
que se destinam a resguardar a dignidade humana. A relevância dos direitos aqui enumerados é
reconhecida pelo ordenamento jurídico de forma plena, portanto é possível, inclusive, preveremse legalmente sanções que poderão ser indicadas pelo ofendido, direta ou indiretamente, como
está disposto no art. 12 caput e parágrafo único do Código Civil, que assim dispõe:
66
Art. 12 Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, ao direito da
personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções
previstas em lei.
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para
requerer a medida prevista neste artigo, o cônjuge sobrevivente, ou qualquer
parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau (BRASIL, Código Civil
Brasileiro – Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002).
A personalidade constitui-se num instituto de proteção jurídica voltado para a preservação
da vida humana em todas as suas dimensões, inclusive é destinada para aquele que ainda está
por nascer (significado etimológico da palavra nascituro). Para uma melhor compreensão é
importante conceituar doutrinariamente o que seria o nascituro, e Silmara Chinellato in Chaves o
define como "pessoa por nascer, já concebida no ventre materno (in anima nobile), à qual são
conferidos todos os direitos compatíveis com sua condição especial de estar concebida no ventre
materno e ainda não ter sido dada à luz." Todavia, afirma a autora que, em razão do grande
avanço experimentado na Biologia e principalmente na Engenharia Genética, hoje vemos que o
conceito de nascituro é bem mais técnico. Engloba o feto, o embrião e, para alguns, o próprio
zigoto (CHINELLATO apud CHAVES, 2000).
Em razão dos novos horizontes da ciência genética, afirma Venosa que a legislação
vigente procura proteger também o embrião. É questão polêmica, pois o embrião não se apresenta
de per si como uma forma de vida sempre viável. O código põe a salvo os direitos do nascituro,
que é um ente já concebido e que poderá ser sujeito de direito no futuro, dependendo do
nascimento com vida, este caracterizado pela separação da criança das vísceras maternas, seja ela
de forma natural ou artificial, e que haja ocorrido a respiração, cuja prova inequívoca pertence à
medicina. Todavia, não se trata de direito eventual, ou seja, um direito em mera situação de
potencialidade ou de formação, como para quem nem ainda foi concebido. Por isso, reforça
Venosa que a doutrina entende que a condição de nascituro extrapola a simples situação de
expectativa de direito. Sob o prisma do direito eventual, os direitos do nascituro ficam sob
condição suspensiva. A posição do nascituro é peculiar, pois ele possui, entre nós, um regime
protetivo tanto no Direito Civil como no Direito Penal, embora ainda não tenha todos os
requisitos da personalidade, demonstrando-se para os que defendem o concepcionismo, uma clara
manifestação legal em prol da personalidade anterior ao nascimento.
67
Destarte, nossa legislação vigente protege legalmente os direitos do nascituro desde sua
concepção, embora ainda não seja considerado pessoa. Washington de Barros Monteiro ensina
que a lei civil pátria afastou as questões relativas à viabilidade de forma humana. Se a criança
nasceu com vida, tornou-se sujeito de direito, ainda que a ciência a condene à morte pela
precariedade de sua conformação. Viável ou não, o infante reveste-se de personalidade.
No campo do direito comparado, destacam-se alguns exemplos antigos e modernos de
tutela jurídica do nascituro. Interessante, por exemplo, é a opção feita pelo Código Espanhol, que
se apega à vitae habilis, pois em seu art. 30 afirma que a personalidade só tem início se o recémnascido tiver "forma humana" e viver por 24 horas. Em certos casos não há que se falar em
nascituro ou pessoa, mas em monstro, um ser aberrante e defeituoso. Esta exigência de
"normalidade" vem sendo combatida veementemente, por criar situações absurdas (deficiente
físico sem personalidade) e não aceitar os avanços da medicina no tratamento de deformações
congênitas. Já o Código Civil Argentino, de forma extremamente progressista, afirma em seu art.
70 que a personalidade jurídica da pessoa humana se inicia com a concepção. No entanto, em
outros dispositivos deste Código, percebe-se que o legislador não concedeu plenitude à pessoa
por nascer, vinculando sua existência ao nascimento com vida. Há, portanto, a aquisição
condicional de direitos, sob a dependência do nascimento (CHAVES, 2000).
Sobre a viabilidade da forma humana para o reconhecimento da personalidade é possível
citar o entendimento do Dr. Dalton Luiz de Paula Ramos, livre-docente pela Universidade de
S.Paulo, Professsor de Bioética da USP e Membro do Núcleo Interdisciplinar de Biotética da
UNIFESP, quando acentua:
Mesmo não sendo possível distinguir nas fases iniciais os formatos
humanos, nessa nova vida se encontram todas as informações, que se chama
"código genético", suficientes para que o embrião saiba como fazer para se
desenvolver. Ninguém mais, mesmo a mãe, vai interferir nesses processos de
ampliação do novo ser. A mãe, por meio de seu corpo, vai oferecer a essa nova
vida um ambiente adequado (o útero) e os nutrientes necessários. Mas é o
embrião que administra a construção e executa a obra. Logo, o embrião não é
"da mãe"; ele tem vida própria. O embrião "está" na mãe, que o acolhe, pois o
ama. (ADIn nº. 3510 de 1993 STF).
68
Sendo assim, o nosso Código Civil também não requer a figura humana cuja condição é
exigida pelo estatuto português. Perante o CCB, qualquer criatura que provenha de uma mulher é
ente humano, sejam quais forem as anamolias ou deformidades que possam se apresentar,
igualando-se ao instituto do monstrum vel prodigium do Direito Romano.
Como diz Santoro Passarelli, in Washington de Barros Monteiro, “por efeito da instituição
do nascituro, forma-se um centro autônomo de relações jurídicas, a aguardar o nascimento do
concebido ou procriado”.
É possível conceituar o nascituro como pessoa virtual, cidadão em germe, homem in
spem. Porém, seja qual for a conceituação dada, há para o feto uma expectativa de vida humana,
uma pessoa em formação. A lei não pode ignorá-lo e, por isso, lhe salvaguarda os eventuais
direitos. Esta situação é chamada por Planiol de antecipação da personalidade. Diante dessa
afirmativa, a vida humana é colocada sob a proteção da norma constitucional desde a concepção.
O bem juridicamente tutelado é o direito à vida diante da vitalidade e da inalterabilidade
do patrimônio genético dos seres em formação e a sobrevivência da espécie humana diante da
comunidade, pois os embriões são entidades vivas da espécie humana (DINIZ, 2009, p. 480).
Para isso Maria Helena Diniz afirma:
Tem o nascituro personalidade jurídica formal, no que se refere aos direitos
personalíssimos, passando a ter personalidade jurídica material, adquirindo os
direitos patrimoniais, somente, quando do nascimento com vida. Portanto, se
nascer com vida, adquire personalidade jurídica material, mas, se tal não
ocorrer, nenhum direito patrimonial terá (DINIZ apud CHAVEZ, 2000, p. 204
).
Sobre a teoria concepcionista e consequente aquisição da personalidade do
nascituro, citamos o que ressalta a Profa. Silmara Juny Chinellato in Gonçalves:
Mesmo que ao nascituro fosse reconhecido apenas um status ou um direito,
ainda assim seria forçoso reconhecer-lhe a personalidade, porque não há direito
ou status sem sujeito, nem há sujeito de direito que tenha completa e integral
capacidade jurídica (de direito ou de fato), que se refere sempre a certos e
determinados direitos particularmente considerados. Não há meia
personalidade ou personalidade parcial. Mede-se ou quantifica-se a capacidade,
não a personalidade. Por isso se afirma que a capacidade é a medida da
69
personalidade. Esta é integral ou não existe. Com propriedade afirma Francisco
Amaral: “Pode-se ser mais ou menos capaz, mas não se pode ser mais ou menos
pessoa” (CHINELLATO apud GONÇALVES, 2007, p. 81).
Desde a concepção o embrião tem seus direitos resguardados, pois é a partir dela que
passa a existir e possuir vida orgânica a biológica própria e uma carga genética única. Sobre este
aspecto a maioria dos doutrinadores concorda. Todavia, quando se trata do momento da aquisição
da personalidade jurídica do embrião fertilizado in vitro e criopreservado, há divergências entre
os doutrinadores.
Para Maria Helena Diniz, o embrião, a partir da concepção, já tem considerada,
juridicamente, sua personalidade. A autora defende que o embrião humano adquire personalidade
na hora da concepção, seja ela in vitro ou in vivo, e afirma: “Se o embrião ou o feto, desde a
concepção, é uma pessoa humana, tem direito à vida” (2009, p. 28).
Já para a Profa. Silmara Chinellato, o começo da personalidade jurídica ocorre com a
nidação, pois a gestação tem a função de humanizar o embrião fertilizado in vitro, porque a partir
da fertilização artificial decorrem fatos inéditos como por exemplo: a existência de um hiato entre
o momento da fecundação e da gestação, que poderá ser por tempo indefinido; a existência de
embriões criopreservados (excedentes) que nunca serão utilizados para fins de reprodução. Por
essas e outras razões também entendemos que só a partir da nidação o nascituro adquire a
personalidade jurídica – fator indispensável e necessário para usufruir dos direitos relativos ao
instituto. Até o momento do nascimento, a personalidade atribuída ao embrião é considerada
juridicamente formal, reduzida ou parcial, e somente ao nascer com vida o nascituro adquire
personalidade jurídica material e plena, conforme lhe garante a Carta Magna.
A personalidade possui caráter de exterioridade e se opõe ao individualismo e ao
subjetivismo numa visão de separação entre sujeito/objeto, pois é imprescindível a identificação
da identidade.
Toda pessoa é para os outros e para o mundo antes de ser para si, pois a existência é
sempre o que pode ser, porque não está tudo feito; sendo assim, o homem excede infinitamente
o próprio homem, como apontado por Pascal.
Baseado nas lições de Mounier, Bellino entende que a pessoa não é um objeto, nem um
processo, mas está em movimento de ser para o ser, e não é consistente senão no ser para o qual
tende – a identidade é unitas multiplex, é uma identidade plural, existe para, com e pelo outro.
70
Segundo Ricoeur, “a pessoa permanece o melhor candidato para sustentar as batalhas jurídicas,
políticas, econômicas e sociais de nosso tempo. Em relação à consciência, sujeito - eu, a pessoa
conseguiu sobreviver à rage antihumaniste da cultura contemporânea (BELLINO, 1997, p.119).
Vigna in Belino (1997, p. 123) sustenta que, diante de situações problemáticas, sem
suporte científico e que desafiam nossa consciência pessoal, deve-se usar a opinio tutior (opinião
mais segura) para chegar à certeza prática. Sob esta hipótese, a Escola Positivista defende que
a personalidade decorre da lei; sendo assim, o embrião criopreservado, embora possa
usufruir das garantias que lhe são atribuídas por expressão do Código Civil e da
Constituição Federal, adquire, na verdade, mera expectativa da proteção legal, que somente
se convalidará se ele atender as condições indispensáveis para aproveitar a tutela
jurisdicional. Nesse momento é relevante abordar o julgamento da AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE - ADIN 3510 alusiva ao art. 5º da Lei 11.105/2005, em que,
por maioria, o Supremo Tribunal Federal – STF decidiu que o embrião humano fertilizado
in vitro não implantado, inviável ou criopreservado há pelo menos três anos é coisa
(material biológico) e não pessoa (sujeito de direito). Portanto, o embrião criopreservado
não é considerado pessoa para o Direito Positivo Brasileiro. Diferentemente, para a Escola
Naturalista os direitos da personalidade são inatos e inerentes ao ser humano, independendo do
que prescreve a legislação. Maria Helena Diniz considera que a lei assegura ao nascituro apenas a
titularidade dos direitos da personalidade, sem qualquer conteúdo patrimonial, pois estes estariam
sujeitos ao nascimento com vida.
