OPINIÃO OPINIÃO Jesus, modelo de animação vocacional O Filho de Deus nos deu uma grande certeza: sempre estará no meio de nós. Este encontro com o Ressuscitado não acontece no túmulo, mas na caminhada da vida, na caminhada da Igreja. A história dos discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-35) nos aponta Jesus como modelo de animador vocacional, mostrando como acontece este encontro na vida. Ele desperta os vocacionados. Jesus aproxima-se da realidade dos vocacionados, os quais iam para Emaús fugindo da tragédia de Jerusalém. Jesus faz o caminho com eles. Mistura-se, encarna-se, coloca-se no meio sem fazer barulho. Provoca, desperta, toma iniciativa. Jesus acolhe a reação dos vocacionados com interesse e atenção. “O que foi?” Sente a dor dos discípulos, sente a dor dos vocacionados. Ele escuta, deixa falar, silencia para ouvir, deixa a pessoa ser, dá atenção à história pessoal dos vocacionados. Ele ajuda a discernir a vocação. Jesus mostra as possíveis ilusões, as falsas expectativas; aponta para a verdade que liberta, propõe o que deve ser, chama para a realidade; fala claro, não negocia o inegociável. Seu verbo é transitivo direto: “Como vocês dois têm a cabeça dura! Não conseguem entender certas coisas!” Ele catequiza, põe os vocacionados em contato com a Palavra que chama. Respeita as etapas do discernimento. Ele cultiva o germe da vocação. Jesus cria gosto, amor, paixão, educa o querer e o desejo, presta atenção às reais necessidades dos vocacionados: “Fica conosco...”. No ca- Rogate 277 nov/09 minho já despertou alguma coisa boa no coração dos dois; faz do acompanhamento vocacional um processo pedagógico que encanta. Fica com eles. Partilha a própria vida, a própria experiência: “Entrou para ficar...”. O que fica para sempre é a experiência de vida; oferece algo concreto que vai permanecer para sempre. Ele acompanha o processo vocacional. Jesus “sentou-se à mesa”. Isso é próprio do ser que é livre, aquele que quer dar atenção ao outro: dedica-se, não anda correndo, dá prioridade, deixa as suas coisas para permanecer com os vocacionados, faz refeição, reza com os vocacionados, tem paciência, sabe esperar o momento certo. Mas também sabe retirar-se: “desapareceu da frente deles”. Isso significa que o animador e a animadora vocacional não devem ser “muleta” ou “cadeira de rodas”, nem tampouco “colo” para os vocacionados. Precisamos promover vocações “adultas”, responsáveis e livres. Ele capacita os discípulos. Faz deles vocacionados com visão crítica, com maturidade, com a capacidade de caminharem com os próprios pés, responsáveis: “os olhos dos discípulos se abriram...”. Transforma-os em vocacionados animados, entusiasmados, fascinados: “Não estava ardendo o nosso coração?”. Deixa-os com disposição, com prontidão, corajosos, com vontade, com garra: “Na mesma hora, eles se levantaram...”. Ajuda-os a inserir-se na comunidade: “...voltaram a Jerusalém...”. Sandro Luiz Cuesta Cristão Leigo, animador vocacional 1 EDITORIAL E NESTA EDIÇÃO sta edição chega com um questionamento sério, embora para alguns a resposta seja muito evidente e rápida, negando ou simplesmente tentando justificar uma frequência de atitudes do dia a dia que demonstra uma outra resposta. O estudo “Consciência Negra: até que ponto?” vem para nos conscientizar ainda mais sobre a real situação de discriminação e preconceitos presentes em nossa sociedade, especielmente em relação aos afrodescendentes. Vigiar nossas ações e as de nossos mais próximos, mostrando as situações de discriminação e preconceito, é uma forma de superar o problema cada vez mais e colaborar para a inclusão social. Outro destaque é o início de uma série de artigos de Amedeo Cencini sobre os animadores da juventude, também chamados, no Brasil, de assessores ou líderes (cf. seção “Animação Vocacional”). Cencini, no artigo desta edição, justifica o uso do termo “animador” para aqueles que têm este desafio de acompanhar a formação dos jovens. Na “entrevista” deste mês fomos conversar com o primeiro religioso irmão a se tornar presidente na história da CLAR (Confederação Latino-americana e Caribenha de Religiosos e Religiosas), Ir. Paulo Petry. Vale a pena conferir! Entrevista Vocação à vida religiosa Estudo Consciência Negra: até que ponto? Lançada em maio de 1982, a revista Rogate tem registro de matrícula em São Paulo, 01/10/87, no Livro B de Matrículas do 1º Cartório de Registros de Títulos e Documentos, sob o nº 98.906, nos termos dos artigos 8º e 9º da Lei Federal nº 5.250, de 1967. A revista é de propriedade dos Rogacionistas do Coração de Jesus, em colaboração com as revistas: Rogate Ergo e MondoVoc (ltália), Vocations and Prayer (EUA) e Rogate Ergo (Filipinas). 2 Os artigos assinados não expressam, necessariamente, a opinião da Revista 11 Especial No caminho do “discipulado missionário” - 3ª parte 16 Animação Vocacional Procura-se desesperadamente animadores da juventude 18 Informação 21 Leitor 23 Mística da Vocação São Gaspar, de seu coração acendeu uma luz para o Brasil 24 ENCARTES A Turma do Triguito Celebração Vocacional O Advento nos transforma Capa: No primeiro plano, jovens participantes de curso em São Paulo (SP); ao fundo, jovens de Guarapuava (PR) em Curso de Dinâmica para Líderes - CDL (cf. www.ccj.org.br). Ser animador da juventude é um desafio (ver seção “Animação Vocacional”). DIRETOR DE REDAÇÃO SEDE CENTRAL/CONTATOS Juarez Albino Destro Direção, Editoria, Secretaria e Administração: Tel./Fax: (11) 3932-1434 / 3931-3162 E-mail: [email protected] Http://www.rogate.org.br Rua Comandante Ferreira Carneiro, 99 02926-090 São Paulo SP Brasil EDITOR Ano XXVIII - nº 277 Novembro de 2009 03 Jefferson Silveira COLABORADORES Armando Del Mercato (capa), Guido Mottinelli (Animação Vocacional), Osmar Koxne (Triguito) e Patrício Sciadini CONSELHO EDITORIAL Izabel Bitencourt Pereira, Dárcio Alves da Silva, Dilson Brito da Rocha, Maria da Cruz Santos, Cláudio Feres e Therezinha Brito Feres JORNALISTA RESPONSÁVEL Ângelo Ademir Mezzari - Mtb 21.175 DRT/SP IMPRESSÃO Gráfica e Editora Linarth Ltda - Curitiba (PR) ASSINATURA ANUAL Nacional: 50 reais (10 edições ao ano) Exterior: África, Ásia e Oceania - 50 dólares América - 30 dólares Europa - 50 euros Pagamento por Boleto Bancário, Cheque Nominal, Vale Postal (agência 72.300.159-SP) ou Depósito Bancário - Banco Bradesco, agência 117-1, conta número 92.423-7, Centro Rogate do Brasil (CNPJ: 83.660.225/0004-44). Neste caso, enviar o comprovante por fax, correio ou e-mail, com nomeRogate e endereço completos. nov/09 277 ENTREVISTA ENTREVISTA Vocação à vida religiosa Vice-presidente da CRB e provincial de sua congregação, o Lassalista Paulo Petry é o novo presidente da CLAR, primeiro religioso irmão a ser eleito para esta missão em 50 anos de história da entidade Fotos: Arquivo Pessoal N o final do mês de julho, em Bogotá, Colômbia, foi realizada a 17ª Assembleia Geral Eletiva da Confederação Latino-americana e Caribenha de Religiosos e Religiosas (CLAR), e o Congresso da Vida Religiosa e Teologia Latino-americana, em comemoração ao jubileu de 50 anos da entidade. Na ocasião foi eleito para a presidência o Lassalista Paulo Petry, primeiro religioso irmão a se tornar presidente na história da CLAR. Oitavo filho de uma família de nove irmãos, Paulo Petry nasceu no dia 1º de julho de 1958, em Arroio do Meio (RS), mas dois anos depois mudou-se com a família para Itapiranga (SC), divisa com a Argentina. Como o próprio Ir. Paulo afirma, “a semente vocacional, depositada pelo Senhor da Vida, foi cultivada em minha família por todo um ambiente fraterno, de serviço e oração”. Aos 11 anos entrou no seminário dos Padres Jesuítas, mas aos 16, após um processo de discernimento, deixou o seminário. Aos 20 anos ingressou no Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs – Irmãos Lassalistas –, em Curitiba Rogate 277 nov/09 (PR), onde professou em 1980, emitindo votos perpétuos em 1988, na cidade de Araruama (RJ). Por um ano estudou em Roma, Itália, a espiritualidade, a pedagogia, a história e o carisma do fundador de sua congregação, São João Batista de La Salle, Patrono Universal dos Educadores. Ir. Paulo Petry formou-se em Ciências Religiosas, Pedagogia e Teologia. Fez pós-graduação em Comunicação Social, mestrado em Filosofia e doutorado em Ciências. Atuou por vários anos na pastoral da juventude e pastoral vocacional, coordenando estas pastorais na própria Província. Está no segundo período como superior provincial da Província Lassalista de São Paulo, e é também vice-presidente da Conferência dos Religiosos e Religiosas do Brasil (CRB). Entre suas inúmeras atribuições e viagens, Ir. Paulo Petry concedeu esta entrevista à revista Rogate. Rogate: A 17ª Assembleia Geral Eletiva da CLAR e o Congresso da Vida Religiosa e Teologia Latino-americana (19 a 27 de junho de 2009) foram dois momentos fortes 3 ENTREVISTA este ano para a