[ Crónica ]
Rui Cardoso Martins
Catastrófica máquina do tempo
O que inquieta num relógio parado
é a sensação de que o tempo desapareceu algures no mundo.
Um relógio parado é inquietante. Não pelo
lha seca: derreteu com o calor às 8h 15m, a 8 de Maio de
no Egipto, no Sahara, na Etiópia, etc. Mas acabamos por
custo da pilha ou do arranjo, ou pelo tempo perdido até
1902, na erupção do Monte Pelée, na Martinica francesa,
concluir que o pior inimigo é o mais minúsculo: vírus,
o vermos a funcionar. Essas são contingências tão super-
que matou 30 mil pessoas. Teve uma explosão piroclástica
bactérias e protozoários maléficos.
ficiais como uma piada com barbas: um relógio parado
semelhante, creio, à do Monte Vesúvio, que enterrou de
dá a hora certa duas vezes por dia, ao contrário dos que
pedra-pomes, cinzas e calor (nuvem a 900º C descendo
trabalham, que nunca acertam.
a alta velocidade) as cidades de Pompeia e Herculano,
O que inquieta num relógio parado é a sensação de
que o tempo desapareceu algures no mundo.
em 79 a.C.
E lembramos Krakatoa, na Indonésia, a ilha vulcânica
A pneumónica, ou gripe espanhola, no final da I Grande Guerra, matou entre 20 e 90 milhões de pessoas.
Uma das recordações do meu avô de quando tinha
dez anos era da mãe dele, minha bisavó, perguntar-lhe:
– Vai lá ver se o teu pai ainda respira.
Lembro-me do relógio, com o vidro partido, a marcar
que desapareceu a 20 de Maio de 1883, afundando, atra-
A Peste Negra, que surgiu com a praga de ratos e de
a hora exacta do primeiro dos atentados terroristas de 11
vés de ondas de 40 metros, 36 mil pessoas. Foi o primeiro
pulgas, veio da China e matou um terço da população da
de Março de 2004, em Madrid. Parou às 7h 38m, na esta-
desastre a ser notícia em todo o mundo no próprio dia,
Europa, no século XIV. E a Sida, que ainda não terminou a
ção de Atocha, e, um minuto depois, outras nove mochilas
por meio do telégrafo.
contabilidade, longe disso.
explodiam. Desconheço se o pulso que levava aquele reló-
Há tragédias mais recentes, outras mais antigas.
gio, que só vi numa foto, ainda bate.
O sismo de Spitak, na Arménia, em Dezembro de 1988
Como saiu em 1999, perdeu, por antecipação, o tsunami
Creio que também resgataram um relógio que parou
(que provocou 100 mil mortos); o terramoto de Chimbote,
que afectou, em simultâneo, a Ásia e o Leste de África, no
no colapso de uma das Torres Gémeas, o World Trade Cen-
no Peru, em 1979, que fez desabar um monte, enterrando
Natal de 2004, e não contabilizou os 220 mil mortos deste
ter de Nova Iorque, na manhã de 11 de Setembro de 2001.
vivas 20 mil pessoas.
desastre. Também não fala, claro, do furacão Katrina, que
Mas o que mais assusta no livro é o que não está lá.
Quem o trazia não sobreviveu. Os pedaços maiores que
Também lá está Lisboa, no dia 1 de Novembro de
matou e destruiu a bela Nova Orleães (um bloody mary
sobraram, naquela área da trituradora gigante que vimos
1755, dia de Todos-os-Santos. O terramoto que mudou o
às nove da manhã numa piscina do French Quartier. Não
cair em directo, eram do tamanho de um relógio.
pensamento religioso e iluminou a Europa quanto à Justiça
sei se voltarei a fazer tal coisa…). Por misericórdia, o Atlas
Há anos, tive uma sensação parecida quando me
Divina, pois começou por matar quase todos os fiéis que
não refere as guerras. Nem poderia contar as mortes pro-
disse­ram o número em que parou o ponteiro do conta-
estavam nas igrejas a assistir à missa e poupou, no final,
vocadas pela estupidez do presidente Bush, a catástrofe
quilómetros de um carro que levava amigos meus. O carro
já contando os incêndios e maremoto, as principais ruas
natural que assola o Iraque.
despistou-se e bateu numa árvore. Morreram todos de-
da prostituição.
pressa demais.
Mas lembra-nos o que pode acontecer se, um dia, o
Há tornados no midwest dos EUA, furacões no Golfo
vulcão de Las Palmas, nas Canárias, colapsar no Atlânti-
Li, recentemente, o Atlas dos Piores Desastres Natu-
do México, tufões no Pacífico, deslizamentos de terra na
co: uma onda de 100 metros de altura, rumo à América.
rais do Mundo (Lesley Newson, ed. Livros e Livros). Lê-se
América do Sul, inundações na China e na Coreia, fogos
E pensamos a que horas, de que dia, baterá a onda no
como – e é, de facto – uma enciclopédia das catástrofes
selvagens no Mediterrâneo e na Austrália, fogos urbanos,
novo World Trade Center, acabado de inaugurar na Baixa
que atingiram a Humanidade. Consultei-o ao acaso, como
tsunamis, etc... Incidentes separados no espaço por mi-
de Manhattan.
se manobrasse a alavanca duma máquina do tempo, para
lhares de quilómetros e no tempo por séculos, mas todos
Os relógios param, o tempo não.
trás e para a frente, calhando sempre numa desgraça mais
numa competição macabra para ver qual deles conseguirá
De qualquer modo, não desanimem. Não desistam
admirável e horrível que outra.
mais vítimas, quando o mundo acabar (meteorito gigante
Uma delas é ilustrada precisamente por um relógio,
uma cebola de bolso, castanho e estalado como uma fo-
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Espiral do Tempo 25 Verão 2007
das férias. Os tempos mortos fazem falta na vida.
como os dinossauros, explosão nuclear, morte do Sol?).
Há fomes provocadas pelas secas e pelos gafanhotos,
Rui Cardoso Martins
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