Dessa forma, a Escola Naturalista considera que o nascituro é titular dos direitos da
personalidade para a completa preservação da dignidade da pessoa humana.
Nesse mesmo sentido, Silvio Rodrigues ressalta o entendimento elaborado pelo mestre
espanhol Diego Espín Canovas, em 1978, que assevera o seguinte sobre a regra constitucional:
A dignidade da pessoa, os direitos invioláveis a ela inerentes, o livre
desenvolvimento da personalidade, o respeito à lei e aos direitos dos outros,
constituem o fundamento da ordem política e da paz social. [...] O fato objetivo
é de que há prerrogativas individuais, inerentes à pessoa humana, que o
ordenamento jurídico reconhece e que a jurisprudência protege. Aliás, todos os
escritores que se ocupam da matéria, estrangeiros e nacionais, reconhecem a
existência desses direitos que merecem a proteção da lei não só contra as
71
ameaças e agressões da autoridade, como contra as ameaças e agressões de
terceiros particulares (SILVIO RODRIGUES, 2005, p. 64).
Assim, conforme proclama o art. 11 do CCB, determinando que quando os direitos
inerentes à pessoa humana saem da órbita patrimonial, tornam-se inalienáveis, intransmissíveis,
imprescritíveis e irrenunciáveis, nos ensina o Professor Silvio Rodrigues: “A preocupação da
pessoa humana contra as agressões do Poder Público é antiqüíssima e, apenas para nos
circunscrevermos aos tempos modernos, ela se reflete na Declaração dos Direitos do Homem de
1789 [...]”.
Perante essa afirmativa, é possível perceber que há evidente anseio de preservar a vida, a
liberdade e a dignidade humana.
Sendo a pessoa o volume total do homem (corpo, psique, espírito) e sendo seu estatuto
ontoaxiológico relacional, não é somente o momento biológico que confere o status de pessoa,
mas um ato de vontade explícita de um você. É no contexto das relações, no ser querido,
desejado, amado pelo outro que se personaliza o ser humano. O respeito e a dignidade são
atribuídos ao ser vivo, não por algumas peculiaridades que lhe são características, mas,
sobretudo, pelo valor atribuído por quem o ama, o deseja e com ele estabeleceu uma relação. A
perspectiva personalista responsabiliza o homem e o coloca diante do abismo de sua vontade de
reconhecer ou não o outro como pessoa. O outro me interpela e eu sei que, para que o outro possa
ser não basta que eu lhe permita uma vida apenas à subsistência biológica, mas é preciso uma
relação de acolhimento e de solidariedade (BELLINO, 1997, p.132-136).
5.2.3 Os Direitos do Nascituro
A personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida, entretanto a lei põe
a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (art. 2º CCB). Afirma Carlos Roberto
Gonçalves que o Código Civil possui um sistema de proteção ao nascituro, com as mesmas
conotações já conferidas a qualquer ser dotado de personalidade.
Contudo é mister ressaltar que, nos casos de Reprodução Humana Extracorpórea, a tutela
dos direitos inerentes ao embrião estarão sujeitos à aquisição da personalidade jurídica formal,
72
que ocorrerá com a nidação do óvulo fertilizado no útero materno. Para Silmara Chinellato,
defensora desta idéia, a personalidade do nascituro é incondicional, não dependendo de nenhum
evento subsequente, estando seus direitos personalíssimos (vida, liberdade, saúde) garantidos. No
entanto, certos efeitos de certos direitos (como os patrimoniais) dependem do nascimento com
vida. A titularidade dos direitos não seria discutida, havendo apenas incapacidade. Já em relação
aos direitos patrimoniais, o nascimento sem vida funcionaria tão só como condição resolutiva
(CHINELLATO, in CHAVES, 2000).
Assim sendo, o nascituro terá direito de possuir representação juridicamente constituída
através de nomeação de curador, se o pai falecer e a gestante não possuir o poder familiar (art.
1.779 CCB) e terá os seguintes direitos:
 Direito à vida (art. 5º caput CF/88; e Código Penal, em seus arts. 124 a 126, quando
considera crime o aborto. Neste caso, haveria uma ofensa à vida, bem jurídico do qual o
titular é o nascituro).
 Direito ao reconhecimento da personalidade civil (ar. 4º CCB).
 Legitimação de filho apenas concebido (art. 359 CCB).
 Reconhecimento da filiação anterior ao nascimento (art. 363, parágrafo único CCB).
 Direito à curatela (art. 468 CCB).
 Capacidade de pessoa já concebida, embora não nascida, de adquirir por testamento (art.
1.718 CCB).
 Ser objeto de reconhecimento voluntário de filiação (art. 1.609, parágrafo único CCB).
 Direito à identidade genética (nos casos de fertilização heteróloga); embora, conforme
aponta Diniz (2009, p. 130), lhe seja negado frente à exigência de anonimato do doador
do material genético, porém é importante destacar que este anonimato não deva ser
absoluto, para se evitar, por exemplo, o incesto. Por esta razão, existe a obrigatoriedade de
se preservar indefinidamente os registros de dados dos participantes dos programas de
reprodução assistida, e esse direito não deve se confundir com o de filiação, pensão
alimentícia etc.
73
 Direito a alimentos; destinado a uma adequada assistência pré-natal, também denominado
alimentos gravídicos, pois é destinado à gestante durante a gravidez, por força da Lei
11.804/2005.
 Direito a receber bens por doação (art. 542 CCB).
 Direito à imagem que poderá ser captada por ultrassonografia ou radiografias, e, se
publicada ou utilizada sem autorização de seus pais, poderá receber indenização se este
ato lhe causar dano (DINIZ, 2009, p. 120).
 Direito à honra; caso venha a sofrer imputação de bastardia, poderá ser indenizado
(DINIZ, 2009, p. 120).
 Direito ao Diagnóstico e adequada assistência pré-natal, pois é de responsabilidade do
médico se algum dano for causado ao feto por emprego de técnicas, tais como: ultrasonografia, ressonância magnética, radiação por raios-X, entre outros (ECA, art. 8º).
Assim sendo, contemplamos que a tutela jurídica que está resguardada ao
nascituro poderá ser invocada em seu benefício, quando ele já houver adquirido personalidade
jurídica formal, ou seja, aqueles embriões em estado de desenvolvimento gestacional no interior
do endométrio uterino, entretanto, carecendo de representação legítima para exercer seus direitos.
Nestes termos, ressalta Maria Helena Diniz o seguinte:
O nascituro tem capacidade de direito, mas não de exercício, devendo seus pais
ou, na incapacidade ou impossibilidade deles, o curador ao ventre ou ao
nascituro zelar pelos seus interesses, tomando medidas processuais em seu
favor, administrando os bens que irão pertencer-lhe, se nascer com vida,
defendendo em seu nome a posse, resguardando sua parte na herança, aceitando
doações ou pondo a salvo as suas expectativas de direito (DINIZ, 2009, p. 130).
O Código de Processo Civil em seus artigos de nºs. 877 e 878 garantem à gestante ou ao
curador a posse, em nome do nascituro, dos direitos que lhe assistirem (DINIZ, 2009, p. 131).
Destaca Costa Machado que o fato de que a investidura na posse dos direitos do nascituro referese à providência judicial, é expressão da garantia consagrada pelos arts. 2º e 1.779 do CCB, de
sorte que permite que a mãe ou o curador possa exercer todos os direitos do nascituro, inclusive
mediante a propositura de quaisquer tipos de ações (COSTA MACHADO, 2008, p. 1225-1228).
74
5.3 A Regulamentação Atual e os Projetos de Lei
5.3.1 Regulamentação Vigente sobre Reprodução Humana Assistida
Embora o art. 2º CCB estabeleça proteção e reconheça direitos ao nascituro, seguindo a
orientação já consagrada no Código Civil de 1916, há parte da doutrina afirmando que são
direitos de probabilidade, de expectativa que em breve serão deles, pois estão sujeitos ao
nascimento com vida. Contudo, entendemos que, como não há possibilidade de existirem direitos
subjetivos sem sujeito, pode-se deduzir que os direitos ora preservados pertencem ao nascituro.
Mas, afirma Pimentel que o concepto perderá esses direitos se não nascer com vida, sendo isso,
contudo, um fato futuro que não anula a personalidade, porque a morte não pode operar de forma
retroativa. E nestes termos, afirma Roberto Andorno in Pimentel:
A análise histórica permite advertir que, contra a interpretação corrente que se
tem feito das normas citadas, a ficção prevista pela lei não é a personalidade do
concebido, senão o contrário, sua falta de personalidade quando nasce morto, e
isto só para efeitos patrimoniais. É um abuso entender esta ficção de não
personalidade a outros âmbitos não previstos em lei.
[...]
O sistema jurídico não faz mais do que retomar um princípio clássico, que é
ético e jurídico de uma só vez, segundo o qual, cada vez que existam dúvidas
acerca da decisão a tomar, deve adotar-se aquela que seja mais favorável ao
sujeito em questão, especialmente, quando se trata do mais frágil. É o que
ocorre, por exemplo, no direito penal: quando não se prova a culpabilidade do
acusado de um delito, presume-se a sua inocência (in dubio pro reu). No caso
do embrião, o mesmo critério deve sustentar que, porque não se prova que
estamos diante de uma simples coisa, deve-se presumir que é uma pessoa (in
dubio pro vita, ou melhor, in dubio pro persona) (ANDORNO apud
PIMENTEL, 2009).
Nossa legislação interna ainda não possui um perfil concreto com relação à proteção do
embrião criopreservado. Como afirma Pimentel, atualmente a proteção é extraída dos princípios
de tratados internacionais, como é o caso do Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo
Congresso Nacional pelo Decreto nº. 678, de 6 de novembro de 1992, que dispõe no artigo 3º:
“Toda pessoa tem direito ao reconhecimento da sua personalidade”. Em seguida, no art. 4º, inciso
75
I acrescenta: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser
protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida
arbitrariamente”. Além disso, existem algumas normas jurídicas infralegais, embora ineficientes a
esse respeito.
O Brasil tornou-se signatário do Protocolo do Centro Internacional de Engenharia
Genética e Biologia e, em 5 de maio de 1986, pelo Decreto Legislativo nº. 76, de 29 de nov.
de 1989, o referido tratado foi aprovado. A partir desse instrumento o país comprometeu-se a
buscar medidas concretas voltadas ao desenvolvimento das áreas destinadas ao estudo do humano
e consequente aplicação dos benefícios encontrados a favor da humanidade. A partir desse
diploma, foram regulamentados os incisos II e V do § 1º do artigo 225 da CF/88, com a
finalidade de regulamentar as técnicas de engenharia genética e aproveitamento dos Organismos
Geneticamente Modificados – OGM. Isso ocorreu pela Lei nº 8.974/95 – Lei de Biotecnologia
(ora revogada), que também autorizou a criação, pelo Poder Executivo, da Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio). Contudo, em 1992, o Conselho Federal de Medicina CFM - editou a Resolução nº. 1358 preceituando Normas Técnicas para Utilização das Técnicas
de Reprodução Assistida, e esse documento legal é vigente até os dias atuais. O instrumento foi
criado para a legitimidade do anseio de se superar a infertilidade, e sobre a resolução assevera
Leocir Pessini, como segue:
A Resolução reafirma princípios bioéticos com a inviolabilidade e a nãocomercialização do corpo humano, exige a gratuidade do dom e que a prática da
doação de material reprodutivo seja anômina, devendo ser ainda respeitado o
segredo médico. Indica a necessidade de observação do chamado
‘consentimento informado’ para a participação de mulheres em programas de
FIV. Estabelece regras para diminuir a possibilidade de incesto inadvertido, por
meio de um controle do número de receptores por doação e um limite em
termos espaciais. Delimita em catorze dias o tempo máximo admissível para
desenvolvimento de um embrião fora do corpo feminino.