Vida Religiosa Consagrada (VRC). Qual a importância de eventos como estes para a caminhada da VRC na América Latina e no Caribe? Ir. Paulo Petry: O Congresso Teológico, comemorativo dos 50 anos da CLAR, foi um momento privilegiado de encontro com a Palavra de Deus e com a realidade latino-americana. O encontro com a Palavra deu-se de modo especial através das celebrações, dos momentos litúrgicos e da Eucaristia. Os mais de 800 participantes, religiosos e religiosas da América Latina e do Caribe, bem como de outros continentes, puderam, por outro lado, ter um contato com a realidade continental por meio da reflexão conduzida por diversos teólogos e teólogas de renome, e também do contato com outros religiosos e religiosas presentes. Eventos como a 17ª Assembleia Geral Eletiva da CLAR, dentro da qual se celebrou o congresso, ajudam a VRC a refletir a própria história, a buscar caminhos para manter a fidelidade criativa ao evangelho e aos diferentes carismas, a se organizar para melhor assumir sua missão na Igreja e no mundo, e a fortalecer os laços que constroem a fraternidade. Através destes tipos de eventos, a CLAR ressalta a sintonia que deve existir na Igreja, Povo de Deus, Comunhão. Busca também a unidade na pluralidade dos carismas que nasceram a partir dos diversos fundadores e fundadoras, em diferentes épocas e lugares, e que tanto enriquecem a Igreja. Sendo assim, as assembleias, os congressos e seminários promovidos pela CLAR e pela CRB procuram contribuir para o crescimento, a formação continuada e o revigoramento dos religiosos e religiosas, e solidificar seu envolvimento e compromisso com o projeto do Reino de Deus. 4 Rogate: Como se organiza institucionalmente a Vida Religiosa Consagrada na América Latina e no Caribe? Ir. Paulo Petry: Com sede em Bogotá, Colômbia, a CLAR é um organismo internacional de direito pontifício, erigido pela Santa Sé no dia 2 de março de 1959. Relaciona-se com ela através da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica. A CLAR tem como objetivo a animação e coordenação das Conferências Nacionais de Superiores e Superioras Maiores da América Latina e do Caribe, presentes em 22 países. A CRB, que integra a CLAR, tem a sua sede em Brasília (DF). É possível conhecê-la pelo site (www.crbnacional.org.br). A CLAR é integrada por cerca de 140 mil religiosos e religiosas da América Latina e do Caribe, organizados em congregações, ordens, institutos e associações. No Brasil, entre religiosos e religiosas, passamos de trinta mil pessoas. Rogate: Na Assembleia Eletiva da CLAR, o senhor foi eleito presidente da entidade. Como recebeu a notícia e o que espera desta nova missão? Ir. Paulo Petry: Destaco inicialmente que nos 50 anos de existência da CLAR pela primeira vez é eleito um religioso irmão. Antes apenas religiosos presbíteros e religiosas haviam sido presidentes. No dia 27 de junho de 2009, o presidente anterior da CLAR, Pe. Ignácio Madeira, Salvatoriano, transmitiu-me o cargo, e neste mesmo dia assumi a presidência. Recebi esta nova missão com um misto de alegria e preocupação, mas com a certeza de que o mesmo Deus que me chama é o mesmo que me dá a graça e os dons necessários para animar, coordenar e representar a VRC da América Latina e do Caribe. ColoRogate 277 nov/09 ENTREVISTA co-me na disposição de servir da melhor forma possível o povo de Deus e a VRC, de proclamar a beleza e o valor da consagração total ao Senhor, o Deus da Vida, e de convocar a VRC do continente para ser hoje e sempre um testemunho místico/ profético dos valores do Reino, em defesa da vida. Rogate: Na atual gestão da CRB nacional o senhor é o 1º vice-presidente da entidade. Como conciliar as missões de provincial de sua congregação, vice-presidente da CRB e presidente da CLAR? Ir. Paulo Petry: Sou provincial da Província Lassalista de São Paulo até 2011. Sou vice-presidente da CRB até julho de 2010, e presidente da CLAR até 2012. É possível conciliar estas missões, pois a diretoria da CRB nacional é composta por presidente e mais um grupo de dez religiosos e religiosas, sendo todos, por estatuto, provinciais ou superiores gerais. A atual presidente é a Ir. Márian Ambrósio, da Divina Providência, e é o único membro da diretoria nacional que vive na sede da CRB, em Brasília, com dedicação exclusiva. Os outros membros da diretoria se reúnem umas cinco vezes ao ano para rever, avaliar, animar, coordenar e projetar a VRC no Brasil. Para ser presidente da CLAR, também por estatuto aprovado pela Igreja, é necessário que ao ser eleito e assumir esta missão o religioso ou a religiosa seja provincial ou superior ou superiora geral. Assim se explica que uma mesma pessoa assuma três funções tão exigentes. Como provincial, sou assessorado pelo conselho provincial, um grupo de irmãos que, em Rogate 277 nov/09 reuniões periódicas, auxilia a governar a Província. Como presidente da CLAR tampouco estou só. A entidade é presidida por um grupo humano e pluricultural, que representa a todos os religiosos e religiosas da Amérca Latina e do Caribe por mandato da Assembleia Geral. Assim, junto comigo, assumem a presidência da CLAR quatro vice-presidentes e um secretário geral. Este último vive em Bogotá, é de dedicação exclusiva, e com uma equipe realiza todos os trabalhos práticos do dia a dia. Para o período de 2009-2012, além de mim, a presidência da CLAR conta com a presença de Ir. Mercedes Casas, superiora geral das Missionárias Filhas do Espírito Santo, México; Pe. Juan Pablo Zabala Torres, provincial dos Salesianos, Bolívia; Ir. Rosa Lenis Gutiérrez, superiora geral das Filhas da Alta Graça, República Dominicana; Ir. Ángel Medina, provincial dos Irmãos Maristas, Paraguai; e Pe. Gabriel Naranjo (secretário geral), exprovincial dos Vicentinos, Colômbia. Rogate: Acredita que a união entre CLAR e CRB pode ser ainda maior a partir de agora? Ir. Paulo Petry: Observando os recentes passos de ambas instituições eclesiais, vejo que é uma relação de ‘entre-ajuda’, de um mútuo animar-se, de uma busca de objetivos comuns e de desafios parecidos que se apresentam. Afinal, como religiosos e religiosas brasileiros, os desafios que enfrentamos são parecidos com os dos outros países do continente: a intercongregacionalidade; novas gerações na vida consagrada, aspectos de seu processo forma5 ENTREVISTA tivo inicial e permanente; necessidade de construir redes afetivas e efetivas como, por exemplo, o diálogo intra e extra eclesial para a comunhão; novos paradigmas; antigas e novas pobrezas; novas culturas juvenis; aspectos ecológicos; questões ecumênicas, interreligiosas e interculturais; complexidade da violência e do crime organizado; efeitos devastadores dos modelos econômicos vigentes; novas configurações políticas na América Latina e no Caribe; mundo global digital. Em tudo isto, a CLAR e a CRB buscam somar forças, e é de supor que estejamos muito unidos em defesa da vida, dom precioso que recebemos do Criador. Desde a minha eleição como presidente da CLAR, esteve muito presente em todo o processo a presidente da CRB nacional, Ir. Márian, e dela ganhei valioso incentivo. Os outros membros da diretoria da CRB motivaram-me, e recebi inúmeras manifestações de apoio por parte de religiosos e religiosas de todo Brasil. Minha gratidão a todos, na esperança de que juntos possamos fazer e proclamar as maravilhas que o Senhor deseja realizar através dos seus servos e servas neste imenso continente. Rogate: Qual o panorama do campo de atuação dos religiosos e religiosas? Ir. Paulo Petry: No momento o destaque maior no continente pertence às mulheres consagradas, religiosas, que em geral estão inseridas nas realidades mais sofridas do nosso povo: hospitais, escolas, creches, asilos, periferias, regiões de conflito, luta pelos direitos humanos, luta contra o tráfico de seres humanos, defesa dos migrantes, luta pela terra, pela moradia, por melhores condições de vida, e discussão das questões de gênero... Algumas religiosas, como também irmãos e presbíte6 ros religiosos, vivem sob contínua ameaça de morte, por causa de seu testemunho e defesa da vida. Rogate: É uma vocação ao serviço... Ir. Paulo Petry: Deixando de lado números, estatísticas e quantidades, poderíamos abordar o panorama a partir do que somos “Vida Religiosa Latino-americana e Caribenha”, ou seja, a partir de como nos vemos, expressamos, sentimos e vivemos. Somos pessoas, homens e mulheres, que se consagram ao Deus da Vida, o único Absoluto de nosso existir. Podemos dizer também que alimentamos uma espiritualidade integradora da vida. Buscamos aprimorar e revitalizar a formação para a VRC. Apresentamos a VRC hoje como um serviço a favor da vida, como uma alternativa válida para as mudanças sociais e culturais necessárias aos diferentes povos da América Latina e do Caribe. Por isso a CLAR, bem como as Conferências Nacionais de Religiosos e Religiosas, incentivam para além da