PRODUÇÃO A guerra dos volumes - Parte I - Eu sempre fui fã de velharia, como Led Zeppelin, Beatles, Secos & Molhados, Jimi Hendrix, Mutantes, Deep Purple, Rita Lee & Tutti Frutti, Pink Floyd, A Cor do Som, etc. Mas também gosto de coisas modernas, como Foo Fighters, Yellow Cards, Skank, The Casanovas, Jet, entre outros. Isso quer dizer que eu tenho tanto discos antigos quanto novos na minha coleção. E às vezes eu coloco um do Pink Floyd e, em seguida, boto um do Foo Fighters. Ricardo Mendes é produtor musical, formado pelo Guitar Institute of Technology, autor do método Guitarra - Harmonia, Técnica e Improvisação, e professor da EM&T. 34 www.backstage.com.br A primeira coisa que fica evidente é que os CDs de hoje têm muito mais pressão sonora. O volume é bem mais alto. Para o leigo, parece que é mais “bem gravado”. Mas o que eu tenho que fazer? Eu ajustei no meu som um volume que me pareceu confortável e quando entra um CD com um volume bem mais alto eu tenho que ir lá e diminuir o som. Ou seja, todo o “trabalho” para se conseguir uma maior pressão sonora foi por terra, porque o ouvinte tem o poder de determinar o volume em que ele quer escutar o CD. Fica um pergunta: se é o ouvinte que determina em que volume o CD vai ser escutado, por que esta busca insana por mais volume? Vejamos agora a situação contrária: eu estou escutando um CD atual e depois boto um CD de uns 20 anos atrás, que toca bem mais baixo. Eu vou lá e aumento o volume... Isso acontece no dia-a-dia de qualquer cidadão. Mas depois de fazer isso várias vezes, resolvi experimentar no meu estúdio com uma monitoração profissional e quase caí para trás. Constatei o preço alto que se paga na guerra dos volumes. Coloquei dois discos feitos no início da década de 90 (um do Seal e outro do Pink Floyd) e aumentei o volume deles até que chegassem ao mesmo volume de um disco atual e fiquei chocado. Eles soam infinitamente melhor. Após fazer essas comparações, vi quanta coisa estamos perdendo nos dias de hoje e até me arrisco a dizer que isto pode ter alguma influência no fato de os discos de hoje ficarem com um som “datado” extremamente rápido, e eu escuto Led, Hendrix e Beatles e acho o som moderno e instigante até hoje. A maioria dos discos atuais, especialmente na música pop, é extremamente comprimida para que se atinja uma pres- são de som maior, mas isso acaba com uma componente da música, que é a dinâmica, que é a variação de intensidade em diferentes momentos da música, e é justamente esta componente que descansa os nossos ouvidos. Uma música sem dinâmica é extremamente fatigante aos ouvidos. Os discos de hoje, à medida que vamos aumentando o volume, vão se tornando ásperos aos nossos ouvidos, os de antes do advento da guerra dos volumes vão se tornando envolventes. Veja que paradoxo se instaura: o motivo da guerra dos volumes seria “obrigar” o ouvinte escutar o seu CD mais alto do que os outros, mas essa compressão que se usa para se conseguir este volume todo, torna o disco cansativo e faz o ouvinte abaixar o volume. Já um disco com mais dinâmica é mais agradável de ser escutado e permite que se coloque mais volume. Ou seja, a guerra dos volumes acaba causando exatamente o contrário do que os seus generais desejam. Então por que ainda se faz isso? Boa parte da culpa está nos artistas. Eles, de certa maneira, também participam da guerra dos volumes. O artista sai com o CD do estúdio e aí ele encontra um amigo que também acabou de gravar um CD, e eles vão ouvir um o disco do outro. Aí, um constata que o CD do outro toca bem mais alto do que o outro e pensa: o meu ficou magrinho... Então, ele volta ao estúdio e fala: o som ainda não está bom. O CD do meu amigo “engoliu” o meu. Mas vamos dizer que o engenheiro remasterizou e agora o CD ficou bem mais alto do que o do amigo dele e os dois vão escutar os CDs juntos de novo. O segundo amigo agora é que pensa: o CD dele agora está bem mais alto que o meu. Acho que vou remasterizar o meu de PRODUÇÃO novo. Pronto. Está deflagrada a guerra dos volumes. Afinal, ninguém quer um disco magrinho que toca mais baixo dos que os outros. Você ia querer o seu disco tocando mais baixo do que os outros? O que um engenheiro de masterização consciente faz? Ele tem que achar um ponto de equilíbrio entre preservar uma quantidade razoável da dinâmica da música, o que a torna mais agradável de ser ouvida, e por outro lado colocar uma pressão sonora para que o disco tenha uma sonoridade competitiva com o que é lançado no mercado. Se você não apertar muito na compressão pode ser que a sua música fique um pouco mais baixa do que a do Linkin Park, mas pode ser que ele fique com um som mais agradável e faça as pessoas aumentarem o volume do som quando estiverem escutando. te cortar abaixo de 20 Hz? Use um compressor multibanda na região grave. Se você comprimir os graves, estará também retirando grave do espectro da música, mas criará uma ilusão acústica de que o grave ainda está lá. Isso abrirá mais espaço para o headroom. Neste caso, o princípio da psicoacústica joga a nosso favor. Alguns plug-ins, como o MaxxBass da Waves, isolam o grave, como um compressor multibanda, e geram harmônicos em uma região mais acima. A nossa mente, ao escutar esses harmônicos, preenche a fundamental, nos fazendo escutar um grave que não está lá. Parece coisa de maluco, mas acontece. Este princípio, apesar de não ser concreto, é altamente eficiente. Vamos a algumas dicas práticas: Ao contrário da mídia analógica, o áudio digital grava e reproduz bem freqüências muito baixas, abaixo de 20 Hz, especialmente em algumas operações de pitch shifter para baixo e até em algumas operações de DSP que controlam sinais, como faders para impor seu espectro no áudio. Mesmo sendo estas freqüências inaudíveis ao ouvido humano, elas consomem um espaço no headroom. Você provavelmente conseguirá 1 ou 2 dBs a mais no seu headroom simplesmente removendo tudo o que existir abaixo de 20 Hz através de um filtro de high pass (ou low cut). Mas lembre-se de uma coisa: se o projeto estiver sendo masterizado no mesmo estúdio onde foi mixado, sempre existe a possibilidade de fazer esta filtragem nos tracks individuais da música, especialmente os de freqüências baixas, como baixo, bumbo, surdo, synths graves, etc. Isso eliminaria a necessidade de filtrar a música inteira. E como fazer isso de maneira mais específica do que simplesmen- 36 www.backstage.com.br Outro ponto a se tomar cuidado é o DC offset. O DC offset é um efeito colateral dos conversores digitais-analógicos que criam picos acima do áudio real. Ou seja, ele reduz o headroom porque os picos negativos e os positivos são reduzidos pela quantidade de offset. Removendo o offset residual, usando a função “remove DC offset”, encontrada na maioria dos editores de áudio digital, esta função centra a waveform por volta do ponto 0V, permitindo assim um sinal ainda maior para a mesma quantidade de headroom dada. Mês que vem continuamos com a segunda batalha da guerra dos volumes. Abraços. e-mail para esta coluna: [email protected]