[...]
Assim, por exemplo, como no Brasil o abortamento é uma prática
criminalizada, não são admitidas a destruição de embriões supranumerários
nem a redução embrionária no caso de gravidez múltipla. Todo embrião
resultante da reprodução assistida tem de vir a ser, em algum momento, gestado
pela própria pessoa ou por doação, mesmo após seu congelamento [...]
(PESSINI, 2005, p. 300-301).
76
O CFM considera lícito e moral a utilização das técnicas de reprodução assistida para a
preservação e tratamento de doenças genéticas ou hereditárias, desde que perfeitamente indicadas
e com suficientes garantias de diagnóstico e terapias. A Resolução nº. 1358 determina também
que as doadoras do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o
segundo grau, e não poderá possuir caráter lucrativo ou comercial.
A Resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde são Diretrizes e Normas
Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo seres humanos e estabeleceu nove áreas temáticas
especiais, nas quais a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP - deverá acompanhar
diretamente os protocolos de pesquisa. Entre as áreas, está indicada a reprodução humana
(PESSINI, 2005, p. 301).
A referida resolução é orientada pelas diretrizes de declarações bioéticas internacionais
vigentes, tais como Helsinque, Propostas e Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas
Biomédicas com Seres Humanos, Diretrizes Internacionais para Revisão Ética de Estudos
Epidemiológicos (CIOMS / OMS 1982, 1991, 1993 apud CORRÊA) e por outras genéricas e
locais (CF/88, Lei Orgânica de Saúde e demais códigos jurídicos, como o Código Penal, o CDC –
Código de Defesa do Consumidor – ,que vem relacionar-se com a questão da responsabilidade
médica entre outros), no Brasil. A Resolução 196/1996 foi responsável pela instituição da
CONEP e estimulou a criação de Comitês de Ética em Pesquisa – CEPs – em nível local. Simone
Born de Oliveira considera que a Resolução 196/1996 “incorpora em seu texto, expressamente,
os referenciais de autonomia, da não-maleficiência, da beneficência e da justiça, visando
assegurar os direitos e deveres da comunidade científica, dos sujeitos da pesquisa e do Estado”
(2008, p. 13). Como exemplos dessas práticas abomináveis, citamos as experiências realizadas na
Califórnia, quando então a caixa toráxica de fetos humanos de até 24 semanas, ainda vivos, eram
abertas para se estudar o coração; na Hungria retirava-se o coração ainda batendo de nascituros
com até 15 semanas, além de alterações realizadas no código genético, interferindo nas
características físicas e comportamentais do embrião.
Maria Helena Diniz ressalta que a lei revogada já era detentora de ideia protetiva do
embrião, pois ela vedava não só a intervenção em material genético humano in vitro, salvo para
corrigir defeitos genéticos, mas também a produção, o armazenamento e a manipulação de
embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível, qualificando ainda
tais atos como criminosos. Ocorre que, com a aprovação pela Câmara dos Deputados da Lei de
77
Biossegurança nº. 11 105, vigente em nosso ordenamento jurídico desde 2005, apesar de zelar
pelo embrião, fica permitido no Brasil, pelo seu art. 5º, a pesquisa em células-tronco embrionárias
e a comercialização de produtos transgênicos. Todavia em seu art. 5º, § 3º, proíbe a
comercialização de embriões excedentes para fins experimentais, cosmetológicos ou na
fabricação de armas biológicas e proíbe também a engenharia genética em zigoto ou embrião
humano, cuja prática é vedada pelo art. 6º, III da mesma Lei (DINIZ, 2009, p. 475).
Quanto à utilização das células-tronco de embriões, deverá sempre prescindir o
consentimento por seus genitores. Só então poderão servir de base para pesquisas em tratamento
de doenças graves (mal de Alzheimer ou de Parkinson; câncer; diabetes; lesões na medula
espinhal; artrite reumatoide; lúpus eritematoso sistêmico; nefrite lúpica etc., ou para formação de
diversos tipos de tecidos regenerativos, até mesmo o que possibilita a formação de uma terceira
dentição para aqueles que perderam os dentes permanentes), desde que extraídas de embrião
humano de até cinco dias, que sejam sobras do processo de fertilização in vitro, inviáveis para a
implantação (pelo Decreto 5.591/2005, art. 3º, XIII, são inviáveis o embriões que, conforme
normas específicas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, tiveram seu desenvolvimento
interrompido por ausência espontânea de clivagem, após período superior a 24 horas a partir da
fertilização in vitro, ou alterações morfológicas que comprometam o seu pleno desenvolvimento
– Diniz, 2009, p.485) e/ou estejam congelados há pelo menos três anos. Entretanto, os resultados
científicos ainda são imprevisíveis e, conforme a opinião da autora, é procedimento inadmissível,
embora lícito (amparo legal pela lei 11.105/05, art. 5º, I e II), pois o embrião será destruído para a
extração das células-tronco e, com isso, viola-se o dispositivo constitucional (arts. 1º, III e 5º
caput) (DINIZ, 2009, p. 458 e 481). Cita também a autora, em sua obra, a descoberta científica
realizada nos USA, coordenada por Robert Lanza, cujo princípio é o de retirar a célula-tronco,
preservando o embrião a ser implantado no útero materno. Considera este método seguro e menos
agressivo, evitando-se o desmembramento do embrião. O referido método já é utilizado hoje para
detectar doenças genéticas em embriões que virarão bebê de proveta (DINIZ, 2009, p. 459).
Segundo Pessini (2005, p. 301), a Lei de Biossegurança também proíbe a realização de
engenharia genética em óvulos, espermatozoides e embriões humanos, bem como técnicas de
clonagem para produzir embriões humanos, seja para obter células-tronco (clonagem
terapêutica), seja para produzir um ser humano (clonagem reprodutiva).
78
Posto que tais ordenamentos não sejam suficientes para prevenir possíveis desvios nem
para reprimir deliberados abusos, faz-se imprescindível, para o traçado ético da pesquisa
científica envolvendo seres humanos no Brasil, a exigência de legalização e controle das novas
formas de atuação das tecnologias de reprodução assistida. Diante da lacuna da lei e pela
percepção dos respectivos riscos e incertezas, diretos e indiretos, quer para a sociedade, quer
para o indivíduo, é louvável o esforço de juristas e legisladores em buscar a aprovação de normas
que possam evitar consequências ainda imprevisíveis para toda a sociedade e ao próprio ser
humano; destarte, o Congresso Nacional se debruça sobre a matéria e analisa os Projetos de Lei
existentes, os quais passaremos a expor.
5.3.2 Dos Projetos de Lei
 Projeto de Lei nº. 90 de 1999, de autoria do Senador Lucio Alcântara, prevê a
possibilidade de escolha dos usuários da reprodução humana assistida quanto ao destino
dos embriões e considera as hipóteses do descarte, que se tornaria obrigatório decorridos
dois anos da criopreservação ou por solicitação dos doadores ou doador, na ocorrência da
morte de um destes, para doação a pesquisas ou a terceiros. O projeto contem 26 artigos
dispostos em 8 seções. A Seção I trata dos princípios gerais, proíbe a gestação de
substituição e a implantação de embriões fertilizados in vitro em mulheres consideradas
civilmente incapazes. A Seção II refere-se ao consentimento livre, esclarecido e expresso
dos envolvidos no processo. Na Seção III o projeto dispõe sobre os serviços de saúde que
deverão conter licença de autoridade competente para funcionamento e seus respectivos
profissionais, estabelecem sobre a obrigatoriedade dessas clínicas em manter o registro
sigiloso das informações relativas aos doadores, em caso de encerramento das atividades,
esses registros serão transferidos ao poder público. A Seção IV disciplina as doações de
gametas, proibindo sua comercialização a qualquer título. Institui o sigilo da doação entre
doadores e beneficiários, mas autoriza legalmente que a pessoa nascida por processo de
reprodução assistida tenha acesso ao processo que a gerou, assim como à identidade civil
do doador, a qualquer tempo. Verificações por razões médicas e impedimentos
matrimoniais são casos de permissão de acesso às informações mantidas pelas clínicas. A
Seção V limita ao número de dois os embriões que poderão ser produzidos in vitro e
79
transferidos para a mulher receptora (os dois embriões produzidos serão transferidos a
fresco) e autoriza a utilização em experiências dos embriões implantados e abortados
espontaneamente, desde que os beneficiários também autorizem. O projeto autoriza
apenas a criopreservação de gametas que poderão ser eliminados somente com
autorização do depositante. Veda a utilização de gametas post mortem, salvo com
expressa manifestação da sua vontade nesse sentido. A Seção VI estabelece as regras
sobre a filiação da criança nascida mediante a reprodução assistida, cuja paternidade plena
é atribuída aos beneficiários. Determina que o doador ou seus parentes não terão qualquer
vínculo em relação ao nascido, salvo para identificação dos impedimentos matrimoniais e
para obtenção de informações para transplantes de órgãos ou tecidos. A Seção VII define
os crimes praticados pelos profissionais da área e as respectivas penalidades. Considera
crime a prática da barriga de aluguel. O projeto aproxima os crimes cometidos contra o
embrião e as penas previstas ao crime de aborto provocado por terceiro, com o
consentimento da gestante, e ao aborto provocado por terceiro. A Seção VIII estabelece
sobre as disposições finais, definindo sobre os embriões conservados até a data da entrada
em vigor desta lei, cujo fim legal será a doação exclusivamente para fins reprodutivos,
com o prévio consentimento dos beneficiários. Na carência da manifestação dos
beneficiários no prazo de 60 dias, será presumida a doação e vincula o Poder Público a
incentivar a utilização desses embriões criopreservados por pessoas inférteis ou não,
preferencialmente ao seu descarte (PIMENTEL, 2009, p. 23).
 Projeto de Lei nº. 1135, do Deputado Pinotti, também prevê a hipótese de descarte ou
doação, porém com o prazo mais estendido: três anos. Prevê o descarte em casos de
alterações genéticas que comprometam o desenvolvimento do embrião. Neste caso,
prescindível é a autorização dos genitores. As justificativas apresentadas neste projeto
baseiam-se nos princípios da beneficência, justiça e autonomia para afastar o fator
antiético. Neste feito, os embriões não são dotados de personalidade civil. Também proíbe
as pesquisas que não visem benefício do próprio embrião (MARINHO, 2005, p. 227).
 Projeto de Lei nº. 4664 de 2001, do Deputado Lamartine Posella. Neste é expressamente
proibido o descarte de embriões e atribui às clínicas a responsabilidade pelos embriões
excedentes, decorrido o período de cinco anos. O projeto determina que as clínicas,
decorrido o prazo, deverão destiná-los à adoção. Como neste projeto o embrião já é
80
considerado pessoa, o referido texto utiliza o termo adoção e não doação (MARINHO,
2005, p. 227).