formação religiosa, também a formação para o diálogo, a consciência crítica, a solidariedade, a justiça, a defesa da vida e do meio ambiente. A CLAR promove congressos, retiros, encontros, cursos e seminários para a vida religiosa. Estes têm sido de grande proveito, motivando a um testemunho místico-profético ante os desafios do mundo atual. Além da formação e da reflexão oferecidas nestes diversos encontros, a CLAR forma e informa on line, através do site (www.clar.org). Rogate: Há uma ampla produção de subsídios para a VRC? Ir. Paulo Petry: Com a Equipe de Teólogos e Teólogas, que assessora a presidência, a CLAR tem produzido vários subsídios que vêm enriquecendo a VRC e que Rogate 277 nov/09 ENTREVISTA contribuem muito para uma teologia de rosto latino-americano e caribenho. Destaco aqui o Projeto “Seguir Jesus”, com a Leitura Orante da Bíblia. Sem querer ser exaustivo, refiro-me também aos boletins, aos impressos e à revista da CLAR, com quatro edições anuais. Estes materiais impressos vêm informando e formando religiosos e religiosas do nosso continente, podendo ser mais bem conhecidos e adquiridos por intermédio do site. Rogate: Em setembro de 2010, a Igreja do Brasil celebra o 3º Congresso Vocacional. E em fevereiro de 2011 será realizado, na Costa Rica, o 2º Congresso Vocacional Latino-americano. É um sinal de que o tema vocações tem merecido uma especial atenção na Igreja da América Latina? Qual sua expectativa em relação a estes eventos? Ir. Paulo Petry: Cada congresso é oportunidade ímpar que impulsiona, motiva e desperta as pessoas envolvidas para um compromisso maior com a construção do Reino de Deus. Tal como os congressos, também os encontros vocacionais promovidos por dioceses, paróquias e congregações, buscam oferecer à juventude meios para melhor discernir os caminhos do Senhor. O despertar vocacional e o acompanhamento dos vocacionados e vocacionadas é uma ação pastoral constante da Igreja. Afinal, é um mandato do próprio Filho de Deus, que primeiramente convocou seus discípulos, depois os enviou e finalmente mandou que fizessem de todos os povos discípulos seus (cf. Mt 28,19). Portanto, se a CLAR e a CRB quiserem ser fiéis ao mandato de Jesus Cristo, a pastoral vocacional deve fazer parte da vida de cada religioso e religiosa em particular, ser prioridade em todos os institutos religiosos, e deve ser uma ação contínua e organizada da Igreja. Rogate 277 nov/09 Os jovens e as jovens têm o direito de conhecer mais e melhor os diversos carismas e os modos distintos de seguir e servir o Deus da Vida. Daí a importância de congressos como estes que vamos promover em 2010, no Brasil, e em 2011, na Costa Rica. Os congressos que vamos celebrar proximamente no Brasil e na Costa Rica nos dizem, sim, que a animação vocacional é necessária, importante e um modo de revelar aos jovens toda riqueza de caminhos possíveis quando se deseja dar a resposta positiva ao chamado de Deus. Rogate: E na sua vocação, em especial, o que o motivou a seguir a VRC e que caminhos trilhou até se tornar um irmão Lassalista? Ir. Paulo Petry: O que está no coração da criança e do adolescente nem sempre é fácil de decifrar. No entanto, voltando o olhar para o meu passado, posso afirmar que tanto a vocação quanto a vida de fé em mim foram alimentadas desde a mais tenra idade. Primeiro meus pais me inseriram no corpo da Igreja através do sacramento do Batismo. Tive a graça de nascer em uma família que fez questão de cultivar a vida de fé, a fraternidade, a harmonia, a alegria e tantos outros valores humanos e cristãos. Juntos brincávamos, juntos passeávamos e juntos cultivávamos a pequena roça, na Linha Ervalzinho, no município de Itapiranga, extremo oeste catarinense. Portanto, juntos assumíamos o compromisso de nos sustentarmos, de cuidarmos um do outro... Todos os dias, no final da jornada, rezávamos o terço, primeiro no colo dos pais, quando muito pequenos, e logo, já maiorzinhos, todos ajoelhados ao redor da mesa, antes do jantar. Quando eu digo todos, quero dizer meus pais, minhas cinco irmãs e meus dois ir7 ENTREVISTA mãos (a primeira irmã faleceu com poucos dias de vida, portanto não a conhecemos). Após esta oração diária, enquanto se preparava o jantar, juntos cantávamos alguns cânticos religiosos, normalmente um à nossa querida mãe, Maria, e outras tantas canções populares. Com isto, e com a missa ou o culto dominical na comunidade, creio que as sementes lançadas em meu coração infantil foram sendo regadas, puderam brotar e dar frutos. Poderíamos dizer que tive a graça de receber desde pequeno estas sementes da vida espiritual, sementes de vida fraterna e de compromisso com o outro. Rogate: Por que optou pela Congregação dos Irmãos das Escolas Cristãs? Ir. Paulo Petry: Ao entrar em contato com os irmãos Lassalistas, a vida comunitária e a vida de oração deles me encantaram. É claro que esta foi a motivação imediata ao conhecer a congregação, quando tinha 18 anos. No entanto, como já disse anteriormente, as sementes estavam lançadas desde minha infância. Deus tem os seus meios e modos de chamar, e ele mesmo nos dá a graça de ouvir este chamado. As lições aprendidas em casa, na escola e na catequese conduziram-me a optar pela vida religiosa. Minha primeira inspiração foi seguir o sacerdócio, já que esta era a única forma que conhecia de me consagrar ao projeto de Deus. Vivi uma rica e maravilhosa experiência como seminarista, durante cinco anos, no seminário menor dos Padres Jesuítas, em Salvador do Sul (RS) e em Florianópolis (SC). Contudo, auxiliado pe8 los padres orientadores, discerni que esta não era minha vocação. Retirei-me do seminário aos 16 anos e fui acolhido outra vez por minha família, com muita alegria e compreensão. Enquanto concluía o Ensino Médio, sem perder jamais o contato com a vida eclesial, sem esmorecer em minha fé ainda incipiente, continuei participando do grupo de jovens, em Itapiranga. Aos 18 anos fui convocado pelo exército brasileiro e passei por Curitiba rumo a Brasília, onde prestei o serviço militar. Eis que de passagem pela capital paranaense, por intermédio de um colega de infância que era noviço na época, conheci os irmãos Lassalistas, e de imediato me encantei com o modo como viviam em comunidade. Juntos rezavam e estudavam, juntos praticavam esportes e lazer, e juntos assumiam a missão de educar e evangelizar. A vida de oração, a vida em comunidade e o compromisso com a educação, eis algumas provocações que me fizeram escolher este modo de seguir Jesus Cristo Mestre. Rogate: Curioso a nomenclatura da congregação: Irmãos das Escolas Cristãs! Ir. Paulo Petry: A sigla que identifica a nossa congregação é “FSC”, vem do latim, Fratres Scholarum Christianarum, que foi traduzido ao português como Irmãos das Escolas Cristãs. Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs é o nome oficial da congregação. Irmãos Lassalistas é o nome popular que nos foi dado por causa de São João Batista de La Salle, nosso Santo Fundador e Patrono Universal dos EducadoRogate 277 nov/09 res. Nosso Instituto está presente em mais de 80 países. Apesar de termos sido fundados na França, a sede central da congregação encontra-se atualmente na Itália, em Roma. O Instituto está organizado em cinco grandes regiões – África; Ásia/Oceania; América do Norte; América Latina; Europa –, e dentro destas regiões, em Províncias. No Brasil, através das duas Províncias, a de Porto Alegre e a de São Paulo, estamos presentes nos estados do Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Tocantins e no Distrito Federal (www.lasalle.com.br). Atuamos desde a Educação Infantil até o Ensino Superior. Desenvolvemos também o nosso trabalho e cultivamos nosso carisma através de obras de assistência social e do trabalho missionário no Piauí, em Sergipe, e há 16 anos também em Moçambique, África. Rogate: Fale-nos um pouco da responsabilidade de ser provincial. Ir. Paulo Petry: É uma responsabilidade para a qual se requer alguns dons e graças, que só mesmo o Senhor pode conceder. Digo isto porque coordenar, orientar e animar pessoas, comunidades e processos exige bastante daquele que assume esta missão. Lidar com pessoas, com gostos, culturas e formação distintas, exige do provincial “a ternura da mãe e a firmeza do pai”, como diria nosso santo fundador. Hoje, o que se espera e exige de cada religioso e de cada religiosa, de modo especial de quem está à frente de uma instituição, são os dons da compaixão, do entendimento, da sabedoria, do acolhimento e da abertura ao outro. Conviver em comunidade só é possível com a graça de Deus e com o empenho, a dedicação e a vontade de cada consagrado e consagrada Rogate 277 nov/09 de doar a própria vida ao serviço do Reino, associando-se a outras pessoas que aspiram ao mesmo ideal, assumindo a missão na perspectiva das primeiras comunidades cristãs, nas quais os cristãos juntos rezavam, trabalhavam e