METODOLOGIAS DE CALIBRAÇÃO DE RECIPIENTES COM GRANDE CAPACIDADE VOLUMÉTRICA Elsa Batista, Eduarda Filipe, Henrique Lourenço Instituto Português da Qualidade, Rua António Gião, 2 - 2829 Caparica Palavras Chave: Gravimetria, Volumetria, Incerteza, Recipientes Resumo Este trabalho tem como objectivo o estudo do método gravimétrico e do método volumétrico aplicado á calibração de recipientes graduados utilizados na verificação de bombas de gasolinas e contadores. São indicados os balanços de incertezas e modelos matemáticos para cada método utilizado. Introdução A medição rigorosa dos consumos domésticos de água, bem como dos combustíveis e outros líquidos é fundamental para se efectuarem transações comerciais de forma clara e inequívoca. Os recipientes graduados são conjuntos de medição de líquidos em metal que possuem uma escala amovível, geralmente utilizados para a verificação de bombas auto-medidoras de combustíveis e de contadores de líquidos, devendo estar calibrados de forma a permitir uma medição volumétrica correcta. Esta calibração pode ser efectuada utilizando o método volumétrico ou o método gravimétrico dependendo da capacidade do recipiente . O método gravimétrico consiste na pesagem do instrumento vazio a calibrar, sendo este de seguida cheio com o liquido de calibração (água destilada) e novamente pesado. Pelo cálculo da diferença entre as duas pesagens é obtido o valor em massa da quantidade de líquido contida no recipiente [1]. É um método de elevada exactidão, de pequena incerteza, que não necessita de estruturas específicas. O método volumétrico consiste em escoar uma certa quantidade de líquido para um recipiente e acertando a escala ao volume nominal. É um método bastante expedito e considerado um método de verificação [2], requerendo estruturas específicas como pipetas automáticas [3] ou recipientes volumétricos. Neste trabalho são apresentados os resultados obtidos através do desenvolvimento e aplicação da nova instrumentação do Laboratório de Volume do LCM, em ambos os métodos indicados, quando utilizados na calibração de recipientes graduados com uma capacidade até 2000 L. São também apresentados os balanços das incertezas da calibração destes recipientes, para cada um dos métodos, e descritos os modelos matemáticos respectivos. 1 Método gravimétrico Este método consiste na determinação da massa de água escoada ou contida no recipiente a calibrar. São realizadas duas pesagens uma com o recipiente cheio e outra com o recipiente vazio, utilizando água como líquido de calibração, à temperatura de referência de 20 ºC. Procedimento Após estabilização da balança e verificação da linearidade na zona de calibração, colocar o recipiente na mesma e tarar. Encher o recipiente até abaixo do volume nominal e verificar a temperatura da água. Registar a humidade, pressão e temperatura do ar para se obter a densidade do ar. Acertar o volume até se obter a massa correspondente ao volume nominal e verificar o zero do recipiente. Despejar de seguida o recipiente num ângulo de 60º e quando estiver a gotejar colocar na posição vertical durante 30 segundos [2]. Colocar novamente o recipiente na balança e verificar o volume residual. Encher novamente até perto do zero, verificar a temperatura e acertar o volume até se obter a massa correspondente ao volume nominal. Ajustar a escala e colocar um selo de forma a evitar alterações no resultado da calibração. O volume é calculado através da seguinte formula [2]: V20 = (I L − I E ) × ρ 1 × 1 − A × [1 − γ (t − 20 )] ρW − ρ A ρ B Nesta equação temos: V20 - volume, à temperatura de 20 ºC, em L IL - resultado da pesagem com o recipiente cheio com água, em kg IE - resultado da pesagem com o recipiente vazio, em g ρW - massa volúmica da água, à temperatura de calibração t, em kg/L ρA - massa volúmica do