 Projeto de Lei 2855 de 1997, de autoria do Deputado Confúcio Moura, permite a
utilização de embriões em experiências visando o exclusivo caráter de diagnóstico,
preventivo ou terapêutico e desde que haja consentimento dos doadores e autorização do
Conselho Nacional de Reprodução Humana Assistida. Como aponta Marinho, o projeto
admite indiretamente que se altere o patrimônio genético, quando determina: “não será
permitida a alteração do patrimônio genético não patológico”. Os embriões considerados
inviáveis poderão ser objetos de pesquisa, inclusive para fins farmacêuticos e científicos,
quando aprovado pela Comissão Nacional de Reprodução Humana Assistida. O projeto
recebeu forte influência da Lei de Fecundação Humana e Embriologia, de 1990, do Reino
Unido (MARINHO, 2005, p. 227).
É possível perceber forte tendência ao descarte dos embriões excedentes dos
processos de reprodução assistida. Quanto às experiências científicas, a proibição permanece,
salvo para aquelas cujo beneficiário será o próprio embrião. As vias democráticas
estabelecerão o destino dos embriões excedentes, embora se apresentem dificuldades frente à
pluralidade de valores morais existentes na sociedade atual.
81
6 OS EMBRIÕES HUMANOS EXCEDENTÁRIOS
A maior de todas as árvores nasce de uma pequena
semente. No início da vida, ainda não nos expressamos com
palavras, mas em um dado momento, porém, todas as palavras já
não conseguem nos expressar.
SIDARTA GAUTAMA
Na técnica de fertilização in vitro, utilizada na reprodução humana assistida, é comum que
as clínicas especializadas proponham aos genitores a fertilização de um número maior de
ovócitos maduros, visando a garantia de sucesso no procedimento. Entretanto, não serão
implantados no útero materno todos os embriões, implicando a existência de embriões excedentes
ou excedentários. Ocorre que este fato se torna um problema, uma vez que eles são parte do
corpo humano e por isso são tutelados juridicamente; consequentemente, não poderão ser
simplesmente desprezados ou descartados como uma coisa qualquer. Inúmeras são as opiniões, e
estudos são desenvolvidos a respeito do assunto, envolvendo bioeticistas, médicos, cientistas,
sociólogos, enfermeiros, filósofos, farmacêuticos, epidemiologistas, especialistas em ética,
religiosos, leigos qualificados para representar os valores culturais e morais da comunidade,
juristas, entre outros, que pretendem colaborar na solução dessa questão. No intuito de dar uma
destinação para os embriões excedentes, sem qualquer menção sobre qual maneira seria melhor
ou pior, são oferecidas algumas sugestões. Uma sucinta análise de cada possibilidade será feita
nos itens seguintes, ressaltando-se que todas ainda se encontram em fase de aprimoramento e
implantação nos setores das ciências jurídico-biológicas, sobretudo considerando-se que a
vontade social brasileira carece sobremaneira de legislação a respeito, para se efetivar e
implementar a merecida e almejada segurança jurídica.
6.1 A Criopreservação de Embriões Humanos Fertilizados in Vitro
No Brasil, a criopreservação de embriões é uma prática lícita. Devido à grande carência
de normas que regulamentem a reprodução humana assistida, o CFM elaborou a Resolução 1 358
de 1992, contendo normas técnicas que visam organizar os procedimentos dos profissionais de
saúde que atuam nessa área, além de reconhecer que a infertilidade é um problema de saúde que
merece a atenção desse órgão de regulamentação profissional.
82
A Resolução expressou-se a respeito da comunicação aos pacientes quanto ao número de
embriões produzidos in vitro, para que possam decidir sobre quantos serão transferidos em fresco
(máximo permitido é de quatro embriões) e que os excedentes serão criopreservados
(responsabilizando os genitores e as clínicas de procriação pela manutenção desses embriões),
proibindo seu descarte ou destruição antes de completados, no mínimo, três anos de
congelamento.
A Criopreservação trata-se do período em que os embriões permanecem congelados,
aguardando uma futura utilização; essa técnica revela-se mero paliativo, pois, ao término do
período de conservação, não ocorrendo a transferência do embrião para o corpo materno, o
problema retroage à etapa inicial, e não se tem a solução esperada.
A criopreservação dos ovócitos excedentes se dará da seguinte maneira:
Nos dias posteriores à inseminação de nossos oócitos, todo pré-embrião
será congelado. A equipe de laboratório o transferirá a uma solução especial
que contém o composto crioprotetor. Os pré-embriões serão resfriados até
150ºC negativos em um aparelho desenhado para controlar cuidadosamente o
grau e o tempo de congelamento. Após isso, serão mantidos a uma temperatura
de 196ºC negativos, até que se decida descongelá-los (Modelo de Informe de
Consentimento para congelamento e preservação de pré-embriões, in DINIZ,
2009, p. 615-616).
O informe adverte os genitores que a criopreservação poderá provocar um significativo
aumento na possibilidade de riscos de anormalidades fetais, além de declararem conhecimento
sobre a incidência de não continuidade de desenvolvimento in vitro em 50% de embriões
criopreservados.
O processo de preservação mecânica embrionária requer manutenção periódica, pois os
recipientes contendo nitrogênio líquido, além da supervisão constante, requerem reabastecimento
da substância, destarte essas clínicas ou bancos cobram uma taxa de manutenção pelo serviço
prestado. Embora os embriões estejam sob custódia da Unidade de Reprodução Humana
Assistida eleita pelo casal, este é o legítimo proprietário dos embriões.
Cabe chamar atenção para o termo proprietário, que é utilizado nos contratos firmados
entre as partes, considerando-se que os embriões criopreservados são tratados como mero objeto
ou coisa passível de propriedade e posse, mas nenhum ser humano é dono de outro ser humano;
ao contrário, em se tratando de relação de filiação, os elementos que a constituem são aqueles que
ensejam cumplicidade, reciprocidade, dedicação, cuidado, responsabilidade e amor. Sobre esse
83
aspecto, assim se manifesta Maria Helena Diniz: “a quem pertence o patrimônio genético da
pessoa?” Sem dúvida, é de propriedade privada dela própria; todavia, o genoma humano não é
propriedade de cada ser humano ou do embrião.
6.2 A Doação de Embriões Humanos
Esta possibilidade sobre o destino dos embriões estocados poderá ser considerada uma
solução eficaz, visto que se refere à entrega dos embriões, que não serão utilizados pelo casal,
para outro casal que precise ou queira gerá-los, impedindo que este precise se sujeitar à
realização da fertilização in vitro , evitando assim novos embriões excedentes.
A doação tem sido a solução menos criticada pelos estudiosos, inclusive para os
estabelecimentos que realizam a criopreservação. E esta prática parece ser a solução viável, a
mais correta, considerados os valores éticos e morais da comunidade humana. As clínicas de
fertilização estão autorizadas a doar os embriões humanos excedentários, quando o casal
proprietário deixa de pagar a taxa de manutenção, desinteressando-se por eles, ou por expressa
manifestação da vontade do mesmo, autorizando a doação. Será exigida da clínica a completa
omissão em relação à identidade do casal doador e do casal receptor, e só poderá ocorrer a
doação mediante cessão gratuita de embriões, visto que é vedada a comercialização deles.
Alguns estudiosos preferem o termo adoção do embrião ou adoção pré-natal de embriões in
vitro, porque se trata de transferência consentida pelos pais biológicos e, sendo assim, aplicam-se
as disposições, analogicamente, das regras que tratam da adoção legalmente permitida pelo
Código Civil e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, cuja condição adquirida pelo embrião
adotado será de filho legítimo do casal receptor, preservado o caráter absoluto de igualdade com
os eventuais irmãos concebidos naturalmente, e a adoção será regida pelos princípios do
anonimato, da gratuidade e do sentimento altruístico, conforme ressalta Ednara Pontes de Avelar,
2008.
É possível observar projetos de iniciativa social em diversos países que
consideram a doação ou adoção pré-natal um método eficaz e seguro para destinar embriões
criopreservados. Nos EUA, a primeira agência de adoção de embriões congelados dos Estados
Unidos foi a Nightlight Christian Adoptions. Sua coordenadora, Sra. Megan Corcoran, em carta
84
enviada à CNBB, com o escopo de compor o relatório enviado para Brasília/DF, por ocasião da
votação no STF da ADIN 3510, explica o seguinte:
O Programa de Adoção de Embriões Congelados Snowflakes ("Flocos
de Neve") é um programa da Nightlight Christian Adoptions, uma agência de
adoção sem fins lucrativos autorizada pelo Estado da Califórnia para o
encaminhamento de crianças para a adoção. Durante os últimos dez anos
estivemos ajudando famílias a encaminharem e a receberem em adoção
embriões congelados que resultaram em 168 crianças nascidas através de pais
adotivos. Hoje a criança mais velha possui nove anos e a mais nova conta
exatamente com uma semana de vida. Elas são fonte de grande alegria e de
bênção para suas famílias. A maioria destas crianças foram embriões
congelados por mais de três anos antes que fossem descongeladas e implantadas
em sua mãe adotiva. [...]. Hannah Strenge - EUA, foi o primeiro bebê
congelado adotado no mundo (REVISTA VIRTUAL DA PASTORAL
FAMILIAR- CNBB, 2009).
A doação é a opção mais aceita pela comunidade em geral, pois assegura o destino mais
natural possível aos embriões. É adepta a esta solução a Profa. Maria Helena Machado, quando
afirma ser a adoção pré-natal de embriões a melhor solução encontrada pelo ordenamento
jurídico, tendo em vista eles ainda não haverem nascido.
6.3 Utilizações em Experiências Científicas
A Declaração de Nuremberg, em 1947, foi o primeiro documento internacional de
repercussão sobre a responsabilização quanto a procedimentos médicos; foi fruto do julgamento
dos médicos nazistas acusados por crimes atrozes contra prisioneiros utilizados em pesquisas na
Segunda Guerra Mundial. O documento enfatiza a essenciabilidade da informação e o
recolhimento do consentimento voluntário do paciente. Em 1964, a Associação Médica Mundial
ampliou seu conteúdo ético adotando a Declaração de Helsinque que reforçou o princípio da
autonomia e da beneficência ou não maleficência; realçando também os princípios do
consentimento informado e do balanço entre riscos e benefícios. Em 1993, a OMS – Organização
Mundial de Saúde – e o CIOMS – Conselho para as Organizações Internacionais das Ciências
Médicas – publicam as Normas Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo
Seres Humanos, cujo conteúdo aponta para a necessidade de atenção em relação aos países em
85
desenvolvimento, em virtude de suas peculiaridades e diferentes realidades sociais, além de
destacar a proteção para os grupos vulneráveis – pessoas com transtornos mentais, crianças,
prisioneiros, comunidades subdesenvolvidas, gestantes e nutrizes (FORTES, 1998, p. 106-107).
A partir de então, houve uma reflexão geral por parte de diversos países que passaram a
promulgar leis específicas sobre a matéria. Não foi diferente no Brasil, que passou a adotar
critérios limitadores das pesquisas que envolvam patrimônio genético humano.