partiam o pão. Olhando para aquelas comunidades, os pagãos confessavam: “vede como eles se amam”. Eis aí o desafio de cada congregação, de cada comunidade e também o desafio do provincial: “apresentar ao mundo comunidades de consagrados e consagradas, testemunhas do amor universal, sinais do reino, comunidades místicas e proféticas”. Rogate: A Congregação Lassalista tem como missão educar a infância e a juventude. Quais os maiores desafios deste trabalho? Ir. Paulo Petry: Em parte, os grandes desafios se apresentam devido às mudanças cada vez mais vertiginosas que o mundo vive. Com estas mudanças, tanto profissionais leigos e leigas, quanto religiosos e religiosas, precisam atualizar-se constantemente, acompanhar o avanço das tecnologias da informação e comunicação, sem deixar de lado a atualização pedagógica. Por outro lado, temos o desafio de integrar os critérios evangélicos e profissionais na gestão das obras para garantir seu caráter cristão. Diante do mundo em constante transformação, que relativiza valores, relações e processos, outro desafio é a formação para os valores, para a justiça social e a sensibilidade com o mundo dos pobres. Destacaria, ainda, como muito importante, a valorização da dimensão fraterna das comunidades, para que sejam lugar de acolhida, valorização recíproca e celebração da vida. A escola não é apenas um lugar onde professores e alunos se encontram. A escola, pelo menos a escola católica, é, ou deveria ser, um lugar onde os filhos e as 9 ENTREVISTA filhas do Deus da Vida se encontram para juntos crescerem nas diversas dimensões constitutivas do ser humano. Em um mundo secularizado, continuar formando filhos e filhas de Deus, com respeito, na justiça e para a verdade, permanece sendo um grande desafio, e um chamado para muitos, embora poucos sejam os escolhidos, para se consagrarem como religiosos e religiosas. especial. Recebeu o chamado do Senhor para contatar Saulo, o homem que Deus escolheu para levar o evangelho aos gentios. Inspirado por Ananias, e por outras pessoas que na Sagrada Escritura aparecem como intermediadores vocacionais, podemos dizer que o animador, animadora e acompanhante vocacional continuam sendo de grande importância na Igreja e para a juventude de hoje. A animação e o acompanhamento vocacional são instrumentos priRogate: Atualmente, o que anima os vilegiados para ajudar os jovens no seu disvocacionados e vocacionadas? E como o sercernimento. É evidente que será necessáviço de animação vocacional rio contar com os dons e as pode melhor auxiliar no disgraças de Deus para realizar cernimento vocacional da jubem esta missão tão importanDespertar ventude? te e de tão grande urgência. no jovem a Ir. Paulo Petry: Identifivontade de caremos o que anima vocacioRogate: Para finalizar, seguir o nados e vocacionadas se souque mensagem deixa aos aniMestre Jesus bermos nos aproximar deles e madores? escutá-los atentamente. Com Ir. Paulo Petry: Vale a é uma missão certeza anseiam por uma vida pena entregar-se ao Senhor da reservada digna, uma busca da vontade Vida. Se ele nos chama a ser para poucos do Senhor em suas vidas, algo animadores, animadoras vocaque dê sentido ao próprio exiscionais, resta-nos elevar as tir, enfim, algo pelo que valha mãos para o céu e agradecer a pena viver. Assim, o serviço de animação tão grande graça que nos concede. Despervocacional pode auxiliar no discernimento tar no jovem e na jovem a vontade de sevocacional se souber fazer-se próximo ao guir o Mestre Jesus, orientá-los em sua jovem. Hoje, para ajudar a juventude a disbusca e acompanhá-los em seu discernicernir a própria vocação, tal como acontemento vocacional, é uma missão reservada ceu com muitos personagens bíblicos, a para poucos, e que, para bem realizar sua intermediação se faz muito necessária. missão, precisam entregar a própria vida nas Como podemos ver no capítulo nove dos mãos da Providência. A todos os animadoAtos dos Apóstolos, Saulo, que veio a ser res sérios e dedicados cabe aqui um agraPaulo, contou com a acolhida e orientação decimento, que nem sempre é dado no temde Ananias. Este ajudou o perseguidor dos po devido, e dizer que esta é uma missão cristãos a conhecer e, depois, a obedecer e que exige esmero, carinho e abertura à ação seguir Jesus Cristo, convertendo-o no grando Espírito. A animação vocacional é uma de apóstolo dos gentios. Ananias, poderíanecessidade na Igreja, de modo especial junmos dizer, foi um excelente animador voto às juventudes atuais em busca da verdacacional. A ele foi confiada uma missão toda de, do belo e do bem. 10 Rogate 277 nov/09 ESTUDO ESTUDO Consciência Negra: até que ponto? Ao homenagear Zumbi no dia de sua morte, 20 de novembro, busca-se homenagear todo povo negro, que ainda clama por igualdade e respeito à sua dignidade H á 38 anos celebra-se em 20 de novembro o Dia Nacional da Consciência Negra. É uma homenagem a Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, morto neste dia, no ano de 1695. Zumbi é considerado o grande líder deste quilombo, localizado no estado de Alagoas, e que na época era a maior e mais importante comunidade de escravos, com população estimada em mais de 30 mil pessoas. O quilombo foi fundado na Serra da Barriga (AL), onde os escravos se refugiavam. Naquele tempo os negros serviam para fazer os trabalhos pesados que o homem branco não realizava. Os escravos não tinham condições dignas de vida, eram maltratados, apanhavam, ficavam amarrados dia e noite em troncos, eram castigados, ficavam sem água e sem comida, suas casas eram as senzalas, onde dormiam no chão de terra batida. Em 1971, quase trezentos anos após a morte de Zumbi, a data de 20 de novembro foi celebrada pela primeira vez no Bra- Rogate 277 nov/09 sil para resgatar a figura deste herói nacional. Segundo a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), do Governo Federal, a ideia se espalhou por outros movimentos sociais de luta contra a discriminação racial e, no final dos anos 1970, já aparecia como proposta nacional do Movimento Negro Unificado. Além de lembrar Zumbi, o Dia da Consciência Negra também Foto: Arquivo Rogate é marcado pela luta contra o preconceito racial. Outros temas igualmente são refletidos na oportunidade, casos da situação do negro no mercado de trabalho, a discriminação política, moda e beleza negra, questões étnicas. E são homenageados os afrodescendentes que se destacaram na construção de uma sociedade mais justa. Nos diversos eventos realizados pelo país, é enfatizada a questão do respeito à pessoa humana e se busca conscientizar a população sobre a importância da raça negra e de sua cultura na formação do povo brasileiro. O presidente da Fundação Cultural Pal11 ESTUDO mares, Ubiratan Castro de Araújo, explica que, para o Brasil, o dia 20 de novembro reafirma o valor das várias culturas africanas que foram transportadas para nosso país por aqueles que vieram como escravos. “Em Palmares, durante 100 anos, construiu-se uma sociedade alternativa. Um projeto de Brasil que era outro que não o do escravismo colonial, onde todos aqueles que vieram da África, e que fugiram da escravidão, acharam refúgio dentro da tradição africana, organizados em trabalho livre e igual”, enfatiza Ubiratan. Segundo Ubiratan, muitos negros têm a “cabeça feita” pelo racismo e fogem da identificação com a raça. Eles receiam serem vistos como inferiores e alegam que são moreninhos, escurinhos, ao invés de se assumirem como negros. “É uma situação no mínimo inocente. O importante é que todos nós tenhamos consciência do que somos”, afirma Ubiratan. Feriado, por quê? No estado de São Paulo, o deputado estadual Amarildo Cruz (PT) apresentou, na sessão ordinária do dia 24 de setembro de 2009, o projeto que institui o feriado estadual no dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra. O deputado destacou que a data já é feriado municipal em 400 municípios e dois estados brasileiros, Rio de Janeiro e Mato Grosso. “Apesar de se tratar de questão polêmica, a criação de feriados é uma forma de reviver e divulgar uma história de lutas que compõe a própria história do Brasil”, justificou-se o deputado. Amarildo Cruz destacou, ainda, que a proposta tem o objetivo de promover a “divulgação da cultura e da história do negro, através de ações coordenadas e permanentes que também terão por objetivo comba12 ter a discriminação racial”. De acordo com o deputado, Zumbi dos Palmares integra a galeria dos heróis da Pátria ao lado de Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes) e José Bonifácio de Andrade Silva. No início de seu mandato, em 10 de novembro de 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aprovou a inclusão do Dia Nacional da Consciência Negra no calendário escolar e tornou obrigatório o ensino da história afro-brasileira nas escolas. Estatuto da Igualdade Racial Uma das mais recentes conquistas foi a aprovação na Câmara