ar, em kg/L (para temperaturas muito próximas de 20 ºC e à pressão atmosférica normal pode ser usado o valor médio de 0,0012 kg/L) ρB - massa volúmica de referência das massas da balança (para massas conformes com a OIML 33, normalmente utilizados, este valor é de 8,0 kg/L) γ - coeficiente de expansão cúbica do material do instrumento de medição, em ºC-1 t - temperatura da água utilizada na calibração, em ºC Cálculo da incerteza Para se calcular a incerteza do volume obtido deve-se ter em conta os factores que vão influenciar essa medição ou seja os componentes de incerteza. O cálculo da incerteza na calibração de recipientes graduados é semelhante ao descrito no trabalho de E. Batista et al [4] onde os componentes da incerteza são os seguintes: 2 ¾ ¾ ¾ ¾ ¾ a incerteza da pesagem, u(m); a incerteza da massa volúmica da água u(ρw), dos pesos da balança u(ρB) e do ar u(ρA); a incerteza da temperatura u(t); a incerteza do menisco umen; a incerteza do coeficiente de expansão cúbica do material u(γ); Assim a fórmula para o cálculo da incerteza combinada é a seguinte: 2 2 1 2 2 2 ∂V20 2 2 2 ∂V20 2 ∂V20 2 ∂V20 2 ∂V20 2 ∂V20 2 2 u (ρw) + u (ρA) + u(ρB ) + u(γ ) + u(V20) = u (m) + u(t) + u(δVmen) ∂t ∂γ ∂ρA ∂ρB ∂ρw ∂m A incerteza expandida é obtida para um intervalo de confiança de 95%, onde k = 2 [5]. Método Volumétrico O método volumétrico consiste em vazar uma certa quantidade de liquido, de um padrão calibrado, para dentro de um recipiente que possua uma escala amovível em unidades de volume. Padrões volumétricos – recipiente “overflow” Os recipientes de volume do tipo “Overflow” do laboratório de volume ( de 20 L a 500 L) são construídos em aço inox, sendo o seu corpo composto pela união de dois cones e que por vezes se encontram soldados a um cilindro; no cone superior, está soldado um tubo de transbordo o qual permitirá o vazamento do líquido em excesso do interior do recipiente. No exterior do cone superior do corpo encontra-se um recipiente de retenção do líquido em excesso permitindo uma descarga controlada. O cone inferior possui ainda uma válvula de vazamento que foi automatizada em 2005. Este tipo de recipientes, que se encontram apoiados num suporte de 2 metros de altura, são específicos para a calibração de recipientes graduados utilizados na verificação de contadores de água até 4000 L. Figura 1 e 2. Figura 1 – Recipientes Overflow Figura 2 – Válvula automática O laboratório de volume possui ainda um banco de padrões volumétrico para calibração especifica de recipientes graduados utilizados na verificação de bombas de gasolina de 1 L a 50 L. 3 Figura 3 – Banco de padrões volumétricos Figura 4 – Padrão de 50 L Todos os padrões volumétricos do laboratório de volume são calibrados por gravimetria utilizando o seguinte procedimento: O recipiente de volume “Overflow” a calibrar deverá ser cheio com água até que haja transvasamento pelo orifício superior do tubo de transbordo, de seguida esvazia-se. Depois de se esvaziar totalmente o recipiente “Overflow” aguarda-se 30 s e recolhe-se a gota que fica na ponta da torneira para o recipiente de pesagem devidamente tarado, mede-se a temperatura da água e regista-se o valor da massa, sendo este o ensaio a seco. Repete-se novamente o procedimento descrito registando-se qual a massa correspondente ao volume escoado, sendo este o ensaio molhado. Mede-se a temperatura da água. Efectuam-se 5 ensaios para recipientes de capacidades inferiores a 100 L e 3 ensaios para recipientes cuja capacidade é de 100 L. Calibração de recipientes graduados por volumetria O padrão volumétrico utilizado na calibração deve ser cheio com água até que haja transvasamento pelo orifício superior, coloca-se o instrumento de medição - que deverá estar limpo e á temperatura do ensaio - por baixo do padrão e a abre-se a torneira