Destarte, as pesquisas científicas ou biomédicas que envolvam seres humanos somente
poderão se realizar mediante o parecer favorável e avaliação do protocolo de pesquisa emitido
pelos Comitês de Ética em Pesquisa – CEPs. Os embriões humanos criopreservados não poderão
ser destinados para servir como material biológico disponível nas pesquisas, especialmente para
as correntes que defendem que o embrião é pessoa desde o momento da concepção, independente
do ambiente em que se encontra.
O principal argumento para a proibição de pesquisas em células germinais ou
embrionárias é a possibilidade de alteração que venha modificar o patrimônio genético, cujo
resultado poderia afetar as futuras gerações. Além disso, há o temor pela prática da eugenia. Os
contrários acreditam que experiências em embriões configuram ofensa à dignidade humana, por
utilizarem o ser humano como meio e não com fim. Maria Helena Diniz afirma:
Toda prática experimental em embrião vivo, intra ou extra-uterinamente, deverá
ser reprimida juridicamente, salvo se estiver voltada a fins terapêuticos que o
beneficiem de imediato. Dever-se-á considerar como crime a manipulação de
genes humanos (Lei nº. 11.105/2005, arts. 24, 25 e 26) para alterar o genótipo
com objetivo diverso da eliminação ou diminuição de moléstias hereditárias
graves, por estarmos diante de um ser humano com direito de reclamar sua
identidade genética violada (DINIZ, 2009, p. 498).
Por outro lado, os favoráveis pela liberdade científica invocam o art. 5º, IX da CF/88, e
defendem as experiências em embriões humanos, argumentando que, a partir desses estudos,
poderiam ser encontradas e desenvolvidas terapias que ajudassem na cura de doenças
degenerativas e hereditárias, considerando-se que as experiências científicas em embriões
humanos representam um caráter nobre em favor da humanidade.
Comparativamente, é possível citar que na Irlanda, Áustria e Noruega (Lei n. 68/87) é
autorizada a intervenção, desde que traga benefícios para o embrião, porém não autorizam a
86
experiência. A Dinamarca (Lei de 22.05.1987) autoriza, desde que acompanhada e autorizada por
Comitê de Ética Regional e que as experiências possuam finalidade de melhoramento para as
técnicas de reprodução humana assistida ou visem diagnóstico de pré-implantação do embrião.
Na Alemanha (Lov om Kunsting be frugtning de 1997) proibida está a experiência em embriões,
que só podem ser usados para o aperfeiçoamento de técnicas de reprodução assistida ou de
investigação genética. Na Finlândia, a Lei de Investigação Médica de 1999 possibilita o uso de
embriões excedentes em investigações, desde que os doadores deem sua anuência por escrito. Na
Alemanha temos a Embryonenschutzgesetz, de 1991 (Lei de Proteção ao Embrião), que proíbe o
uso de embriões em investigação médica, permitindo tão somente diagnóstico em embrião para
seu próprio benefício ou para sua implantação no útero materno. O Decreto Português nº.
135/VII, de 1997, veda a criação e utilização de embriões para fins de investigação ou
experimentação científica, salvo se estas tiverem por único objetivo beneficiá-los (DINIZ, 2009,
p. 501 e 575). Diferentemente, na Espanha são estabelecidos dois parâmetros para a realização
das pesquisas: o primeiro refere-se a embriões viáveis, cuja finalidade será de investigação
terapêutica e sem modificação genética, considerado tal procedimento como intervenção e não
experimentação; o segundo parâmetro a ser respeitado é aquele em que, se tratando de embriões
não viáveis, somente será autorizada experiência impossível de ser realizada em animais. A
Noruega proíbe experiências envolvendo seres humanos.
Há um consenso quanto à proibição de produção de embriões para fins que não sejam
reprodutivos. No geral, as experiências embrionárias são proibidas ou estão rigorosamente
delimitadas por leis (MARINHO, 2005, p. 226).
6.4 Descartes de Embriões Humanos Criopreservados
A crioconservação de embriões humanos ainda é assunto totalmente polêmico em
diversos países. O simples descarte de embriões é a hipótese que possui a presunção de que o
embrião não seja pessoa, além de ser considerado inútil. Este posicionamento já foi utilizado por
diversas nações. Marinho ressalta que há uma tendência nos países europeus em permitir o
descarte de embriões humanos excedentes. O que difere de uma legislação para outra é o prazo
estipulado para o descarte. Ocorre que, como foi relatado por Marinho,
87
[...] Na Áustria, Dinamarca e Suécia, esse prazo é de um ano. Na Noruega,
o prazo estipulado é de 3 anos. Na Espanha, o limite máximo para
armazenamento é de 5 anos. Na Finlândia, o prazo chega a 15 anos. A Itália e a
Bélgica não possuem leis específicas sobre essa matéria. De forma contrária à
tendência, a Alemanha proíbe o descarte (MARINHO, 2005, p. 225).
Conforme citou Maria Helena Diniz (2005, p. 501), a Dinamarca prevê o descarte depois
de um ano de conservação, desde que ao final do prazo não haja manifestação do casal em
respeito ao assunto.
Na Inglaterra, o prazo limite para a criopreservação de embriões humanos é de 5 anos;
então, em obediência à lei, no ano de 1998 destruíram-se milhares de embriões congelados, como
ressaltado:
Há anos, na Inglaterra, surgiu uma discussão quanto ao destino a ser dado
a 5.000 embriões, deixados numa clínica de reprodução assistida, cujos
contratos de tutela entre a clínica e as famílias, já haviam expirado, e que
ninguém queria receber. Apenas para deixar bem caracterizado até que ponto
chega o medo de muitas pessoas quanto a assumirem os efeitos de seus atos,
surgiu até uma proposta de se inserirem 4 embriões por útero em 1.250
voluntárias, todas elas em fase pré-menstrual, para que a própria natureza , dias
após, produzindo sua eliminação, fizesse o que os ‘cientistas’ não tinham
coragem de fazer (SEGRE apud DINIZ, 2009, p. 575).
Outro relato sobre o descarte de embriões humanos supranumerários preservados em
tonéis de congelamento foi a de Bourn Hall; a maior e mais antiga clínica britânica especializada
em fertilização in vitro destruiu, em agosto, em torno de 900 embriões. Peter Brinsden, médicodiretor, confessou que o ato não foi agradável: ninguém queria ver bebês saudáveis sendo
exterminados. Aproximando-se da hora, foram feitos protestos em frente da Westminster
Cathedral, igreja católica. Outros requeriam ao primeiro ministro, John Major, a não destruição
clínica desses embriões. Casais sem filhos ofereceram-se como pais. De todo o mundo, incluindo
mais de 100 casais italianos, ofereceram-se para “adotá-los”. Jack Scarisbrick, membro da
organização LIFE, diz que uma sociedade que tolera a destruição de vidas humanas é
completamente insana (NEWSKWEEK, 1996 apud SANTOS, 1998, p. 116).
88
Apesar da aparente legalidade da destruição dos embriões supranumerários, deve-se
considerar que a prática requer limites. Avelar (2008, p. 57) considera que, para viabilidade da
solução, é indispensável que os embriões sejam inviáveis, visando preservar-lhe a integridade e o
patrimônio genético da nação. Serão legitimados para autorizar o descarte os responsáveis pelo
projeto familiar, ou seja, os pais e não os doadores do material genético.
Marinho aponta um questionamento existente sobre a ocorrência dos crimes de aborto e
homicídio, com relação ao descarte. Ele explica que, tecnicamente, o descarte não poderia ser
considerado aborto, pois o mesmo pressupõe a interrupção da gravidez, e não há gravidez sem a
nidação (fixação do zigoto na parede do útero materno), pois, neste caso, tutela-se a vida intrauterina. Igualmente, não é possível falar em crime de homicídio, porque não houve nascimento,
ou seja, não existe o ser humano nascido de mulher. Destarte, conforme os princípios do Direito
Penal, é necessário que haja conduta típica de crime para a imputação do criminoso, e esta ainda
não há em nenhuma das hipóteses mencionadas, em se tratando do embrião humano
criopreservado (MARINHO, 2005, p. 226).
Alcançado finalmente o sonho da procriação, aos pais restará um difícil impasse quanto
ao destino a ser dado aos embriões excedentários.
Em razão da ausência de legislação específica regulamentando a questão da
criopreservação, bem como estipulando um prazo máximo de tolerância para que o embrião seja
mantido nos tonéis de nitrogênio, hoje é grande a população embrionária depositada nas clínicas
de reprodução no Brasil; estima-se que existam aproximadamente 20 mil embriões estocados
(KRELL in Avelar, 2008, 52). Em 05 de março de 2008, a Agência Brasil informou que:
[...] em abril de 2005, logo após a publicação da Lei de Biossegurança, a
Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) fez um senso entre as
afiliadas. Naquele mês as clínicas associadas somavam 9.914 embriões
congelados, dos quais 3.219 há mais de três anos, prazo definido pela lei como
o necessário para a doação. Mas 90% destes embriões estavam armazenados em
uma única entidade, o Centro de Reprodução Humana Professor Franco Júnior,
de Ribeirão Preto, um dos maiores e mais antigos do país e que havia iniciado
os congelamentos em 1991. Atualmente este único centro possui 4657 embriões
congelados,
segundo
informou
à
Agência
Brasil o médico José Gonçalves Franco Júnior, proprietário e diretor da SBRA
(REVISTA VIRTUAL DA PASTORAL FAMILIAR-CNBB, 2009).
89
O crescente número de embriões humanos armazenados repete-se em todos os países em
que a conduta do descarte é proibida. A organização Britânica Human Fertilization and
Embryology Autority estimou um total de 52 mil embriões congelados no Reino Unido em 1996.
Da mesma forma, informou que na Nova Zelândia este número chegou em 71.176 embriões
congelados no ano de 2000 (KEENAN J., FINGER R., CHECK J.H., DALY D., DODDS W.,
STODDART R. FAVORABLE PREGNANCY, DELIVERY AND IMPLANTATION RATES
EXPERIENCED IN EMBRYO DONATION PROGRAMS IN THE UNITED STATES. FERTILITY
AND STERILITY, 2007, 88, apud REVISTA VIRTUAL DA PASTORAL FAMILIAR- CNBB,
2009).
As considerações da Profª. Silmara Chinellato, para a Revista Época - 39ª edição, em
entrevista publicada em 15/02/1999, esclarecem que o embrião tem a natureza genética e
filosófica de ser humano, de ser racional. Portanto, não pode ser desprezado como se fosse um
objeto. Ressalta que os médicos deveriam se preocupar mais em evitar os embriões humanos
excedentes; não sendo isso possível, aconselha que os mesmos sejam encaminhados para adoção
pré-natal, instituto plenamente aceitável pela lei brasileira.
90
7 DAS RESPONSABILIDADES NAS CIÊNCIAS MÉDICAS
À medida que o homem se projeta para fora de si, criando
modelos de ação, o seu criador ou revelador, inclusive sob as
vestes do “poder estatal”, tende a submeter-se às suas
próprias ações.
MIGUEL REALE
7.1 Deveres do Profissional da Saúde
Os princípios que norteiam a relação entre médico e paciente são: da beneficência, da não
maleficência, do respeito à autonomia e ao livre consentimento informado e da justiça. O bom
profissional da saúde que aprecia esses princípios tratará seus pacientes com dignidade,
respeitando seus valores, crenças e desejos, aos submetê-los aos seus préstimos (DINIZ, 2009, p.
632).