dos Deputados, no último dia 09 de setembro, do Estatuto da Igualdade Racial, depois de uma tramitação de quase dez anos. Na prática, o estatuto abre mais espaços institucionais para os negros. Ainda assim, a aprovação ocorreu a partir de um acordo com a bancada ruralista. Para destravar a proposta, o deputado federal Antônio Roberto (PV-MG), relator do projeto, aceitou excluir do texto final um artigo que tratava da regularização de terras para remanescentes de quilombos. Com o acordo sobre a questão dos quilombos, a bancada ruralista aceitou apoiar a votação do estatuto em caráter terminativo. Ou seja, permite sua ida direta para o Senado, sem necessidade de aprovação pelo plenário da Câmara. Pelas regras do estatuto, os partidos políticos passam a ser obrigados a destinar aos negros 10% de suas vagas para candidaturas nas eleições. Também passa a exigir do Sistema Público de Saúde que se especialize em doenças mais características da raça negra, como a anemia falciforme (uma doença hereditária que causa a má-formação das hemácias, as Rogate 277 nov/09 Carta às Comunidades Quilombolas do Brasil ESTUDO Ilustrações: Osmar Koxne N quais assumem forma semelhante a foices - de onde vem o nome da doença). Na Educação, passa a ser obrigatória a inclusão no currículo do ensino fundamental aulas sobre história geral da África e do negro no Brasil. Outra novidade é o incentivo fiscal que o governo poderá dar para empresas com mais de 20 funcionários e que decidirem contratar pelo menos 20% de negros. “Esse estatuto é como um bico de arado. Ele não é um ponto de chegada. É um ponto de partida”, garantiu o relator, que é branco. O negro e a formação religiosa Em nossa realidade é muito difícil falar sobre racismo e sobre preconceito. Para que a discussão possa fluir, devemos assumir que trazemos o racismo e o preconceito enraizados dentro de nós. Mesmo quando falamos: “eu não sou racista, não tenho preconceitos”, não estamos livres de algum tipo de preconceito. Estas questões estão no imaginário, no dia a dia, e nem sempre nos damos conta disso. O racismo é sempre violento, mas hoje se apresenta em muitas situações de forma disfarçada, velada. Devemos lembrar que existe também o racismo cordial, onde o negro é aceito desde que não se proponha a assumir o lugar que até hoje pertence ao branco. O medo de ser discriminado Rogate 277 nov/09 ós, bispos, presbíteros e diáconos negros, reunidos na 21ª Assembleia Nacional, na cidade de Registro (SP), de 27 a 31 de julho de 2009, região abençoada por Olorum (Criador de todas as coisas), por ser a maior concentração de quilombos do estado de São Paulo, estamos solidários com a luta dos quilombolas, razão pela qual trabalhamos o tema: “Quilombos, terra de Deus”. Partindo das Leis ainda no período do império brasileiro (1831: Anti-tráfico Negreiro; 1850: Terras; 1871: Ventre Livre; 1885: Sexagenário; 1888: Áurea), constatamos que histórica e politicamente o povo negro nunca foi considerado digno neste país. Tais leis não o protegia. Somente um século depois, na Constituição de 1988, a nossa Lei Magna reconhece o direito aos remanescentes de quilombos a regulamentarem suas terras. Mas bem sabemos que isso não acontece sem muita luta e histórica resistência [...]. Também sabemos das dificuldades múltiplas que os quilombolas enfrentam no Brasil para terem suas terras tituladas. Dentre os empecilhos, além da lentidão do poder público para tal, existem os interesses espúrios dos políticos, do agronegócio, das barragens etc. No caso do Vale do Ribeira, em se tratando da luta contra as barragens pelos seus 67 quilombos, é fato que, sendo construídas como o previsto, desaparecerão a maioria desses quilombos, a reserva da Mata Atlântica do estado, as milenares cavernas, além das místicas tradições desses povos [...]. Como ministros ordenados, carregando o Axé da nossa negritude, nos comprometemos a sermos mais destemidamente aliados a estas e outras lutas concretas dos mais pobres e excluídos do nosso tempo, a exemplo de tantos profetas bíblicos e contemporâneos e, indiscutivelmente, de Jesus de Nazaré. Que nossa Mãe Negra Mariama interceda por nós, continue encorajando todas as lutas proféticas de nossos quilombolas, desde o Vale do Ribeira. Salve Zumbi! Axé! 13 Grupos vinculados à pastoral afro-brasileira ESTUDO • Agentes de Pastoral Negros (APNs). Associação cultural formada por pessoas de diferentes comunidades de fé. Anuncia e denuncia qualquer forma de racismo e preconceito, busca políticas públicas e ações afirmativas que garantam à população negra o acesso aos direitos e à cidadania. Tem 26 anos de história. • Grupo de Religiosos e Religiosas Negros e Indígenas (GRENI). Organização ligada à vida da Igreja, atuando junto à Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB). O grupo enriquece a mística e espiritualidade da vida religiosa com os elementos próprios das tradições dos povos indígenas e africanos. • Instituto Mariama. Trata-se de uma articulação de bispos, presbíteros e diáconos negros, iniciada em 1988. Entre as suas finalidades, colabora na formação dos agentes de pastoral negros, em especial dos bispos, presbíteros e diáconos negros católicos do Brasil, para que sejam solidários, possam estar presentes em meio à população mais fragilizada, contribuindo para a formação integral de crianças, jovens e adultos. • Grupo Atabaque, Cultura Negra e Teologia. É formado por teólogos e intelectuais que se propõem refletir as questões da negritude ligadas à teologia. Ecumênico, o grupo tem prestado uma significativa contribuição em termos de reflexão da cultura negra na sua relação com a teologia. • Congresso Nacional das Entidades Negras Católicas (CONENC). É realizado a cada dois anos, envolvendo representantes dos Regionais da CNBB. Em 2007 o congresso aconteceu em Salvador (BA) e abordou o tema: “Pastoral afro-brasileira: identidade e missão”. Neste ano, o CONENC, em sua sexta edição, foi realizado em São Luís (MA), nos dias 08 a 11 de julho, e apresentou o tema: “Refletindo o Rosto Negro da Igreja: de Medellín a Aparecida”. 14 e rejeitado leva o negro a perder sua identidade. Devemos nos conscientizar de que tanto o racismo como o preconceito é uma construção social, fruto da ação dos homens ao longo da história da humanidade. Portanto, se eles foram construídos, da mesma forma podem ser desconstruídos. Na medida em que vamos refazendo o nosso imaginário, passamos a ver o diferente não como inferior, mas como filho do mesmo Pai. Se compreendemos o racismo como construção, muitas vezes ideológica, podemos afirmar que ainda existe racismo em nossa sociedade. A superação do preconceito Nasci no interior da região sul do estado da Bahia, passei a minha infância e adolescência morando em grandes fazendas de cacau, onde brancos e negros conviviam tranquilamente, sem consciência da existência do preconceito. Entretanto, quando passei a morar na cidade para poder estudar, deparei-me com a questão do preconceito e da discriminação. Algumas vezes isso ocorreu de maneira contundente, outras, de forma mais disfarçada. Quando faltavam poucos meses para ingressar no seminário foi que eu me dei conta da situação, em uma conversa com o meu pároco. Devido ao fato de estar ingressando em Rogate 277 nov/09 ESTUDO uma congregação de origem italiana, e da ferência Nacional dos Bispos do Brasil necessidade de ter a formação na região (CNBB). É um serviço que atende os afrosul e sudeste do Brasil, ele conversou co-brasileiros que vivem a sua fé em comumigo me alertando sobre os preconceitos nhão com o compromisso cristão. que eu poderia vir a enfrentar, tanto denEsta pastoral busca ser o espaço de ação tro da vida religiosa como na sociedade em e conscientização da Igreja e da sociedade geral. A fala do padre me fez pensar muipara a realidade da população afro-brasito, porém, mesmo diante das incertezas, leira, reafirmando o compromisso de prodei continuidade ao projeto com o objetivo mover os direitos fundamentais de cidade me tornar religioso. No decorrer do prodania para todos, sobretudo para aqueles cesso formativo, e mesmo deque vivem à margem da socipois de me tornar religioso e edade em virtude da sua cor padre, já vivi situações de preou etnia (cf. Documento de O preconceito conceito e de racismo, mas Aparecida, 96). é muito difícil nunca me deixei vencer ou O secretariado de pastoral de ser superaperder a autoestima devido a afro-brasileira é uma instância do, porque estas questões. de articulação e ação, possibiindependenteO preconceito é muito dilitando o funcionamento da fícil de ser superado, porque rede entre todos os Regionais mente da independentemente da cor da da CNBB. Está vinculado ao cor da pele pele da pessoa, se branca ou Secretariado de Pastoral Afroda pessoa, negra, ele é algo construído. americana (SEPAFRO) e ao se branca Para superá-lo deve haver a Conselho Episcopal