completamente, aguarda-se 30 s recolhendo a gota que fica na ponta. Nesta fase deve medir-se a temperatura da água. Volta-se a encher o padrão da mesma forma até que haja transvasamento. Repete-se o procedimento anterior e ajusta-se a escala ao volume nominal. Após a analise do resultado poderá ser necessário realizar um ensaio de confirmação. Pode repetir-se a operação de enchimento do padrão n vezes, até a um máximo de 10, caso o padrão de volume seja n vezes menor que volume nominal do recipiente a calibrar (com n entre 2 e 10). Se o volume do instrumento em teste é verificado a uma temperatura diferente da a temperatura de referencia utiliza-se a seguinte formula para se efectuar a correcção [3]: V20 = Vt * (1 − γ (t − 20)) Onde: V20 - volume, à temperatura de 20 ºC, em L Vt - volume obtido através do padrão volumétrico, à temperatura de calibração (t), em L 4 γ - coeficiente de expansão cúbica do material do recipiente, em ºC recíprocos t - temperatura da água utilizada na calibração, em ºC O método volumétrico é um método essencialmente de verificação, é bastante expedito requerendo estruturas especificas e singulares. Cálculo da incerteza ¾ ¾ ¾ ¾ a incerteza da temperatura u(t); a incerteza do menisco umen; a incerteza do coeficiente de expansão cúbica do material u(γ); a incerteza do padrão volumétrico upadrão Assim a fórmula para o cálculo da incerteza combinada é a seguinte: ∂v u v = ∂ V t 1 2 ∂v × (u (V t ) )2 + ∂γ 2 2 ∂v 2 × (u ( γ ) )2 + × (u ( t ) ) ∂t 2 2 + (u ( men ) ) A incerteza expandida é obtida para um intervalo de confiança de 95% [5]. Resultados Experimentais Calibração de padrões volumétricos Os resultados da calibração dos padrões volumétricos em 2003 e 2005 foram comparados e são indicados na seguinte tabela: Tabela 1 – Resultados da Calibração de recipientes de volume “Overflow 2005 2003 Numero Volume nominal (L) Volume c. Volume c. Incerteza Incerteza verdadeiro verdadeiro (L) (L) (L) (L) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1 2 5 10 20 50 20 50 100 200 1,0002 1,9990 4,9990 9,9987 19,9996 50,0032 19,9935 49,9932 100,00 200,01 0,0003 0,0004 0,0005 0,0007 0,0014 0,0024 0,0014 0,0027 0,03 0,04 1,0001 1,9994 5,0004 10,0004 20,0002 50,0039 20,0061 50,0044 100,03 199,99 11 500 500,07 0,05 500,15 Variação de volume (L) Tolerância (L) 0,0003 0,0005 0,0008 0,0012 0,0032 0,0037 0,0034 0,0066 0,03 0,03 0,0001 -0,0004 -0,0014 -0,0013 -0,0006 -0,0007 -0,0126 -0,0112 -0,03 0,02 0,0005 0,001 0,0025 0,005 0,01 0,025 0,01 0,025 0,05 0,1 0,07 -0,08 0,25 5 Em 2003 os padrões foram calibrados com um tempo de escoamento controlado através da posição de abertura da válvula, após a instalação das válvulas automáticas de abertura total aos padrões de 7 a 11 em 2005, este tempo deixou de existir para todos os padrões, o que resultou numa diminuição do volume e da incerteza (na maioria dos casos), visto que o volume de água que fica nas paredes do recipiente, que é contabilizado é menor e mais eficientemente controlado (o processo de abertura da válvula é agora estável e constante) o que permite realizar os ensaios em melhor condições de repetibilidade. Calibração de recipientes por gravimetria e volumetria Cinco recipientes graduados de volume entre 1 L e 50 L foram calibrados por gravimetria, com acerto de escala e depois verificados por volumetria. Os resultados são apresentados na tabela e na figura seguintes: Tabela 2 – Resultados da calibração de recipientes graduados Numero Volume nominal (L) 1 3 4 5 8 1 5 10 20 50 Gravimetria Volumetria Volume Volume c. Incerteza Incerteza c.verdadeiro verdadeiro (L) (L) (L) (L) 1 0,0003 1,0001 0,001 5 0,0004 4,9985 0,001 10 0,0007 9,9975 0,002 20 0,0014 19,9970 0,004 50 0,0025 49,9908 0,004 Incerteza (L) Gravimetria vs Volumetria 0,0045 0,0040 0,0035 0,0030 0,0025 0,0020 0,0015 0,0010 0,0005 