Maria Helena Diniz afirma que todo contrato médico contém, implicitamente, os
seguintes deveres:
a) aconselhar o cliente – refere-se ao dever de aconselhar seu cliente sobre as precauções
exigidas pelo seu estado ;
b) cuidar do enfermo com zelo, diligência, utilizando de todos os recursos que a medicina
oferece, por se tratar de obrigação de meio, sendo-lhe vedado ser imprudente, negligente
ou imperito, sob pena de responder por dano moral e/ou patrimonial (súmula 37 do STJ);
caberá ao médico provar que não agiu com culpa (CDC, arts. 14e 16, VIII);
c) abster-se do abuso ou do desvio de poder, pois o médico não terá o direito de tentar
experiências sobre o corpo humano, salvo para preservar a vida do próprio paciente,
respeitados os limites da necessidade de arriscar para salvar vidas;
d) usar medidas preventivas e de controle para impedir a transmissão de doenças a seus
pacientes;
e) dizer a verdade ao paciente, com psicologia, sem traumas, dando esperanças, a fim de
permitir que aceite o diagnóstico do tratamento; o Código de Ética Médica prevê a
possibilidade de o médico comunicar um familiar sobre o real estado do paciente, para
poupar-lhe desgaste emocional que venha a agravar seu estado de saúde;
91
f) preservar sigilosamente as informações prestadas pelo paciente;
g) não usar a medicina como meio que atente contra a dignidade humana;
h) não fazer uso da medicina contra a dignidade do próprio paciente ou aproveitando-se da
situação para obter vantagem financeira ou política;
i) assumir obrigação de resultado na cirurgia plástica e no contrato de hospitalização
(responsabilidade objetiva);
j) efetuar prontuário clínico de seus pacientes e fornecer a terceiros certos dados, por ordem
judicial, quando for necessário;
k) fornecer atestado médico, dizendo a verdade sobre um estado mórbido ou uma sanidade;
l) evitar passar de si mesmo, ou amigo íntimo ou de familiares, evitando proximidade
emocional que poderá causar perda de objetividade e erro no diagnóstico. (DINIZ, 2009,
p. 633-638).
O sigilo médico constitui-se num dever prima facie e decorre da natureza confidencial da
relação médico-paciente. É dever imposto pela ética, pois o art. 11 do Código de Ética Médica
prescreve “que o médico deve manter sigilo quanto às informações confidenciais de que tiver
conhecimento no desempenho de suas funções”, pela lei civil (art. 229, I CCB) e penalmente
(arts. 154, 268, 269 CP e Lei de Contravenções Penais, art. 66), salvo quando houver “conflito
com dever igual ou maior, justa causa, risco de vida, necessidade de obtenção de um benefício
social ou autorização do próprio paciente, de seu representante legal ou de seus familiares”
(DINIZ, 2009, p. 650). Porthes in Diniz ensinou que “não há medicina sem confidências, não há
confidências sem confiança e não há confiança sem segredo”. E afirma a autora que o sigilo é
pilar fundamental que assegura um relacionamento médico-paciente tranquilo, embasado na
confiança e no respeito mútuos, visando a eficácia do tratamento e respeitando a privacidade do
paciente. Todo terapeuta tem dever de lealdade para com o seu paciente, mesmo em estado
inconsciente ou já falecido, e somente poderá revelar as informações biomédicas pertinentes a
ele, havendo justa causa e amparo legal, haja vista que todas as informações biomédicas
pertencem ao paciente; os profissionais da saúde e as clínicas ou hospitais constituem tãosomente seus depositários, responsáveis pela sua preservação por dever de ofício, segundo
ressalta Diniz (2009, p. 655). E ainda esclarece a autora:
92
O médico deverá informar apenas as particularidades que julgar
convenientes, sem ferir a privacidade de seu paciente. Isto é assim porque o
segredo médico não é um privilégio do profissional da saúde, mas uma
conquista social e constitucional de proteção ao direito à privacidade e à
confidencialidade, imprescindível na relação médico-paciente. É relevante não
só a informação que é devida ao paciente para que possa decidir sobre seu
destino, mas também a preservação de sua privacidade, que se dá por meio da
adoção do sigilo médico, fazendo com que o acesso aos seus dados clínicos
restrinja-se somente ao círculo de relação profissional, excluindo do
conhecimento de terceiros tudo aquilo que só interessa ao paciente (DINIZ,
2009, p. 656-657).
Todo ato médico deverá carregar em seu bojo um legítimo fundamento; sendo assim, o
direito de autodeterminação do paciente dá origem a um dever erga omnes de respeitá-lo. O
consentimento livre, esclarecido e voluntário que o paciente fornece ao profissional da saúde
deve alicerçar-se numa informação médica, revelada de modo claro, simples, preciso, honesto e
inteligível sobre o diagnóstico, prognóstico e sobre as terapias e tratamento adequados para sua
recuperação, além de possíveis efeitos colaterais, assim como as consequências e os benefícios. A
ausência de consentimento esclarecido será um delito de negligência profissional do profissional
da saúde, se ocasionada dolosamente (CP, art. 146, § 3º, I), assim como, havendo fornecido
informação ineficiente ou inadequada ao paciente, o profissional da área médica responderá pelo
resultado danoso oriundo de sua intervenção; o art. 46 do Código de Ética Médica proíbe o
médico de efetuar qualquer procedimento sem o esclarecimento e consentimento prévios do
paciente, ou de quem o represente, salvo em ocasiões de iminente perigo de vida, sendo defeso
aos profissionais da saúde limitar o direito do paciente de decidir livremente sobre sua pessoa ou
sobre seu bem-estar, conforme se encontra previsto nos artigos 48, 123 e 124 do Código de Ética
Médica (DINIZ, 2009, p. 662-663). Todo consentimento esclarecido somente será aceitável
quando estiver fundamentado na informação acessível no nível intelectual e cultural do paciente,
na competência, no entendimento, na sua voluntariedade, além de precisar o médico ater-se à
personalidade, temperamento, disposição, quadro clínico do paciente - em casos de incapacidade
mental momentânea ou efeito de intoxicação química, o consentimento fornecido não terá
validade - , pois o instrumento não poderá conter qualquer vício de consentimento; em certos
casos, o médico poderá recorrer ao consentimento substituto, que poderá ser emitido pelo
representante legal ou parente mais próximo. Os elementos indispensáveis ao termo de
93
consentimento são: a) deverá ser elaborado em linguagem acessível; b) conter os procedimentos
terapêuticos que serão utilizados, previsão de riscos, desconfortos e benefícios, os objetivos e
justificativas do tratamento eleito, sendo que, além de informar os métodos alternativos
existentes, deverá também permitir ao paciente a recusa ou a retirada de seu consenso, sem
sujeitar-lhe a qualquer tipo de sanção punitiva ou causar-lhe prejuízo quanto à assistência
médico-hospitalar; c) deve conter assinatura ou identificação dactiloscópica do paciente ou de seu
representante legal. É direito do paciente recusar-se a receber as informações biomédicas, ocasião
em que caberá ao médico questioná-lo sobre quais parentes ou outra pessoa indicada por ele
deverão receber as informações sobre o diagnóstico e/ou prognóstico para tomada de decisões.
Nesta circunstância, o médico está liberado de prestar informações ao paciente, pois, agindo
assim, estará respeitando sua vontade; entretanto, deverá sempre anotar o fato na ficha clínica do
paciente, considerando que o consentimento esclarecido é a medida mais eficaz para evitar
processos judiciais sem fundamento técnico (DINIZ, 2009, p. 664-667).
7.2 Responsabilidade Civil dos Profissionais da Saúde
Responsabilidade civil é definida como a obrigação incumbida a alguém de reparar um
dano causado a outrem, seja em razão de sua atuação ou de alguém que dela dependa. Para
Giancoli (2009, p.142), a lei possui um quádruplo sentido: “ressarcir, compensar, punir e educar”.
Portanto, é possível visualizar as funções do referido instituto de reparação: a) ressarcitória do
dano – ocorre por meio de uma reconstituição do modo mais exato possível do valor do prejuízo
no momento da ocorrência do dano; b) compensatória da lesão - visa equilibrar o que o prejuízo
desequilibrou; c) punitiva do ofensor – tem dupla finalidade: a primeira garante uma alteração no
comportamento danoso do ofensor por meio da aplicação de uma sanção, que em geral causa uma
diminuição do seu patrimônio, a segunda gera uma projeção social para servir de exemplo para
todos; d) reeducativa da conduta lesiva – refere-se à função sociopreventiva, cujo escopo é
fomentar esforços no sentido de evitar danos assemelhados.
Os elementos estruturais da responsabilidade civil são: a) ação ou omissa do agente –
deriva de ato próprio ou de terceiro que esteja sob a guarda do agente (art. 942 CCB) ou dano
causado por coisa ou animal que a ele pertença (art. 936 CCB); b) culpa ou dolo do agente – a
culpa é fator essencial, o agente deve merecer a reprovação do direito (art. 927 CCB) o critério de
94
aferição da culpa será a comparação feita entre seu comportamento e o do homo medius, que
pode prever o mal e evitar o perigo - os graus da culpa são grave, leve e levíssima; c) relação de
causalidade – refere-se à relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o resultado
danoso; d) dano – a doutrina, assim como a jurisprudência, é pacífica em afirmar que sem este
elemento não há possibilidade de se cogitar responsabilidade civil; o dano, por sua vez, poderá
ser individual ou coletivo, moral ou extrapatrimonial, e poderá ser conceituado, segundo Giancoli
(2009, p. 147), “como violação do direito à dignidade” a este se incluindo os direitos da
personalidade, como por exemplo: o nome, a imagem, as relações afetivas etc., além do dano
material ou simplesmente patrimonial, cuja verificação se faz pela diferença entre o valor do
patrimônio da vítima e aquele que teria, se o dano não ocorresse; a violação do interesse jurídico
protegido, a certeza, a subsistência e a imediatismo são os requisitos para manifestação do dano
indenizável. Há também outra distinção que merece destaque, referindo-se à responsabilidade
contratual que ocorre quando determinada pessoa causar prejuízo a outrem por descumprir uma
obrigação pactuada entre as partes. Esta modalidade também abrange o inadimplemento relativo
a qualquer obrigação, mesmo que proceda de um negócio unilateral (testamento, procuração etc.)
ou pela força da lei (obrigação de alimentos). Já a responsabilidade extracontratual deriva de
ilícito extracontratual, também chamada de aquiliana porque se originou da Lex Aquilia (art. 186
CCB), e nela o agente infringe um dever legal, pois não há vínculo jurídico entre a vítima e o
agente causador do dano (GIANCOLI, 2009, P. 147). Alberto Bueres in Diniz (2009, p. 675-676)
aponta alguns exemplos de responsabilidade civil aquiliana (sem vínculo contratual) na atividade
médica: a) contrato nulo; b) socorro espontâneo do médico em acidente de trânsito; c) crime
praticado por profissional de saúde; d) dano ou prejuízo causado ao paciente por ocasião de
incêndio no consultório médico; e) fornecimento de atestado falso; f) consentimento, podendo
haver impedimento, para, que pessoa não habilitada exerça a medicina; g) utilização de
tratamento cientificamente condenado, que possa causar deformação ao paciente; outros.