Latinoconsciência, como já dito anamericano (CELAM). ou negra, teriormente, de que todos os A pastoral afro-brasileira ele é algo seres humanos e toda a criaatua como instância de refleconstruído ção é obra de um mesmo xão e articulação na animação Deus, que é Pai de todos. Didos grupos negros católicos ante de situações concretas de existentes e no incentivo preconceitos, às vezes sutis, as pessoas depara o surgimento de novos grupos que vem reagir, mostrando o problema e indibuscam sua identidade e espaço na Igrecando a ação incorreta do preconceituoso. ja. Atua também na animação pastoral em Na medida em que vamos nos relacionanmeio às comunidades negras, reafirmando, convivendo e tratando da questão com do valores e somando-se no compromisabertura, é possível superar o preconceito so com o Reino de Deus, e no apoio às e a discriminação. Na Igreja do Brasil há iniciativas contra o racismo, a discrimium trabalho vigoroso da pastoral afro-branação e a exclusão de negros e negras, sileira, que merece ser estudado. posturas em defesa do seu patrimônio cultural e religioso (cf. Documento de Santo Pastoral afro-brasileira Domingo, 249). A pastoral afro-brasileira está ligada à Comissão Episcopal Pastoral para o ServiAntônio Raimundo Pereira de Jesus ço da Caridade, da Justiça e da Paz, da ConReligioso Rogacionista e sacerdote Rogate 277 nov/09 15 ESPECIAL ESPECIAL No caminho do “discipulado missionário” - parte 3 - C omo nas edições anteriores (cf. Rogate 275, set/09, p. 13-17; 276, out/09, p. 14-17), prosseguimos na apresentação do documento intitulado “No caminho do discipulado missionário”, elaborado pela Comissão Episcopal Pastoral para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CMOVC-CNBB). Nesta terceira parte o tema é “Chamados para a vivência em comunhão”. Na edição de dezembro a Rogate destaca a conclusão do documento, que oferece a indicação dos eixos fundamentais do serviço de animação vocacional. Chamados para a vivência em comunhão “Vinde e Vede” (Jo 1,39) 30. No trabalho de formação dos seus discípulos, Jesus lhes mostra como é fundamental a vivência em comunhão com ele e também entre eles. Aquele que diz: “sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15,5) é o mesmo que adverte: “Entre vós não deve ser assim. Quem quiser ser o maior entre vós seja aquele que vos serve, e quem quiser ser o primeiro entre vós seja o escravo de todos. Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mc 10,43-45). Ele constitui doze e os envia em missão. 31. Após a sua ressurreição, Jesus continua saindo ao encontro dos discípulos 16 para consagrá-los na comunidade e como comunidade. 32. A comunidade formada por Jesus Cristo passa a ter uma ligação tão forte com ele que, como afirma São Paulo, vai fazer parte do seu Corpo. São muitos os membros, mas um só corpo, um só Espírito que age nos membros para que seja edificado o Corpo de Cristo. A imagem do corpo, mostrando a pluralidade, pede necessariamente a complementaridade de seus membros. É o Espírito de Deus que vai suscitando essa variedade de dons, carismas e ministérios a fim de que seja vivenciada como fraternidade e não na competitividade. O outro não é um rival. A graça de Deus vai agindo na vida de cada pessoa para que possa acolher o outro como discípulo de Jesus Cristo e membro da comunidade dos seguidores e testemunhas do Ressuscitado. Cultivando a graça da complementaridade, descobre-se a novidade que o Espírito de Deus vai suscitando! 33. Uma das marcas do mundo atual é a subjetividade, que se expressa através do destaque à pessoa em sua dignidade, em suas potencialidades e valores, bem como o subjetivismo, que coloca, de tal modo, a própria pessoa no centro e relativiza todo o resto. Então, o trabalho de evangelização precisa levar em conta essa realidade para que possa ajudar as pessoas a realizarem o encontro pessoal com Jesus Cristo e a assumirem a necessária dimensão eclesial que nasce desse encontro. Assim, o Rogate 277 nov/09 ESPECIAL discípulo, a discípula, descobre o sentido da pertença à comunidade e vai aprendendo a alimentar aí a fé que passa a iluminar e guiar sua vida na família, na comunidade e na sociedade. 34. “A vida em comunidade é essencial à vocação cristã. O discipulado e a missão sempre supõem a pertença a uma comunidade. Deus não quis salvar-nos isoladamente, mas formando um Povo. Este é um aspecto que distingue a experiência da vocação cristã de um simples sentimento religioso individual. Por isso, a experiência de fé é sempre vivida em uma Igreja Particular” (DA - Documento de Aparecida - 164). Então, é como membro dessa Igreja Particular, participando da vida em comunidade, organizada também como rede de comunidades, que o cristão é chamado a viver como discípulo missionário, discípula missionária. Essa participação fortalece a experiência de que “a comunhão e a missão estão profundamente unidas entre si [...]. A comunhão é missionária e a missão é para a comunhão” (Christifideles laici, 32). 35. Como é grande, ainda hoje, a responsabilidade de todos os evangelizadores e evangelizadoras, pois, no processo da educação na fé, torna-se necessário colaborar para o nascimento, o fortalecimento e a dinamização das comunidades. Se estas não existem, de que adianta proclamar que “a vida em comunidade é essencial à vocação cristã”? Este é um dos grandes desafios para o trabalho de evangelização, especialmente na realidade das grandes cidades! 36. Se há uma relação muito estreita entre vocação cristã e vida em comunidade, não será menos forte e exigente para o ministério ordenado a vivência da dimensão comunitária. Eis o que dizem as DireRogate 277 nov/09 trizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil: “O ministério ordenado necessita recuperar sua vivência colegial. O Concílio Vaticano II redescobriu a natureza comunitária do ministério ordenado. Essa ‘comunhão ministerial’ deve ser vivenciada, afetiva e efetivamente, em todos os graus do ministério: na colegialidade episcopal e na corresponsabilidade presbiteral no interior de cada Igreja Particular. A forma individualista do exercício do ministério ordenado, além de ser uma traição à sua própria essência, é um dos principais entraves à realização de uma Igreja toda ela responsável pela missão” (DGAE 1999-2002, n. 327). 37. “O presbítero é, antes de tudo, membro de um presbitério e somente em comunhão com ele pode exercer sua tarefa específica. Ao presbitério como um todo, presidido pelo bispo, e não aos presbíteros separadamente, é confiado o pastoreio da Igreja Particular. Isso não isenta ninguém de sua responsabilidade pessoal. A ação pastoral do presbitério deve ser vivida como expressão de solidariedade fraterna, na qual todos se sentem corresponsáveis pela tarefa comum e, ainda mais, pela vida e ministério de cada um dos irmãos presbíteros. ‘O ministério ordenado tem uma radical forma comunitária e pode ser assumido apenas como obra coletiva’ (Pastores dabo vobis, 17)” (DGAE, n. 328). 38. Neste ponto encontramos vários indicativos para a formação dos cristãos leigos e leigas e dos futuros ministros ordenados. Continua na próxima edição CMOVC-CNBB 17 ANIMAÇÃO VOCACIONAL VOCACIONAL Procura-se desesperadamente animadores da juventude Deve-se, antes de tudo, observar a identidade do animador no âmbito da fé e no aspecto psicopedagógico F igura essencial na caminhada do jovem, animadores e animadoras da juventude são protagonistas da fascinante tarefa de gerar novas vocações, conscientes de que fazer animação é desejar a felicidade do jovem. Para tanto, devem ter um grande coração e uma ternura sem limites. Animador, vida de cão? Este era o título - lembro-me muito bem - de um artigo publicado há muitos anos em uma revista para jovens. Eram tempos onde certa estrutura ousada de juventude começava a mostrar sua inconsistência, substituída por uma acentuada intolerância em relação ao mundo dos jovens, e a alguns dos seus excessos. Hoje talvez estejamos recuperando uma visão objetiva da realidade, na qual também o animador da juventude pode colher com maior verdade o sentido da sua presença entre os jovens, evitando dois extremos. Em primeiro lugar, a ênfase otimista e um tanto banal do educador feliz, com violão a tiracolo, e na busca desesperada de algo diferente e original para afirmar-se nos jovens e com os jovens, perfeitamente em sintonia com o grupo, e sempre pronto para acompanhar a última moda da juventude, uma mistura entre um DJ e um monitor de parques turísticos... 