0,0000 Incertezas gravimetria Incertezas volumetria 1 5 10 20 50 Volume (L) Figura 5 – Comparação das incertezas entre métodos Verifica-se que no método gravimétrico, para além de se obter o volume nominal exacto, possui incertezas menores, em algum do casos para menos de metade que no método volumétrico. De qualquer forma os valores obtidos por volumetria são, mesmo assim, bastante razoáveis, encontrando-se dentro da tolerância, de acordo com a tabela 1 e OIML R 120. Em termos práticos (supressão da dificuldade de realização da pesagem para mais de 50 kg e rapidez do ensaio) também é mais vantajoso usar o método volumétrico 6 principalmente para volumes superiores a 50 L, onde os valores de incerteza já se aproximam mais dos obtidos pelo método gravimétrico. Comparação da variação do menisco dos recipientes graduados De acordo com os valores de volume obtidos na calibração de cada padrão volumétrico (tabela 1), é possível determinar o valor teórico da posição do menisco na escala do recipiente graduado a calibrar (proporcional ao erro de cada padrão), e comparar com o valor obtido experimentalmente, utilizando o método volumétrico. A diferença entre o valor teórico e o valor experimental pode ser convertida em volume e comparada com os valores de tolerância tabelados. Tabela 3 – Comparação da variação do menisco na escala dos recipientes graduados Numero Volume nominal (L) 1 3 4 5 8 1 5 10 20 50 Diferença Erro Variação Variação da Volume Diferença Tolerância em associado teórica experimental padrão (L) (mm) (L) volume (L) (mm) (mm) (L) 1,0002 4,9990 9,9987 19,9996 49,9932 0,0002 -0,0010 -0,0013 -0,0004 -0,0068 0,20 -0,44 -0,27 -0,04 -0,74 0,1 -0,6 -0,5 -0,3 -1 0,10 -0,16 -0,23 -0,26 -0,26 0,0001 -0,0004 -0,0011 -0,0025 -0,0024 0,0005 0,0035 0,0050 0,0100 0,0250 Variação da posição do menisco na escala 0,40 Variação (mm) 0,20 0,00 -0,20 Variação teórica -0,40 Variação experimental -0,60 -0,80 -1,00 -1,20 1 5 10 20 50 Volume (L) Figura 6 – Comparação da variação da leitura do menisco Verifica-se que existe alguma perda de volume durante o transvasamento do padrão para o recipiente visto que o valor da posição do menisco é sempre inferior ao teórico, mas esta variação é inferior á tolerância do instrumento, logo é aceitável. Esta perda de volume é possivelmente devido á evaporação, ou a pequenos salpicos que possam ocorrer durante o transvasamento. 7 Conclusão A aplicação de válvulas automáticas nos padrões volumétricos do laboratório de volume do LCM, assim como uma optimização do método e a experiência continua do operador permitem obter resultados mais fiáveis e com menor incerteza, na operação de calibração dos referidos padrões. Na calibração de recipientes graduados, o método gravimétrico permite a obtenção de resultados com menor incerteza, mas o método volumétrico é mais expedito (principalmente para recipientes de volume superior a 50 L), sendo que os erros obtidos encontram-se dentro das tolerâncias permitidas por norma. Também se verifica que existe alguma perda de volume durante as operações de transvasamento no método volumétrico, mas que são insignificantes face ao volume a calibrar e a tolerância de cada padrão/instrumento. Referências [1] - OIML R 120 (1996) – Standard capacity measures for testing measuring systems for liquids other than water. [2] - ISO 4787 Laboratory glassware (1984)- Volumetric glassware - Methods for use and testing of capacity. [3] - OIML D 26 (1999) - Glass delivery measures - Automatic pipettes. [4] - E. Batista, A. Sabrosa, M.C. Ferreira, I. Castanheira, A.M.H. van der Veen, Uncertainty Calculation in the Calibration of Volumetric Laboratory Glassware, IX Congresso Internacional de Metrologia, Brasil (2000). [5] - Guia para a expressão da incerteza de medição nos Laboratórios de Calibração, IPQ (1998) 8