Todavia, com o advento do Novel Código Civil Brasileiro, surgem duas teorias para
fundamentar a responsabilidade civil, que se diferenciam quanto à consideração da culpa do
agente. A primeira teoria refere-se à responsabilidade subjetiva, expressa no art. 186 do CCB,
que demonstrou que a culpa e o dolo são fundamentos da obrigação de reparar, sendo esta a regra
necessária eleita pelo Nobel Codex para atribuição da responsabilidade civil. A segunda teoria é
relativa às hipóteses previstas legalmente de imposição da reparação de dano indenizável, sem
95
que haja culpa do agente (art. 927, caput CCB), e aqueles fatos fundamentados no elemento risco,
ou seja, quando há previsão de responsabilidade sem culpa pelo exercício da atividade que, por
sua própria natureza, representa risco ao direito de outrem (parágrafo único do art. 927 CCB);
denomina-se na doutrina como responsabilidade objetiva e no Direito Civil Brasileiro é
considerada exceção. Silvio Rodrigues, diante dessa solução proposta pelo legislador, refere-se à
responsabilidade objetiva, como segue:
Muito aplauso merece o legislador de 2002 pela inovação por ele consagrada.
[...] O preceito do novo Código representa um passo à frente na legislação sobre
a responsabilidade civil, pois abre uma porta para ampliar os casos de
responsabilidade civil, confiando ao prudente arbítrio do Poder Judiciário o
exame do caso concreto, para decidi-lo não só de acordo com o direito estrito,
mas também, indiretamente, por equidade (SILVIO RODRIGUES, 2003, p.
162).
Maria Helena Diniz considera que a responsabilidade civil do profissional da saúde é
contratual (art. 951 CCB), pois entende a autora que o caráter do exercício da medicina não
possui natureza delitual, por ser este, em regra, atividade de meio e não de resultado, afastando o
médico dos efeitos do risco profissional. A autora ressalta:
Se nenhuma modalidade de culpa – negligência, imprudência ou
imperícia – ficar demonstrada, como não há risco profissional, independe de
culpa, deixará de haver base para a fixação de responsabilidade civil, pois as
correlações orgânicas ainda são pouco conhecidas e surgem as vezes resultados
inesperados desconhecidos (TJSP, ADCOAS, 1981, n. 80.418 apud DINIZ,
2009, p. 675).
A Lei n. 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor – foi elaborada em cumprimento ao
pronunciamento constitucional dos arts. 5º, XXXII e 170, V da CF/88 e art. 48 do ADCT. Este
importante dispositivo carrega o instituto da responsabilidade civil e adotou como regra a
responsabilidade objetiva e a inversão do ônus da prova. No art. 4º, I, o CDC elegeu o
consumidor como a parte vulnerável do consumerismo e, portanto, prevê no art. 6º a efetiva
prevenção e reparação integral dos danos sofridos pelo consumidor. Considerou o código que o
96
fundamento da responsabilidade por ele inscrita é a violação de um dever de segurança (defeito
do produto ou serviço lançado no mercado) e na existência de um vício (falha na adequação ou
prestabilidade). No CDC, a responsabilidade do fornecedor de produtos ou serviços, seja ela
contratual ou extracontratual, está relacionada ao fato da existência do vício ou defeito, do dano
causado e ao nexo de causalidade existente entre eles. Em se tratando especificamente dos
serviços médicos, há de se considerar que o CDC disciplinou sobre os vícios de qualidade por
insegurança nos serviços prestados (arts. 12 a 17 CDC), considerando que a execução dos
serviços prestados pelo profissional da saúde de forma inadequada colocará em risco a saúde e a
segurança do consumidor ou de terceiros eventualmente atingidos. Além da responsabilidade de
natureza objetiva pelo fato do serviço (art. 14 CDC), também são responsáveis solidários
(responsabilidade que decorre não da própria ação, mas por nexo com o procedimento da pessoa
que efetivamente causou o dano ou o prejuízo) todos os que integram a cadeia de consumo (art.
7º, parágrafo único e 25, § 1º do CDC); esta proteção jurídica também alcançará aquele que tiver
sofrido dano por falta, insuficiência ou inadequação das informações sobre a fruição e riscos
inerentes ao serviço prestado. Sobre a prestação de serviços na área de saúde, assevera Maria
Helena Diniz:
A razão primordial do crescente questionamento dos serviços de saúde
tem sido, sem dúvida, a despersonalização da relação médico-paciente,
provocada pelo progresso tecnológico, pela massificação dos serviços de saúde
e da medicina e pela hegemonia dos planos e seguros de saúde, eliminando o
respeito, a confiança e o temor reverencial que, outrora, todo paciente sentia
pelo seu médico, impedindo-o de questionar o ato médico. Atualmente, temos o
paciente-consumidor, que é o titular do direito de questionar os serviços de
saúde que não o satisfizerem. Somente a observância dos direitos do pacienteconsumidor resgatará aquela confiança e respeito e diminuirá os motivos para
questionar aqueles serviços (DINIZ, 2009, p. 684).
A prestação de serviços médicos é obrigação de meio e não de resultado (art. 14, § 4º
CDC), pois o médico não assumiu o dever de curar, mas de prestar tratamento adequado ao
paciente, salvo exceções feitas à cirurgia estética e ao contrato de hospitalização, quando então o
médico assumirá o dever de preservar o paciente de acidentes. Esta última exceção está amparada
pelo art. 17 do CDC, que equipara as vítimas de acidentes desta natureza ao consumidor; sendo
assim, o médico responderá objetivamente se ocorrer prejuízo para o paciente.
97
Portanto, conclui a autora que a responsabilidade civil do profissional de saúde “somente
decorre de culpa provada, entretanto cabe ao médico provar que não agiu culposamente,
admitindo-se a inversão do ônus da prova, uma vez determinada pelo órgão judicante (STJ, 3ª
Turma, relator. Ministro Waldemar Zveiter, REsp. 171.988/RS, 24/5/1999 apud DINIZ, 2009,
677)”. Ela destaca que, em se verificando o dano decorrente da atividade médica, seja ele oriundo
de obrigação contratual ou aquiliana, deverá o paciente lesado ser indenizado, considerando-se
responsáveis solidários os demais componentes da equipe médica e todos aqueles que
participarem na proteção do paciente, como: enfermeiros, psicólogos, dentistas, assistente social,
bioquímico, embriologistas etc., que assumem serviços especializados sob a dependência do
médico, além do hospital e também do plano de saúde do qual a vítima era conveniada (STJ, 4ª
Turma, REsp 232380, relator Ministro César Asfor Rocha apud DINIZ, 2009, p. 678).
Todavia, é necessário delimitar a responsabilidade civil por dano moral ao nascituro, tanto
na fertilização natural como na assistida. O respeito pela vida e pela integridade física e moral na
vida intrauterina, mesmo para os casos de fertilização assistida (embriões pré-implantatórios ou
dos nascituros) é o mais absoluto e suscetível de indenização por dano moral causado por
qualquer lesão que se venha a sofrer, como deformações, traumatismos, intoxicações etc.,
decorrentes tanto dos atos de caráter preventivo quanto para ações curativas, que afetem ou
venham a afetar a integridade físico-psíquica ou social, assim como é direito do ser em formação
receber tratamento de qualidade e cuidado adequado durante todo o período do estado de
desenvolvimento, sem que haja qualquer risco a sua saúde, com a finalidade de proporcionar-lhe
garantia de vida plena e saudável, e caberá ao Estado, legítimo titular do dever de salvaguardar o
desenvolvimento social, desenvolver políticas públicas para atender aqueles que serão os
cidadãos formadores das futuras gerações. Nos casos da RHA acompanhamos o entendimento do
Prof. Marco Antonio dos Anjos quando ressalta, “no caso da reprodução humana assistida, em
regra a obrigação do médico é de meio, não podendo ser ele responsabilizado pelo insucesso das
tentativas de gestação, desde que todos os esforços possíveis tenham sido realizados (ANJOS,
2007)”, tendo em vista que o resultado desejado poderá não ocorrer.
7.3 Responsabilidade Criminal Segundo a Lei de Biossegurança
98
É inevitável o surgimento de novos crimes relacionados aos abusos que poderão advir dos
avanços biotecnológicos, causando danos irreversíveis à humanidade e aos seres humanos. Diniz
afirma que essa situação é provocada principalmente pela engenharia genética e pelas novas
técnicas de reprodução assistida. Foi com base no instituto da Responsabilidade Civil que a Lei
de Biossegurança tratou de disciplinar, em seu Capítulo VIII, o que dispõe sobre os crimes e as
correspondentes sanções decorrentes da manipulação de organismos geneticamente modificados
e os possíveis danos ao homem e ao meio ambiente (arts. 24 ao 29). Entretanto, observa Maria
Helena Diniz que o instituto é carente de dispositivo que preveja:
a) crimes de manipulação genética como, por exemplo, a alteração genética, a seleção genética
e a clonação genética;
b) crimes de manipulação ginecológica ou obstétrica como, por exemplo, a reprodução
assistida post mortem, partenogênese (obtenção de ser humano a partir da autofecundação do
óvulo sem a utilização do espermatozoide), ectogênese (que visa desenvolver o ser humano fora
do útero materno, ou seja, a partir da construção de útero artificial - implante de útero animal ou
por meio de gravidez masculina); transferência de embrião proveniente de manipulação genética
para o útero de mulher com a finalidade de criação de seres híbridos ou de quimera; produção ou
utilização ou destruição de embriões humanos destinados à procriação ou de suas células, tecidos
e órgãos, sem finalidade terapêutica, considerando-o coisa passível de processo mercantil;
reprodução humana não consentida pela mulher, gerando maternidade indesejada; gestação por
substituição, que ofende a dignidade da mulher e transformando-a em mero organismo
reprodutor, além de ofender a integridade psíquica do nascido desse processo, que será
considerado filho de ninguém;
c) crimes de manipulação ginecodiagnóstica, entre eles o crime de expor, por negligência,
imperícia ou imprudência, a vida ou a saúde do nascituro e da gestante a perigo oriundo de
diagnóstico pré-natal, lesão ou enfermidade em embrião ou ainda resultando sua morte por culpa
do médico responsável pelo diagnóstico (DINIZ, 2009, p.627-628). Também constituem
infrações ético-profissionais, destacados no Código de Ética Médica (arts. 29 ao 140), entre
muitos outros, os atos de: [...] desrespeitar o direito do paciente de decidir sobre o método
contraceptivo ou conceptivo; praticar fecundação artificial sem que haja consenso dos
participantes [...] (DINIZ, 2009, p.649).
99
Diante desse quadro é mister que a sociedade cobre das autoridades competentes atitudes
concretas para delimitação urgente das práticas criminosas que ocorrem em nosso território, cujos
sujeitos passam imunes pela falta de legislação penal específica.
Segundo Mourier o homem moderno perdeu o sentido do Ser. O poder do homem corre o
risco de superar o próprio poder e superar o próprio homem. Adverte Jacques Testart que a ética
é “(...) o regulador de nossos desejos delirantes de ser o que nos tornaremos”. A simples sujeição
do outro como res revela uma forma de cegueira, de perda do sentido real, do limite (apud
BELLINO, 1997).
Rui Alberto Ferriani, chefe do setor de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas da
USP de Ribeirão Preto, alerta sobre a existência de marketing, evolvendo muito dinheiro, cujos
profissionais médicos têm se esquecido das limitações exigidas na área. Instrui o Dr. Rui que
cada caso deve ser tratado individualmente e que há um protocolo a ser rigorosamente seguido.