18 Deve-se, entretanto, evitar o outro extremo, do animador da juventude sério demais e quase deprimido, talvez como consequência de mais uma desilusão, e com a sensação de que a vida do animador é uma “vida de cão” (versão moderna da antiga expressão, em língua latina, damnatos ad pueros). Não quero dizer que este animador vocacional desaprove tudo, mas já se acostumou a ter uma atitude quase hostil diante da geração jovem (“no meu tempo não era assim...”; “são todos apagados e vazios...”; “não há nada a se fazer...”). Ou se fecha em um pequeno grupo, o dos mais fiéis (“quem me ama, que me siga...”), poucos, no entanto bons, às vezes também eles muito sérios e, talvez, deprimidos. Animador, escolha de quem acredita No lugar dos dois extremos reafirmamos que a missão do animador é, e deve ser, uma escolha clara e coerente com a própria fé. Ao nos referirmos ao animador da juventude, este pode ser um padre - pároco ou vigário, capelão ou que recebe o cargo do bispo ou do próprio pároco -, mas pode ser também o animador leigo ou a animadora leiga, mais ou menos jovem, que recebe esta missão do responsável da paróquia ou da comunidade. Pode ser, ainda, Rogate 277 nov/09 ANIMAÇÃO VOCACIONAL sistir. Não deve se tornar um animador, porque seria um perfeito desanimador. Animador, mistério (grande) e ministério (humilde) O conceito de animação é bastante recente na pedagogia moderna: refere-se à ideia de algo que está presente na pessoa em formação, mas que foi um pouco... deixado de lado, e então precisa ser retomado, aprofundado, redescoberto, colocado ao centro da atenção. Assim surgiu o animador vocacional, que não é o autor do projeto vocacional do jovem, mas simplesmente aquele que o ajuda a descobri-lo; assim nasceu o animador da juventude, que não é aquele que forma, mas que se põe ao lado do jovem para ajudá-lo a deixar-se educar pelo Pai. É um ponto importante para bem entender o grande mistério da animação e o extremamente humilde ministério do animador, tanto capaz de sacudir e remover, provocando com energia e criatividade, quanto de ser sempre livre, de modo a não atrair os jovens a si, de não se colocar jamais ao centro, mas sim motivar os jovens a encontrar o centro deles mesmos. Para tanto, o animador e a animadora não devem ter objetivos interesseiros, próprios ou em vista da instituição Foto: Anderson Luiz Alves qualquer pessoa adulta na fé e que vive em contato com jovens na comunidade, ou que tenha responsabilidades educacionais, caso dos professores. De toda forma, esta missão não deve ser fruto de uma obediência cega, mas sim de uma escolha pessoal, aceitação livre e responsável, que corresponde a uma convicção bem clara e enraizada na fé. Convicção de que este seja um ministério tão estratégico que resulta hoje decisivo, uma mediação preciosa na atualidade, um verdadeiro serviço que necessita de uma imensa capacidade do dom de si, uma ação pedagógica que não pode ser confiada à improvisação, e que, ao mesmo tempo, precisa de grande criatividade e intuição espiritual. Afinal, a pessoa deve acreditar naquilo que faz. Assim como deve acreditar nos jovens, isto é, estimá-los, amá-los singelamente, saber adaptar-se ao passo deles, deve também precedê-los quando for necessário para provocá-los a caminhar, não se deixar levar pelo jeito de ser dos jovens, procurando imitá-los, mas ser tão apaixonado a tal ponto de enamorá-los de tudo o que é bom, belo e verdadeiro. Deve procurar entendê-los além de suas manias e contradições, no entanto também sacudi-los em sua mediocridade e pobreza de desejos, para reavivar aquela procura de autenticidade que mora na parte mais íntima deles e eles próprios não sabem. Se alguém acredita pouco neste ministério, ou no universo da juventude, é encarecidamente convidado a deO animador deve acreditar nos jovens, amá-los... Rogate 277 nov/09 19 O ministério da assessoria na evangelização dos jovens O documento 85 da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), sobre a “Evangelização da Juventude; desafios e perspectivas pastorais”, de 2007, apresenta oito linhas de ação para responder aos anseios da juventude, às necessidades da Igreja e aos sinais dos tempos. Dentre elas está o “ministério da assessoria” (6ª linha). As outras são: formação, espiritualidade, pedagogia, missão, acompanhamento, diálogo fé e razão, direito à vida. O documento utiliza o termo “assessor da juventude”, já em uso nas bases e nas organizações eclesiais em nosso País (pastoral da juventude, por exemplo), ao invés do termo “animador da juventude”, como faz Amedeo Cencini. Sem avaliar qual o termo seria mais correto utilizar, vale a pena citar alguns trechos do documento da CNBB ao tratar do assunto, pois revela o grande desafio de se ter pessoas comprometidas com a causa: “A dificuldade principal para evangelizar as novas gerações é a falta de pessoas com perfil adequado para este ministério. Fazse necessário, para tal, o preparo de pessoas que tenham clareza do projeto pastoral e da metodologia para chegar aos jovens e envolvê-los num processo de educação na fé. Chama atenção a ausência de padres que abracem um trabalho de acompanhamento sistemático dos jovens. Os religiosos e leigos também estão muito distantes. Existem muitos jovens adultos que podem cumprir este papel de acompanhamento. Há, no entanto, necessidade de resgatar no coração de todos a paixão pela juventude. Os que têm possibilidade de promover o ministério da assessoria não devem poupar esforços para fazê-lo. Quando falamos de ministério, falamos de serviço, e todo serviço exige vocação. A assessoria aos jovens, de forma pessoal ou grupal, além de ser uma função, é um verdadeiro ministério, uma vocação. O assessor é chamado por Deus para cumprir esta missão na Igreja, da qual recebe o envio.” (n. 205-206) 20 VOCACIONAL (como, por exemplo, formar um belo grupo para a paróquia, numeroso e vivaz, capaz de animar muitas atividades, de tornar a missa festiva, e, talvez, gerar algumas vocações para o seminário ou casa de formação...). Não quero dizer que nem se possa pensar nestes aspectos, somente afirmo que isso não pode ser a finalidade prioritária da animação. Pelo contrário, o objetivo prioritário da animação é o jovem, sua vida, sua felicidade, o mistério da sua vocação “escondida com Cristo em Deus”, e não a promoção do líder ou o funcionamento da pastoral ou a solução da crise vocacional. O jovem de hoje percebe imediatamente a transparência dos objetivos de quem o dirige. Isso porque não aguenta mais sentir-se enganado e usado por agentes e mercadores que o exploram para seus interesses pessoais. Fazer-se animador da juventude significa ter bons e largos ombros (para enfrentar fracassos e desilusões) e um grande coração (capaz de se apaixonar pela missão e fazer apaixonar), aliado ao conhecimento, humilde e agradecido, de fazer algo fora do comum e misterioso: gerar um jovem à fé, à responsabilidade vocacional, à vida plena! Quando isso acontece, o inteligente animador da juventude fica contente e agradece. Entretanto, se por vários motivos isso não acontece, também não entra em desespero, nem culpa a missão de ser animador, mas tenta novamente. Ele sabe que pode contar com um Outro mais forte do que ele... Em todo caso, não comete a injustiça de abandonar quem não seria mais “interessante” do ponto de vista vocacional. Amedeo Cencini Religioso Canossiano e sacerdote Trad. Guido Mottinelli Religioso Rogacionista e sacerdote Rogate 277 nov/09 IN FORMAÇÃO IN FORMAÇÃO Como superar uma espiritualidade “sem alma”? Divulgação Este é o objetivo do livro sobre “Espiritualidade pastoral”, de Salvador Fuentes, sacerdote mexicano E Divulgação laborado num formato dinâmico e didático, favorecendo o estudo também em equipes, o livro “Espiritualidade pastoral; como superar uma pastoral sem alma?”, de Salvador Valadez Fuentes, lançado por Paulinas Editora, em 2008, é um ótimo subsídio para a formação de agentes pastorais, incluindo Páginas: 232 quem trabalha na animação vocacional. O autor é presbítero da Formato: 14 x 21 cm diocese de Tuxla, em Chiapas (México), Doutor em Teologia PasPreço: R$ 24,70 toral e professor na Pontifícia Universidade do México. Colabora Pedidos: no Instituto Teológico Pastoral para a América Latina (ITEPAL), www.paulinas.com.br em Bogotá, na Colômbia, e no Instituto Pastoral do Sudeste Tel.: 0800 7010081 (SEPI), em Miami, nos Estados Unidos. Escrito em sete partes, o livro apresenta desde os pressupostos da espiritualidade pastoral, passando por Jesus, o Bom Pastor, considerado fonte desta espiritualidade, até chegar no concreto, com os dinamismos para “encarnar” tal espiritualidade no dia a dia. Trata-se de “uma proposta e um estímulo”, conforme descreve o autor. A fé dos cristãos R econhecido no mundo inteiro por seus inúmeros livros, Anselm Grün, monge beneditino da Alemanha, na obra “A fé dos cristãos”, procura estimular os seguidores de Jesus Cristo na busca de sua identidade, ajudando no processo de discernimento das dúvidas mais frequentes. Lançado neste ano pela Editora Vozes, o livro aborda a relação do fiel com Deus, a encarnação em Jesus Cristo, sua morte e ressurreição, além de outras temáticas essenciais, tais como, ética, sacramentos, espiritualidade e diálogo inter-religioso. O livro tem 184 páginas (13,5 x 21 cm) e custa R$ 25,00. Pedidos: www.vozes.com.br E-mail: [email protected] Rogate 277 nov/09 21 IN FORMAÇÃO Semana de Catequese A 3ª Semana Brasileira de Catequese foi realizada de 07 a 11 de outubro, em Itaici, município de Indaiatuba (SP), com o tema: “Iniciação à vida cristã”. Participaram 480 catequistas de todo o país. O evento fez parte da programação do Ano Catequético Nacional, que está refletindo o tema: “Catequese, caminho para o discipulado”, e o lema: “Nosso coração arde quando ele fala, explica as Escrituras e parte o pão” (cf. Lc 24,13-35). A 1ª Semana Brasileira de Catequese foi realizada em outubro de 1986, e teve como tema: “Catequese, fé e vida em comunidade”. Em 2001, a 2ª Semana de Catequese discutiu o tema: “Com adultos, catequese adulta”. Na mensagem enviada pelos participantes da 3ª Semana Brasileira de Catequese estimulou-se os catequistas de todo o Brasil para que, em sua missão, formem “comunidades de discípulos missionários, a partir do encontro pessoal com Jesus Cristo vivo”, tornando-as “instrumentos do Reino, onde as pessoas façam a experiência de família, alicerçadas no ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, no partir do pão e na oração (cf. At 2,42)”. Cinco novos santos da Igreja No dia 11 de outubro, no Vaticano, o papa Bento XVI canonizou cinco novos santos católicos, em celebração realizada na Basílica de São Pedro. São eles: o polonês Zygmunt Szczesny Felinski (18221895), fundador da Congregação das Irmãs Franciscanas da Família de Maria; a francesa Joana Maria da Cruz (1792-1879), fundadora da Congregação das Irmãzinhas dos Pobres; o padre belga Damião de Veuster (1840-1889), que dedicou sua vida à assistência de pessoas com hanseníase; e os espanhóis Rafael Arnaiz Baron (191122 1938), religioso da ordem trapista, e Francisco Coll y Guitart (1812-1875), fundador da Congregação das Irmãs Dominicanas da Anunciação de Nossa Senhora. Sínodo dos Bispos da África A 2ª Assembleia Especial para a África foi realizada de 04 a 25 de outubro de 2009, no Vaticano, com o tema: “A Igreja na África a serviço da reconciliação da justiça e da paz. ‘Vós sois o sal da terra... Vós sois a luz do mundo’ (Mt 5,13.14)”. A 1ª Assembleia foi realizada em 1994, de onde surgiu, em 1995, a Exortação Pós-sinodal Ecclesia in Africa. Na América já se realizou assembleia semelhante, em 1997, levando à Exortação Ecclesia in America, de 1999. Leste 2 projeta Congresso Os coordenadores do serviço de animação vocacional do Espírito Santo e de Minas Gerais, Regional Leste 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), programaram a realização de um Congresso Vocacional para os dias 30 de julho a 1º de agosto de 2010, um mês antes da realização do 3º Congresso Vocacional do Brasil, marcado para setembro, em Itaici, município de Indaiatuba (SP). O Congresso do Regional Leste 2 terá três fases. A primeira, utilizando o método “ver, julgar, agir”, envolverá todas as dioceses do Regional em resposta a um questionário sobre a realidade vocacional (até maio de 2010), na leitura orante do texto bíblico iluminador do congresso nacional (até junho) e na compilação dos resultados a serem apresentados na segunda fase, que é justamente a realização do Congresso Regional. A terceira fase antecede o Congresso Nacional, momento em que se compilará os resultados para levar ao evento de Itaici, em setembro. Rogate 277 nov/09 LEITOR LEITOR Ano Sacerdotal Estamos celebrando o Ano Sacerdotal e nada mais justo que homenagear os nossos irmãos sacerdotes, missionários de Jesus Cristo, que de diversas maneiras levam a Palavra de Deus a tantos irmãos e irmãs. Na diversidade dos carismas, todos nos conduzem a Cristo através dos sacramentos e de seus exemplos. A nossa homenagem a eles, com um pouco de humor. Padres contra o desarmamento: os cartuxos; aqueles que não aumentam o salário: mínimos; que não passam frio: capuchinhos; que não têm muita estatura: frades menores; que têm as marcas de Cristo: estigmatinos; que nos tiram do fundo do poço: salvatorianos; que têm o dom da palavra: oratorianos; que não acreditam na morte: ressurrecionistas; que insistem no chamado: vocacionistas; que rezam sempre: rogacionistas; que não têm paróquias: conventuais; que não deixam dúvidas: claretianos; discípulos de São Pedro: xaverianos (têm as chaves); que usam bem o martelo: pregadores; que não seguem a moda: trapistas; que adoram gramática: padres do verbo divino; que não são fracos: montfortinos; que ajudam de verdade: servitas; aqueles que mais trabalham nos domingos: os dominicanos; padres que não usam sapatos: carmelitas descalços; que não são palmeirenses ou corinthianos ou santistas, são paulinos. Parabéns a todos os sacerdotes. José A. Castro Alta Floresta (MT) Rogate 277 nov/09 Agenda Vocacional Adoro a agenda vocacional Caminhos. Para mim é de grande utilidade. Todos estão de parabéns! E adoraria ser uma das 20 primeiras a enviar a frase de Gandhi para ganhar o marca-páginas (cf. Caminhos 2010, p. 232-233). Paula Neves Barcelos Cabreúva (SP) Fatos concretos Na revista Rogate 274 (ago/09), Pe. Ângelo Ademir Mezzari fez um estudo sobre os “Discípulos-missionários a serviço das vocações” (p. 8-14), e foi apresentado um estudo sobre o 18º Encontro Nacional do Serviço de Animação Vocacional (p. 1517). Gostaria de parabenizá-los pelo conteúdo, que é muito bom, de grande ajuda. No entanto, pensando em pessoas que estão iniciando a caminhada no SAV, gostaria de sugerir que procurassem apresentar mais fatos concretos, exemplos de pastoral vocacional, o que fazem, como se organizam. Isso ajudaria ainda mais aos que estão começando, como eu, que recentemente fui convidada para coordenar a animação vocacional. Maria Aparecida C. Pereira Valença (RJ) Nota: Estaremos apresentando sua valiosa sugestão na próxima reunião de pauta. As mensagens enviadas poderão ser editadas pela equipe, favorecendo um melhor entendimento de seu conteúdo. 23 MÍSTICA DA VOCAÇÃO MÍSTICA São Gaspar, de seu coração acendeu uma luz para o Brasil S ão Gaspar Bertoni nasceu em Verona, Itália, no dia 09 de outubro de 1777. Cresceu em um ambiente bastante hostil em que havia fome, miséria, desemprego e a perda dos valores que dignificam a vida do ser humano. Ele sentiu o chamado divino para ser, no meio do povo, um sinal visível do amor gratuito de Deus. Entrou para o seminário e foi ordenado em 1800. Seu objetivo principal era estar a serviço dos mais necessitados, dos doentes, dos pobres e especialmente dos jovens. Seu trabalho com a juventude era profundo, integral, e orgânico, o que lhe outorgou o reconhecimento de apóstolo da juventude. Deus o chamou para uma grande obra: a fundação, no dia 04 de novembro de 1816, da Congregação dos Sagrados Estigmas de Nosso Senhor Jesus Cristo. E com o seguinte carisma: ser missionário apostólico em auxílio aos bispos. Os ministérios dessa congregação são, atualmente, a educação cristã da juventude, a pregação da Palavra de Deus, a assistência aos eclesiásticos e as missões populares. Seus membros devem se preparar da melhor maneira para prestarem um bom e adequado serviço aos sucessores dos Apóstolos. São Gaspar, como fiel discípulo missionário de Jesus Cristo, tornou-se “sal da terra e luz para o mundo” (cf. Mt 5,13-16). Um exemplo a todos nós, também seguidores de Jesus. Como Bertoni, devemos irradiar a luz que ilumina as pessoas e irradia boas obras. Os estigmatinos no Brasil estão louvando a Trindade pelos cem anos de presença 24 na terra de Santa Cruz. Celebrar o centenário é mais do que relembrar fatos antigos, é mais do que mergulhar em páginas passadas e suscitar sentimentos de saudosismos. É, antes de tudo, projetar o futuro com a perspectiva da esperança e do sopro do Espírito Santo que trouxe os pioneiros. O marco inicial do centenário será no dia 02 de dezembro, com uma Celebração Eucarística na cidade de Tibagi, estado do Paraná, onde os primeiros missionários chegaram e se instalaram. O ano será marcado, certamente, por diversos outros eventos. Seu coroamento será em dezembro de 2010. Tornar célebre este centenário da chegada e da presença estigmatina no Brasil é, antes de tudo, um projeto e um desafio. Que os estigmatinos ajudem no fortalecimento da comunhão eclesial do Brasil. Na escuta da Palavra de Deus e na percepção dos sinais dos tempos possam colocar-se a serviço do povo que clama por partilha e libertação, reavivando a missão evangelizadora. Vale a pena recordar que foi das terras brasileiras que brotaram os milagres que levaram São Gaspar Bertoni às honras do altar. Que Deus continue abençoando os religiosos estigmatinos para que permaneçam fiéis à missão e aos ideais de santidade propostos por seu Fundador. Mais informações sobre São Gaspar, ou a congregação no Brasil, poderão ser acessadas em: www.estigmatinos.com.br Isaac Celestino de Assis Noviço Estigmatino Rogate 277 nov/09