As embriologistas Priscila Queiroz e Luciana Francisco afirmam que há grande responsabilidade
dos profissionais que atuam na área de reprodução humana e lembram que a realização dos casais
inférteis depende do trabalho realizado por eles, e que podem observar em seu dia a dia de
trabalho a profunda dor que carrega a mulher que não consegue engravidar (mesmo que o
problema não seja dela, por isso a regra que impera entre os profissionais é sempre se referirem
ao Casal com problemas). Em destaque, a embriologista Roberta Wonchochier, por ocasião da
entrevista feita pelo Jornal O Estado de São Paulo, afirmou que: “quando o assunto é nova
tecnologia, toda cautela é pouca. Ética, caráter e opinião própria são princípios fundamentais na
nossa atividade. Devemos preferir a marca de conservadores ao arrepender por brincar com vidas
humana” (FIORI, Vera, 2009, P. 11, Suplemento Feminino do Jornal O Estado de São Paulo).
7.4 Responsabilidade Social na Reprodução Humana Assistida
Leocir Pessini citou em seus escritos um Provérbio Chinês que reflete a realidade atual da
sociedade que se deparou rapidamente com a evolução genética – essa ciência não só criou
problemas novos como intensificou e complicou os já existentes – , e diz assim: “Cultivar as
ciências e não amar os homens é como acender uma tocha e fechar os olhos...” (2005, p. 267). As
100
questões controvertidas oriundas da genética humana são causadas pelo impacto cumulativo do
progresso da medicina genética nas comunidades médica, política, legal e religiosa, como afirma
o autor. Hans Jonas in Pessini aponta:
A mudança de natureza da atividade humana exige uma mudança na
noção de responsabilidade [...] defende a ética da responsabilidade em relação
ao futuro nas ações presentes, concluindo o seguinte: já que o progresso
tecnológico é uma séria ameaça ao futuro da humanidade, é nossa obrigação
reduzir a aplicação e o desenvolvimento da tecnologia (JONAS, apud PESSINI,
2005, p. 271).
Diferentemente de Jonas, Engelhardt aponta que “a biotecnologia nos deu o poder de ser
arquitetos de nossa própria natureza, que deveria ser aperfeiçoada e ainda mais desenvolvida a
fim de realizar as metas das pessoas” (PESSINI, 2005, p. 271).
Entretanto, em contraposição a essas duas posições, Pessini, inspirado pelas intuições
éticas de Whitehead, proporciona um enfoque mais equilibrado da aplicação da tecnologia no
campo da genética, ressaltando o seguinte:
De um lado, ao contrário de Jonas, a teoria relacional da ética
intergeracional considera positivamente toda inovação tecnológica, vendo nela
um passo a mais no progresso criativo da história humana. Uma atitude
defensiva em relação à tecnologia leva a uma perda do espírito aventureiro, que
é uma necessidade da cultura. A introdução da novidade é o que faz a sociedade
progredir. Por outro lado, em oposição a Engelhardt, a ética processual leva
muito a sério as conseqüências de toda possível inovação sobre o presente e o
futuro. Nem tudo quanto é tecnologicamente possível é eticamente admissível.
A ética processual redefine a noção de responsabilidade de modo a
salvaguardar o presente e o futuro (PESSINI, 2005, p. 271).
Destarte, verificam-se na dinâmica social pontos de luz que brilham a favor do equilíbrio,
almejado por Leocir Pessini. Como exemplo, é possível citar o Projeto Alfa – Aliança de
Laboratórios de Fertilização Assistida – , que está destinado a especialistas e ginecologistas que
necessitem de infraestrutura e Projeto Beta – Centro de Medicina Reprodutiva. Ambos os
projetos complementam-se no atendimento a casais com problemas de fertilização: o primeiro na
parte laboratorial e o segundo na clínica. Roberta Wonchochier, coordenadora administrativa do
101
Projeto Beta, explica que “o diferencial do Projeto Beta é atender casais de média e baixa renda.
O custo do tratamento é adequado ao orçamento do casal, que dispõe de tecnologia e atendimento
humano [...]” (O Estado de São Paulo, 6/09/2009, p. 10, Suplemento Feminino).
Ainda com o interesse em adotar uma responsabilidade social ao fator relacionado ao
desenvolvimento biotecnológico, com o intuito de zelar pelo cumprimento dos deveres inerentes
ao exercício profissional dos médicos e, sobretudo, para assegurar os direitos e a dignidade
humana dos pacientes, foram criados os Comitês de Ética Hospitalar, formados por órgão
colegiado e multidisciplinar composto por médicos, enfermeiros, filósofos, advogados, teólogos,
assistentes sociais, psicólogos, biólogos, eticistas entre outros. Suas funções mais relevantes são
as de emitir pareceres sobre problemas éticos, jurídicos e sociais desencadeados pela
embriologia, investigação e experimentação biológica e aplicação da biotecnologia, avaliando
resultados, benefícios e riscos, objetivando resguardar os direitos humanos. Também atuam como
revisores de diagnósticos ou prognósticos de pacientes, consultores e peritos para auxiliar os
médicos, pacientes e familiares. Esses são meros exemplos das atividades desenvolvidas pelos
comitês, que possuem outras inúmeras e relevantes tarefas sociais que auxiliam na correta
aplicação da justiça e da equidade para todos os seres humanos que estão em busca da saúde,
como autêntico direito constitucionalmente protegido.
Como apontou o Dr. Marco Antonio Oliveira de Azevedo – pediatra e filósofo
coordenador do Programa de Bioética do Hospital de Pronto-Socorro de Porto Alegre – RS:
“Promessas são usualmente atos linguísticos que nos vinculam a compromissos de realizar
alguma coisa. E não é pelo fato de não serem , em sentido estrito, protegidas, em toda a sua
extensão, pelo Direito, que somos menos obrigados a cumpri-las”. E ainda conclui que todos os
deveres e compromissos assumidos seriam mais bem interpretados à luz de considerações sobre
virtudes; contudo, promessas são invenções humanas que servem a esquemas cooperativos. E
sendo as ciências jurídicas fruto do consenso dos cidadãos, o que se pode esperar é uma urgente
tomada de consciência voltada para a evolução responsável da humanidade.
102
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como consequência da tecnociência, é fundamental que a sociedade estabeleça uma
reflexão ética contemporânea sobre os avanços científicos ocorridos nas últimas décadas, pois a
coletividade se encontra diante de descobertas e possibilidades nunca imaginadas. Norberto
Bobbio estabeleceu que o Direito pode ser considerado conforme gerações, divididas assim: a)
direitos de primeira geração, ou direitos do indivíduo concebido como pessoa; b) direitos de
segunda geração, ou direitos sociais; c) direitos de terceira geração, ou direitos transindividuais,
que comportam os conceitos sobre meio ambiente por exemplo; d) direitos de quarta geração, ou
direitos das gerações futuras, neste se encontrando situada a matéria ora estudada. O direito à
vida é o mais importante, pois dele decorre todos os demais, e a preservação desse direito
marcará o destino da humanidade. A preocupação social decorrente das dúvidas existentes em
relação ao desenvolvimento tecnológico tem acarretado grandes polêmicas e será sob a luz do
Biodireito que os limites éticos serão construídos para garantia do respeito à dignidade humana.
O livre arbítrio faz parte da natureza humana, e nas situações concretas é comum que se deva
escolher entre dois caminhos; sendo assim, a ética e o direito serão a delimitação da liberdade de
cada um em face da liberdade do outro. Seja qual for a escolha, dela nascerá uma
responsabilidade como elemento moral de toda conduta.
A Constituição Federal garante aos brasileiros o direito ao planejamento familiar e tutela
todos aqueles interessados no acesso às técnicas de RHA - Reprodução Humana Assistida - como
forma de realização de seus projetos parentais; contudo, não determina de maneira profunda
sobre a aplicação e os efeitos jurídicos decorrentes da sua utilização, e
por essa razão a
sociedade clama pela promulgação de uma lei específica.
O Código Civil Brasileiro não disciplinou a problemática oriunda das técnicas da
reprodução humana assistida; mencionou apenas superficialmente sobre a questão e suas
consequências. A forma como é realizada no Brasil a fertilização in vitro acarreta inúmeros
resultados desfavoráveis, e entre eles se encontra o problema dos embriões supranumerários e,
consequentemente, o de sua destinação. Pudemos observar que os embriões excedentes recebem
proteção legal e, durante o tempo permitido legalmente de criopreservação, não poderão ser
simplesmente descartados, destruídos ou doados (seja para outro casal ou para utilização em
experiências), salvo pelo consentimento dos genitores. Todavia, conforme entendimento do STF
103
declarado no julgamento da ADIN nº. 3 510, depois de transcorrido o período exigido de
congelamento do embrião humano, este poderá ser descartado ou destinado para experimentação
científica. Somos favoráveis à doação pré-natal para casais inférteis como destinação mais
adequada dos embriões concebidos in vitro e não transplantados para o útero materno, opção
atualmente mais aceita pela comunidade em geral, por ser a solução com menor ocorrência de
crises de consciência e pelo fato de os embriões humanos fazerem parte do patrimônio da
humanidade. A Lei de Biossegurança poderia possuir maior abrangência sobre esta questão,
porém não atendeu aos anseios da sociedade quanto à normatização a respeito da RHA; os
profissionais da área, assim como as clínicas especializadas em RHA, hoje estão submetidos a
normas administrativas, ou seja, são regidos pela Resolução nº. 1358/92 do Conselho Federal de
Medicina e pelo Código de Ética Médica, que estabelecem a impossibilidade de destruição ou
descarte de embriões humanos e delimitam o número de embriões a fresco a serem implantados
no útero materno, ratificando que ao embrião humano concebido in vitro deva ser resguardado o
direito de ser implantado em útero, sendo este o único meio de proteger sua vida e resguardar-lhe
a dignidade e integridade física. Porém, tal resolução não possui força normativa, pois não passou
pelo crivo do processo legislativo; assim, o desrespeito às suas determinações somente
acarretarão sanções no âmbito administrativo aos infratores. Destarte, a responsabilidade da
decisão sobre a destinação dos embriões criopreservados ficará a cargo do casal, pois, enquanto
não ocorrer a nidação do embrião concebido in vitro no útero materno, este não possui
personalidade jurídica e, portanto, não é considerado sujeito de direito, não havendo, assim, regra
legal que impeça sua destruição. Diante das inúmeras controvérsias e hipóteses de solução,
consideramos que, pelos conceitos e princípios éticojuridicos aqui apresentados, o melhor seria
que não houvesse produção de embriões supranumerários na RHA. Entendemos que o material
genético humano não deva ser considerado simples res, porque possui considerável importância
para as concepções humanas. Não devemos caminhar na contramão dos conceitos universais de
preservação das espécies vivas; o homem, assim como os demais elementos da natureza, forma
um todo, um sistema vivo, em que cada componente possui um papel com extrema relevância.
Hoje, as comunidades se preocupam com a preservação ambiental e com os direitos dos animais
visando a continuidade da vida no planeta, então é primordial que tenhamos um olhar objetivo e
cauteloso sobre todas as formas de ofensa à dignidade e à vida humana, seja ela intra ou
extrauterina.
104
REFERÊNCIAS
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ético-jurídicos. Monografia de conclusão de Pós-Graduação (Pós-Graduação) - Curso de Direito
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Juiz de Fora- UFJF – Juiz de Fora/MG, 2007.
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Acesso em : 08 jan. 2009.
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Jurídica Eletrônica de Direito. Salto : Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, ANO I,
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AVELAR, Ednara Pontes de. Responsabilidade Civil Médica em Face das Técnicas de
Reprodução Humana Assistida. Monografia de Conclusão de Pós-Graduação (Mestrado) –
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